Acessibilidade / Reportar erro

O mito desvirtuado e a liberdade da imaginação de Antônio José da Silva

The distorted myth and the emancipation of António José da Silva’s imagination

Resumo

Este artigo tem como tema as personagens principais da última peça do dramaturgo português Antônio José da Silva (1705-1739), Precipício de Faetonte (1738), com a qual por vezes se compara também as personagens de sua penúltima peça, As variedades de Proteu (1737). Por serem personagens mitológicas, rastreamos a construção das personagens Faetonte e Egéria na literatura clássica e ibérica predecessora, a fim de identificar as raízes míticas aproveitadas por Antônio José em sua dramaturgia. Para comparação com a construção de Faetonte, buscamos também referências sobre Proteu, da peça homônima. Por se tratar de mitos muito esparsos na tradição greco-latina, vasculhamos autores antigos que figuravam tais personagens. Percebemos que, na comparação com os textos antigos e outras obras do dramaturgo, ele consegue uma liberdade criativa ao lidar com mitos pouco difundidos no imaginário português setecentista, o que também lhe permite maior flexibilidade nas preceptivas que regem o gênero tragicômico, ao qual adere sua escrita.

Palavras-chave:
mitologia; Antônio José da Silva; teatro português; século XVIII; personagem

Abstract

This paper focuses on the main characters of the last play by Portuguese playwright António José da Silva (1705-1739) - Precipício de Faetonte [Phaeton’s Fall] (1738), with which the main characters of his penultimate play, As variedades de Proteu [Proteus varieties] (1737), are sometimes compared. As mythological characters, we trace the characters’ construction of Faetonte and Egéria in the predecessor Classical and Iberian literature, to identify the mythical roots appropriated by Silva in his dramaturgy. In order to compare Faetonte’s character construction, we also have searched for references about Proteu, in the homonymous work. As these myths are very sparse in the Greco-Latin tradition, we searched ancient authors who mentioned these characters. By comparing this corpus with the ancient texts and other plays by Silva, we realized that he achieved creative emancipation when dealing with lesser-known myths in the 18th-century Portuguese imaginary, which also allowed him greater flexibility in dealing with the precepts that govern the tragicomic genre, to which his writing adheres.

Keywords:
mythology; António José da Silva; Portuguese theatre; 18th century; character

Resumen

El tema de este artículo son los personajes principales de la última pieza del dramaturgo portugués Antônio José da Silva (1705-1739), Precipício de Faetonte (1738), con los cuales eventualmente se comparan los personajes de su pieza anterior, As variedades de Proteu (1737). Siendo personajes mitológicos, rastreamos la construcción de los caracteres de Faetonte y Egéria en la anterior literatura clásica e ibérica, a fin de identificar las raíces míticas de las cuales se aprovechó Antônio José en su dramaturgia. Para comparar con Faetonte, buscamos también referencias al personaje Proteu, de la pieza con mismo nombre. Porque se tratan de mitos muy escasos en la tradición grecolatina, buscamos autores antiguos en que figuran los personajes. Percibimos, en la comparación con los textos antiguos y con otras obras del dramaturgo, que él obtiene cierta libertad creativa cuando lida con estos mitos poco difundidos en el imaginario portugués del Setecientos, que le permite también mayor flexibilidad con respeto a las preceptivas que rigen el género tragicómico, bajo el cual escribe sus textos.

Palabras clave:
mitología; Antônio José da Silva; teatro portugués; siglo XVIII; personaje

Los datos de los mitos acogidos em las fuentes se interpretan libremente, en virtud del renascentista principio literario de la imitatio, por el que se combinan tradición y originalidad creadoras. (Avelina Carrera de La RedCARRERA DE LA RED, Avelina. La mitología en el teatro neolatino renascentista. In: LOBATO, Maria Luisa et al (ed.). Mito y personaje: III y IV Jornadas de Teatro. Burgos: Ayuntamiento de Burgos, 1995, p. 33-48.)

