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A Terra como corpo: a “economia do cuidado” contra as cinzas do “povo da mercadoria”

The Earth as a Body: The “Economy of Care” Against the “Commodity People” Ashes

Resumo

O presente trabalho propõe pensar a agência política da literatura ameríndia diante de uma guerra entre concepções de mundo, terra, ser e pessoa, uma guerra entre a “economia do cuidado” - que sabe que existir é sempre co-existir com pessoas de diferentes espécies e matérias - e o solipsismo do “povo da mercadoria”. Busca-se debater de que forma a resistência indígena e a luta pela terra são imanentes à poética dos povos originários. A literatura como forma de tensionar os limites de nossa ontologia, colocar nosso etnocentrismo e antropocentrismo em questão, abrir nosso mundo tão fechado em si mesmo para outros mundos.

Palavras-chave:
Literatura indígena; Resistência; Terra; Antropoceno.

Abstract

The present work proposes thinking on the political agency of indigenous literature in the face of a war between different conceptions of world, land, being, people, humanity, a war between an “economy of care” (which presupposes that to exist is to always co-exist with people of different kinds of species and materials) and the solipsism of “commodity people”. The aim is to understand how indigenous resistance and the struggle for land are immanent to indigenous people’s poetics. Literature is seen as a way to stretch the limits of our ontology, to put our ethnocentrism and anthropocentrism into question, to open our world (so closed in on itself) to other worlds.

Keywords:
Indigenous Literature; Resistance; Land; Anthropocene.

Resumen

El presente trabajo propone pensar en la agencia política de la literatura amerindia frente a una guerra entre concepciones de mundo, tierra, ser y persona, una guerra entre la "economía del cuidado" (que sabe que existir es siempre coexistir con personas de diferentes especies y materiales) y el solipsismo del "pueblo de la mercancía". Busca debatir cómo la resistencia indígena y la lucha por la tierra son inmanentes en su poética. La literatura como forma de tensionar los límites de nuestra ontología, de poner en duda nuestro etnocentrismo y antropocentrismo, de abrir nuestro mundo tan cerrado en sí mismo a otros mundos.

Palabras clave:
literatura indígena; Resistencia; Tierra; Antropoceno.

Em agosto de 2019, os “corpos em aliança”1 1 “Bodies in alliance” é uma expressão de Judith Butler sobre os corpos que, ao tomarem as ruas, questionam o próprio caráter público do espaço que ocupam ou disputam (2018, p. 80) e colocam a legitimidade do Estado em questão (2018, p. 92). “Trata-se, na verdade, do direito de ter direitos, não como uma lei natural ou estipulação metafísica, mas como a persistência do corpo contra as forças que buscam sua debilitação ou erradicação” (2018, p. 93). de 2.500 mulheres indígenas e de mais de 100 mil trabalhadoras rurais tomaram Brasília. Entre tantas questões pungentes que este encontro entre o urucum da I Marcha das Mulheres Indígenas e o lilás da 6ª Marcha das Margaridas desperta, gostaria de destacar a temática do corpo e da terra, da terra como corpo ou do ser corpo com a terra, evidente já no lema da marcha indígena: “Território: nosso corpo, nosso espírito”. Vejamos o que diz o manifestoDOCUMENTO final I Marcha das Mulheres Indígenas. APIB, 15 de agosto de 2019: Disponível em: <http://apib.info/2019/08/15/documento-final-marcha-das-mulheres-indigenas-territorio-nosso-corpo-nosso-espirito/>
http://apib.info/2019/08/15/documento-fi...
assinado pelas mulheres de 130 etnias que participavam do evento:

Enquanto mulheres, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos posicionar e lutar contra as violações que afrontam nossos corpos, nossos espíritos, nossos territórios. (...) Somos totalmente contrárias às narrativas, aos propósitos e aos atos do atual governo, que vem deixando explícita sua intenção de extermínio dos povos indígenas, visando à invasão e exploração genocida dos nossos territórios pelo capital. Essa forma de governar é como arrancar uma árvore da terra, deixando suas raízes expostas até que tudo seque. Nós estamos fincadas na terra, pois é nela que buscamos nossos ancestrais e por ela que alimentamos nossa vida. Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito. Lutar pelos direitos de nossos territórios é lutar pelo nosso direito à vida. A vida e o território são a mesma coisa.

A princípio, a palavra território (tantas vezes repetida no manifesto) pode nos causar estranhamento, uma vez que aprendemos com Deleuze que “o território é o domínio do ter” (1994DELEUZE, Gilles. Abecedário. Documentário. Paris: Éditions Montparnasse, 1994. ). Na fala dos povos originários, no entanto, seu uso é estratégico. Conforme afirma Eduardo Viveiros de Castro no prefácio de A queda do céu, Davi Kopenawa sabe que a única linguagem que os homens brancos entendem “não é a da terra, mas a do território, do espaço estriado, do limite, da divisa, da fronteira, do marco e do registro. Sabe que é preciso garantir o território para poder cultivar a terra” (2015VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “O recado da mata”. In: KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do cé u. São Paulo: Cia. das Letras , 2015, p. 11-41., p. 36).

Na introdução de Literaturas da floresta: textos amazônicos e cultura latino-americana, Lúcia Sá destaca que “quase todos os debates sobre os povos e as culturas indígenas, tanto no século XIX quanto agora, têm a ver, de uma forma ou de outra, com o direito à terra” (2012SÁ, Lúcia. Literaturas da Floresta. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. , p. 33). Ela cita como emblemático da cada vez maior organização política dos índios da América Latina nas últimas décadas justamente a substituição da demanda pela terra pela demanda por “território”, termo que, segundo ela, “inclui não apenas um lote de terra, mas também marcos geográficos e sagrados, além de uma relação histórica com esses marcos” (SÁ, 2012SÁ, Lúcia. Literaturas da Floresta. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. , p. 36).

