Acessibilidade / Reportar erro

Resistir na língua: a literatura indígena contra o silenciamento monolíngue

Resisting in language: native literature against monolingual silencing

Resumo

O presente trabalho propõe pensar a linguagem como terreno sobre o qual o colonialismo, a biopolítica e a necropolítica construíram suas bases, tanto porque a posse do logos é o que fundamenta a partilha do sensível e estabelece a cesura entre os que compartilham um comum e a parte dos sem parte, entre existência política e vida nua, quanto porque o monolinguismo é a engrenagem essencial da máquina colonial que, ainda hoje, mata idiomas e silencia histórias. Contra esse projeto excludente da língua nacional, a literatura indígena resiste com um devir-menor da língua maior, capaz de desestabilizar a unicidade do idioma, da história, da literatura e do próprio conceito de Povo brasileiro.

Palavras-chave:
linguicídio; devir-menor da língua; literatura indígena

Abstract

The present work proposes to think language as a terrain on which colonialism, biopolitics and necropolitics have built their bases. Both because the possession of the logos is the basis for the distributions of the sensible and establishes the division between those who share a common and the part of the partless, between political existence and bare life, and because monolingualism is an essential gear of the colonial machine that, even today, kills languages ​​and silences stories. Against this excluding project of national language, Native Literature resists with a becoming-minor of the major language, destabilizing the uniqueness of the language, the history, the literature and the very concept of Brazilian People.

Keywords:
linguicide; becoming-minor of language; native literature

Resumen

El presente trabajo propone pensar el lenguaje como un terreno sobre el que el colonialismo, la biopolítica y la necropolítica han construido sus bases, tanto porque la posesión del logos es la base para el reparto de lo sensible y establece la cesura entre los que comparten un común y la parte sin parte, entre la existencia política y la vida desnuda, como porque el monolingüismo es un engranaje esencial de la máquina colonial que, incluso hoy, mata los idiomas y silencia las historias. Frente a este proyecto excluyente de la lengua nacional, la literatura indígena resiste con un devenir-menor de la lengua mayor capaz de desestabilizar la singularidad de la lengua, de la historia, de la literatura y del concepto mismo del Pueblo Brasileño.

Palabras clave:
linguicidio; devenir-menor de la lengua; literatura indígena

Línguas selvagens não podem ser domadas, apenas decepadas

Glória Anzaldúa

O poder de uma palavra na boca é o mesmo de uma flecha no arco

Kaká Werá

Em um texto basilar da filosofia política ocidental, Aristóteles afirma que alguns seres veem-se destinados a mandar e outros a obedecer, pois o emprego da força física “é o melhor que deles se obtém” (2010, p. 4). Como bem demonstrou Jacques Rancière, nesta dicotomia entre corpo e alma, força e inteligência, trabalho intelectual e trabalho bruto, homens da cultura e homens da natureza, logos e phoné, Aristóteles naturaliza, a partir da linguagem, uma divisão de espaços, tempos e tipos de atividade, um recorte do visível e do invisível, da palavra e do ruído, enfim, uma partilha do sensível “que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha” (RANCIÈRE, 2005RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2005. , p. 15).

O homem enquanto animal político é um zoon logon ekhon1 1 “Um ser vivo dotado de fala” (apudARENDT, 2007, p. 36) ou “vivente que possui a linguagem” (apudAGAMBEN, 2002, p. 15). , diz a expressão aristotélica. É homem aquele que tem o dom da palavra, aquele que pode falar - e ser ouvido2 2 Grada Kilomba (e, a partir dela, também Djamila Ribeiro, 2017) destaca esse aspecto da escuta na legitimação de uma fala. Segundo ela, ouvir é um ato de autorização em direção ao falante, quem é ouvido pertence. “E aquelas/es que não são ouvidas/os se tornam aquelas/es que ‘não pertencem’” (KILOMBA, 2019, p. 43). - na comunidade, que pode dizer do bem e do mal.

O homem só, entre todos os animais, tem o dom da palavra; a voz é o sinal da dor e do prazer, e é por isso que ela foi também concedida aos outros animais. Estes chegam a experimentar sensações de dor e de prazer, e a se fazer compreender uns aos outros. A palavra, porém, tem por fim fazer compreender o que é útil ou prejudicial, e, em consequência, o que é justo ou injusto. O que distingue o homem de um modo específico é que ele sabe discernir o bem do mal, o justo do injusto, e assim todos os sentimentos da mesma ordem cuja comunicação constitui precisamente a família do Estado. (ARISTÓTELES, 2010ARISTÓTELES -. A política. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010., p. 1).

No entanto, na Grécia Antiga - assim como hoje - nem todas as falas eram consideradas discursos legítimos, nem todos os humanos podiam falar na pólis, nem todos eram ouvidos, nem todos eram capazes de manifestar uma opinião ou um conhecimento, de dizer do justo e do injusto, pois alguns, mesmo que capazes de falar, não possuíam “a plenitude da razão” (ARISTÓTELES, 2010ARISTÓTELES -. A política. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010., p. 1). Daí Giorgio Agamben perceber na Política aristotélica o vínculo entre linguagem e categorias binárias como vida nua-existência política, zoé-bios, humano-não-humano. Segundo ele, “a política existe porque o homem é o vivente que, na linguagem, separa e opõe a si a própria vida nua e, ao mesmo tempo, se mantém em relação com ela numa exclusão inclusiva”.

Não é um acaso, então, que um trecho da Política situe o lugar próprio da pólis na passagem da voz à linguagem. O nexo entre vida nua e política é o mesmo que a definição metafísica do homem como “vivente que possui a linguagem” busca na articulação entre phoné e logos. [... ]

A pergunta “de que modo o vivente possui a linguagem?” corresponde exatamente àquela outra: “de que modo a vida nua habita a pólis?” (AGAMBEN, 2002AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002., p. 15).

