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Jacques Derrida e a psicanálise: provocar, convocar, evocar e (r)existir

Jacques Derrida and Psychoanalysis: Evoke, Provoke, Invoke, (Re)Exist

Resumo

O artigo examina brevemente a importância de Jacques Derrida como interlocutor, leitor e pensador da psicanálise. Detém-se especialmente na conferência por ele proferida em 2000 intitulada Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Essa conferência foi realizada durante o evento intitulado Estados Gerais de Psicanálise a convite dos organizadores. O evento reuniu psicanalistas de 32 países de distintas linhas, filiações e instituições especializadas em psicanálise. Alguns temas caros e críticos propostos por Derrida serão retomados no presente artigo procurando indicar sua importância e atualidade para a psicanálise como prática, teoria e pensamento.

Palavras-chave:
Jacques Derrida; Sigmund Freud; Psicanálise

Abstract

This article briefly examines the importance of Jacques Derrida as an interlocutor, reader and thinker of psychoanalysis. It looks particularly at the lecture Derrida presented in 2000 entitled Psychoanalysis Searches the States of its Soul: the Impossible Beyond of a Sovereign Cruelty. This keynote address was given at the event entitled States General of Psychoanalysis at the invitation of the organizers. This meeting brought together psychoanalysts from 32 countries from different lines, affiliations and institutions of psychoanalysis. Some of the critical themes proposed by Derrida will be examined in this article and their importance and relevance for psychoanalysis as practice, theory and thought will be indicated.

Keywords:
Jacques Derrida; Sigmund Freud; Psychoanalysis

Resumen

El artículo examina brevemente la importancia de Jacques Derrida como interlocutor, lector y pensador del psicoanálisis. Se detiene especialmente en la conferencia que dio en el año 2000 titulada Estados del alma del psicoanálisis: lo imposible más allá de la soberana crueldad. Esta conferencia fue impartida durante el evento titulado Estados Generales de Psicoanálisis, por invitación de los organizadores. Este evento reunió a psicoanalistas de 32 países de diferentes líneas, filiaciones e instituciones especializadas em psicoanálisis. Algunos temas críticos propuestos por Derrida serán tratados en este artículo, buscando indicar su importancia y relevancia para el psicoanálisis como práctica, teoría y pensamiento.

Palabras claves:
Jacques Derrida; Sigmund Freud; Psicoanálisis

Para a psicanálise, foi, como sabemos, um privilégio ter um interlocutor como Jacques Derrida. As muitas e diferentes provocações à psicanálise e aos psicanalistas ressoam e ressoarão durante muito tempo entre os estudiosos, leitores e psicanalistas de ofício. Pois Derrida não apenas apontou faltas, problemas e indicou caminhos à psicanálise, mas também elevou o pensamento psicanalítico a outros patamares; aqueles nos quais a clínica e a metapsicologia não se sentem confortáveis e nem seguras e, justamente por isso, tendem a não tematizar, explicitar e aprofundar os impasses inerentes ao ofício dos psicanalistas e, ao mesmo tempo, ocultos ou pouco visíveis no seio dos grupos, instituições e associações de psicanálise - aí incluídas as próprias universidades nas quais a psicanálise tornou-se conteúdo de disciplinas, estágios e eixo formativo em diversas áreas e em vários países.

Quando se debruçou sobre a psicanálise, o trabalho de desconstrução proposto por Derrida tanto indicou as ambições, o alcance e a potência da psicanálise quanto revelou pontos de pusilanimidade, resquícios de hesitação e dúvidas que os pioneiros, pensadores, pesquisadores e psicanalistas haviam prometido superar. Porém, não são poucos os casos em que a promessa não redundou em dívida e, portanto, muitos dos problemas não superados e questões intocadas pelos psicanalistas levantaram, mais de uma vez, suspeitas e ataques contra a psicanálise e dúvidas sobre seu futuro.

Não é sem motivo que as cartas trocadas entre Einstein e Freud em 1932, após a primeira grande guerra e um ano antes da ascensão de Hitler, são retomadas por Derrida (2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001.) para indicar que era preciso propor desafios que os psicanalistas deviam aceitar, não apenas como questão exterior e eletiva colocada à psicanálise, mas como afirmação de uma condição da prática e do saber psicanalítico devotado aos estudos e ao tratamento do sofrimento psíquico. Interessantemente nessa troca de missivas a resposta de Freud a Einstein demonstra essa hesitação ou, ao menos, o direito a essa hesitação.