O Judeu, Proteu e Faetonte

Antônio José da Silva, o Judeu, utiliza, para composição de suas óperas joco-sérias, de mitos cada vez menos tratados no século XVIII, embora todos eles marquem presença de alguma forma no imaginário do público.1 1 Por exemplo, não há grandes comentários ou outras peças escritas a partir dos mitos tratados em As variedades de Proteu (1737). Entretanto, há uma constante adjetivação a partir da capacidade metamórfica dos entes marinhos, especialmente atribuída a Proteu. Assim é que sua primeira peça, A vida do grande D. Quixote de La Mancha e do gordo Sancho Pança (1733) trata da história contada por Miguel de Cervantes no seu El ingenioso hidalgo Don Quixote de La Mancha (1ª parte, 1605; 2ª parte, 1615), imensamente difundida na Península Ibérica no século XVII e, certamente, também no início do século XVIII, período em que Antônio José viveu e compôs suas óperas.2 2 A primeira tradução para o português da obra é anônima e datada de 1794. Entretanto, a língua não se tornaria empecilho para a difusão da obra, quer por via oral, quer pela familiaridade do povo português com a língua castelhana.

Não é sem propósito que Ferraz (1976FERRAZ, Maria de Lourdes. ‘Ser’ e ‘parecer’ na obra do Judeu. Brotéria, Lisboa, v. 102, n. 5/6, p. 552-566, maio/jun, 1976., p. 562, grifo nosso) afirma que

enquanto que nas seis primeiras [peças] a ação ao nível do parecer é servida pelo movimentar constante dos interlocutores, nas duas últimas os conflitos como que são interiorizados, passam-se mais ao nível do ser que são as “personagens” (v. g., nas Variedades, Proteu mostra-se constante; a sua capacidade de se metamorfosear é que diz respeito apenas ao parecer) do que ao nível do parecer que é o desenrolar da ação. Acontece então que tanto numa peça como noutra a ação tem um cariz marcadamente trágico e que a comédia surge pela introdução de um outro discurso, o cômico, que funciona paralelamente àquele.

As personagens centrais das óperas de Antônio José carregam este teor trágico em seu discurso ou em suas ações, que podem ser interpretadas como cômicas devido ao contexto da obra. Entretanto, para a compreensão do sentido de cada ação destas personagens, há de se ter em mente que elas pertencem a um universo trágico, que a comédia inverte pelo mundo às avessas das personagens cômicas.

Ao lançar à cena do Teatro do Bairro Alto, no mês de maio de 1737, As variedades de Proteu, Antônio José da Silva apresentava ao espectador um mito amplamente conhecido e explorado enquanto metáfora no período renascentista e posteriores, mas pouquíssimo elaborado em termos de conteúdo fabular e caracterização de personagens.

Nesta ópera, o dramaturgo abusa dos elementos com referência ao mar, começando pelas próprias personagens, que vão de Caranguejo e Maresia, Gracioso e Criada, até o Rei Ponto - que, na Grécia antiga, é a própria personificação do mar. Proteu, Nereu, Cirene e Dóris são divindades marinhas e, aparentemente, apenas Políbio não tem uma ligação direta com o mundo de Netuno - talvez, por isso, a sua identificação como estrangeiro.

Percebe-se em Antônio José da Silva uma linha progressiva da utilização dos contos mitológicos gregos3 3 Há de se notar a forte influência romana dos mitos narrados por Antônio José. Ainda fruto de um trabalho posterior seria cotejar os atributos gregos e romanos dos mesmos deuses e, de acordo com o nosso critério de caracterização de personagens, compreender estas influências gregas, romanas e medievais na obra de Antônio José. ao longo de sua trajetória como escritor. Penúltima peça de sua curta carreira, As variedades de Proteu já apresenta inúmeras características que o estro de Antônio José demonstraria em seu mais alto grau em Precipício de Faetonte, representado em 1738.

O impulso e o passo em direção à liberdade criativa

Precipício de Faetonte, última peça escrita por Antônio José da Silva e representada em 1738, quando o dramaturgo já se encontrava preso nos Estaus, demonstra um talento inédito na elaboração da fábula no modelo tragicômico. A relação entre os núcleos cômico e trágico é intrincada a nível fabular, embora estejam espaçadas enquanto linguagem. As personagens principais, em nenhum momento, levam o leitor/espectador ao riso, salvo quando são alvo dos comentários jocosos dos criados.

