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“Um livro singular e fácil de vender”: O Spleen de Paris na correspondência de Baudelaire

“A singular and easy-to-sell book”:The Spleen of Paris in the correspondence of Baudelaire

Resumo

O presente artigo tem por objetivo abordar a obra O Spleen de Paris, publicada postumamente em 1869, a partir da correspondência de Charles Baudelaire, considerando um recorte temporal que se inicia por volta de 1857, ano que marca a aparição das primeiras referências, no âmbito da correspondência, a um projeto de livro de poemas em prosa. Iniciamos a reflexão sobre o gênero epistolar (MORAES, 2009; SANTIAGO, 2002) e sobre as especificidades da correspondência de Baudelaire (PICHOIS, 1973), para, em seguida, analisar seus numerosos comentários (COMPAGNON, 2014, GUYAUX, 2014) sobre O Spleen de Paris. Em suma, a leitura dessas cartas é imprescindível para um pesquisador do poeta das Flores do mal.

Palavras-chave
Baudelaire; Correspondência; Spleen de Paris

Abstract

The aim of this article is to study the work The Spleen of Paris, published posthumously in 1869, from the correspondence of Charles Baudelaire, considering a temporal cut that begins around 1857, year that marks the appearance of the first references, in the scope of the correspondence, to a project of book of poems in prose. We begin the reflection on the epistolary genre (MORAES, 2009; SANTIAGO, 2002) and on the specificities of Baudelaire's correspondence (PICHOIS, 1973), and then analyze its numerous comments (COMPAGNON, 2014, GUYAUX, 2014) on The Spleen of Paris. In short, the reading of these letters is imperative for a researcher of the poet of Flowers of evil.

Keywords
Baudelaire; Correspondence; Spleen of Paris

Résumé :

Cet article a pour objectif d’aborder Le Spleen de Paris, publié posthumément en 1869, à partir de la correspondance de Charles Baudelaire, et plus précisément des lettres qu’il a envoyées entre 1857 (année où apparaissent les premières références à un projet de recueil de poèmes en prose) et 1866. Notre réflexion s’ouvre d’abord au genre épistolaire (MORAES, 2009; SANTIAGO, 2002) et aux spécificités de la correspondance de Baudelaire (PICHOIS, 1973), pour analyser, par la suite, les nombreuses allusions au Le Spleen de Paris qu’elle contient (COMPAGNON, 2014, GUYAUX, 2014) : la lecture des lettres est indispensable à tout chercheur qui se consacre au Spleen de Paris.

Palavras-chave
Baudelaire; Correspondance; Spleen de Paris

Num artigo de André Guyaux, professor na universidade Paris IV-Sorbonne, intitulado “Le discours de la maladie dans la correspondance de Baudelaire” [O discurso da doença na correspondência de Baudelaire], o especialista do poeta das Flores do mal, um dos mais importantes na atualidade, afirma que “circula sobre as cartas [de Baudelaire] um julgamento redutor: elas se reduziriam a eternas queixas, a intermináveis lamentações sobre dois assuntos: a doença e o dinheiro” (GUYAUX, 2002GUYAUX, André.“Le discours de la maladie dans la correspondance de Baudelaire.”Actes du colloque de Brest - avril 2002. , p. 119)1 1 “il circule sur les lettres un jugement réducteur: elles se résumeraient à des plaintes éternelles, à d’interminables lamentations sur deux sujets : la maladie et l’argent.”As traduções das citações são de nossa autoria, com exceção das de Foucault e Benjamin. . É incontestável que os dois temas em questão estão onipresentes na correspondência, e que as repetidas queixas podem fatigar até mesmo um leitor experiente. Além disso, as epístolas baudelairianas apresentam, para dificultar ainda mais o interesse que se poderia ter por elas, uma escrita bastante prosaica em que inúmeras referências e discussões se entrecruzam.

Por assim dizer, trata-se de uma matéria - essa correspondência baudelairiana - heterogênea, híbrida e, de certa forma, irredutível. Custa ao leitor acompanhar os debates compostos de conversas, por vezes iniciadas pessoalmente e retomadas epistolarmente, repletas de negociações com editores, de referências ao mundo das letras e das artes, de alusões a acontecimentos pessoais ou históricos. Finalmente, mescladas a essas discussões, confissões e manipulações que fazem do tecido narrativo uma composição bastante complexa de se lidar. O leitor deve permanecer atento e consultar as numerosas notas.

No entanto, como indica Guyaux, a correspondência de Charles Baudelaire não se limita aos discursos da doença e do dinheiro. Trata-se de um julgamento redutor que revela a falta de conhecimento do gênero epistolar e de sua riqueza, especialmente em se tratando de cartas de um poeta, crítico, pensador e jornalista tão atuante, atento aos debates literários e às mudanças de sua época. Com efeito, constata-se a riqueza das cartas de Baudelaire, uma vez apartado o superficial discurso de lamentações, porque ali se dá a ver o “Mundo Baudelaire”, sua linguagem, os bastidores de suas composições, a descoberta de seus projetos literários, concluídos ou não, o funcionamento das editoras, e seu pensamento e visão do século XIX com as grandes transformações e debates que ocorreram na época. Não há dúvida de que sua correspondência constitui uma importante chave de leitura de sua obra, conquanto adentre-se a correspondência para além das camadas das queixas sobre os problemas pessoais.

Nessa gama de temas e revelações presente na correspondência de Baudelaire, encontram-se reflexões sobre seu processo criativo e sua concepção de poesia. Em diversas cartas, endereçadas principalmente a editores e jornalistas, o poeta deixa transparecer suas ideias acerca do trabalho poético e, em especial, acerca de seu próprio projeto literário, que se configura, nos termos de Barbara Johnson (1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique: la seconde révolution baudelairienne. Paris: Flammarion , 1979.), como uma dupla revolução, iniciada por Les Fleurs du mal (1857) e radicalizada pelos Petits poèmes en prose (1869). No que diz respeito aos poemas em prosa, que “marcariam”, segundo Georges Blin (2006BLIN, Georges. “Introduction aux Petits poèmes en prose”. IN: BAUDELAIRE, Charles. Le Spleen de Paris: Petits poèmes en prose. Édition présentée, établie et annotée par Robert Kopp. Paris : Gallimard , 2006. , p.7), “um começo absoluto” na história da “criação literária”, as cartas de Baudelaire se apresentam como um material rico para o pesquisador interessado em compreender a “poética do Spleen de Paris” (VERAS, 2017VERAS, Eduardo Horta Nassif. “A poesia incógnita: elementos para um estudo da poética do Spleen de Paris”. Remate de Males (UNICAMP), Campinas, v. 37, n. 1, Jan./Jun. 2017, pp. 93 - 116.), a gênese dos poemas, suas primeiras publicações, polêmicas editoriais e o progressivo desenvolvimento de um projeto de livro paradoxalmente indissociável da relação ambivalente com o suporte jornalístico.