Trata-se, lemos em O aberto, de uma máquina antropológica que, ao mesmo tempo que decide o que constitui o humano ou o animal, cria inumanidades, ou seja, humanos não-sujeitos que se encontram excluídos das bases legais de proteção (AGAMBEN, 2006AGAMBEN, Giorgio. Lo abierto. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006. , p. 140). Essa máquina produz no homem um não-homem, um homem animalizado: “A primeira família se formou da mulher e do boi feito para a lavra. Com efeito, o boi serve de escravo aos pobres” (ARISTÓTELES, 2010ARISTÓTELES -. A política. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010., p. 1).

Na modernidade, essa vida nua, não humana, matável, puro corpo biológico, torna-se a figura fundamental da biopolítica, já que o Estado precisa retirar a cidadania e, portanto, a humanidade3 3 A partir de Hannah Arendt, Agamben analisa como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vincula uma categoria a outra (2015, p. 27). dos que deixa morrer, de forma que o racismo, já avisava Michel Foucault (1999FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes, 1999.), torna-se a condição sine qua non do Estado-nação biopolítico.

O racismo está ligado ao funcionamento de um Estado que é obrigado a utilizar a raça, a eliminação das raças e a purificação da raça para exercer seu poder soberano. A justaposição, ou melhor, o funcionamento, através do biopoder, do velho poder soberano do direito de morte implica o funcionamento, a introdução e a ativação do racismo. E é aí, creio eu, que efetivamente ele se enraíza. (FOUCAULT, 1999FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 309).

Conforme explica Achille Mbembe, para Foucault, “racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, ‘este velho direito soberano de matar’” (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 18). Segundo o filósofo camaronês, “esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros”. No entanto, avalia Mbembe, “a noção de biopoder é insuficiente para dar conta das formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte” (2018, p. 71). Ele propõe o conceito de necropolítica para pensar a perpetuação da lógica colonial na modernidade tardia, uma lógica em que a violência é a forma original do direito e a exceção proporciona a estrutura da soberania. O colonialismo relegava o colonizado a uma terceira zona, entre o estatuto de sujeito e objeto (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 39), já que, para o colonizador, as colônias eram habitadas por “selvagens”, que “se comportavam como parte da natureza, que a tratavam como senhor inconteste”, seres humanos “naturais”.

Podemos pensar, portanto, que antropocentrismo e racismo têm uma origem comum na dicotomia natureza/cultura que abastece tanto a máquina colonial quanto sua versão atual, a necropolítica. É a partir dessa dicotomia, nos mostra Ailton Krenak, que o Ocidente passou a separar “o planeta em lotes”, dando um tipo de direito para alguns humanos, outro tipo para os mais ou menos humanos e, finalmente, nenhum direito humano para aquela gente que “não vive em estado de humanidade” (KRENAK; CESARINO, 2016KRENAK, Ailton.; CESARINO, Pedro. As alianças afetivas. In: VOLZ, Jochen; RJEILLE, Isabella. Incerteza viva: dias de estudo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2016. p. 169-184., p. 177). Assim, aqueles que não têm uma relação utilitarista com a natureza, aqueles que são capazes de ver subjetividade em animais, vegetais, acidentes geográficos, “aqueles que consideram que precisam ficar agarrados nessa terra”, “que insistem em ficar fora dessa dança civilizada, da técnica, do controle do planeta”, “caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes - a sub-humanidade” (KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 21) são tirados de cena “por epidemias4 4 No momento de uma crise política e de saúde como a que vivemos e que, inclusive, popularizou o termo necropolítica no Brasil, cabe lembrar que os estados do Norte (onde se encontram mais de 98% das Terras Indígenas do país) estão em situação de calamidade por conta da Covid-19. Até o dia 22 de março de 2022, cerca de 70 mil indígenas haviam sido diagnosticados com a doença, sendo que 1294 pessoas faleceram, mas o número deve ser ainda maior, pois, além do cenário de subnotificação geral, a Secretaria de Saúde Indígena não está contabilizando nos números oficiais (nem atendendo!) indígenas urbanos ou que vivem em terras indígenas não homologadas. Segundo o pesquisador do Instituto Socioambiental, Antonio Oviedo, em Boletim do ISA enviado por e-mail no dia 17 de julho de 2020, o governo permitiu que invasores permanecessem em Terras Indígenas em plena pandemia, desestruturou os órgãos de fiscalização e não implementou políticas para garantir a permanência de indígenas nas aldeias. , pobreza, fome, violência dirigida” (2019, p. 70).

Ao definir os que possuem a linguagem, os que têm uma palavra legítima, um discurso digno de ser ouvido, uma língua nacional, um logos, e não apenas phoné, ruído, balbucio ou dialeto, determina-se os graus de humanidade das pessoas, institui-se um Povo. Agamben opõe o Povo com letra maiúscula, o sujeito político constitutivo (AGAMBEN, 2002AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002., p. 184) que serve de base à ficção de legitimação do Estado moderno, em que a propriedade é o direito fundamental, ou seja, o conjunto dos cidadãos proprietários portadores de direitos reconhecidos pelo soberano (NEGRI, 2003NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre Império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003., p. 143), ao povo com letra minúscula, “a classe que, de fato, se não de direito, é excluída da política” (AGAMBEN, 2002AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002., p. 183).

Povo se diz no singular, pois, enquanto “suporte vazio da identidade estatal” (AGAMBEN, 2015AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica, 2015., p. 66), só pode ser único e ter uma única língua. Tanto língua quanto povo são dois conceitos obscuros, duas entidades culturais contingentes, de contornos indefinidos, que, em sua correspondência biunívoca, “se transformam em organismos quase naturais, dotados de características e de leis próprias e necessárias” (AGAMBEN, 2015AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica, 2015., p. 65). Daí o mal-estar que o primeiro Encontro dos Povos Indígenas, que em 1981 reuniu lideranças de todo o país para discutir assuntos relativos à demarcação de suas terras, causou ao falar em nações indígenas. Conforme conta Álvaro Tukano, “o General Chefe da Casa Civil ficou ofendido com as palavras ‘nações indígenas’, porque para ele só existia a nação brasileira” (TUKANO, 2017TUKANO, Álvaro. Tembetá. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2017., p. 94). Para o Estado, não existem povos indígenas - menos ainda nações indígenas - porque no Brasil só existe uma nação, um povo: o Povo Brasileiro, falante de um único idioma: o português.