Chamemos de terra ou de território, o que interessa nesta discussão é que a relação do indígena com a terra não é de propriedade, mas de pertencimento - não se possui a terra, pertence-se a ela. “A terra é o corpo dos índios, os índios são parte do corpo da Terra”, explica Viveiros de Castro (2016VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os involuntários da pátria. São Paulo: n-1 edições , 2016., p. 17). Isso significa que a disputa pelo território é uma disputa pelo próprio corpo. O que se perde quando se perde o direito de habitar um lugar é a própria existência, já que existir é sempre co-existir com este lugar e com os outros seres que o habitam, pessoas de diferentes espécies, materialidades e naturezas, uma multiplicidade de seres com os quais os povos originários coabitam, se relacionam socialmente e dos quais a existência depende.

A situação dos Guarani é um exemplo disso. Diante de uma Mata Atlântica ameaçada - restam menos de 7% de sua cobertura original - e, com ela, o modo de viver Guarani (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa/A terra uma só . São Paulo: Hedra , 2017., p. 59), a defesa do território se tornou uma questão de sobrevivência. Em um manifesto escrito em setembro de 2019CARTA PÚBLICA do povo Guarani: em luta contra o fim do mundo. Centro de Trabalho Indigenista, 04 de outubro de 2019. Disponível em: <https://trabalhoindigenista.org.br/carta-publica-do-povo-guarani-em-luta-contra-o-fim-do-mundo/>
https://trabalhoindigenista.org.br/carta...
, lideranças, rezadores e pesquisadores avá, mbya, ñandeva, kaiowa, guarani e tupi-guarani de diversas localidades da América Latina, reunidos no II Seminário Internacional de Etnologia Guarani, denunciam a “restrição territorial de diversos povos e comunidades, promovida por meio de sistemáticas remoções e desaparecimentos forçados, expulsões violentas, massacres, entre outras técnicas criminosas de genocídio”, concluindo que “somos chamados de invasores, mas fomos nós que tivemos nossas terras, nossos corpos e nossas vidas invadidas pelos não-indígenas”. Neste documento, eles explicam ainda que sua presença em áreas consideradas de conservação ambiental garante a conservação e a promoção da biodiversidade. Isso porque, a partir da renovação e do fortalecimento de seus saberes ancestrais, realizam a “recuperação ambiental nas tantas áreas tradicionais que foram degradadas pela ação perniciosa dos ruralistas”. Mais do que uma preocupação ambiental, o cuidado com a terra entre os Guarani é um preceito mítico, uma ética ditada pelos criadores divinos no Ayvu Rapyta, os cantos sagrados que definem o modo de ser guarani.

Xeramõi convoca a todos para continuarem a caminhada para alcançar Tenondere, onde nasce o sol, em Yy ramõi, chamado também de Para guaxu, o grande mar, o Oceano Atlântico. Para realizarem essa caminhada, ore retarã ypykuery, nossos parentes originários, levavam com eles suas variedades de plantas originais, que foram colocadas por Nhanderu Tenondegua em Yvy mbyte: jety mirĩi, batata doce original, avaxi ete’i, milho verdadeiro, manduvi mirĩi, amendoim original, mandyju mirĩi, algodão original, mandi’o mirĩi, espécie de mandioca, ya para’i, melancia, petỹ, fumo, ka’a, erva-mate, e muitas outras plantas. Levaram em forma de alimentos e de sementes. (...) Nhanderu indicava os lugares onde deveriam parar e cultivar as sementes e os frutos trazidos para se reproduzirem em todos os cantos de Yvyrupa, a Terra criada por ele (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa/A terra uma só . São Paulo: Hedra , 2017., p. 43-44).

Nesta tradução de Timóteo da Silva Verá Tupã Popygua, publicada com o título de Yvyrupa/A terra uma só, em que os nomes aparecem primeiro em Guarani e depois em Português - uma espécie de insistência da língua indígena que desestabiliza o monolinguismo da língua de Estado -, o canto vai descrevendo o caminho feito pelos ancestrais, os rios, os animais, os frutos que encontravam e os que plantavam, as plantas medicinais que descobriram, a Serra do Mar e o Oceano Atlântico - local “ideal para formar tekoa, onde acontece nosso modo de vida, para viver o nhandereko, nosso modo de ser, para ter yvy poty aguyje, agricultura e plantio com abundância, e para oupyty aguã Nhanderu arando, para alcançar a sabedoria divina, a morada dos Nhanderu” (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa/A terra uma só . São Paulo: Hedra , 2017., p. 46-48).

Tanto na versão de Popygua quanto na clássica tradução de León Cadogan, publicada pela primeira vez em 1959 com o título de Ayvu rapyta: textos míticos de los Mbyá-Guarani del Guairá, que serviu de fonte para Pierre Clastres, Kaká Werá, Douglas Diegues e Josely Vianna Baptista2 2 Preocupada em manter a sonoridade da poética Guarani, suas modulações e tessituras sonoras, Baptista utilizou, além do texto de Cadogan, gravações que fez do professor e líder indígena Teodoro Tupã Alves, entoando os cantos em mbyá. Essa tradução, publicada no livro Roça Barroca (2011) junto com os poemas da série “Moradas nômades”, foi tema do artigo “‘Nenhum rosto sem o outro’: a poética ameríndia e o devir-menor” (CERNICCHIARO, 2018). , fica evidente a “arquitetura imagética e rítmico-sonora” (BAPTISTA, 2011BAPTISTA, Josely Vianna. Roça Barroca. São Paulo: Cosac Naify, 2011., p. 10) da língua Guarani. Esta potencialidade poética da língua foi o que levou Pierre Clastres a concluir, após pesquisa de campo entre os Guarani, que “não há, para o homem primitivo, linguagem poética, pois sua linguagem já é, em si mesma, um poema natural em que repousa o valor das palavras” (CLASTRES, 2003CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. São Paulo: Cosac Naify , 2003., p. 143). Na língua Guarani, ser e linguagem, espírito e palavra, são uma mesma coisa, nhẽe significa ao mesmo tempo “falar”, “vozes” e “alma”, de forma que nhẽe porã, significa tanto as “boas palavras” quanto “espírito bom”. É disso que trata a primeira parte do Ayvu Rapyta:

Da sabedoria de Nhamandu, da sua chama e da sua neblina divina, nascem as belas palavras, ayu rapyta. Ele é o dono da palavra. (...) Nhamandu, depois de ter criado as três origens divinas - ayu porã rapyta, a origem das belas palavras, mborai, o canto divino, mborayu miri, o amor infinito, gerou aqueles com quem iria dividir estas três fontes divinas de sabedoria (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa/A terra uma só . São Paulo: Hedra , 2017., p. 18).