Assim, o presente artigo tem por objetivo abordar os poemas em prosa, a obra O Spleen de Paris, publicada postumamente em 1869, a partir da correspondência de Charles Baudelaire, considerando um recorte temporal que se inicia por volta de 1857, ano que marca a aparição das primeiras referências, no âmbito das correspondências, a um projeto de livro de poemas em prosa. A análise das cartas que trazem referências diretas aos poemas em prosa revelará um poeta em pleno exercício de autorreflexão poética, que, no caso de Baudelaire, se realiza em tensão constante com as exigências do suporte, dos editores e do público leitor para o qual os textos se destinam.

O gênero epistolar: um “dialogoper absentiam

Verdadeiro diálogo entre ausentes, após uma época dourada, o estudo da correspondência de escritores ou artistas foi visto com suspeitas durante muito tempo, sob o viés dos métodos analíticos do século XX, porque era associado à leitura biográfica das obras, ao biografismo. É claro que essa desconfiança foi maior em alguns países, a exemplo da França. Não obstante, voltou a despertar interesse, como afirma Silviano Santiago (ANDRADE, 2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos & Mário: Correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade (inédita) e Mário de Andrade. 1924-1945. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2002., p. 9-10).

E existem razões legítimas para explicar a renovação do estudo do gênero epistolar, novos estudos por parte de pesquisadores como, por exemplo, Marcos Antonio de Moraes (como veremos adiante), e se violar as missivas de um autor como Baudelaire, documentos cuja privacidade é assegurada por lei. Santiago aponta três motivos para a publicação de cartas de grandes autores: 1) a eminência da obra no campo da estética literária; 2) a importância social e histórica do poeta; 3) “curiosidade intelectual das novas gerações, que saem em busca da verdade nas respectivas obras literárias [...]”.(idem, p. 9) Conforme Santiago (2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos & Mário: Correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade (inédita) e Mário de Andrade. 1924-1945. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2002., p. 9-10), a epistolografia tem dois objetivos, dos quais destacamos particularmente o primeiro:

A leitura de cartas escritas aos companheiros de letras e familiares, bem como a de diários e entrevistas, tem pelo menos dois objetivos no campo duma nova teoria literária. Visa a enriquecer, pelo estabelecimento de jogos intertextuais, a compreensão da obra artística (poema, conto, romance...), ajudando a melhor decodificar certos temas que ali estão dramatizados, ou expostos de maneira relativamente hermética [...].

O estudo da correspondência, portanto, nada tem a ver com o biografismo, e seu estudo buscará perspectivas complementares a partir de uma matéria rica e complexa que pode alumiar a obra de um(a) autor(a). Segundo Roger Chartier, “os usos da escrita, em suas variações, são decisivos para compreender como as comunidades e os indivíduos constroem representações do seu mundo e investem significações plurais, contrastadas, suas percepções e experiências”. (1991CHARTIER, Roger. (org.) La correspondance: Les usages de la lettre au XIX siècle. - Paris: Fayard, 1991., p.9-10)

Marcos Antonio de Moraes indica três perspectivas para se abordar o gênero epistolar: 1. é a expressão testemunhal que define um perfil biográfico; 2. pode-se apreender a movimentação nos bastidores da vida artística de um determinado período; 3. o gênero epistolar pode ser interpretado como “arquivo da criação”, em que se encontram fixadas a gênese e as diversas etapas de elaboração de uma obra artística, desde os primeiros apontamentos do projeto, como o título de uma obra (caso dos poemas em prosa, como veremos adiante), até o debate sobre a sua recepção. A carta, nesse sentido, ocupa o estatuto de crônica da obra de arte, e a epistolografia pode ser vista, principalmente pela crítica genética, enquanto “canteiro de obras” ou “ateliê”, que descortina a trama da invenção, ou ainda os traços de um ideal estético. (2009MORAES, Marcos Antonio de. “Edição da Correspondência reunida de Mário de Andrade: Histórico e alguns pressupostos.” In: Patrimônio e memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, v.4, n.2, p. 123-136 - jun. 2009., p.123-136)

O gênero epistolar pode ser apontado como gênero particularmente híbrido, pois o texto da carta oscila entre manipulação e documento testemunhal, entre literatura e simples comunicação de eventos comuns do cotidiano. A carta se situa em um limiar no qual ocorrem permanentes derivas entre gêneros considerados distintos: entre diário íntimo e prosa de ficção, eis a primeira deriva. Há também oscilação na relação do sujeito com o destinatário e consigo mesmo.

A carta, como explica Foucault no texto “A escrita de si”,

torna o escritor “presente” para aquele a quem ele a envia. E presente não simplesmente pelas informações que ele lhe dá sobre sua vida, suas atividades, seus sucessos e fracassos, suas venturas e desventuras; presente com uma espécie de presença imediata e quase física. (2006FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. Organização e seleção de textos Manuel Barros da Motta; tradução Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. - 2ª ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006., p. 156)

Ela será, durante séculos, a forma privilegiada de comunicação; e escrever uma missiva é, portanto, uma maneira de se fazer presente, de se mostrar, se expor, de se oferecer ao olhar do outro.

Mas essa presença quase física, que emana da correspondência, deve ser vista como que num espelho que ora reflete quase fielmente uma imagem, ora deforma o sujeito que ali se expõe e se mostra. Nelas nos deparamos com gestos de persuasão, representação, confissão, testemunho ou debate. Lidamos com uma persona que emprega artifícios persuasivos - ainda mais tratando-se de Baudelaire -, ou uma pessoa que se abre ao outro, que se dá a conhecer, ou que se revela a si mesmo. Há manifesto sistema de dissolução do sujeito que varia em função do correspondente ou das intenções: “Como quero ser visto por fulano ou sicrano?” (2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos & Mário: Correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade (inédita) e Mário de Andrade. 1924-1945. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2002., p.11). No entanto, não podemos esquecer que há também abertura, entrega, confissão, nas palavras precisas de Mario de Andrade citadas por Santiago, um estado de "eu sou eu, ser aberto que se abandona" (2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos & Mário: Correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade (inédita) e Mário de Andrade. 1924-1945. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2002., p.11).