A língua nacional comum, já dizia Bakhtin, é uma ficção, na medida em que é uma criação oriunda da intercomunicação entre povos plurais (2006BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006., p. 105). É essa pluralidade que a cartilha monolíngue da pátria quer apagar. Enquanto os povos originários prezam pela pluralidade de línguas - não é raro encontrar sociedades ou indivíduos indígenas em situação de bilinguismo, trilinguismo ou mesmo multilinguismo (RODRIGUES, 1986RODRIGUES, Aryon. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.) - o colonialismo se alicerça sobre a unicidade. Conforme avalia Silviano SantiagoSANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva, 1978., evitar o bilinguismo significa impor o poder colonialista: "na álgebra do conquistador, a unidade é a única medida que conta: uma só língua, a verdadeira língua, como um só rei, o verdadeiro rei" (1978, p. 16).

Gilles Deleuze e Félix Guattari analisam que “a unidade de uma língua é, antes de tudo, política. Não existe língua-mãe, e sim tomada de poder por uma língua dominante” (2011, p. 49). A língua materna, ou talvez pudéssemos dizer, a língua paterna - lembrando que, para Aristóteles, o patriarca é a célula originária do poder soberano (pater-patriam) - é a língua da dominação política, da padronização de um povo, de forma que a primeira estratégia do Estado-nação é instituir um idioma único, assim se mata culturas física e linguisticamente.

No caso do Brasil, essa perda diz respeito a mais de 1300 línguas, que, desde a invasão europeia, foram tratadas como obstáculo ao desenvolvimento da colônia e à unidade nacional. Chamadas de pobres, bárbaras, inferiores, toscas, irracionais - “línguas brutas e de brutos, sem livro sem mestre e sem guia”, dizia Padre Antonio Vieira (2001 apudFREIRE, 2016FREIRE, José Ribamar Bessa. A demarcação das línguas indígenas no Brasil. In: CUNHA, Manuela Carneiro da; CESARINO, Pedro de Niemeyer (org.). Políticas culturais e povos indígenas. São Paulo: Editoria Unesp, 2016. p. 0-00., p. 365) -, essas línguas foram violentamente reprimidas desde o início da invasão europeia. Já no século XVIII, foram as línguas gerais que foram eliminadas em nome do português: “a política de línguas sofreu, então, uma reviravolta marcada por interesses geopolíticos, com um discurso oficial de hegemonia que demonstrava a percepção das relações entre língua, nação e estado, semelhante ao discurso formulado pelos estados nacionais” (FREIRE, 2016FREIRE, José Ribamar Bessa. A demarcação das línguas indígenas no Brasil. In: CUNHA, Manuela Carneiro da; CESARINO, Pedro de Niemeyer (org.). Políticas culturais e povos indígenas. São Paulo: Editoria Unesp, 2016. p. 0-00., p. 372). Dali em diante, as línguas ameríndias, consideradas perturbadoras da ordem, foram cada vez mais perseguidas, numa perda vertiginosa da diversidade linguística que, analisa a linguista Bruna Franchetto, “continua sendo silenciada, com estratégias variadas, pelo Estado, por missões, meios de comunicação, escolas, em todos os níveis do chamado ‘sistema educacional’5 5 Daniel Munduruku conta que, nos anos 70, não havia escolas nas aldeias. “Não era a intenção, naquela ocasião, formar o indígena na sua própria comunidade. Ele era arrancado de lá e levado para os centros urbanos, e ali, obviamente, seria massacrado com um tipo de conteúdo e conhecimento que não era próprio dele. Ao mesmo tempo em que era proibido de falar a própria língua, proibido de praticar a sua própria cultura” (MUNDURUKU, 2017, p. 16). . A soberania de uma única língua, a dos conquistadores que conformaram a ‘nação’, é mantida de todas as maneiras” (FRANCHETTO, 2017FRANCHETTO, Bruna. Línguas silenciadas, novas línguas. In: Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil: 2011-2016. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2017. p. 0-00., p. 58).

Segundo o último Censo do IBGE, de 2010, apenas 37,4% das quase 900 mil pessoas que se declararam indígenas falavam sua língua nativa. O cenário é bastante desolador, principalmente se considerarmos que a média é de 250 falantes por língua e que algumas contam com menos de 10 falantes - o último falante de Apiaká, por exemplo, morreu no começo de 2012 (FRANCHETTO, 2017FRANCHETTO, Bruna. Línguas silenciadas, novas línguas. In: Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil: 2011-2016. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2017. p. 0-00.). Por outro lado, o Censo apresentou um “equívoco” interessante. Enquanto o número de línguas indígenas catalogadas pelo Instituto Socioambiental é de 160, o IBGE constatou 274. Conforme explica Franchetto, o IBGE trabalha com o critério da autodeclaração (enquanto o ISA se baseia em dados acadêmicos) e língua é um “construto ideológico ocidental, não compartilhado, como tal, pelas línguas ameríndias, onde outras palavras, sentidos e micropolíticas são mobilizados” (FRANCHETTO, 2020FRANCHETTO, Bruna. Língua(s): cosmopolíticas, micropolíticas, macropolíticas. Campos - Revista de Antropologia Social, Curitiba, v. 21, n.1, p. 21-36, jan./jun. 2020. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/70519. Acesso em: dia mês ano.
https://revistas.ufpr.br/campos/article/...
, p. 25). Além disso, no Censo aparecem indígenas que se declararam falantes de uma língua já considerada “extinta”, mas que conseguiram ressurgir da invisibilidade e do silêncio num movimento de resistência política absolutamente consciente. Conforme analisa Franchetto, “em sua luta para o reconhecimento de sua existência e resistência, bem como de seus direitos territoriais, se declarar falantes de uma ‘língua’ é um corolário lógico e uma urgência política” (2017, p. 59).6 6 “O que aconteceria se as línguas indígenas invadissem as escolas não indígenas, as cidades, as universidades, a mídia, os congressos, os seminários, a literatura, o cinema, com boas traduções (nas duas direções)? Cantos são poemas, narrativas contam outras histórias, as oitivas de Belo Monte não teriam sido pantomimas de fachada para ‘escutar os índios’ sem entender o que dizem” (FRANCHETTO, 2017, p. 61).