Conforme explica Josely Vianna Baptista, o canto rememora e celebra o momento em que o Pai Nhamandu divinizou a linguagem, transformando-a numa manifestação do amor divino. A linguagem precede a existência humana, pois teria aflorado de Nhamandu, seria parte dele, e a palavra seria “o vínculo fundamental entre o homem e o universo” (ROA BASTOS apudBAPTISTA, 2011BAPTISTA, Josely Vianna. Roça Barroca. São Paulo: Cosac Naify, 2011., p. 17). Assim, a perfeição do ser está na perfeição do seu dizer: “Nós somos a história de nossas palavras. Tu és tuas palavras, eu sou nossas palavras”, explica Bartolomeu Melià, acrescentando que, “potencialmente, cada Guarani é um profeta - e um poeta -, segundo o grau que alcance sua experiência religiosa” (apudEKMAN, 2017EKMAN, Anita. “A tradução do espírito”. In: Popygua, Timóteo. Yvyrupa/A terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017, p. 62-69., p. 62). Tudo muda, no entanto, quando estas “palavras-almas” (EKMAN, 2017EKMAN, Anita. “A tradução do espírito”. In: Popygua, Timóteo. Yvyrupa/A terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017, p. 62-69.) são traduzidas para a língua portuguesa. Como afirma Anita Ekman no posfácio ao livro de Popygua, para um Guarani, tal tradução é “um desafio que transcende o literário; é em si um ato político” (2017EKMAN, Anita. “A tradução do espírito”. In: Popygua, Timóteo. Yvyrupa/A terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017, p. 62-69., p. 62).

Gostaria de me deter nessa ideia de Ekman para pensar o ato político de (r)existência indígena presente na poética ameríndia - seja nas traduções de cantos tradicionais ao português feitas por indígenas e não-indígenas, seja na literatura ou na teoria de escritores e pensadores indígenas contemporâneos -, não como um ato que transcende o literário, mas como uma agência que lhe é imanente.

Ao analisar uma série de obras capitais da literatura latino-americana que tem como tema a cultura indígena, Lúcia Sá conclui que “as apropriações românticas e modernistas de textos, gêneros literários e visões de mundo indígenas” costumam não deixar espaço para a possibilidade de sobrevivência cultural. No entanto, destaca ela, apesar da longa história de expropriações, abusos e extermínio, que fez com que várias culturas e milhões de indivíduos perecessem e continuassem perecendo, “também é verdade que aqueles que sobreviveram comprovam a grande capacidade das culturas indígenas para recriar e reinventar a si mesmas em meio às piores adversidades” (2012, p. 366). Uma dessas formas de se recriar, conclui ela a partir de sua leitura de Oré awé roiru’a ma (Todas as vezes que dissemos adeus), de Kaká Werá Jecupé - primeiro texto publicado individualmente por um indígena no Brasil -, seria a escrita: “única possibilidade de resistência para os índios guaranis, cujas aldeias continuam a ser devoradas pela megalópolis” (SÁ, 2012SÁ, Lúcia. Literaturas da Floresta. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. , p. 373).

Importante destacar que a escrita não é a única estratégia de luta dos povos originários, dia após dia temos visto o corpo indígena resistindo de inúmeras formas3 3 Em marchas, nos Acampamentos Terra Livre, na incrível imagem de Ana Terra Yawalapiti enfrentando a tropa de choque em frente ao Congresso Nacional, ou na de Tuíra Kayapó, famosa por ter colocado o facão no rosto do diretor da Eletronorte em 1989, ou ainda, dois anos antes, na de Ailton Krenak pintando o rosto de jenipapo na Assembleia Constituinte, em Raoni Metuktire, com 90 anos, rebatendo com elegância as truculentas afirmações do presidente (e, mais recentemente, sobrevivendo ao Covid-19)... sem falar em outros suportes das artes, como o impactante trabalho performático de Denilson Baniwa ou de Jaider Esbell; na surpreendente estética de cineastas indígenas como Divino Tserewahú Xavante, Alberto Álvares Guarani, Isael Maxacali, Takumã Kuikuro, Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, Naine Terena, ou ainda no rap dos Brô MC’s, Oz Guarani, Katú Mirim... conforme afirmou Ailton Krenak no Círculo de Saberes de Escritores e Realizadores Indígenas - Mekukradjá, que aconteceu em setembro de 2016 em São Paulo, ao interagir com os diferentes suportes da arte, uma diversidade de povos vem produzindo faísca, não apenas por suas referências nas matrizes ancestrais da arte indígena, mas também por falar da presença indígena no meio de uma sociedade que “ainda nos cospe e que a gente tem que ficar em pé e gritar todo dia que estamos vivos se não a gente vai ser engolido sem ninguém perceber”. , mas isso não diminui seu protagonismo. Conforme explica Davi Kopenawa, os Yanomami não precisam da “pele de imagens” para impedirem que as palavras antigas fujam de sua mente, porque sua “memória é longa e forte”; no entanto, para que suas palavras sejam ouvidas longe da floresta, foi importante que elas fossem desenhadas na língua dos brancos.

Talvez assim eles afinal as entendam, e depois deles seus filhos, e mais tarde ainda, os filhos de seus filhos. Desse modo, suas ideias a nosso respeito deixarão de ser tão sombrias e distorcidas e talvez até percam a vontade de nos destruir. Se isso ocorrer, os nossos não mais morrerão em silêncio, ignorados por todos, como jabutis escondidos no chão da floresta (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Cia. das Letras, 2015., p. 76).