Entretanto, a comicidade do núcleo baixo não afeta a tragicidade do núcleo sério em que figuram as personagens mitológicas. O jogo existente entre as diversas personagens-tipo potencializa ambos os efeitos. A contaminação entre elas acontece no sentido em que as personagens trágicas constroem uma lógica interna que leva o leitor/espectador a um estado de fruição que perceba o peso da tragédia que se abate sobre Faetonte, Proteu e outros.

Em contrapartida, para obtenção do efeito cômico, um dos caminhos é a quebra da expectativa pela inadequação. Aquele universo coeso do trágico é inesperadamente rompido pela inadequação da personagem baixa a ele.

A atmosfera criada em Precipício de Faetonte é calcada no Amor - distanciando-se, inclusive, do leitmotiv do mito original, trilhado na ofensa de Éaco e na dúvida e certificação de Faetonte como filho do Sol/Apolo. Assim, na ópera de Antônio José, tudo é motivado pelo Amor, que leva as personagens a extremos.4 4 Constatados por Silveira (1992) em Anfitrião ou Júpiter e Alcmena, mas presente em toda a dramaturgia de Antônio José da Silva, o Amor e as finezas poéticas são considerados como elementos tipicamente portugueses. Entretanto, como o autor está experimentando a liberdade de escrever sobre um mito pouco falado, em Precipício, a influência da intriga secundária sobre a intriga principal torna-se mais forte.

Relembrando as palavras de Maria de Lourdes Ferraz (1976FERRAZ, Maria de Lourdes. ‘Ser’ e ‘parecer’ na obra do Judeu. Brotéria, Lisboa, v. 102, n. 5/6, p. 552-566, maio/jun, 1976., p. 559), “a intriga que suporta as peças [de Antônio José da Silva] pode ser reduzida ao jogo de encontros e desencontros de dois ou mais pares amorosos”. Precipício de Faetonte apresenta dois pares amorosos elevados e um casal de criados, com uma intriga paralela e relativamente apartada da intriga principal.5 5 Fator que aproxima a ópera de Antônio José e as comedias produzidas em Espanha, em que os criados têm, entre outras, a função de amenizar e entreter o público.

Para as personagens oriundas ou com referência na mitologia, Faetonte, Egéria, Ismene e Albano, nossas referências clássicas são parcas e geralmente não mais do que comentários superficiais. Embora a grande maioria do referencial mitológico desta ópera surja justamente da figura central de Faetonte, encontram-se notas sobre a ninfa Egéria em Teatro de los dioses de la gentilidad. Antônio José une, de maneira aparentemente livre, personagens que não fazem parte do mesmo campo de imaginário mítico. Entretanto, podemos perceber em suas obras algumas referências que sugerem que o autor extraiu ao menos parte de seus caracteres mitológicos de um mesmo suporte impresso, a saber, o Teatro de los dioses de la gentilidad, de Baltasar de Vitoria. Em Precipício de Faetonte, mesmo que os mitos de Faetonte e Egéria, por exemplo, ainda se mantenham sem ligação fabular, ambos são narrados no vol. 1 da referida obra. Também a personagem de Egéria ser citada apenas de passagem em poemas clássicos, como as Metamorfoses, mas Baltasar de Vitoria atribuir particularidades ao seu mito, remete a uma apropriação da narrativa moralizante pelo Judeu. Entretanto, como se vai comprovar, as personagens resgatadas da mitologia grega não apresentam grande evolução quanto à complexidade de seus mitos.

Explorando o enredo de Precipício de Faetonte, deparamo-nos com a metáfora das oposições e complementaridades do fogo e da água permeando toda a fábula. Egéria, como ninfa do Eridano, assemelha-se às personagens marinhas já exploradas pelo Judeu em As variedades de Proteu (GONTIJO ROSA, 2022GONTIJO ROSA, Carlos. Figuras marinhas no teatro do Bairro Alto: um pouco de mitologia, outro tanto de invenção. In: Revista Épicas. Ano 6, N. 11, Jun 22, p. 33-51. ). Já Faetonte supera os galanes da peça anterior em sua composição de caráter.