Mas não se trata apenas de preservar a língua materna. A resistência ao monolinguismo colonial também se dá no devir-menor que essa língua realiza na língua dominante, fazendo a língua maior entrar em um devir minoritário de todas as suas dimensões (DELEUZE; GUATARI, 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011. 2v.). Um devir que desvia a língua paterna de seus propósitos estatais homogeneizadores, de sua violência excludente, que desterritorializa e desestabiliza seu poder, revelando sua heterogeneidade, mostrando que o português, na verdade, é um “pretuguês” (para usar um neologismo de Lélia González (1984) que faz referência à influência das línguas africanas sobre a língua portuguesa e das culturas africanas na “Améfrica Ladina”), mas também um tupiguês, jê-tuguês, panoguês e por aí afora.

Neste sentido, as línguas indígenas funcionam como “contralínguas”7 7 “Nas bocas de africanos negros no chamado ‘Novo Mundo’, o inglês foi alterado, transformado, e tornou-se uma fala diferente. O povo negro escravizado pegou pedaços partidos do inglês e fez deles uma contralíngua. Eles colocaram junto suas palavras de tal maneira que o colonizador tivesse de repensar o significado da língua inglesa. (...) Para cada uso incorreto de palavras, para cada colocação incorreta das palavras, era um espírito de rebelião que reivindicava a língua como um local de resistência. (...) O poder dessa fala não é simplesmente possibilitar resistência à supremacia branca, mas é também fabricar um espaço para produção cultural alternativa e epistemologias alternativas - diferentes maneiras de pensar e conhecer que foram cruciais para criar uma visão de mundo contrahegemônica” (HOOKS, 2008, p. 859-60.) que tomam a língua do opressor e a viram contra ela mesma (HOOKS, 2008HOOKS, Bell. Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Revistas Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 857-864, set./dez. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2008000300007. Acesso em: dia mês ano.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
) e sua literatura como “contrainformação” (DELEUZE, 1999DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Folha de São Paulo, 27 jun. 1999. ) que desafia as palavras de ordem da linguagem padrão. O ato de criação literária como um ato de resistência - “a arte é aquilo que resiste” (DELEUZE, 1999DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Folha de São Paulo, 27 jun. 1999. ) - à língua única, à história universal, ao silenciamento colonial e sua herança necropolítica.

Há algo que não deve ser dito para que os regimes de discurso contemporâneos continuem exercendo seu poder, sua “universalidade”. Como explica Judith Butler, os regimes discursivos são produzidos por meio da produção de um não dizível.8 8 Segundo ela, nenhum discurso é permissível sem que outro se converta em não permissível, de forma que a censura é aquilo que permite a fala (BUTLER, 2004, p. 228) Por isso o colonizador precisa negar o discurso, o conhecimento, o idioma do colonizado. Há, nos mostra Grada Kilomba, um segredo que cala os colonizados e glorifica a história colonial de forma a mantermos a mesma linguagem e a mesma estrutura de poder-saber.

Existe um medo apreensivo de que, se o sujeito colonial falar, a/o colonizadora/or terá de ouvir. Seria forçada/o a entrar em uma confrontação com as verdades da/o “Outra/o”. Verdades que têm sido negadas, reprimidas, mantidas e guardadas como segredos. (...) Segredos como a escravização. Segredos como o colonialismo. Segredos como o racismo. (2019, p. 41).

A história brasileira e a história da literatura brasileira foram sempre as histórias do colonizador. Conforme mostra Lucia SáSÁ, Lúcia. Literaturas da floresta. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. , mesmo “as apropriações românticas e modernistas de textos, gêneros literários e visões de mundo indígenas” costumam não deixar espaço para a possibilidade de sobrevivência cultural, como se eles não tivessem sobrevivido, recriado e reinventado a si mesmos “em meio às piores adversidades” (2012, p. 366).

Nos livros, na mídia, na escola, os povos originários foram constantemente estereotipados ou invisibilizados, declarados extintos ou estorvo ao progresso, pertencentes a um passado distante ou atrasados. A própria palavra índio, lembra-nos Daniel Munduruku, fala de uma categoria genérica, singular, presa ao passado, sem diferenças étnicas e muito menos singularidades pessoais: o índio romântico, o bom selvagem do século XVI, ou o índio preguiçoso que tem terra demais (MUNDURUKU; CERNICCHIARO, 2017MUNDURUKU, Daniel; CERNICCHIARO, Ana Carolina. Literatura para desentortar o Brasil. Crítica Cultural, Palhoça, SC, v. 12, n. 1, p. 15-24, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Critica_Cultural/article/view/5028/pdf. Acesso em: dia mês ano.
http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/...
, p. 19). Nas palavras de Kaká Werá:

Constantemente exploradores de minérios, senhores dos agrotóxicos (envenenadores da terra), cultivadores de experiências transgênicas, desmatadores da vida, difundem uma ideia pejorativa, folclórica e negligente de toda uma riqueza imaterial presente no modo de ser e de pensar destes inúmeros povos (WERÁ, 2017WERÁ, Kaká. Tembetá. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2017., s/p).

Neste contexto, a escrita torna-se um ato político, uma forma de recuperar “uma história de vozes torturadas, línguas rompidas, idiomas impostos, discursos impedidos e dos muitos lugares que não podíamos entrar, tampouco permanecer para falar com nossas vozes” (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 27). A partir de Bell Hooks, Grada Kilomba defende que escrever sua própria história é deixar de ser objeto de conhecimento do outro e tornar-se sujeito de conhecimento.

Essa passagem de objeto a sujeito é o que marca a escrita como um ato político. Além disso, escrever é um ato de descolonização no qual quem escreve se opõe a posições coloniais tornando-se a/o escritora/escritor “validada/o” e “legitimado/a” e, ao reinventar a si mesma/o, nomeia uma realidade que fora nomeada erroneamente ou sequer foi nomeada. (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 28).