Também para o xamã Xavante Warodi, a escrita, neste caso mais especificamente a transcrição dos sonhos, tem como função tornar os Xavante conhecidos pelos brancos como os descendentes dos primeiros criadores, fazer com que suas palavras cruzem o oceano e com que outros saibam como eles vêm sendo negligenciados (GRAHAM, 2018GRAHAM, Laura R. Performance de sonhos. São Paulo: Edusp, 2018. , p. 54). Aliás, o próprio compartilhamento de experiências oníricas, explica Laura Graham, já é por si só uma forma de ação social, promovendo sentimentos de continuidade cultural - da mesma forma que os cantos (e sua transcrição) é para os Kisêdjê (SEEGER, 2015SEEGER, Anthony. Por que cantam os Kisêdjê. São Paulo: Cosac Naify , 2015.). Ao conectar-se formalmente com os antigos performers, os indivíduos se dão conta da continuidade de um modo xavante de ser e de atuar no mundo (GRAHAM, 2018GRAHAM, Laura R. Performance de sonhos. São Paulo: Edusp, 2018. , p. 39). Continuidade, mas não fixidez, já que a “adaptação criativa é, na verdade, a chave de sua sobrevivência cultural, de sua capacidade de continuar sendo Xavante para sempre” (2018GRAHAM, Laura R. Performance de sonhos. São Paulo: Edusp, 2018. , p. 44).

como os Xavante vão continuar para sempre Xavante (...) les ensinaram os alimentos de acordo com a sabedoria deles eles trabalharam juntos então, primeiro eles criaram o cachorro (...) depois, eles criaram o cará (...) eles criaram a onça então, bem depois, eles criaram o babaçu depois, eles criaram a macaúba depois, sim, eles criaram tudo depois, as abelhas (...) depois, criaram a traíra depois, criaram os insetos depois, criaram as formigas depois em seguida, eles mostraram o jaburu (...) usando essa sabedoria eles trabalharam sem parar (GRAHAM, 2018GRAHAM, Laura R. Performance de sonhos. São Paulo: Edusp, 2018. , p. 57-59)

Conforme analisa Graham, “continuar como Xavante é continuar a habitar o mundo criado pelos imortais para os Xavante, um mundo onde vivem cães, onças, peixes, abelhas, insetos e jaburus. Continuar para sempre Xavante é continuar habitando um mundo repleto de raízes ubdi e cará” (2018GRAHAM, Laura R. Performance de sonhos. São Paulo: Edusp, 2018. , p. 59). Continuar é, portanto, co-existir. Os Xavante só existem se estes seres todos existirem. Não se existe sozinho, existir é sempre existir no mundo, em afetação com o mundo, o seu e o dos outros.

Conforme explicam Déborah Danowski e Viveiros de Castro, para os ameríndios, “todo existente, e o mundo enquanto agregado aberto de existentes, é um ser-fora-de-si. Não há ser-em-si, ser-enquanto-ser, que não dependa de seu ser-enquanto-outro; todo ser é ser-por, ser-para (...). A exterioridade está em toda parte” (2014DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS de Castro, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental, 2014., p. 98). Nesse sentido, cabe lembrar o apelo de Jean-Luc Nancy para reconsiderarmos o sentido de filosofia (e, portanto, também de política), de forma que a filosofia se recomece a partir de si-mesma contra si mesma, pensando como nós somos “nós” entre nós”, como a consistência de nosso ser está no ser-em-comum, no “em” ou no “entre” (2006NANCY, Jean-Luc. Ser singular plural. Madrid: Arena Libros, 2006. , p. 41). Para o autor de Ser Singular Plural, o ser não pode ser outra coisa senão ser-uns-com-os-outros, circulando no com e pelo com da co-existência singularmente plural (NANCY, 2006NANCY, Jean-Luc. Ser singular plural. Madrid: Arena Libros, 2006. , p. 19).

Parece-me que essa percepção de Nancy já está presente na ontologia dos povos originários como uma filosofia primeira que permitiria à nossa filosofia recomeçar-se a partir não tanto de si-mesma, mas da abertura a outras filosofias, a formas outras, menos dicotômicas, de pensar. Enquanto o Ocidente supõe uma dualidade ontológica entre natureza e cultura - como nos lembram Danowski e Viveiros de Castro, a concepção moderna (kantiana) do Homem como soberano da natureza é fundada neste binarismo (2014DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS de Castro, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental, 2014., p. 43) -, o pensamento ameríndio pressupõe uma continuidade entre essas duas esferas - “Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, afirma Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 16) - justamente porque os seres naturais são dotados de disposições humanas e características sociais (VIVEIROS DE CASTRO, 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify , 2002., p. 428). Espíritos, diferentes espécies de animais, acidentes geográficos, até mesmo a própria terra/Terra são capazes de ponto de vista, de subjetividade, intencionalidade e consciência, são pessoas, “povos”, “entidades políticas” (DANOWSKI & VIVEIROS DE CASTRO, 2014DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS de Castro, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental, 2014., p. 93).

Segundo a formulação de Alexandre Nodari, “tanto a terra é umoikos quanto a Terra é umego, um sujeito”. Tal equivocidade recíproca entreegoe oikosencontramos “em todos os habitantes da Terra, vivos e não vivos: não só uma pedra é, por um lado, um ser próprio, inteiro, como também é, por outro, a casa de infinitas e infinitesimais partículas, uma verdadeira sociedade, como diria Gabriel Tarde - eoikos, casa, é uma noção acima de tudo social e política”. Por isso, a ecologia “não consiste em um sabersobre aTerra, mas num discursodaTerra, que é um sujeito (ego) cujos hábitos são compostos na relação recíproca (ecoante) com aqueles que a habitam (que a tem comooikos)” (NODARI, 2014NODARI, Alexandre. “A( )terra(r)”. In: Os mil nomes de gaia, 2014: Disponível em: <https://osmilnomesdegaia.eco.br/2014/09/01/alexandre-nodari-a-terrar/>
https://osmilnomesdegaia.eco.br/2014/09/...
). Nos termos do povo yanomami: hutukara e urihi a, ou seja, “o mundo como floresta fecunda, transbordante de vida, a terra como um ser que ‘tem coração e respira’” (VIVEIROS DE CASTRO, 2015VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “O recado da mata”. In: KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do cé u. São Paulo: Cia. das Letras , 2015, p. 11-41., p. 16).