Decorre dessas observações que o gênero exige manuseio cauteloso e que, nessa abordagem não ingênua da correspondência, não podemos erguer oposições rígidas entre honestidade, da obra poética de Baudelaire, e mentira, que permearia suas missivas, conforme aponta Claude Pichois.

Baudelaire mente, e os bons apóstolos podem se velar a face. Seus gritos mais patéticos, arrancados de seu coração, quem os ouviu? Então ele acaricia, disfarça a verdade, para obter dez francos, um prazo, um artigo favorável. Ou faz uso de crueldade, como com sua mãe.2 2 “Baudelaire ment, et les bons apôtres de se voiler la face. Ses cris les plus pathétiques, arrachés à son coeur, qui les a entendus? Alors il caresse, il déguise la vérité, pour obtenir dix francs, un délai, un article favorable. Ou il use de cruauté, comme avec sa mère.” (BAUDELAIRE, 1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., p. XII)

Essa visão de Pichois, que afirma a imagem do poeta como “fino manipulador”, ganha respaldo nas palavras de Michel Butor. Este declara que a má fé de Baudelaire em suas cartas não é senão “o avesso, o resgate desse prodigioso esforço de honestidade mental que sua obra inteira representa, no meio da noite e do desespero” (1961, p.21). Ora, um dos valores da correspondência baudelairiana encontra-se justamente na dissolução das fronteiras, no trânsito entre manipulação e na revelação, entre fingimento e desnudamento. O leitor é levado a hesitações na sua interpretação, mas igualmente ao prazer de descobrir a ironia do poeta, suas manobras (por vezes claramente inábeis), ao mesmo tempo em que é levado à singularidade de um gesto sincero de abertura e a seguir os rastros da gênese de uma obra. Daí surge explicitamente em vários momentos nas epístolas baudelairianas a necessidade de proclamar sua sinceridade. O poeta tem consciência de suas promessas não cumpridas e manipulações, o que resulta na desconfiança de sua família e dos outros.

A obra de referência da correspondência de Charles Baudelaire é a edição de 1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., publicada pela editora Gallimard, em dois volumes de papel bíblia, sob a direção de Claude Pichois. Tal escolha tem respaldo na seriedade e na linhagem desse eminente baudelairiano, herdeiro dos trabalhos de Eugène Crépet e Jacques Crépet (filho de Eugène), cuja edição de 1973 é o resultado do esforço de três gerações de pesquisadores que dedicaram suas vidas profissionais a um trabalho imenso: resgatar, copiar, reunir, ordenar, anotar, transcrever, conferir mais de 1.500 documentos, dentre os quais a maioria é composta de cartas, mas que incluem também contratos, promissórias e apontamentos/testemunhas (témoins) da existência de missivas desaparecidas, de 9 de janeiro de 1832 a 30 de março de 1866. A edição de Pichois se tornou, inclusive, o principal texto de partida para as traduções em outros idiomas realizadas após 1973. Ao final, os dois volumes contêm quase duas mil e trezentas páginas divididas entre as cartas, as notas, uma introdução contando com um histórico da correspondência, uma cronologia de vida, índices remissivos (obras, jornais, revistas, obra de Edgar Allan Poe), um índice onomástico, uma relação das cartas e outra dos destinatários, uma seção repertoriando as finanças (de autoria de Jean Ziegler).

Um livro póstumo

O ponto de partida para qualquer estudo de fôlego dos poemas em prosa de Baudelaire deve levar em consideração, primeiramente, seu caráter circunstancial, isto é, sua íntima ligação com o suporte e com o universo dos jornais e das revistas (BERTRAND, 2004BERTRAND, Jean-Pierre. “Une lecture médiatique du Spleen de Paris”. IN: THERENTY, Marie-Ève; VAILLANT, Alain (orgs.). Presse et plumes: Journalisme et Littérature au XIXe siècle. Paris: Nouveau Monde Éditions, 2004. pp. 329 - 337. , p. 330). Também é preciso considerar que, embora o poeta delineie em diversas cartas uma espécie de projeto de livro, a reunião efetiva daqueles poemas em volume só ocorreria em 1869, dois anos após a morte do poeta, sob os cuidados e intervenções significativas dos amigos editores Théodore de Banville e Charles Asselineau. Os poemas em prosa que hoje compõem O Spleen de Paris contabilizaram, antes da reunião póstuma em livro, 73 publicações em 15 periódicos diferentes, divididos entre jornais de grande circulação como Le Figaro e La Presse, revistas especializadas e publicações literárias. Do título ao epílogo em versos acrescentado equivocadamente por Banville e Asselineau, passando pelo número de poemas e pela escolha do prefácio, praticamente toda a estrutura dos Petits poèmes en prose é fruto de uma composição a posteriori3 3 O poema em terza rima, que faz uma homenagem à cidade de Paris, foi descoberto por Banville e Asselineau e acrescentado à edição póstuma dos poemas em prosa organizada por eles. Cem anos depois, coube a Robert Kopp, em sua edição dos Petits poèmes en prose (Paris, Librairie José Corti, 1968, p. 369-375), demonstrar que o poema, na verdade, havia sido composto como epílogo para Les Fleurs du mal. Cf. nota de Claude Pichois ao poema (1973, vol. I, p. 1175). , fato que levou o crítico Jacques Dupont, em artigo publicado recentemente na revista L’Année Baudelaire, a considerar O Spleen de Paris uma “ficção crítica” (DUPONT, 2013DUPONT, Jacques. “Le Spleen de Paris, une fiction critique?”. L’Année Baudelaire, v. 16, 2012. Paris: Honoré Champion, 2013. p. 41 - 54. ).

A análise de sua correspondência nos mostra que Baudelaire se debateu, ao longo de quase uma década, com a difícil tarefa de conceber um livro que reunisse poemas ao mesmo tempo “penetrantes e leves” (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. II, p. 583), conforme se lê em uma carta a Sainte-Beuve de 15 de fevereiro de 1866.