Segundo o poeta Macuxi Ely Ribeiro de Souza, os textos escritos por autores indígenas permitem contar uma outra história, rememorar tradições que foram desvirtuadas por estranhos e transformadas “em folclorismo, modismo literário, justificativas nacionalistas que em muito prejudicaram e distorceram nossas histórias” (2018, p. 68). Assim a escrita deixa de ser um instrumento de dominação e controle e passa a ser uma ferramenta de afirmação, divulgação e defesa “das riquezas culturais, das narrativas, dos mitos, das imagens, dos simbolismos que destacam a estética, o belo, os grafismos que orientam nossa condição de povos diferenciados, com línguas e territórios, filosofias e ciências” (SOUZA, 2018SOUZA, Ely Ribeiro de. Literatura indígena e direitos autorais. In: DORRICO, Julie et al. (orgs.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Editora Fi, 2018. p. 0-00., p. 69).

Também Daniel Munduruku avalia que a literatura indígena é uma “conquista que vem sendo realizada gradualmente por meio da ocupação de espaços” nesta sociedade que “invisibilizou e, em alguns casos, inviabilizou” os indígenas como cidadãos (MUNDURUKU, 2018MUNDURUKU, Daniel. A literatura indígena não é subalterna. Itaú Cultural, 2018. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/a-literatura-indigena-nao-e-subalterna. Acesso em: dia mês ano.
https://www.itaucultural.org.br/a-litera...
). Em entrevista publicada na revista Crítica Cultural, ele conta que gosta de pensar que, com sua literatura, está ajudando o Brasil “a desentortar seu pensamento”, “a olhar para os povos indígenas sem o crivo dos estereótipos” (MUNDURUKU; CERNICCHIARO, 2017MUNDURUKU, Daniel; CERNICCHIARO, Ana Carolina. Literatura para desentortar o Brasil. Crítica Cultural, Palhoça, SC, v. 12, n. 1, p. 15-24, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Critica_Cultural/article/view/5028/pdf. Acesso em: dia mês ano.
http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/...
, p. 18).

Não é à toa que a história da literatura indígena contemporânea confunde-se com o avanço do movimento político dos povos originários. Até o início dos anos 90, conta Kaká Werá (1998WERÁ, Kaká. A terra dos mil povos. São Paulo: Editora Peirópolis, 1998.), praticamente tudo o que existia escrito sobre os povos e as culturas indígenas no Brasil tinha sido escrito por um branco e “eu achava que na medida em que nós nos tornássemos protagonistas das nossas próprias vozes, isso poderia gerar uma força muito grande”, pois, conforme “a sociedade nos reconhece como fazedores de cultura, como portadores de saberes ancestrais e como intelectuais, ela vai reconhecendo também que existe uma cidadania indígena”, com direitos constitucionais. Segundo ele, “a tradição indígena é uma tradição literária, é uma tradição poética, é uma tradição artística”, trazer isso para a escrita era apenas uma questão de habilidade técnica, de tradução. “É como aprender uma nova língua” (WERÁ, 2017WERÁ, Kaká. Tembetá. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2017., p. 26).

É dessa tradição poética e da história silenciada de luta e resistência dos Kambeba que trata o poema “Ser indígena - ser omágua”, de Márcia Wayna Kambeba, publicado no livro de poemas Ay Kakyri Tama: Eu moro na cidade (2013):

Sou filha da selva, minha fala é Tupi. Trago em meu peito, as dores e as alegrias do povo Kambeba e na alma, a força de reafirmar a nossa identidade, que há tempo ficou esquecida, diluída na história. Mas hoje, revivo e resgato a chama ancestral de nossa memória. Sou Kambeba e existo sim: No toque de todos os tambores, na força de todos os arcos, no sangue derramado que ainda colore essa terra que é nossa. Nossa dança guerreira tem começo, mas não tem fim! Foi a partir de uma gota d’água que o sopro da vida gerou o povo Omágua. E na dança dos tempos pajés e curacas mantêm a palavra dos espíritos da mata, refúgio e morada do povo cabeça-chata. Que o nosso canto ecoe pelos ares como um grito de clamor a Tupã, em ritos sagrados, em templos erguidos, em todas as manhãs! (KAMBEBA, 2013KAMBEBA, Márcia. Ay Kakyri Tama: eu moro na cidade. Manaus: Grafisa Gráfica e Editora, 2013., p. 25).

Manter a palavra dos espíritos da mata, fazê-la ecoar nos ritos sagrados, nos seus templos, em sua poesia, em seu cotidiano é sair da invisibilidade, resgatar as tradições dos Kambeba e sua história de luta que foi “diluída na história” oficial. Contra a história do poder que tenta apreendê-los, este canto afirma sua (r)existência - “Sou Kambeba e existo sim” - já que, para os indígenas, existir é antes de tudo um ato de resistência, que se dá na música (“no toque de todos os tambores”), na memória dos antepassados (“resgato a chama / ancestral de nossa memória”), na luta pela terra (“na força de todos os arcos / no sangue derramado que ainda colore / essa terra que é nossa”), no seu modo de vida na floresta, na sobrevivência de sua língua. Não à toa o primeiro verso do poema nos diz “sou filha da selva, minha fala é Tupi” e, mais para frente, “na dança dos tempos / pajés e curacas / mantêm a palavra / dos espíritos da mata / refúgio e morada / do povo cabeça-chata”, vinculando um modo de existência, ou melhor, de coexistência - com a floresta, a mata, os animais, as plantas, os espíritos - à sobrevivência de uma língua (lembremos que o Kambeba, como grande parte das línguas indígenas, é considerada uma língua em perigo).

Esse vínculo entre língua e modo de vida, resistência e existência, é uma temática importante também nos livros da coleção Mundo Indígena, da editora Hedra. A coleção é quase toda bilíngue, de forma que, explica a organizadora Luisa Valentini, as comunidades envolvidas na produção dos textos possam utilizá-los e a imensa diversidade linguística dos povos indígenas no Brasil seja divulgada (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017.). Mesmo em Yvyrupa/A terra é uma só, que não vem acompanhado da língua original, as palavras aparecem primeiro em guarani e depois em português, como uma espécie de insistência da língua indígena que desestabiliza o monolinguismo da língua de Estado.