Disse Freud (1932FREUD, S.; EINSTEIN, A. Um diálogo entre Einstein e Freud: por que a guerra? Apres. de Deisy de Freitas Lima Ventura, Ricardo Antônio Silva Seitenfus. Santa Maria: FADISMA, 2005 [1932]):

O senhor apanhou-me de surpresa, no entanto, ao perguntar o que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra. Inicialmente me assustei com o pensamento de minha, quase escrevi nossa, incapacidade de lidar com o que parecia ser um problema prático, um assunto para Estadistas (p. 29).

Freud parecia, a princípio, tratar do assunto com mesuras e como suposto ignorante, em tom muito diferente da carta de Einstein endereçada a ele, na qual se evidenciava uma certa urgência e convocação.

A questão proposta por Einstein é liminar e nada imodesta: o que a psicanálise tem a dizer sobre a devastação cometida do homem contra o homem?1 1 Esse tema, como é fartamente sabido, invadiu a vida de Freud e dos psicanalistas ligados a ele, já na primeira guerra mundial. Discípulos convocados pelas forças armadas de seus respectivos países; filhos e familiares lutando nos fronts da guerra; penúria financeira e a quase extinção do trabalho clínico de Freud e de outros psicanalistas ameaçaram a própria existência da psicanálise e seu futuro. O texto “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” (FREUD, 1916), a publicação do “Simpósio sobre as neuroses de guerra” (1921), que reuniu trabalhos de Karl Abraham, Sándor Ferenczi, Ernst Simmel, Ernst Jones e prefaciado por Freud, e a troca de cartas entre Freud e Einstein publicada em 1932, e intitulada “Por que a guerra?” revelam as reações mais explícitas da psicanálise e dos psicanalistas à experiência da guerra. Outros desdobramentos mais discretos, mas mais profundos para a metapsicologia e para a clínica psicanalíticas, ocorreriam após a publicação de “Além do Princípio do Prazer” (FREUD,1920). Eles também demarcam respostas perenes a essa invasão. Ou, em seus termos:

Este é o problema: existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? É do conhecimento geral que, com o progresso da ciência de nossos dias, esse tema adquiriu significado de assunto de vida ou morte para a civilização, tal como a conhecemos; não obstante, apesar de todo o empenho demonstrado, todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável fracasso (FREUD; EINSTEIN, 1932, p. 21FREUD, S.; EINSTEIN, A. Um diálogo entre Einstein e Freud: por que a guerra? Apres. de Deisy de Freitas Lima Ventura, Ricardo Antônio Silva Seitenfus. Santa Maria: FADISMA, 2005 [1932]).

Nessa questão infinita e sem limites há ao menos dois convites explícitos de Einstein a Freud. O primeiro é de natureza política e convoca Freud a ser uma das vozes mundiais entre pensadores que têm, ou supostamente teriam, algo a dizer sobre a radicalidade e a repetição inexorável do mal que aflige e destrói a humanidade do homem, em qualquer tempo e lugar: as guerras fratricidas. O segundo é decisivamente sobre o alcance e os limites do pensamento psicanalítico.

Ao pioneiro da psicanálise, nessa carta, é perguntado se, diante de “todas as tentativas de solucioná-lo” (o problema da guerra) e que resultaram “em lamentável fracasso”, a psicanálise teria algo a dizer, afim de restaurar lá onde o pensamento soçobrou, e com ele os homens e mulheres vítimas da guerra, haveria alguma fagulha entre as cinzas a ser reabilitada por um pensamento devotado à compreensão e tratamento de dores e padecimentos da alma.

Estava Freud diante do mesmo desafio e impasse que o inspirou quando jovem ao trabalho psicanalítico. Tanto como o pensamento e a ciência médica haviam fracassado ante a histeria e a neurose - e foi Freud que o constatou -, fracassaria e demonstraria sua exaustão uma vez mais diante das guerras e seus suplícios, afirmou Einstein.