Com efeito, as missivas de Baudelaire sobre o projeto dos poemas em prosa nos colocam diante de uma série de hesitações, de idas e vindas, e da conhecida angústia baudelairiana da procrastinação e do acúmulo de tarefas, conforme verificamos nestes trechos de cartas da década de 1860:

No Spleen de Paris4 4 Todos os grifos dos trechos traduzidos da correspondência, empregados neste artigo, seguem os grifos estipulados na edição de 1973. Portanto, reproduzimos estritamente o modo de transcrição decidido por Claude Pichois. O itálico corresponde, nos autógrafos, a palavras sublinhadas por Baudelaire e títulos de obras. Os colchetes são usados para complementar as abreviações realizadas pelo poeta em suas cartas (ex. vol[ume]). , haverá cem peças - ainda faltam trinta. Abracei irrefletidamente tantas e variadas fainas, e tenho tantos problemas em Paris, que tomei a decisão de fazer suas trinta peças em Honfleur.5 5 “Dans Le Spleen de Paris, il y aura cent morceaux. - Je me suis mis étourdiment tant de besognes variées sur les bras et j’ai tant d’ennuis à Paris que j’ai pris le parti d’aller faire vos trente morceaux à Honfleur.” (Carta a Pierre-Jules Hetzel de 8 outubro de 1863 - [1973, vol. II, p. 324])

Ai de mim! os Poemas em prosa aos quais você ainda havia disparado um encorajamento recente estão muito atrasados. Eu sempre abraço fainas muito difíceis. Fazer cem bagatelas laboriosas que exigem um bom humor constante (bom humor necessário até para tratar dos assuntos tristes), uma excitação bizarra que necessita de espetáculos, multidões, música, até mesmo de postes de luz, eis o que eu quis fazer! Conto apenas sessenta, e não consigo mais avançar. Preciso daquele famoso banho de multidão cuja incorreção justamente lhe chocou.6 6 “Hélas ! les Poèmes en prose, auxquels vous avez encore décoché un encouragement récent, sont bien attardés. Je me mets toujours sur les bras des besognes difficiles. Faire cent bagatelles laborieuses qui exigent une bonne humeur constante (bonne humeur nécessaire même pour traiter des sujets tristes), une excitation bizarre qui a besoin de spectacles, de foules, de musique, de réverbères même, voilà ce que j’ai voulu faire ! Je n’en suis qu’à soixante, et je ne peux plus aller. J’ai besoin de ce fameux bain de multitude dont l’incorrection vous avait justement choqué.” (Carta a Sainte-Beuve de 4 de maio de 1865 - [idem, p. 493])

Ah! esse Spleen, quanta cólera, e quanto labor me causou! E eu continuo descontente com certas partes.7 7 “Ah ! ce Spleen, quelles colères, et quel labeur il m’a causé ! Et je reste mécontent de certaines parties.” (Carta a Jules Troubat de 5 de março de 1866 - [idem, p. 627])

Baudelaire se queixa, como de costume, da quantidade de tarefas assumidas, mas ressalta também a complexidade inerente ao projeto dos poemas em prosa, que não hesita em chamar de “bagatelas laboriosas”, na carta endereçada a Sainte-Beuve. Essa “aliança dos contrários”, nas palavras de Antoine Compagnon (2014COMPAGNON, Antoine. Baudelaire l’irréductible. Paris: Flammarion, 2014. , p. 54), define, como veremos, o desafio e a novidade dos poemas do Spleen.

Por ora, cumpre observar que as hesitações e tensões vivenciadas pelo poeta ao longo do período de gestação dos poemas em prosa parecem coincidir performaticamente com a própria estrutura hesitante e ambivalente do livro póstumo, concebido como uma unidade em franca tensão com sua origem fragmentada e circunstancial. É possível dizer que, de alguma maneira, a ambivalência entre a fragmentação do jornal e a unidade do livro, com o qual, é preciso ressaltar, o poeta sonhava, corresponde, no plano da gênese da obra, à ambivalência discursiva que caracteriza o plano estilístico dos poemas lidos isoladamente ou, especialmente, em conjunto. “Segundo um paradoxo bem baudelairiano”, escreve Jean-Pierre Bertrand (2004BERTRAND, Jean-Pierre. “Une lecture médiatique du Spleen de Paris”. IN: THERENTY, Marie-Ève; VAILLANT, Alain (orgs.). Presse et plumes: Journalisme et Littérature au XIXe siècle. Paris: Nouveau Monde Éditions, 2004. pp. 329 - 337. , p. 333), “o poema em prosa se oferece como um gênero nascido de e para a imprensa, sendo ao mesmo tempo um dedo na cara do hipócrita leitor do jornal”.

No plano da gênese da obra, essa hesitação fica bastante clara quando observamos a multiplicidade de títulos pensados e propostos por Baudelaire. Em carta a Poulet-Malassis, datada de 25 de abril de 1857, o poeta projeta, pela primeira vez, a composição de seus Poèmes nocturnes, título que se manteria até o fim do ano de 1861. Quatro “poemas noturnos” (“Le Crépuscule du soir” [O crepúsculo do entardecer], “La Solitude” [A solidão], “Les Projets” [Os projetos] e “L’Invitation au voyage” [O convite à viagem]) aparecem na edição de 24 de agosto de 1857 da revista Le Présent. Nesses primeiros esboços e publicações dos futuros pequenos poemas em prosa, Baudelaire já se confessa assombrado pelos inúmeros trabalhos inconclusos, além de nos revelar alguns traços do projeto que ganharia corpo ao longo da próxima década:

Aliás, apesar de todo o tempo que esse negócio absorve, é preciso que eu finalize quatro volumes: terceiro volume de Edgar Poe, os Poemas noturnos (de minha autoria), as Curiosidades estéticas (de minha autoria), e o Comedor de ópio (tradução de uma obra de De Quincey). Além disso, antes do final do ano, precisaria fazer em Honfleur meu drama e um romance. (Carta à Madame Aupick de 27 de julho de 1857 - [1973, vol. I, p. 418]).

Os poemas noturnos foram iniciados. (Carta a Alphonse de Calonne de 10 de novembro de 1858 - [idem, p. 522]).