Na floresta, a ecologia somos nós, os humanos. Mas são também, tanto quanto nós, os xapiri, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol! É tudo o que veio à existência na floresta, longe dos brancos; tudo o que ainda não tem cerca (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Cia. das Letras, 2015., p. 480).

O fundamento de tal ecologia é, portanto, ontológico e ético, na medida em que é uma egolalia, mas também uma oikonomia, uma “economia do cuidado” - segundo a bela expressão de Kaká Werá (2017, p. 87). Uma relação de contiguidade (“o que ainda não tem cerca”) entre o eu - que muitas vezes não são indivíduos, mas “pessoas coletivas” - e o ambiente, a natureza, a Terra, a alteridade (humana, animal, vegetal, mineral). Conforme explica Krenak, “a montanha explorada em algum lugar da África ou da América do Sul e transformada em mercadoria em algum outro lugar é também o avô, a avó, a mãe, o irmão de alguma constelação de seres” (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 48). São pessoas, defende ele, não recursos, como dizem os economistas, não podem ser apropriados (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 40). Ao despersonalizarmos esses lugares, passamos a vê-los como resíduos da atividade industrial e extrativista, como se pudéssemos imprimir nossa marca sobre tudo o que achamos que não é humano, “os oceanos e todos os seus trilhões de vidas, as paisagens todas da Terra, que nós pensamos poder derrubar, cortar, podar, plainar” (KRENAK; CESARINO, 2016KRENAK, Ailton; CESARINO, Pedro N. “As alianças afetivas”. In: Incerteza Viva: Dias de estudo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2016, p. 169-184., p. 174).

Daí Kopenawa chamar os brancos de “povo da mercadoria”, por sua paixão pelas mercadorias a ponto de não enxergarem nada além delas. Um povo de pensamento “curto e obscuro”, “cheio de esquecimento e vertigem” (2015, p. 436), de ideias “obstruídas e enfumaçadas”, capaz de ouvir apenas “o ruído de seus aviões, carros, rádios, televisores e máquinas”.

Temo que sua excitação pela mercadoria não tenha fim e eles acabem enredados nela até o caos. Já começaram há tempos a matar uns aos outros por dinheiro, em suas cidades, e a brigar por minérios ou petróleo que arrancam do chão. Também não parecem preocupados por nos matar a todos com as fumaças de epidemia que saem de tudo isso. Não pensam que assim estão estragando a terra e o céu e que nunca vão poder recriar outros (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Cia. das Letras, 2015., p. 419).

No prefácio ao livro de Kopenawa e Albert, Viveiros de Castro explica que o termo Yanomami napë, utilizado originalmente para a condição relacional de inimigo, passou a designar os brancos, enquanto “membros (de qualquer cor) daquelas sociedades nacionais que destruíram a autonomia política e a suficiência econômica do povo nativo. O Outro sem mais, o inimigo por excelência e por essência, é o ‘Branco’” (2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Cia. das Letras, 2015., p. 12).

Essa condição de inimizade aparece em uma série de cosmogonias ameríndias. No mito Desana de origem da Humanidade, publicado em Antes o mundo não existia (1995)PÃRÕKUMU, Umussin; KẼHÍRI, Tõrãmū. Antes o mundo não existia. Mitologia dos antigos desana-kihíripõrãs. São João Batista: UNIRT; São Gabriel da Cachoeira: FOIRN , 1995. , de Umussin Pãrõkumu e Tõrãmū Kẽhíri, primeiro dos oito volumes da Coleção Narradores Indígenas do Rio Negro, por exemplo, a própria origem do branco remonta à guerra:

A todos estes, o Bisneto do Mundo disse: - “Dou-lhes o bem-estar, dou-lhes as riquezas das quais vocês nasceram”. Dizendo isso, ele estava dando-lhes o poder de serem mansos, de fazerem grandes festas com danças, de se reunirem com muita gente, de conviverem bem com todos, isto é, de não fazerem guerras. Isso tanto é verdade que os nossos Antigos nenhuma vez fizeram guerras, porque o Bisneto do Mundo lhes deu esse poder. O sétimo a sair para a superfície foi o Branco, com a espingarda na mão. O Bisneto do Mundo disse-lhe: - “Você é o último. Dei aos primeiros todos os bens que eu tinha. Como você é o último, deve ser uma pessoa sem medo. Você deverá fazer a guerra para tirar as riquezas dos outros. Com isso, encontrará dinheiro!” Quando ele acabou de dizer isto, o primeiro Branco virou as costas, deu um tiro com a espingarda e seguiu para o sul. Ele baixou, entrando nas malocas, por onde ele já havia passado enquanto estava subindo na Canoa de Transformação. Entrou na 21ª maloca, situada em São Gabriel, e aí mesmo fez a guerra. Numa pedra que existe nesse lugar, veem-se figurinhas parecidas com soldados, com capacete e espingarda, todos ajoelhados e dando tiros. Foi assim porque o Bisneto do Mundo deu-lhe o poder de fazer a guerra! Para ele a guerra é como uma festa. Por isso é que os Brancos fazem guerras! (PÃRÕKUMU; KẼHÍRI, 1995PÃRÕKUMU, Umussin; KẼHÍRI, Tõrãmū. Antes o mundo não existia. Mitologia dos antigos desana-kihíripõrãs. São João Batista: UNIRT; São Gabriel da Cachoeira: FOIRN , 1995. , p. 38-41)