Se quisermos, haveria ainda uma outra demanda implícita de Einstein a Freud. Uma pergunta a um pioneiro, inventor, criador. É possível pensar outramente com a psicanálise e, a despeito de tudo o que foi pensado e que se encontra calcinado, encontrar algo ainda não pensado e, portanto, não condenado à melancolia do pensamento fracassado?

Dado o contexto no qual essa pergunta se insere, e dadas sua importância e seus termos, pode-se dizer que ela jamais deixou de ser feita à psicanálise desde então. Derrida (2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001.) retomaria então essa questão sem dá-la como encerrada. Ele diz:

É necessário um novo discurso sobre a Guerra. Nós esperamos, atualmente, novas “Considerações atuais sobre a Guerra e a morte” (cito títulos de FREUD, 1915FREUD, Sigmund. Considerações atuais sobre os tempos de guerra e morte. In: FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Obras Completas. v. 12. Trad. de Paulo César Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2010 [1915].: Zeigmasses uber Krieg und Tod) e um novo “Por que a Guerra?” ou, pelo menos, novas leituras dos textos desse gênero (p. 21).

Derrida propõe isso ao mesmo tempo em que o executa, na mesma conferência onde convoca. Hoje, porém, é possível afirmar que esse trabalho contínuo vem sendo realizado por muitos psicanalistas em diversos países, e especialmente no Brasil.2 2 Justo destaque deve ser dado ao trabalho de psicanalistas e pesquisadores brasileiros que, ao menos desde a década de 80 do século passado até os dias de hoje, trabalham para consolidar e ampliar o campo de debates sobre problemas ao mesmo tempo psíquicos, sociais e políticos no qual a psicanálise não apenas se apresenta, mas que também convoca. Não seria possível citá-los aqui por serem muito numerosos, basta por ora destacar seu papel e indicar e suscitar no leitor o interesse nas muitas e diversas pesquisas e trabalhos realizados, dentro e fora da universidade, sobre o tema e que estão acessíveis hoje em qualquer plataforma de acesso a livros, artigos, teses e dissertações. Talvez bastaria dizer, por ora, que tal fato na psicanálise revela que algumas das inquietações e provocações propostas por Derrida têm encontrado terreno fértil no Brasil há pelo menos 40 anos. Isso se deve a muitos fatores e conjunturas entre as quais a obra de Derrida certamente se insere.

Parte do que Derrida porá à mostra no que tange à psicanálise é sua vocação para evidenciar, explicitar, desvelar no mesmo torvelinho onde esconde e oculta. Evidencia-se, assim, no seio do próprio trabalho desconstrutivo de Derrida, a necessidade, que a psicanálise também tem, de um intérprete capaz de indicar à psicanálise o que a impede e impediu de alcançar o que supostamente estaria ao seu alcance; de enfrentar e exercer seu próprio radicalismo e de perdurar lá onde se encontraria em vertigem, tal como sugere e muitas vezes possibilita ao convidar seus pacientes ao trabalho de análise.

Porém, para isso, é preciso um intérprete meticuloso e Derrida foi, certamente, um dos mais incisivos e agudos leitores das repetições indenes da psicanálise e na psicanálise. Todavia, nesse trabalho de entalhe por ele realizado, duas proposições cumpre serem destacadas em suas releituras.

A primeira dirige-se aos conceitos diretamente. Ao campo aberto pela psicanálise de Freud que, primeiro, cria, funda conceitos que nomeiam determinado processo ou um conjunto de processos simultâneos e, depois, os deixaria disponíveis aos seus herdeiros que passam a sorver o sumo ou a carcaça do que lhes foi legado. Nesse ponto se coloca para os psicanalistas, tão ciosos e afeitos aos seus mestres e pioneiros, a fundamental definição do papel da herança. A responsabilidade para com a herança que consiste em escolher, interpretar e romper com o herdado.

Cito Derrida (2004DERRIDA, Jacques. De que amanhã: diálogo/Jacques Derrida; Elisabeth Roudinesco. Tradução André Teles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.):

A começar pela palavra “vida”. Seria necessário pensar a vida a partir da herança, e não o contrário. Seria preciso portanto partir dessa contradição formal e aparente entre passividade e recepção e a decisão de dizer “sim”, depois selecionar, filtrar, interpretar, portanto transformar, não deixar intacto, incólume, não deixar salvar aquilo mesmo que se diz respeitar antes de tudo. E depois de tudo. Não deixar a salvo: salvar, talvez, ainda, por algum tempo, mas sem a ilusão quanto a uma salvação final (p. 13).