Nos primeiros dias de março, vou a Paris com um pacote monstruoso para Morel: O Corvo, com o famoso comentário, a Genealogia da composição8 8 A tradução de The Philosophy of Composition, de Edgar Allan Poe (impresso em abril de 1846 no Graham's Magazine), que será publicado com o título de La génèse d’un poème na Revue française de 20 de abril de 1859. , que tanto lhe horroriza; um artigo sobre a pintura espanhola (última aquisição, embora ele9 9 Jean Morel: o diretor da Revue française. já tenha impresso sobre isso10 10 Théophile Gautier e Clément de Ris já haviam publicado artigos sobre o assunto, no Le Moniteur de 03 de agosto de 1858 e na Revue française de dezembro de 1858, respectivamente. , é aceitável) e alguns poemas noturnos. (Carta a Charles Asselineau, 20 de fevereiro de 1859 - [idem, p. 551)

Entre 1857 e 1861, Baudelaire insiste, portanto, na promessa de composição de um livro de poemas em prosa, reiteradamente anunciado sob o título Poèmes nocturnes. Em carta a Armand Du Mesnil de 9 de fevereiro de 1861, o poeta apresenta uma primeira definição para seus poemas noturnos, descritos como “ensaios de poesia lírica em prosa, no gênero do Gaspard de la Nuit11 11 “essais de poésie lyrique en prose, dans le genre de Gaspard de la Nuit.” (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. II, p. 128). Na mesma carta, Baudelaire anota que a obra proposta não tem tamanho definido12 12 “Poèmes nocturnes. Longueur indéfinie.” [Poemas noturnos. Tamanho indefinido.] (1973, vol. II, p. 129) , em contraste com os outros três trabalhos em vista (M. Constantin G, - et généralement les peintres de mœurs, Les Peintres philosophes e Le Dandysme dans les lettres [Sr. Constantin G, - e geralmente os pintores de costumes, Os Pintores filósofos e O Dandismo nas letras]), cuja quantidade de páginas é prevista com exatidão13 13 Duas páginas para cada. .

O título Le Spleen de Paris viria a aparecer pela primeira vez em carta endereçada ao editor Pierre-Jules Hetzel de 20 de março de 1863: “Sou incapaz de fazer uma charge de um excelente amigo, e, aliás, atribuo uma grande importância ao Spleen de Paris14 14 “Je suis incapable de faire une charge à un excellent ami, et d’ailleurs j’attribue une grande importance au Spleen de Paris.” Une charge significa aqui uma zombaria. (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. II, p. 295). Encabeçando o conjunto de quatro poemas (“La corde” [A corda], “Le crépuscule du soir” [O crepúsculo do entardecer], “Le joueur généreux” [O jogador generoso] e “Enivrez-vous”[Embriaguem-se]) publicado no jornal Le Figaro em 7 de fevereiro de 1864, o título Le Spleen de Paris aparece acompanhado do epíteto sublinhado Poèmes en prose, que já vinha sendo utilizado amplamente pelo poeta em sua correspondência e em algumas publicações na imprensa, como nas três séries de poemas publicadas no jornal La Presse, nas edições de 26 e 27 de agosto e 24 de setembro de 1862.15 15 Trata-se da mais longa série de poemas em prosa publicada por Baudelaire na imprensa francesa. Além das três séries citadas, o poeta preparou ainda uma quarta sequência destinada à edição do dia 27 de setembro de 1862, mas acabou não sendo publicada. As três sequências que vieram a público eram compostas de 20 poemas, precedidos da fomosa carta-dedicatóri ao editor do jornal Arsène Houssaye. Pela extensão e pela ordenação dos poemas, é possível considerar essa publicação como uma espécie de protótipo do livro planejado por Baudelaire e, consequentemente, daquele que viria a público postumamente pelas mãos de Banville e Asselineau. De Poèmes nocturnes até a emergência do título que faz referência à essência urbana da poesia em prosa baudelairiana, uma gama de títulos é ensaiada por Baudelaire, especialmente no âmbito das correspondências: Poèmes en prose (Revue Fantaisiste, edição de 1 de novembro de 1861), La Lueur et la fumée. Poème, en prose (carta a Arsène Houssaye de 20 de dezembro de 1861), Le Promeneur solitairee Le Rôdeur parisien (carta a Arsène Houssaye do Natal de 1861), Petits poèmes en prose (La Presse, edições de 26 e 27 de agosto e 24 de setembro de 1862; Revue Nationale et Étrangère, edições de 10 e 15 de junho e de 10 de dezembro de 1863; L’Artiste, 1 de novembro de 1864), Le Spleen de Paris. Poèmes en prose (Le Figaro, edição de 7 de fevereiro de 1864; Revue de Paris, edição de 25 de dezembro de 1864), Petits poèmes lycanthropes (Revue du XIXe siècle, edição de 1 de junho de 1866)e, finalmente, Le Spleen de Paris (na já mencionada carta a Pierre-Jules Hetzel de 20 de março de 1863; L’Événement, edição de 12 de junho de 1866, na qual foi publicado apenas o poema “La Corde”).

A evolução dos títulos ao longo dos seis anos, que separam a primeira referência aos Poèmes nocturnes da primeira aparição de Le Spleen de Paris, aponta evidentemente para um movimento em direção à experiência poética urbana, de matriz moderna, em detrimento da ambientação soturna, de matriz romântica, na qual se fortalecem os laços com o Gaspard de la Nuit, de A. Bertrand, reivindicado por Baudelaire (ironicamente?) na carta-dedicatória a Arsène Houssaye como um dos modelos de seus poemas em prosa. André Guyaux observa, além disso, que o título parisiense reforça o vínculo do futuro volume com Les Fleurs du mal, conforme a conhecida explicação que Baudelaire oferece a Julien Lemer, em carta de 6 de julho de 1865 (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. II, p. 512): “Le Spleen de Paris (pour faire pendant aux Fleurs du mal)” [O Spleen de Paris (para formar simetria com as Flores do mal)]. Nas palavras de Guyaux (2014GUYAUX, André. “Avant-propos”. IN: GUYAUX, André; SCEPI, Henri. Lire Le Spleen de Paris de Baudelaire. Paris: PUPS, 2014., p. 8):

[Baudelaire] sonha com um equilíbrio, uma simetria até, que a estrutura dos dois sintagmas reflete: As Flores do mal - O Spleen de Paris. Ele gostaria de “cem peças” no Spleen de Paris (carta a Hetzel, de 8 de outubro de 1863), como havia cem poemas nas Flores do mal em 1857. Sonha com uma conclusão, um acabamento. Mas o tempo vai faltar, e nos conceder, a título póstumo, um livro inacabado.16 16 “[Baudelaire] rêve d’un equilibre, d’une symétrie même, que la structure des deux sintagmes reflète: Les Fleurs du mal - Le Spleen de Paris. Il voudrait “cent morceaux” dans Le Spleen de Paris (lettre à Hetzel, 8 octobre 1863), comme il y avait cent poèmes dans Les Fleurs du mal en 1857. Il rêve d’un achèvement, d’une finition. Mais le temps va manquer, et nous livrer, à titre posthume, un recueil inachevé.”