A complexidade das intrigas engendradas por Antônio José perante a timidez que os mitos emulados apresentam ao longo do tempo é um demonstrativo da liberdade e segurança que o dramaturgo adquire em relação aos moldes emulados.

Assim, como na apreciação geral das óperas, também no que diz respeito às personagens, Faetonte e Egéria constituem um aprofundamento no que Antônio José já apontara nas Variedades de Proteu.

Constâncias inconstantes

As personagens de Antônio José da Silva padecem de uma inadaptação às instâncias da sociedade a que deveriam estar ajustadas. Efeito cômico por excelência (BERGSON, 1987BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 128 p.), o autor o ultrapassa e torna suas personagens sérias em inadaptados maníacos. Seu mecanicismo, ao invés de fazer com que percam sua tragicidade, efetivamente a amplifica, gerando o movimento que Furter (1964FURTER, Pierre. La structure de l’univers dramatique d’A. J. da Silva, ‘o Judeu’. Bulletin des Etudes Portugais, n. 25, p. 51-75, 1964.) nominou por labirinto circular. Ainda que o labirinto circular possa ser vislumbrado quando perspectivamos a obra de Antônio José da Silva como um todo, a cada ópera representada nos palcos do Teatro do Bairro Alto, o Judeu habilmente verticaliza a atitude de suas personagens, no sentido de levar às últimas consequências as situações dramáticas em que se encontram.

Em Precipício de Faetonte, a liberdade adquirida na escolha de mitos que limitem menos a imaginação do poeta a priori e a desenvoltura na estrutura tragicômica fornecem arsenal para que o Judeu jogue com as referências e com a forma, ampliando a abrangência da preceptiva, sem perder de vista os modelos emulados.

Faetonte precipitado e a ousadia de Proteu

Faetonte é filho de Apolo. Embora seja apresentado primeiramente como pastor, sua condição é nobre, sua fala é elevada e a cena é organizada de forma que mesmo suas ações escusas pareçam nobres. Seu amor é desajustadamente constante, o que o coloca em situações desagradáveis.

Uma característica já encontrada em todas as versões por nós conhecidas do mito de Faetonte é a sua ira perante a dúvida de sua ascendência divina. Toda a soberba percebida na personagem de Faetonte decorre de sua necessidade de afirmação perante Épafo, nos textos clássicos, e perante toda a corte do Rei Tages, em Antônio José:

Phaetón, muy encendido en ira y afrentado del menosprecio que Epapho dél hacía, para manifestar a todos los hombres la nobleza de su linaje, fuese a su padre el Sol, ante quien con ruegos alcanzó le concediese con juramento un don (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 241).

Tuvo Faetón grandes competencias con Epafo, hijo de Júpiter, y de Jo; y llevando adelante sus emulaciones, entre otras palabras mayores que pasaron entre los dos, fue llamarle mal nacido, y que su madre era embustera, y mentirosa, y que se preciaba de tener por dueño, y amigo à Apolo, no lo siendo. Corrido Faetón del caso, fue con las quejas à su madre, y ella le aseguro de la verdad con las mejores razones, y mas eficaces que supo; y como Faetón aun no quedase muy satisfecho, pidió le a su madre algún seguro para que el lo estuviese de semejante sospecha. Ella le dijo, que si de sus palabras no se aseguraba, que fuese a hacer la información adonde estaba su padre, para lo cual le enseño el camino (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 550).

A inabilidade de Faetonte de compreender as regras do Amor pode ser percebida nas cenas em que se declara à amada Ismene. Os dois momentos inapropriados para a ação enamorada são quando ele tenta matá-la, no primeiro ato, ou quando ela inadvertidamente o atinge com uma seta, no segundo ato da ópera:

Ao ir levantar o braço para ferir a Ismene, [Faetonte] a vê e se suspende, e ela se levanta.

Ismene: Ai de mim! Como, traidor, assim...

Faetonte: Que é o que vejo? Não é este o belo original da cópia que adoro? Imóvel estou! (Deixa cair o punhal).

Ismene: Olá! Acudi, que um traidor...

Faetonte: Suspende a voz, Ismene; não digas traidor; amante, sim.

Ismene: Com um punhal...

Faetonte: Achou a oculta causa de seu incêndio.