A posição do herdeiro não é, ou não deveria ser, salvacionista, porque há aí empenhada uma vocação para a repetição, um compromisso com o sintoma e a abdicação do papel do intérprete. Tudo ao contrário do que se faria no trabalho proposto pelo dispositivo analítico. Ainda assim, a vocação ou devoção dos supostos herdeiros da psicanálise pode se fazer repousar sobre uma espécie de adoração aos pioneiros e mestres, o que, de algum modo, impediria o próprio devir da psicanálise como prática e teoria. Dito de outro modo, todo o devir da psicanálise depende de que se possa “dizer com as próprias palavras”; sem isso, decerto, a psicanálise seria irrelevante.

A outra proposição que queria destacar se deve ao que Derrida chamou de um transbordamento dos conceitos. A desconstrução é hiperconceitual (2004DERRIDA, Jacques. De que amanhã: diálogo/Jacques Derrida; Elisabeth Roudinesco. Tradução André Teles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004., p. 14), disse Derrida. Trabalha-se com “(...) grande consumo dos conceitos à medida que os herda - mas apenas até o ponto que uma certa escritura pensante excede a apreensão ou o domínio conceitual” (2004, p. 14).

O que chama como consumo de conceitos talvez poderia ser remetido à combustão de conceitos, tal como a lenha que se joga na fogueira para alimentar o fogo. A função de tudo ali, a lenha, o fogo, a fogueira e mesmo as cinzas, é o calor e a vida que ele gera e possibilita. Seria então uma tarefa desconstrutiva revelar, quando possível, o ponto em que os conceitos calcinaram e não produzem nem possibilitam pensamento claudicando na mera repetição de ideias. Nesse ponto, e exagerando na analogia, não haveria tanta diferença entre a lenha e as cinzas -ambas como resquício do pensado.

Quando Pontalis (2005PONTALIS, Jean-Bertrand. Bordas ou confins. In: PONTALIS, Jean-Bertrand. Entre o sonho e a dor. Trad.o Claudia Berliner. Aparecida: Ideias e Letras, 2005.)3 3 Ver Pontalis, J-B. Bordas ou Confins, 2005. perguntava se, em psicanálise, se trataria de definir bordas, fronteiras e delimitações ou, ao contrário, de transgredir linhas divisórias, confrontar saberes instituídos e vazar fronteiras, isto é, definir-se como movimento que se exerce nos confins e sempre em tensão contra algo que resiste a ele, ele indicava, de outro modo e como psicanalista, o papel que Derrida exerceu sempre que pensou a psicanálise, desconstruindo-a e a seus conceitos a seu modo.

De forma mais aguda e, novamente, tomado de uma certa urgência, Derrida, num face a face importante com e contra os psicanalistas, por ocasião do encontro dos Estados Gerais da Psicanálise em Paris em julho de 2000, observou em sua conferência de abertura:

Gostaria de privilegiar, no tempo que me é graciosamente acordado, duas formas, a meu ver maiores, disso que resiste. Ainda hoje e durante muito tempo. A crueldade resiste, a soberania resiste. Uma e outra, tanto uma quanto a outra, elas resistem à psicanálise, sem dúvida, mas tanto quanto a psicanálise lhes resiste, no sentido mais equívoco dessa palavra. (DERRIDA, 2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001., p. 12-13).

Sobre a crueldade que se quer soberana

Tentando evitar considerações exclusivamente teóricas e esparsas sobre esse diálogo, passo agora a comentar um dos momentos em que Derrida coloca os psicanalistas defronte de seu próprio ofício e, de certo modo, os provoca ante os impasses colocados por eles mesmos ou pelos seus antecessores. Mais interessante ainda é que em diversas ocasiões Derrida não dialoga ao longe e à distância com os psicanalistas, como uma espécie de detrator da psicanálise. Jamais. Ele é convidado seguidamente pelos próprios psicanalistas, seja como interlocutor ou como emissário da estrangeridade tão cara a Freud e à psicanálise.4 4 Seria demorado e excessivo aqui aprofundar o tema do estrangeiro na obra de Freud, mas creio ser oportuno indicar ao leitor a obra de Zygmunt Bauman (1999), intitulada “Modernidade e Ambivalência”, na qual o autor aprofunda o papel de Freud e Kafka na invenção de obras que surgiram a partir da afirmação da estrangeridade assumida, compreendida e expressa radicalmente em suas respectivas obras. Cada um a seu modo tornou-se pioneiro como forma de apropriação inexorável para se negarem às políticas de assimilação destinadas aos judeus na Europa. Tanto a psicanálise quanto a literatura seminal de Franz Kafka seriam devedoras dessa negação, radical e custosa, das políticas assimilatórias que atravessaram toda a vida adulta de Sigmund Freud e Franz Kafka.