No livro, Timóteo da Silva Verá Tupã Popygua escreve, em português e sem intermediário de um jurua (não indígena), uma versão original do Ayvú rapyta, feita a partir das palavras dos xeramõ’i (anciãos), que escutou ao longo da vida, e da bibliografia existente sobre os cantos sagrados dos Guarani Mbya. O canto descreve o começo do mundo, os preceitos éticos dos Nhande’i va’e (filhos de Nhamandu) e os cuidados que devem ter com Yvyrupa, a terra sobre a qual Nhanderu criou o mundo. O canto vai descrevendo o caminho feito pelos ancestrais, os rios, os animais, os frutos que encontravam e os que plantavam, as plantas medicinais que descobriram, a Serra do Mar e o Oceano Atlântico - local “ideal para formar tekoa, onde acontece nosso modo de vida, para viver o nhandereko, nosso modo de ser, para ter yvy poty aguyje, agricultura e plantio com abundância, e para oupyty aguã Nhanderu arando, para alcançar a sabedoria divina, a morada dos Nhanderu” (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017., p. 46-48).

Xeramõi convoca a todos para continuarem a caminhada para alcançar Tenondere, onde nasce o sol, em Yy ramõi, chamado também de Para guaxu, o grande mar, o Oceano Atlântico. Para realizarem essa caminhada, ore retarã ypykuery, nossos parentes originários, levavam com eles suas variedades de plantas originais, que foram colocadas por Nhanderu Tenondegua em Yvy mbyte: jety mirĩi, batata doce original, avaxi ete’i, milho verdadeiro, manduvi mirĩi, amendoim original, mandyju mirĩi, algodão original, mandi’o mirĩi, espécie de mandioca, ya para’i, melancia, petỹ, fumo, ka’a, erva-mate, e muitas outras plantas. Levaram em forma de alimentos e de sementes.

Para chegar à margem do Mar, Yvy apy, ponta da Terra, andaram primeiramente na direção de Yvytu ymã, lugar dos ventos originários. Passaram por vários nhuũ upa, campos, Kurity, pinheirais de araucária, ka’aguy karape, matas baixas, encontraram guavira mirĩ, gabiroba do campo, e muitas plantas que já conheciam. Nhanderu indicava os lugares onde deveriam parar e cultivar as sementes e os frutos trazidos para se reproduzirem em todos os cantos de Yvyrupa, a Terra criada por ele. (POPYGUA, 2017POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017., p. 43-44).

O que se percebe nessa citação é uma espécie de gagueira que tensiona o português: “quando a língua está tão tensionada a ponto de gaguejar ou de murmurar, balbuciar..., a linguagem inteira atinge o limite que desenha o seu fora e se confronta com o silêncio” (DELEUZE, 1997DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997., p. 128), mas, aqui, o fora com o qual a língua se confronta não é o silêncio, e sim uma outra língua. O idioma padrão se confronta com sua própria heterogeneidade, reprimida em nome do monolinguismo dominante que quer calar a língua Guarani, seu modo de vida, seu direito à terra, sua própria existência.9 9 Em um manifesto escrito em setembro de 2019, lideranças, rezadores e pesquisadores avá, mbya, ñandeva, kaiowa, guarani e tupi-guarani de diversas localidades da América Latina, reunidos no II Seminário Internacional de Etnologia Guarani, denunciam a “restrição territorial de diversos povos e comunidades, promovida por meio de sistemáticas remoções e desaparecimentos forçados, expulsões violentas, massacres, entre outras técnicas criminosas de genocídio”, concluindo que “somos chamados de invasores, mas fomos nós que tivemos nossas terras, nossos corpos e nossas vidas invadidas pelos não-indígenas”.

Outro, entre tantos exemplos profícuos dessa “intromissão” da língua original na “tradução”10 10 Entre aspas porque o trabalho de transcriação é ainda mais evidente nestes casos do que nas traduções literárias ocidentais. Não estamos falando de simples transcrições de cantos tradicionais traduzidas ao português, mas de trabalhos autorais a partir de um saber coletivo, imemorial. das narrativas orais dos povos originários para o português escrito é a antologia de literatura indígena Nós, organizada e ilustrada por Maurício Negro, que reúne autores Mebengôkré Kayapó, Saterê-Mawê, Maraguá, Pirá-Tapuya Waíkhana, Balatiponé Umutina, Taurepang, Ʉmuko Masá Desana, Guarani Mbyá, Krenak e Kurâ-Bakairi. Vejamos o começo do conto “Amor originário”, de Aline Ngrenhtabare L. Kayapó e Edson Kayapó:

A aldeia já estava iluminada por mytyruwy-raj moro, a lua crescente. Panhonka contava as horas, ansiosa pela chegada da mytyruwy-noti, a lua cheia.

Desde muito cedo a jovem kayapó se acostumou a ouvir sua mãe, iruwá, contar que, durante a lua cheia, os homens, os me my, e as mulheres, as menire e as mekurerere, se encontravam pela aldeia para se conhecer e eventualmente namorar. Por isso, a menina deveria tomar cuidado.

Durante o dia, Panhonka observava o guerreiro que mexia com seus sentimentos. Bepkaety tinha cabelos longos e escuros, pele dourada e tuirenta (NEGRO, 2019NEGRO, Maurício (org.). Nós: uma antologia de literatura indígena. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019., p. 15).