Já em Os Comedores de Terra (Pitawarewë) - ou o livro das transformações contadas pelos yanomami do grupo Parahiteri, os napë são responsáveis pelas doenças. Antes deles, os antepassados

não ficavam doentes, pois não existia malária, e não precisavam curar ninguém, pois não havia doença, não havia dor, nem tosse, portanto não havia necessidade de remédio - não havia doença, pois não havia napë. (...) Era assim quando não existia napë, antes de os napë se misturarem; nessa época, os napë existiam? Sabemos que não! Não existiam. Os rios, apesar de serem grandes, dizem que eram vazios. Dizem que não se escutava o som do motor subindo o rio fazendo tu, tu, tu, tu, tu, tu! Ũ, ũ, ũ, ũ, ũ! Não se escutava o som do avião, por isso os velhos não morriam de doença (PAJÉS PARAHITERI, 2017PAJÉS PARAHITERI. Os comedores de terra. Org. Anne Ballester Soares. São Paulo: Hedra , 2017., p. 18-19).

A atualidade da cosmogonia é assustadora. No site da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, lemos que, até o dia 7 de setembro, 30.218 indígenas haviam sido infectados por Covid-19, sendo que 787 morreram - mas o número deve ser ainda maior, pois, além do cenário de subnotificação geral, a Secretaria de Saúde Indígena não está contabilizando nos números oficiais (nem atendendo!) indígenas urbanos ou que vivem em terras indígenas não homologadas4 4 O Instituto Socioambiental culpabiliza o Estado brasileiro por essa tragédia. “O governo foi omisso para impedir que o coronavírus se espalhasse pelos povos indígenas. (....) o governo permitiu que invasores permanecessem em Terras Indígenas em plena pandemia, desestruturou mais ainda os órgãos de fiscalização e não implementou políticas para garantir a permanência de indígenas nas aldeias com segurança alimentar”, afirma Antonio Oviedo, em Boletim do ISA enviado por e-mail no dia 17 de julho de 2020. .

O genocídio epidêmico não é coisa do passado, mas tampouco é novidade para os povos originários. Etnias inteiras, como os Goitacá, por exemplo, foram exterminadas por doenças como varíola, febre amarela, sarampo e até gripe. Segundo o antropólogo Casé Angatu, "as contaminações, propositais ou não, serviram e servem para espoliar terras indígenas e para o contínuo genocídio dos povos originários" (apud NEIVA, 2020NEIVA, Leonardo. “Como colonizadores infectaram milhares de índios no Brasil com presentes e promessas falsas”. BBC News, 20 jul. 2020. Disponível em: https://bbc.in/3q8rbJG
https://bbc.in/3q8rbJG...
). O relatório da Comissão Nacional da Verdade de 2014 identificou, entre as causas para a morte de cinco mil índios Cinta Larga no Mato Grosso e Rondônia, a partir da década de 1950, “aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola”, enviados por seringalistas, mineradores, madeireiros e garimpeiros, com a conivência do governo federal (NEIVA, 2020NEIVA, Leonardo. “Como colonizadores infectaram milhares de índios no Brasil com presentes e promessas falsas”. BBC News, 20 jul. 2020. Disponível em: https://bbc.in/3q8rbJG
https://bbc.in/3q8rbJG...
). Também os Yanomami tiveram boa parte da sua população dizimada por epidemias, denuncia Kopenawa:

Antigamente, éramos realmente muitos e nossas casas eram muito grandes. Depois, muitos dos nossos morreram quando chegaram esses forasteiros com suas fumaças de epidemia e suas espingardas. Às vezes até tememos que os brancos queiram acabar conosco. (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Cia. das Letras, 2015., p. 78)

Conforme diz Krenak em um depoimento para a série documental Guerras do Brasil.doc (2018), dirigida por Luiz Bolognesi: “Estamos em guerra. O meu mundo e o seu mundo estão em guerra”. Trata-se de uma guerra entre mundos, entre concepções de mundo, de terra, de planeta, de ser, de pessoa... nesta guerra, avalia Krenak, “milhares de pessoas que insistem em ficar fora dessa dança civilizada, da técnica, do controle do planeta” são tiradas de cena “por epidemias, pobreza, fome, violência dirigida” (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 70). Segundo ele, “aqueles que consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes - a sub-humanidade” (KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., 21). Em entrevista a Pedro Cesarino no caderno Dias de estudo, da 32ª Bienal de São Paulo, Krenak explica que a humanidade passou a separar o planeta em lotes, dando um tipo de direito para alguns humanos, outro tipo para os mais ou menos humanos e, finalmente, nenhum direito humano para aquela gente que “não vive em estado de humanidade” (KRENAK; CESARINO, 2016KRENAK, Ailton; CESARINO, Pedro N. “As alianças afetivas”. In: Incerteza Viva: Dias de estudo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2016, p. 169-184., p. 177).

A essa segregação Agamben dá o nome de máquina antropológica. Uma maquinaria que, ao mesmo tempo que produz o reconhecimento do humano, cria inumanidades, ou seja, humanos não-sujeitos que se encontram excluídos das bases legais de proteção (2006AGAMBEN, Giorgio. Lo abierto. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006., p. 140). O Estado precisa retirar a cidadania e, portanto, a humanidade - Agamben nos lembra que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vincula uma categoria a outra (2015AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim. Belo Horizonte: Autêntica, 2015., p. 27) - dos que deixa morrer. “Esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros”, resume Achille Mbembe. Em termos foucaultianos, explica o filósofo camaronês, “racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, ‘este velho direito soberano de matar’” (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 18).

No entanto, avalia Mbembe, “a noção de biopoder é insuficiente para dar conta das formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte” (2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 71). Ele propõe a noção de necropolítica para pensar a perpetuação da lógica colonial na modernidade tardia, uma lógica em que a violência é a forma original do direito e a exceção proporciona a estrutura da soberania. Segundo ele, as relações espaciais que se estabeleciam na “ocupação colonial” equivaliam à produção de uma ampla reserva de imaginários culturais, que davam sentido à instituição de direitos diferentes, para diferentes categorias de pessoas. “O espaço era, portanto, a matéria-prima da soberania e da violência que ela carregava consigo. Soberania significa ocupação, e ocupação significa relegar o colonizado a uma terceira zona, entre o estatuto de sujeito e objeto” (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 39). Isso era possível porque, para o colonizador, as colônias eram habitadas por “selvagens”, de forma que os controles e as garantias de ordem judicial pudessem ser suspensos.