“Um livro singular e fácil de vender”

Embora Baudelaire sonhe com um “acabamento”, com uma “finalização” para seu projeto de um livro de poemas em prosa, é o inacabamento que prevalece, não apenas em função do tempo que lhe faltará, conforme a afirmação de André Guyaux, mas também pelo caráter ligeiro, aparentemente banal, aparentemente despretensioso e corriqueiro dos poemas, que o próprio Baudelaire não hesitaria em chamar “bagatelas”. “Bagatelas laboriosas”17 17 A expressão “bagatelles” é novamente empregada por Baudelaire em outra carta a Sainte-Beuve, de 15 de fevereiro de 1866, na qual o poeta ressalta, mais uma vez, a complexidade de seu projeto de poemas em prosa: “Mais que les bagatelles, quand on veut les exprimer d’une manière à la fois pénétrante et légère, sont donc difficiles à faire !” [Mas como as bagatelas, quando se quer expressá-las de uma maneira ao mesmo tempo penetrante e leve, são difíceis de se fazer!] (1973, vol. II, p. 583). , mais especificamente, é o epíteto empregado por ele na carta enviada a Sainte-Beuve em 4 de maio de 1865 citada acima. Entre a banalidade quase jornalística dos poemas e o esmero poético característico de Baudelaire, se inscreve o projeto de conceber poemas para o espaço jornalístico e seu público pouco ou nada habituado ao universo da poesia. Com efeito, segundo Walter Benjamin (1989BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. Trad. José Martins Barbosa, Hemerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Obras Escolhidas III) , p. 103):

Baudelaire teve em mira leitores que se veem em dificuldades ante a leitura da poesia lírica. O poema introdutório de As Flores do mal se dirige a estes leitores. Com sua força de vontade e, consequentemente, seu poder de concentração não se vai muito longe; esses leitores preferem os prazeres dos sentidos e estão afeitos ao spleen (melancolia), que anula o interesse e a receptividade.

A relação estabelecida com esse público, que, em última instância, é o público dos jornais de grande circulação, torna-se ainda mais ambivalente e tensa com o advento do poema em prosa publicado na imprensa. Digamos que essa relação se estabelece na fronteira entre a comunicação e a violência, entre um gesto de aproximação e outro de recusa agressiva da comunhão, da comunidade. Poemas em prosa como “Perte d’auréole” [“Perda de auréola”], “Les Foules” [As multidões], de um lado, e “La Solitude” [A Solidão], “À une heure du matin” [A uma da manhã] e “Le Mauvais vitrier” [O Mau vidraceiro], de outro, exemplificam perfeitamente essa ambivalência.

Em carta de 20 de março de 1863, Baudelaire escreve ao editor Pierre-Jules Hetzel, referindo-se a seu Spleen de Paris mais uma vez de maneira ambivalente: “Creio que, graças a meus nervos, não estarei pronto no dia 10 ou 15 de abril. Mas posso garantir-lhe um livro singular e fácil de vender.”18 18 “Je crois que, grâce à mes nerfs, je ne serai pas prêt avant le 10 ou le 15 avril. Mais je puis vous garantir un livre singulier et facile à vendre.” (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. II, p. 295). A promessa de um livro único e vendável ao mesmo tempo repercute, no âmbito da inserção social da obra, outras expressões antitéticas utilizadas pelo poeta nas cartas a fim definir o projeto do Spleen de Paris. Por um lado, Baudelaire ressalta o caráter banal, mercadológico, sem qualidade de sua nova poesia. Em maio de 1865, em carta a Édouard Manet, diz ter “uma massa de Poemas em prosa para espalhar em duas ou três revistas”19 19 “une masse de Poèmes en prose à répandre dans deux ou trois revues” (idem, p. 496-497); em duas cartas a Louis Marcelin (de 9 de outubro de 1864 e 15 de fevereiro de 1865), fala em “pacotes de Poemas em prosa” (idem, p. 406 e 465), sendo que, na segunda carta, acrescenta, referindo-se sempre aos poemas em prosa: “mas são horrores e monstruosidades que fariam abortar suas leitoras grávidas”20 20 “mais ce sont des horreurs et des monstruosités qui feraient avorter vos lectrices enceintes.” . Baudelaire parece fazer questão de apresentar os poemas como bagatelas sem valor; em outras palavras, assume, ainda que retoricamente, o partido do prosaico em detrimento da visão romântica, sublime, aureolada (para lembrar uma metáfora central no conjunto do Spleen de Paris), de poesia. Por outro lado, Baudelaire não deixa de ressaltar que são bagatelas laboriosas, isto é, que o exercício da banalidade não se dá como entrega inconsciente ao mundo vulgar, mas como resultado de um trabalho árduo, como ponto de chegada de uma reflexão poética sofisticada, que sua correspondência ajuda a elucidar.

As relações pessoais de Baudelaire com jornalistas e editores se caracterizam também pela ambiguidade, pela tensão entre a dependência econômica e o desprezo. “Baudelaire odiava a imprensa, mas não podia se passar dela”21 21 “Baudelaire abhorrait la presse mais ne pouvait pas s’en passer” (COMPAGNON, 2014COMPAGNON, Antoine. Baudelaire l’irréductible. Paris: Flammarion, 2014. , p. 42). O poeta sempre esteve ciente de que, nos jornais, “a literatura, que é a matéria mais inapreciável, é, antes de mais nada, preenchimento de colunas.”22 22 “la littérature, qui est la matière la plus inapréciable, - est avant tout remplissage de colonnes” (BAUDELAIRE, 1975BAUDELAIRE, Charles. Œuvres complètes. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois. Paris : Gallimard, 1975-1976 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., p. 15). Esse caráter “inapreciável” da literatura nos jornais e na modernidade industrial em geral é justamente o ponto de partida do projeto baudelairiano; ele é explorado intensamente pelos poemas em prosa como matéria cotidiana destinada à mera diversão burguesa (por isso “fácil de vender”), mas especialmente como provocação irônica ao mesmo leitor burguês quase sempre incapaz de acessar as camadas mais profundas de sentido, escondidas sob a aparente banalidade daqueles textos curtos que dividiam espaço e às vezes até se confundiam com o noticiário político, com os faits divers, com os números da Bolsa e com a publicidade, caracterizando aquilo que Jean-Pierre Bertrand (2004BERTRAND, Jean-Pierre. “Une lecture médiatique du Spleen de Paris”. IN: THERENTY, Marie-Ève; VAILLANT, Alain (orgs.). Presse et plumes: Journalisme et Littérature au XIXe siècle. Paris: Nouveau Monde Éditions, 2004. pp. 329 - 337. , p. 339) definiu como “apropriação subversiva do jornal” (razão maior da “singularidade” do Spleen de Paris).