As belas palavras Kayapó dão ritmo e sonoridade à singela história de amor de Panhonka e Bepkaety, ao mesmo tempo que nos colocam em contato com a língua Kayapó, do tronco macro-jê11 11 No Brasil, as línguas indígenas se dividem em dois grandes troncos linguísticos (Tupi e Macro-Jê) e outras 19 famílias, que não pertencem a esses troncos, mas tampouco têm semelhança entre si, impedindo a formação de novos troncos. . Também deste tronco é a língua dos Balatiponé ou Umutima, que quase foram dizimados por invasores de terras desde o contato em 1911. Nos anos 40, 23 desses sobreviventes reuniram-se no alto do Rio Paraguai e hoje a etnia conta com 515 indivíduos (segundo dados de 2014 da Secretaria Especial de Saúde Indígena). Sua língua foi considerada extinta, mas Ariabo Kezo tenta mostrar que a língua balatiponé está viva, foi transmitida pelos anciãos junto com seus costumes e mitos. Com graduação em Letras pela Universidade Federal de São Carlos, Kezo produz material didático bilíngue para reforçar o balatiponé junto às crianças do seu povo. Na antologia Nós, Kezo nos dá a conhecer essa língua em “Jibikí Porikopô, o furto da panela de barro”. O “reconto” passa-se em um tempo mítico no qual homens, animais e astros não se distinguiam12 12 [-Gostaria de lhe fazer uma pergunta simples: o que é um mito?] - Não é uma pergunta simples, é exatamente o contrário, porque se pode respondê-la de vários modos. Se você interrogar um índio americano, seriam muitas as chances de que a resposta fosse esta: uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não eram diferentes (LÉVI-STRAUSS, 2005, p. 195). : “Na época dos boloriê, antepassados do povo balatiponé, os animais eram pessoas como nós. Meni e Hari, Sol e Lua, foram criados pela mesma motô antes de partirem para o boropô, o teto que nos cobre”. As ariranhas, que “eram gente também”, peritas na pesca e admiradas pelos Balatiponé” (NEGRO, 2019NEGRO, Maurício (org.). Nós: uma antologia de literatura indígena. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019., p. 57), tinham uma linda panela de barro que atraiu a cobiça do Sol. Ao tentar roubá-la, ele acaba morrendo, mas é ressuscitado pelo canto do valente Meni:

Hari, Hari, hutakí

Hari, Hari, hokotoponô

Hari, Hari, yaporé

Meni, Meni, inondotoré

Meni, Meni, hutakí

Baru, Baru, inondotoré

Ao repetir o canto, a esteira que estava enrolada começou a se mexer. Meni cantou ainda mais forte e a esteira foi se abrindo, pouco a pouco, até finalmente revelar alguém respirando forte - o’rebutá Hari. O irmão guerreiro tinha ressuscitado (NEGRO, 2019NEGRO, Maurício (org.). Nós: uma antologia de literatura indígena. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019., p. 57).

A imagem da esteira de onde os mortos ressuscitam, junto com a predominância da língua balatiponé no penúltimo parágrafo do conto, parece-me apropriada para pensarmos a literatura indígena contemporânea. Assim como Hari, as línguas silenciadas voltam a respirar com toda força no espaço literário e desviam a língua portuguesa de seus propósitos coloniais, desnaturalizando o monolinguismo, permitindo-nos ouvir vozes por tanto tempo sufocadas e lembrando-nos da pluralidade das histórias, das literaturas e dos povos brasileiros.