Aos olhos do conquistador, “vida selvagem” é apenas outra forma de “vida animal”, uma experiência assustadora, algo radicalmente outro, além da imaginação ou da compreensão. Na verdade, de acordo com Arendt, o que diferenciava os selvagens de outros seres humanos era menos a cor de suas peles do que o fato de que “se comportavam como parte da natureza, que a tratavam como senhor inconteste”. (...) Os selvagens são, por assim dizer, seres humanos “naturais”, que carecem do caráter específico humano, da realidade especificamente humana, de tal forma que, “quando os europeus os massacravam, de certa forma não tinham consciência de cometerem um crime”. (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 35-36)

Como vimos, tal lógica colonial não foi ultrapassada, pelo contrário, ela ganha perversidade com a tecnologia das armas modernas, as milícias, os assentamentos de refugiados e, especificamente no caso brasileiro, com as Unidades Pacificadoras, as “reintegrações” de posse, a pulverização de agrotóxicos, o rompimento de barragens, o mercúrio nos rios, as queimadas, a invasão de garimpeiros ilegais, a pressão das grandes mineradoras, os conflitos no campo e a impunidade aos assassinos5 5 De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017 foram registrados 1.431 conflitos no campo com 71 mortes. A grande maioria desses assassinatos não foram, e nem serão, investigados: apenas 117 dos 1.468 casos de assassinatos em conflitos de terra entre 1985 e 2018 foram avaliados por um juiz em alguma instância. , a falta de políticas públicas. Quanto mais o Estado flerta com o fascismo, mais os “civilizados” se sentem autorizados a matar em nome das grandes obras, do desenvolvimento, do “agropop”. Afinal, como conclui Marco Valentim, “se o antropocentrismo constitui a ontologia fundamental do Antropoceno, o fascismo é sua política oficial” (2018VALENTIM, Marco A. Extramundanidade e sobrenatureza. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018., p. 290).

A cada dia vemos que o progresso tecnológico, especialmente aquele que vem acompanhado do neoliberalismo econômico, anda par e passo com o que há de mais conservador em termos morais e mais fascista em termos de direitos humanos - o que não deveria nos surpreender; lembremos com Benjamin e sua oitava tese “Sobre o conceito de história” que a concepção de história que se assombra com a ligação entre fascismo e progresso é insustentável (1994BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 7a. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994: 222-232., p. 226).

Essa relação perversa entre neoliberalismo, desenvolvimentismo, conservadorismo e necropolítica é bastante evidente na política do governo brasileiro atual, que, como avalia Célia Tupinambá, tem os povos indígenas como alvo número 1. Cito novamente o manifesto da I Marcha das Mulheres Indígenas:

tudo o que tem sido defendido e realizado pelo atual governo contraria frontalmente essa forma de proteção e cuidado com a Mãe Terra, aniquilando os direitos que, com muita luta, nós conquistamos. A não demarcação de terras indígenas, o incentivo à liberação da mineração e do arrendamento, a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental, o financiamento do armamento no campo, os desmontes das políticas indigenista e ambiental demonstram isso.

De fato, foram registrados mais de 160 casos de invasão de terra nos primeiros nove meses de 2019, o dobro do ano anterior. Sem contar os mais de 20 mil garimpeiros e grilheiros6 6 Além da invasão ilegal, os Yanomami e outras 160 etnias, sendo 12 delas de povos isolados, sofrem com a pressão das grandes empresas de mineração. Segundo o Instituto Socioambiental, foram feitos 4.332 pedidos de pesquisa mineral em terras indígenas na Agência Nacional da Mineração. que invadiram as terras Yanomami e que têm sido agentes de contaminação, espalhando o coronavírus em terras indígenas. Além disso, com o desmanche da Funai, a não demarcação de terras, o financiamento do armamento no campo, os cortes orçamentários no meio-ambiente, a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental e a perseguição aos funcionários do IBAMA e do ICMBio, a devastação atinge níveis recordes na Amazônia e as queimadas se espalham por todo o país.

Como diz Davi Kopenawa, o “povo da mercadoria” continua “a estragar a terra em todos os lugares onde vive, mesmo debaixo das cidades onde mora”, e não percebe que se a maltratar demais “ela vai acabar revertendo ao caos”.

A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. A terra ressecada ficará vazia e silenciosa. Os espíritos xapiri, que descem das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para muito longe. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger. Não serão capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram. Não conseguirão mais conter os seres maléficos, que transformarão a floresta num caos. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar. (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Cia. das Letras, 2015., p. 6)

A profecia de Kopenawa parece cada vez mais próxima. Conforme avalia Krenak, durante muito tempo eram apenas os povos originários que estavam ameaçados de extinção, “hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda”, de modo que “a compreensão de que estamos vivendo uma era que pode ser identificada como Antropoceno deveria soar como um alarme nas nossas cabeças” (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 45). O pensador indígena se refere à teoria de que vivemos uma nova era geológica, na qual humanos se tornaram agentes geológicos no planeta, mudando os processos físicos mais básicos da Terra. Conforme explica Naomi Oreskes,

Por séculos, os cientistas pensaram que os processos da terra eram tão grandes e poderosos que nada que fizéssemos poderia mudá-los. Este era um princípio básico da ciência geológica: que as cronologias humanas eram insignificantes comparadas com a vastidão do tempo geológico (...). E no passado elas eram. Agora, não. Há tantos de nós cortando tantas árvores e queimando tantos bilhões de toneladas de combustíveis fósseis que nos tornamos agentes geológicos. Mudamos a química da nossa atmosfera, fazendo com que o nível do mar subisse, o gelo derretesse e o clima mudasse. (apudCHAKRABARTY, 2013CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da história: quatro teses. Sopro, Florianópolis, n. 91, p. 4-22, 2013., p. 9)