Nessa conferência que, para os propósitos deste artigo, é exemplar por diversos motivos5 5 A peculiaridade dessa conferência, proferida por ocasião desse encontro, reside no fato de ela ser proferida em um encontro mundial de psicanalistas em um momento em que se supunha ser urgente uma tomada de posição dos psicanalistas a respeito de suas posições políticas, institucionais e associativas. Os chamados Estados Gerais da psicanálise se apresentavam também como uma reunião que previa o enfrentamento dos impasses e consequências que tais posições suscitaram e determinaram no passado. Tratava-se, portanto, de um encontro que não se reconhecia, e nem se sabia, como um encontro qualquer, mas aspirava, talvez, a inflexões até então não possíveis ou não desejadas pelo conjuntos das instituições, grupos, associações de psicanálise e seus respectivos membros. , Derrida, talvez, não completamente ciente das razões desse encontro e de sua história, endereça aos presentes um conjunto de perguntas que se reuniriam numa questão mais profunda e abrangente: por que um encontro entre psicanalistas para além de suas filiações, dívidas e compromissos até então assumidos com linhas, instituições e hierarquias psicanalíticas se autointitulou Estados Gerais de Psicanálise?

Cito:

De início, tentei; depois, à falta de tempo, tive de resistir à tentação de levar bem adiante a análise comparativa dos Estados Gerais de 1789 e dos Estados Gerais da Psicanálise. De onde vem o apelo? Quem convoca quem? Qual é, aqui, a hierarquia suposta ou dissimulada? Quem tem o poder e quem se presta a tomá-lo? Quem saberá renunciar a ele? (DERRIDA, 2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001., p. 23).

Por que um chamado geral conclama um determinado fato da história e por que esse fato é tributário da história francesa? O que, na dinâmica desse encontro, que avançaria até 2005 e nunca mais seria na França após o ano 2000, dizia de seu próprio fracasso de continuidade. Por que uma iniciativa latino-americana6 6 O primeiro encontro dos Estados Gerais ocorreu no Brasil, na cidade de São Paulo, organizado e coordenado por psicanalistas brasileiros e argentinos em 1998. Logo depois, viria o encontro mundial em Paris em 2000, no qual Jacques Derrida proferiu a conferência mencionada. Quatro outros encontros latino-americanos aconteceriam em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Buenos Aires entre 2001 e 2005. O segundo encontro mundial, que ocorreria em 2006 na Bélgica, foi abortado por falta de quórum, segundo os organizadores. teria adotado um chamamento francês?

São questões que devem permanecer suspensas, latentes para guardar sua potência devida. Elas suscitaram e suscitarão respostas diversas, justificativas, talvez, mas o fato consumado de uma nomeação, um enunciado francês para uma iniciativa que se pretendia global revela, certamente, um não pensado pela psicanálise e pelos psicanalistas de então. Isso não passou desapercebido de modo algum por Derrida, como vimos, até porque tal impasse era flagrante, mas foi preciso um estrangeiro - que se considera menos francês que os franceses - para dizê-lo.

A devida cerimônia para um encontro que se pretendia geral - evocador de muitas vozes separadas por protocolos mal herdados, por dissensões devidas aos pioneiros, por aspirações ao poder de falar pela psicanálise e pelos psicanalistas - revelava um impedimento de princípio em pensar problemas maiores sem as exigências de quaisquer anuências ou autorizações. Os problemas e impasses colocados por Freud no texto “Podem os leigos exercer a psicanálise?” de 1926FREUD, Sigmund. Pueden los legos ejercer el análisis? Trad. José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 2016. retornavam agora, em contexto promissor, aliado a uma plateia disposta a escutar e a um intérprete disposto a dizer. A princípio, tudo estaria ali para ser interpretado, avaliado e, quiçá, derrubado, ultrapassado, desvelado. Porém, não poderia e não deveria, de modo algum, ser julgado.