Referências

  • AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
  • AGAMBEN, Giorgio. Lo abierto Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006.
  • AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
  • ANZALDÚA, Gloria. Como domar uma língua selvagem. Cadernos de Letras da UFF, Niterói, n. 39, 2009, p. 297-309.
  • ARENDT, Hannah. A condição humana Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007
  • ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006.
  • ARISTÓTELES -. A política São Paulo: Folha de São Paulo, 2010.
  • BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem São Paulo: Hucitec, 2006.
  • BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad Madri: Editorial Sintesis, 2004.
  • DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica São Paulo: Ed. 34, 1997.
  • DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Folha de São Paulo, 27 jun. 1999.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011. 2v.
  • FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
  • FRANCHETTO, Bruna. Língua(s): cosmopolíticas, micropolíticas, macropolíticas. Campos - Revista de Antropologia Social, Curitiba, v. 21, n.1, p. 21-36, jan./jun. 2020. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/70519 Acesso em: dia mês ano.
    » https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/70519
  • FRANCHETTO, Bruna. Línguas silenciadas, novas línguas. In: Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil: 2011-2016. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2017. p. 0-00.
  • FREIRE, José Ribamar Bessa. A demarcação das línguas indígenas no Brasil. In: CUNHA, Manuela Carneiro da; CESARINO, Pedro de Niemeyer (org.). Políticas culturais e povos indígenas São Paulo: Editoria Unesp, 2016. p. 0-00.
  • GONZALES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, Brasília, p. 223-244, 1984.
  • HOOKS, Bell. Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Revistas Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 857-864, set./dez. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2008000300007 Acesso em: dia mês ano.
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2008000300007
  • KAMBEBA, Márcia. Ay Kakyri Tama: eu moro na cidade. Manaus: Grafisa Gráfica e Editora, 2013.
  • KILOMBA, Grada. Memórias da plantação Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
  • KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
  • KRENAK, Ailton.; CESARINO, Pedro. As alianças afetivas. In: VOLZ, Jochen; RJEILLE, Isabella. Incerteza viva: dias de estudo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2016. p. 169-184.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. De perto e de longe São Paulo: Cosac Naify, 2005.
  • MBEMBE, Achille. Necropolítica São Paulo: n-1 edições, 2018.
  • MUNDURUKU, Daniel. A literatura indígena não é subalterna. Itaú Cultural, 2018. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/a-literatura-indigena-nao-e-subalterna Acesso em: dia mês ano.
    » https://www.itaucultural.org.br/a-literatura-indigena-nao-e-subalterna
  • MUNDURUKU, Daniel; CERNICCHIARO, Ana Carolina. Literatura para desentortar o Brasil. Crítica Cultural, Palhoça, SC, v. 12, n. 1, p. 15-24, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Critica_Cultural/article/view/5028/pdf Acesso em: dia mês ano.
    » http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Critica_Cultural/article/view/5028/pdf
  • NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre Império Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
  • NEGRO, Maurício (org.). Nós: uma antologia de literatura indígena. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019.
  • POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra, 2017.
  • RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.
  • RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível São Paulo: Editora 34, 2005.
  • RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.
  • RODRIGUES, Aryon. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.
  • SÁ, Lúcia. Literaturas da floresta Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012.
  • SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva, 1978.
  • SOUZA, Ely Ribeiro de. Literatura indígena e direitos autorais. In: DORRICO, Julie et al. (orgs.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Editora Fi, 2018. p. 0-00.
  • TUKANO, Álvaro. Tembetá Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2017.
  • WERÁ, Kaká. A terra dos mil povos São Paulo: Editora Peirópolis, 1998.
  • WERÁ, Kaká. Tembetá Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2017.
  • 1
    “Um ser vivo dotado de fala” (apudARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 36) ou “vivente que possui a linguagem” (apudAGAMBEN, 2002AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002., p. 15).
  • 2
    Grada Kilomba (e, a partir dela, também Djamila Ribeiro, 2017) destaca esse aspecto da escuta na legitimação de uma fala. Segundo ela, ouvir é um ato de autorização em direção ao falante, quem é ouvido pertence. “E aquelas/es que não são ouvidas/os se tornam aquelas/es que ‘não pertencem’” (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 43).
  • 3
    A partir de Hannah ArendtARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006., Agamben analisa como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vincula uma categoria a outra (2015, p. 27).
  • 4
    No momento de uma crise política e de saúde como a que vivemos e que, inclusive, popularizou o termo necropolítica no Brasil, cabe lembrar que os estados do Norte (onde se encontram mais de 98% das Terras Indígenas do país) estão em situação de calamidade por conta da Covid-19. Até o dia 22 de março de 2022, cerca de 70 mil indígenas haviam sido diagnosticados com a doença, sendo que 1294 pessoas faleceram, mas o número deve ser ainda maior, pois, além do cenário de subnotificação geral, a Secretaria de Saúde Indígena não está contabilizando nos números oficiais (nem atendendo!) indígenas urbanos ou que vivem em terras indígenas não homologadas. Segundo o pesquisador do Instituto Socioambiental, Antonio Oviedo, em Boletim do ISA enviado por e-mail no dia 17 de julho de 2020, o governo permitiu que invasores permanecessem em Terras Indígenas em plena pandemia, desestruturou os órgãos de fiscalização e não implementou políticas para garantir a permanência de indígenas nas aldeias.
  • 5
    Daniel Munduruku conta que, nos anos 70, não havia escolas nas aldeias. “Não era a intenção, naquela ocasião, formar o indígena na sua própria comunidade. Ele era arrancado de lá e levado para os centros urbanos, e ali, obviamente, seria massacrado com um tipo de conteúdo e conhecimento que não era próprio dele. Ao mesmo tempo em que era proibido de falar a própria língua, proibido de praticar a sua própria cultura” (MUNDURUKU, 2017MUNDURUKU, Daniel; CERNICCHIARO, Ana Carolina. Literatura para desentortar o Brasil. Crítica Cultural, Palhoça, SC, v. 12, n. 1, p. 15-24, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Critica_Cultural/article/view/5028/pdf. Acesso em: dia mês ano.
    http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/...
    , p. 16).
  • 6
    “O que aconteceria se as línguas indígenas invadissem as escolas não indígenas, as cidades, as universidades, a mídia, os congressos, os seminários, a literatura, o cinema, com boas traduções (nas duas direções)? Cantos são poemas, narrativas contam outras histórias, as oitivas de Belo Monte não teriam sido pantomimas de fachada para ‘escutar os índios’ sem entender o que dizem” (FRANCHETTO, 2017FRANCHETTO, Bruna. Línguas silenciadas, novas línguas. In: Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil: 2011-2016. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2017. p. 0-00., p. 61).
  • 7
    “Nas bocas de africanos negros no chamado ‘Novo Mundo’, o inglês foi alterado, transformado, e tornou-se uma fala diferente. O povo negro escravizado pegou pedaços partidos do inglês e fez deles uma contralíngua. Eles colocaram junto suas palavras de tal maneira que o colonizador tivesse de repensar o significado da língua inglesa. (...) Para cada uso incorreto de palavras, para cada colocação incorreta das palavras, era um espírito de rebelião que reivindicava a língua como um local de resistência. (...) O poder dessa fala não é simplesmente possibilitar resistência à supremacia branca, mas é também fabricar um espaço para produção cultural alternativa e epistemologias alternativas - diferentes maneiras de pensar e conhecer que foram cruciais para criar uma visão de mundo contrahegemônica” (HOOKS, 2008HOOKS, Bell. Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Revistas Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 857-864, set./dez. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2008000300007. Acesso em: dia mês ano.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
    , p. 859-60.)
  • 8
    Segundo ela, nenhum discurso é permissível sem que outro se converta em não permissível, de forma que a censura é aquilo que permite a fala (BUTLER, 2004BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad. Madri: Editorial Sintesis, 2004., p. 228)
  • 9
    Em um manifesto escrito em setembro de 2019, lideranças, rezadores e pesquisadores avá, mbya, ñandeva, kaiowa, guarani e tupi-guarani de diversas localidades da América Latina, reunidos no II Seminário Internacional de Etnologia Guarani, denunciam a “restrição territorial de diversos povos e comunidades, promovida por meio de sistemáticas remoções e desaparecimentos forçados, expulsões violentas, massacres, entre outras técnicas criminosas de genocídio”, concluindo que “somos chamados de invasores, mas fomos nós que tivemos nossas terras, nossos corpos e nossas vidas invadidas pelos não-indígenas”.
  • 10
    Entre aspas porque o trabalho de transcriação é ainda mais evidente nestes casos do que nas traduções literárias ocidentais. Não estamos falando de simples transcrições de cantos tradicionais traduzidas ao português, mas de trabalhos autorais a partir de um saber coletivo, imemorial.
  • 11
    No Brasil, as línguas indígenas se dividem em dois grandes troncos linguísticos (Tupi e Macro-Jê) e outras 19 famílias, que não pertencem a esses troncos, mas tampouco têm semelhança entre si, impedindo a formação de novos troncos.
  • 12
    [-Gostaria de lhe fazer uma pergunta simples: o que é um mito?] - Não é uma pergunta simples, é exatamente o contrário, porque se pode respondê-la de vários modos. Se você interrogar um índio americano, seriam muitas as chances de que a resposta fosse esta: uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não eram diferentes (LÉVI-STRAUSS, 2005LÉVI-STRAUSS, Claude. De perto e de longe. São Paulo: Cosac Naify, 2005., p. 195).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2021
  • Aceito
    16 Nov 2021
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com