Considerações finais

Os comentários de Baudelaire, esparsos em sua correspondência, constituem um rico “arquivo de criação” e um “canteiro de obra”, expressão aliás bastante adequada, se pensarmos numa analogia entre as missivas e a experiência da cidade moderna em plena mutação. A correspondência tem muito daquele “novo café na esquina de um novo bulevar, ainda cheio de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados”, do poema “Os olhos dos pobres” (BAUDELAIRE, 2018BAUDELAIRE, Charles.Pequenos poemas em prosa: O Spleen de Paris. Prefácio de Marcelo Jacques de Moraes. Tradução e notas de Isadora Petry e Eduardo Veras. - São Paulo: Via Leitura, 2018., p. 61). A carta tem muito da “bagatela laboriosa” como o poeta define o seu poema em prosa. Como disse Baudelaire à sua mãe numa missiva de 16 de dezembro de 1847: “Uma carta me custa mais a escrever do que um volume.”23 23 “Une lettre me coûte plus à écrire qu’un volume.” (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. I, p. 148). A correspondência é um canteiro de obras, para nos apropriarmos da expressão empregada por Marcos Antonio Moraes, um canteiro cujos entulhos podem gloriosamente revelar seus esplendores inacabados. Como o poeta deambulou em meio à Paris do século XIX e suas grandes transformações, o pesquisador deve se debruçar sobre as cartas à procura de vestígios encobertos por diferentes sedimentos de sentidos, formas, discursos e fingimentos. O gênero epistolar, como vimos, assim como as obras de Baudelaire, e suas epístolas em particular, são compostos de uma matéria densa (em sua extensão e composição de diálogos entre ausentes), complexa (em seus temas e debates de uma época), heterogênea (em seus discursos e registros), híbrida (em seus aspectos de diário íntimo e ficção autobiográfica) e inacabada (já que muitas cartas se perderam). Não há dúvida de que as epístolas baudelairianas representam uma fonte de pesquisa inestimável, e talvez ainda insuficientemente explorada no nosso país.

Uma carta, banal em aparência, assim como os poemas do Spleen escondem camadas difíceis de acessar, que representam, por isso, um desafio ao leitor. No entanto, se avançarmos para além das vagas queixas e se cuidarmos para desconfiar das aparências, em suma, se formos leitores cuidadosos, o “Mundo Baudelaire” se revela nos bastidores delineados na correspondência.

A perfeita ilustração desse esplendor inacabado é o Spleen e seus poemas, as “bagatelas laboriosas”. Coincidentemente, ou não, dentre os sentidos da palavra “bagatelle”, encontra-se uma acepção bastante pertinente para descrever o projeto baudelairiano de poesia em prosa. Com efeito, no campo musical, “bagatelle”24 24 Conforme o dicionário Trésor do Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales (CNRTL), consultado em 11/01/2019, disponível em http://www.cnrtl.fr/definition/bagatelles significa, em francês, uma peça de música leve e de curta duração, sem forma precisa. Romain Rolland (1928ROLLAND, Romain. Beethoven. Genebra: Editions Du Sablier, 1928. , p. 509) emprega o termo, referindo-se a uma peça de Beethoven, da seguinte forma: “O interesse musical dessa bagatela reside na mobilidade perpétua dos ritmos.”25 25 “L'intérêt musical de cette bagatelle est dans la mobilité perpétuelle des rythmes” . Destaquemos a expressão “mobilidade perpétua dos ritmos”. Eis que recordamos da dedicatória ao editor Arsène Houssaye (Baudelaire, 2018BAUDELAIRE, Charles.Pequenos poemas em prosa: O Spleen de Paris. Prefácio de Marcelo Jacques de Moraes. Tradução e notas de Isadora Petry e Eduardo Veras. - São Paulo: Via Leitura, 2018., p. 14):

Qual de nós, em seus dias de ambição, não vislumbrou o milagre de uma prosa poética, musical sem ritmo e sem rima, suficientemente flexível e contrastante para se adaptar aos movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência?

Música leve, de curta duração, com uma mobilidade perpétua dos ritmos, eis que ilustra o projeto do poema em prosa baudelairiano “musical sem ritmo e sem rima”, “suficientemente flexível” para se adaptar a “movimentos”, “ondulações” e “sobressaltos”, de uma prosa poética sem forma precisa. Não é necessário insistir na paixão que Baudelaire tem pela música; basta lembrar a famosa carta endereçada a Wagner em 17 de fevereiro de 1860. O Spleen, em meio aos choques de registros altos e baixos, a seu prosaísmo, a certa banalidade aparente que camufla uma experiência singular da modernidade nascente, é constituído dessa mobilidade perpétua de ritmos que, libertando-se da forma fixa, da rima, ganha em complexidade e exige muito do poeta, para sua elaboração, daí o laborioso da bagatela: “Nesse buraco negro ou luminoso pulsa a vida, sonha a vida, sofre a vida” (BAUDELAIRE, 2018BAUDELAIRE, Charles.Pequenos poemas em prosa: O Spleen de Paris. Prefácio de Marcelo Jacques de Moraes. Tradução e notas de Isadora Petry e Eduardo Veras. - São Paulo: Via Leitura, 2018., p. 85).

Como textos inacabados, interrompidos, suprimidos, como “bagatelas laboriosas”, a correspondência e O Spleen de Paris dialogam e se alumiam. E o corpo do texto, que é preciso despir de seus trapos, representa experiências do “Mundo Baudelaire”, do corpo que vai ao encontro da cidade moderna.