Um belo impasse a se propor: transformar sem julgar.

Permanecia e permanece latente, no entanto, a questão formulada naquela ocasião.

Cito Derrida (2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001.):

Ninguém poderá jamais dizer se o momento próprio dos Estados Gerais estava, em si mesmo, em sua instância original, destinado a perder ou a salvar a cabeça do rei. E se o próprio rei, convocando os derradeiros Estados Gerais, voltando a crueldade contra ele mesmo, não terá assinado, de próprio punho, sua sentença de morte (...).

Mais de dois séculos depois, os Estados Gerais da psicanálise estão destinados a salvar ou a perder um Rei ou um Pai da pátria? Qual rei, qual pai, qual nação? Será muito tarde para tais questões? Estarão destinados, sem sabê-lo, estes Estados Gerais aqui, a consagrar a morte do Pai ou a salvar a cabeça do Pai - ou, ainda, terceira hipótese, a começar a pensar no que está em jogo? (p. 53).

Derrida retoma aqui os avatares da herança que consistiria em cortar o próprio narcisismo circulante no referido encontro para fazer surgir as condições de ensejo ante a possibilidade de declarar o fim de uma institucionalidade pautada por soberanos, para, se possível, revelar um novo começo. Tal contradição, entretanto, atravessa a própria apresentação de Derrida. Nela se ignora que os primeiros encontros dos chamados Estados Gerais ocorreram na América do Sul, particularmente em São Paulo, no Brasil.

Tematizando os organizadores franceses (Elizabeth Roudinesco e René Major) (2001, p.58-59) durante sua exposição, um tipo de recalque do que principia e produz demanda ao conjunto dos psicanalistas no mundo naquele momento atravessava também a conferência de Derrida (2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001.). Nela se ocultaria, sobretudo, o fato de que o encontro em Paris teria seu nascedouro longe da Europa central e, talvez, fosse essa uma das provocações mais potentes por ele mesmo enunciada. Cito duas passagens:

Quem representa aqui o Terceiro Estado da psicanálise essencialmente europeia - se não em seu território e em suas margens, ao menos nas raízes de sua cultura, em particular em sua cultura religiosa, jurídica e política? (p. 24).

E mais adiante:

Por que a psicanálise jamais fincou o pé no vasto território da cultura árabe-islâmica? Isso sem falar no extremo oriente? (p.40).

Ainda se referindo ao Primeiro Congresso Internacional de Psicanálise:

Aqueles anos foram, vocês sabem, os anos de uma Internacionalização - bem relativa, bastante eurocentrada - da psicanálise. Essa internacionalização, nós bem sabemos, nunca se tornou uma globalização. (p. 41-42).

Teria sido quase uma omissão despropositada, que revelaria um entrave de difícil ultrapassagem mesmo quando, em sua vocação de intérprete, de repente, retorna um esquecimento do que haveria a interpretar, considerados não apenas os antecedentes da psicanálise, mas o acontecimento presentificado, ele mesmo repleto de contradições e sintomas.

Isso torna fértil a retomada desse texto, 20 anos depois, para refletirmos sobre o que aconteceu, acontece e as perspectivas que se abriram nessas duas décadas. Assunto que não pertence ao escopo do presente artigo.

Todavia é possível dizer que Derrida nos sugere retornar, um pouco tristemente, a Freud em “Totem e Tabu” (1913FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. Trad. de Renato Zwick. Rev. Apres. de Paulo Endo, ensaio bibliográfico de Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre: L&PM, 2013 [1913]) no que esse texto de Freud havia suposto e claramente enunciado. Para um novo começo, desembaraçado do sintoma que o impele a ser um recomeço (“volta à normalidade”), haverá sacrifício, morte, assassinato, talvez, crueldade e luto. Porém, poderá a decapitação do rei e sua devoração/canibalização serem substituídas por uma morte morrida amparada pela certeza do fim de um reinado sem deposição forçada, mas consentida? Provocando ou ensejando um impelir-se adiante dos herdeiros, que não mais terão os compromissos de sangue? Ou, se de outro modo, o assassinato for inevitável, saberemos dos assassinos a ponto da procedermos com sua responsabilização e indicarmos sua autoria?