Dipesh Chakrabarty avisa que o aquecimento global coloca em risco “as condições biológicas e geológicas das quais depende a continuidade da vida humana tal como ela se desenvolveu durante o período do Holoceno” (2013CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da história: quatro teses. Sopro, Florianópolis, n. 91, p. 4-22, 2013., p. 17), de forma que as próximas gerações, provavelmente, terão de sobreviver em um “meio empobrecido e sórdido, um deserto ecológico e um inferno sociológico”, profetizam Danowski e Viveiros de Castro (2014DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS de Castro, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental, 2014., p. 29). Diante desse presente sem porvir, defendem a filósofa e o antropólogo, a tarefa passa por aprender com os 370 milhões de pessoas indígenas espalhadas por 70 países, que são, assim como vimos no caso dos povos originários que vivem no Brasil, mestres em fim de mundo. Krenak concorda com eles: “Tem quinhentos anos que os índios estão resistindo, eu estou preocupado é com os brancos, como que vão fazer para escapar dessa” (KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 31).

A resposta ele mesmo nos dá quando diz que adiar o fim do mundo é poder sempre contar mais uma história (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das Letras , 2019., p. 27). Se, como vimos com Marco Valentim, o antropocentrismo é a ontologia fundamental do Antropoceno e o fascismo sua política oficial, a guerra contra o fascismo e o fim do mundo se luta com a abertura para outras histórias, histórias outras que as da dominação e do progresso, do antropocentrismo e do fascismo, histórias que remetam a outras ontologias, a novas possibilidades de vida, a uma “economia do cuidado” e não da mercadoria, abertura de um mundo a outros mundos, mundos onde a terra é o nosso corpo e nós somos o corpo da terra. Quem sabe, assim, possamos suspender o céu.

Referências

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  • 1
    “Bodies in alliance” é uma expressão de Judith Butler sobre os corpos que, ao tomarem as ruas, questionam o próprio caráter público do espaço que ocupam ou disputam (2018, p. 80) e colocam a legitimidade do Estado em questão (2018BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 92). “Trata-se, na verdade, do direito de ter direitos, não como uma lei natural ou estipulação metafísica, mas como a persistência do corpo contra as forças que buscam sua debilitação ou erradicação” (2018, p. 93).
  • 2
    Preocupada em manter a sonoridade da poética Guarani, suas modulações e tessituras sonoras, Baptista utilizou, além do texto de Cadogan, gravações que fez do professor e líder indígena Teodoro Tupã Alves, entoando os cantos em mbyá. Essa tradução, publicada no livro Roça Barroca (2011) junto com os poemas da série “Moradas nômades”, foi tema do artigo “‘Nenhum rosto sem o outro’: a poética ameríndia e o devir-menor” (CERNICCHIARO, 2018CERNICCHIARO, Ana Carolina. ‘Nenhum rosto sem o outro’: a poética ameríndia e o devir-menor. Estudos de literatura brasileira contemporânea, n. 53, p. 219-242, jan.-abr. 2018.).
  • 3
    Em marchas, nos Acampamentos Terra Livre, na incrível imagem de Ana Terra Yawalapiti enfrentando a tropa de choque em frente ao Congresso Nacional, ou na de Tuíra Kayapó, famosa por ter colocado o facão no rosto do diretor da Eletronorte em 1989, ou ainda, dois anos antes, na de Ailton Krenak pintando o rosto de jenipapo na Assembleia Constituinte, em Raoni Metuktire, com 90 anos, rebatendo com elegância as truculentas afirmações do presidente (e, mais recentemente, sobrevivendo ao Covid-19)... sem falar em outros suportes das artes, como o impactante trabalho performático de Denilson Baniwa ou de Jaider Esbell; na surpreendente estética de cineastas indígenas como Divino Tserewahú Xavante, Alberto Álvares Guarani, Isael Maxacali, Takumã Kuikuro, Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, Naine Terena, ou ainda no rap dos Brô MC’s, Oz Guarani, Katú Mirim... conforme afirmou Ailton Krenak no Círculo de Saberes de Escritores e Realizadores Indígenas - Mekukradjá, que aconteceu em setembro de 2016 em São Paulo, ao interagir com os diferentes suportes da arte, uma diversidade de povos vem produzindo faísca, não apenas por suas referências nas matrizes ancestrais da arte indígena, mas também por falar da presença indígena no meio de uma sociedade que “ainda nos cospe e que a gente tem que ficar em pé e gritar todo dia que estamos vivos se não a gente vai ser engolido sem ninguém perceber”.
  • 4
    O Instituto Socioambiental culpabiliza o Estado brasileiro por essa tragédia. “O governo foi omisso para impedir que o coronavírus se espalhasse pelos povos indígenas. (....) o governo permitiu que invasores permanecessem em Terras Indígenas em plena pandemia, desestruturou mais ainda os órgãos de fiscalização e não implementou políticas para garantir a permanência de indígenas nas aldeias com segurança alimentar”, afirma Antonio Oviedo, em Boletim do ISA enviado por e-mail no dia 17 de julho de 2020.
  • 5
    De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017 foram registrados 1.431 conflitos no campo com 71 mortes. A grande maioria desses assassinatos não foram, e nem serão, investigados: apenas 117 dos 1.468 casos de assassinatos em conflitos de terra entre 1985 e 2018 foram avaliados por um juiz em alguma instância.
  • 6
    Além da invasão ilegal, os Yanomami e outras 160 etnias, sendo 12 delas de povos isolados, sofrem com a pressão das grandes empresas de mineração. Segundo o Instituto Socioambiental, foram feitos 4.332 pedidos de pesquisa mineral em terras indígenas na Agência Nacional da Mineração.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2020
  • Aceito
    01 Jan 2021
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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