Referências bibliográficas

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  • 1
    “il circule sur les lettres un jugement réducteur: elles se résumeraient à des plaintes éternelles, à d’interminables lamentations sur deux sujets : la maladie et l’argent.”As traduções das citações são de nossa autoria, com exceção das de Foucault e Benjamin.
  • 2
    “Baudelaire ment, et les bons apôtres de se voiler la face. Ses cris les plus pathétiques, arrachés à son coeur, qui les a entendus? Alors il caresse, il déguise la vérité, pour obtenir dix francs, un délai, un article favorable. Ou il use de cruauté, comme avec sa mère.”
  • 3
    O poema em terza rima, que faz uma homenagem à cidade de Paris, foi descoberto por Banville e Asselineau e acrescentado à edição póstuma dos poemas em prosa organizada por eles. Cem anos depois, coube a Robert Kopp, em sua edição dos Petits poèmes en prose (Paris, Librairie José Corti, 1968, p. 369-375), demonstrar que o poema, na verdade, havia sido composto como epílogo para Les Fleurs du mal. Cf. nota de Claude Pichois ao poema (1973, vol. I, p. 1175).
  • 4
    Todos os grifos dos trechos traduzidos da correspondência, empregados neste artigo, seguem os grifos estipulados na edição de 1973. Portanto, reproduzimos estritamente o modo de transcrição decidido por Claude Pichois. O itálico corresponde, nos autógrafos, a palavras sublinhadas por Baudelaire e títulos de obras. Os colchetes são usados para complementar as abreviações realizadas pelo poeta em suas cartas (ex. vol[ume]).
  • 5
    “Dans Le Spleen de Paris, il y aura cent morceaux. - Je me suis mis étourdiment tant de besognes variées sur les bras et j’ai tant d’ennuis à Paris que j’ai pris le parti d’aller faire vos trente morceaux à Honfleur.”
  • 6
    “Hélas ! les Poèmes en prose, auxquels vous avez encore décoché un encouragement récent, sont bien attardés. Je me mets toujours sur les bras des besognes difficiles. Faire cent bagatelles laborieuses qui exigent une bonne humeur constante (bonne humeur nécessaire même pour traiter des sujets tristes), une excitation bizarre qui a besoin de spectacles, de foules, de musique, de réverbères même, voilà ce que j’ai voulu faire ! Je n’en suis qu’à soixante, et je ne peux plus aller. J’ai besoin de ce fameux bain de multitude dont l’incorrection vous avait justement choqué.”
  • 7
    “Ah ! ce Spleen, quelles colères, et quel labeur il m’a causé ! Et je reste mécontent de certaines parties.”
  • 8
    A tradução de The Philosophy of Composition, de Edgar Allan Poe (impresso em abril de 1846 no Graham's Magazine), que será publicado com o título de La génèse d’un poème na Revue française de 20 de abril de 1859.
  • 9
    Jean Morel: o diretor da Revue française.
  • 10
    Théophile Gautier e Clément de Ris já haviam publicado artigos sobre o assunto, no Le Moniteur de 03 de agosto de 1858 e na Revue française de dezembro de 1858, respectivamente.
  • 11
    “essais de poésie lyrique en prose, dans le genre de Gaspard de la Nuit.
  • 12
    “Poèmes nocturnes. Longueur indéfinie.” [Poemas noturnos. Tamanho indefinido.] (1973, vol. II, p. 129)
  • 13
    Duas páginas para cada.
  • 14
    “Je suis incapable de faire une charge à un excellent ami, et d’ailleurs j’attribue une grande importance au Spleen de Paris.” Une charge significa aqui uma zombaria.
  • 15
    Trata-se da mais longa série de poemas em prosa publicada por Baudelaire na imprensa francesa. Além das três séries citadas, o poeta preparou ainda uma quarta sequência destinada à edição do dia 27 de setembro de 1862, mas acabou não sendo publicada. As três sequências que vieram a público eram compostas de 20 poemas, precedidos da fomosa carta-dedicatóri ao editor do jornal Arsène Houssaye. Pela extensão e pela ordenação dos poemas, é possível considerar essa publicação como uma espécie de protótipo do livro planejado por Baudelaire e, consequentemente, daquele que viria a público postumamente pelas mãos de Banville e Asselineau.
  • 16
    “[Baudelaire] rêve d’un equilibre, d’une symétrie même, que la structure des deux sintagmes reflète: Les Fleurs du mal - Le Spleen de Paris. Il voudrait “cent morceaux” dans Le Spleen de Paris (lettre à Hetzel, 8 octobre 1863), comme il y avait cent poèmes dans Les Fleurs du mal en 1857. Il rêve d’un achèvement, d’une finition. Mais le temps va manquer, et nous livrer, à titre posthume, un recueil inachevé.”
  • 17
    A expressão “bagatelles” é novamente empregada por Baudelaire em outra carta a Sainte-Beuve, de 15 de fevereiro de 1866, na qual o poeta ressalta, mais uma vez, a complexidade de seu projeto de poemas em prosa: “Mais que les bagatelles, quand on veut les exprimer d’une manière à la fois pénétrante et légère, sont donc difficiles à faire !” [Mas como as bagatelas, quando se quer expressá-las de uma maneira ao mesmo tempo penetrante e leve, são difíceis de se fazer!] (1973BAUDELAIRE, Charles.Correspondance. Texte établi, présenté et annoté par Claude Pichois avec la collaboration de Jean Ziegler. Paris: Gallimard, 1973 2v. Coll. Bibliothèque de la Pléiade., vol. II, p. 583).
  • 18
    “Je crois que, grâce à mes nerfs, je ne serai pas prêt avant le 10 ou le 15 avril. Mais je puis vous garantir un livre singulier et facile à vendre.
  • 19
    “une masse de Poèmes en prose à répandre dans deux ou trois revues”
  • 20
    “mais ce sont des horreurs et des monstruosités qui feraient avorter vos lectrices enceintes.”
  • 21
    “Baudelaire abhorrait la presse mais ne pouvait pas s’en passer”
  • 22
    “la littérature, qui est la matière la plus inapréciable, - est avant tout remplissage de colonnes”
  • 23
    “Une lettre me coûte plus à écrire qu’un volume.”
  • 24
    Conforme o dicionário Trésor do Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales (CNRTL), consultado em 11/01/2019, disponível em http://www.cnrtl.fr/definition/bagatelles
  • 25
    “L'intérêt musical de cette bagatelle est dans la mobilité perpétuelle des rythmes”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2019
  • Aceito
    01 Abr 2019
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