O pai está morto. Quem o matou? Quem e quantos se responsabilizarão por sua morte e assumirão sua derrocada? Os psicanalistas se juntaram nessa ocasião para consagrar a autoria e a responsabilização ou para, uma vez mais, se ocultarem após darem fim no que quer que seja. Se esse fosse o caso, se cumpriria uma vez mais o vaticínio de Freud quando, ao hipostasiar o mito do pai da horda, revelou como sucedâneo a frátria constituída pelo assassinato sem responsáveis - sem heróis e sem assassinos, doravante fadada à perpetuação de assassinatos como promessa de restituição de ordem, por sua vez, garantidora da impunidade. Uma ordem, portanto, sempre frágil, efêmera, violenta e assolada pelo medo da desordem (FREUD, 1913FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. Trad. de Renato Zwick. Rev. Apres. de Paulo Endo, ensaio bibliográfico de Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre: L&PM, 2013 [1913]).

A crueldade soberana se revelaria como repetição no ponto em que a incorporação do pai morto, canibalizado pelos assassinos, isentou a todos da responsabilização pelo feito. Não há luto consagrado, permitido e devido ao pai da horda. Ele perdura como desaparecido, isento de reconhecimento e esteio de repetições intermináveis. A crueldade se completaria então como desaparecimento e ela seria plenamente definida nesse caso como a violência que perdura, interminável. Suas expressões, contudo, são oponíveis, como sugere Freud (1932) e, com ele, Derrida.

Derrida (2001DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade. Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001.) observa:

Mas para Freud, no entanto, tão próximo de Nietzsche, como sempre, a crueldade seria talvez, sem termo oponível, isto é, sem fim, mas não sem contrário - e esta será uma de nossas questões. (p. 7).

Ela tensiona, espreita e aspira ao domínio e, como pulsão de dominação, ela também oportuniza a terra arrasada enquanto cumpre proteger narcisismos, a despeito de tudo o que se lhes resiste, se lhes opõe e não lhes dá guarida. Nesse ponto, ela se materializa, se coletiviza, se politiza e se dramatiza nos movimentos de psicanálise e em tudo o mais que tais movimentos não alcançam, ignoram, denegam ou recalcam.

Contra a soberana crueldade se oporia o que o psiquismo criaria para suportá-la, sem pretender erradicá-la. A complexidade exigida pelo psiquismo para que o homem não fosse o próprio veneno contra a humanidade não repousaria nas identificações, mas na ausência delas, em tudo o que perdurou apenas para que a crueldade não fosse apanágio dos soberanos, sabedores de que serão responsabilizados pelos usos e abusos, lícitos ou ilícitos, do que se denominará, mais tarde, a crueldade dos soberanos. Isso é o que projetamos quando, esperançosos, dizemos: A história os julgará!

Referências

  • BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1999.
  • DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise: o impossível para além da soberana crueldade Trad. Antonio Romano Nogueira, Isabel Kahn Marin. São Paulo: Escuta, 2001.
  • DERRIDA, Jacques. De que amanhã: diálogo/Jacques Derrida; Elisabeth Roudinesco Tradução André Teles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
  • FERENCZI, Sàndor; ABRAHAM, Karl (orgs). Psycho- Analysis and War Neurosis Vienna: The International Psychoanalytical Press, 1921.
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  • FREUD, Sigmund. Pueden los legos ejercer el análisis? Trad. José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 2016.
  • PONTALIS, Jean-Bertrand. Bordas ou confins. In: PONTALIS, Jean-Bertrand. Entre o sonho e a dor Trad.o Claudia Berliner. Aparecida: Ideias e Letras, 2005.
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    Esse tema, como é fartamente sabido, invadiu a vida de Freud e dos psicanalistas ligados a ele, já na primeira guerra mundial. Discípulos convocados pelas forças armadas de seus respectivos países; filhos e familiares lutando nos fronts da guerra; penúria financeira e a quase extinção do trabalho clínico de Freud e de outros psicanalistas ameaçaram a própria existência da psicanálise e seu futuro. O texto “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” (FREUD, 1916), a publicação do “Simpósio sobre as neuroses de guerra” (1921), que reuniu trabalhos de Karl Abraham, Sándor FerencziFERENCZI, Sàndor; ABRAHAM, Karl (orgs). Psycho- Analysis and War Neurosis. Vienna: The International Psychoanalytical Press, 1921., Ernst Simmel, Ernst Jones e prefaciado por Freud, e a troca de cartas entre Freud e Einstein publicada em 1932, e intitulada “Por que a guerra?” revelam as reações mais explícitas da psicanálise e dos psicanalistas à experiência da guerra. Outros desdobramentos mais discretos, mas mais profundos para a metapsicologia e para a clínica psicanalíticas, ocorreriam após a publicação de “Além do Princípio do Prazer” (FREUD,1920FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Trad. de Renato Zwick. Ver. técnica e apresentação de Tales Ab’Saber, ensaio bibliográfico de Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre: L&PM, 2016 [1920].). Eles também demarcam respostas perenes a essa invasão.
  • 2
    Justo destaque deve ser dado ao trabalho de psicanalistas e pesquisadores brasileiros que, ao menos desde a década de 80 do século passado até os dias de hoje, trabalham para consolidar e ampliar o campo de debates sobre problemas ao mesmo tempo psíquicos, sociais e políticos no qual a psicanálise não apenas se apresenta, mas que também convoca. Não seria possível citá-los aqui por serem muito numerosos, basta por ora destacar seu papel e indicar e suscitar no leitor o interesse nas muitas e diversas pesquisas e trabalhos realizados, dentro e fora da universidade, sobre o tema e que estão acessíveis hoje em qualquer plataforma de acesso a livros, artigos, teses e dissertações. Talvez bastaria dizer, por ora, que tal fato na psicanálise revela que algumas das inquietações e provocações propostas por Derrida têm encontrado terreno fértil no Brasil há pelo menos 40 anos.
  • 3
    Ver Pontalis, J-B. Bordas ou Confins, 2005PONTALIS, Jean-Bertrand. Bordas ou confins. In: PONTALIS, Jean-Bertrand. Entre o sonho e a dor. Trad.o Claudia Berliner. Aparecida: Ideias e Letras, 2005..
  • 4
    Seria demorado e excessivo aqui aprofundar o tema do estrangeiro na obra de Freud, mas creio ser oportuno indicar ao leitor a obra de Zygmunt Bauman (1999BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1999.), intitulada “Modernidade e Ambivalência”, na qual o autor aprofunda o papel de Freud e Kafka na invenção de obras que surgiram a partir da afirmação da estrangeridade assumida, compreendida e expressa radicalmente em suas respectivas obras. Cada um a seu modo tornou-se pioneiro como forma de apropriação inexorável para se negarem às políticas de assimilação destinadas aos judeus na Europa. Tanto a psicanálise quanto a literatura seminal de Franz Kafka seriam devedoras dessa negação, radical e custosa, das políticas assimilatórias que atravessaram toda a vida adulta de Sigmund Freud e Franz Kafka.
  • 5
    A peculiaridade dessa conferência, proferida por ocasião desse encontro, reside no fato de ela ser proferida em um encontro mundial de psicanalistas em um momento em que se supunha ser urgente uma tomada de posição dos psicanalistas a respeito de suas posições políticas, institucionais e associativas. Os chamados Estados Gerais da psicanálise se apresentavam também como uma reunião que previa o enfrentamento dos impasses e consequências que tais posições suscitaram e determinaram no passado. Tratava-se, portanto, de um encontro que não se reconhecia, e nem se sabia, como um encontro qualquer, mas aspirava, talvez, a inflexões até então não possíveis ou não desejadas pelo conjuntos das instituições, grupos, associações de psicanálise e seus respectivos membros.
  • 6
    O primeiro encontro dos Estados Gerais ocorreu no Brasil, na cidade de São Paulo, organizado e coordenado por psicanalistas brasileiros e argentinos em 1998. Logo depois, viria o encontro mundial em Paris em 2000, no qual Jacques Derrida proferiu a conferência mencionada. Quatro outros encontros latino-americanos aconteceriam em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Buenos Aires entre 2001 e 2005. O segundo encontro mundial, que ocorreria em 2006 na Bélgica, foi abortado por falta de quórum, segundo os organizadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Aceito
    31 Jul 2020
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