Ismene: Intenta tirar-me a vida.

Faetonte: Sem ela estou, vendo tão infeliz acaso; pois te afirmo que te não podia ofender.

Ismene: Mas intentavas matar-me?

Faetonte: Sim; mas, tanto que te vi, me suspendeu o braço o afeto com que te adoro.

Ismene: Tu adorar-me?! Queres com uma ofensa apadrinhar um delito? Acudi todos, antes que o traidor se ausente!

Faetonte: Senhora, que intentas?

Dentro: Acudamos ao quarto da princesa.

Faetonte: Ai de mim, que é infalível a minha ruína! Bem o disse Fíton! Aonde me esconderei? (Quer esconder-se).

Ismene: Espera, traidor, que te não hás-de ausentar; que também tenho valor para te suspender.

Ismene pega em Faetonte, e este intenta, lutando, tirar-se das mãos dela.

Faetonte: Não me sejas duas vezes homicida; deixa-me ao menos ausentar.

Ismene: Sem castigo não hás-de ficar.

Faetonte: Oh, quem dissera que me abrace Ismene e que eu fuja de seus braços! Deixa-me, Ismene.

(SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 125)

[Ismene] atira uma seta e dá em Faetonte, que cai atravessado com ela aos pés de Ismene.

Faetonte: Ai de mim, tirana, que me mataste!

Ismene: Que vejo! Ai, infeliz, que cuidei eras a fera que vinha seguindo! Levanta-te, homem, que as minhas piedades farão menos horrível a tragédia deste acaso. (Levanta-o).

Faetonte: Com tão feliz remédio será ditosa a minha morte. Perdoe Egéria, que a ocasião não permite atenções. (À parte).

Ismene: Aonde foi a ferida?

Faetonte: No peito.

Ismene: E é penetrante?

Faetonte: Chegou-me ao coração.

Ismene: Ao coração? Se assim fora, não estarias com vida.

Faetonte: Esse é o privilégio do teu golpe, que imortaliza a mesma morte.

Ismene: Agora vejo que estás mortal, pois que deliras. Levai este homem, e de sua ferida o remédio correrá por minha conta.

(Quer Ismene ir-se, e Faetonte a detém e canta a seguinte ÁRIA)

Deixa que eu morra

desta ferida,

que é melhor vida

morrer por ti.

Se me desejas

da morte isento,

pois só me alento

com ver-te aqui. (Cai)

Ismene: Levai, levai esse homem, que me horroriza ver tanto sangue. (Vai-se).

(SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 138).

Entretanto, Antônio José não vai tão longe neste sentido com Faetonte quanto havia arriscado com Proteu, na peça anterior. A ousadia de Proteu para com Cirene apresenta um sentido sexual poucas vezes encontrado nas personagens elevadas das óperas de Antônio José:

Vai-se insensivelmente desfazendo o monte em que estava Proteu transformado, em cujos braços fica Cirene reclinada como de antes, sem ver a Proteu.

Cirene: Aqui as setas do amor, tendo mais por onde voar, não ferem com tanta violência.

Proteu: Te enganas, Cirene, pois até este monte se sente abrasar em amorosas chamas.

Cirene: quem é o que me responde? (Levanta-se)

Proteu: Quem eternamente fora monte, a não ficar em dúvida se as penhas sabem amar.

Cirene: Proteu, que arrojo é este? Mas aonde está o monte aonde me reclinei?

Proteu: Não te admires que desapareça um monte de flores, quando em seu lugar estás vendo um vesúvio de fogo, donde se fraguam, não as armas de Marte, mas sim as setas de Cupido.

(SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 35).

O próprio diálogo já denota forte vertente sexual. Em consonância com as ações descritas nas didascálias e o jogo que se pode imaginar entre os atores, há um apelo erótico quase explícito.6 6 Tal apelo erótico deste tipo de cena poderia ser mascarado, quando interpretada por bonifrates. Mesmo assim, há que se ter em conta a imaginação do público, muito mais habituado a este tipo de intérprete. Este tipo de jogo, considerado baixo por levar em conta os interesses carnais que presidem a vontade do indivíduo - e demonstrados cenicamente por meio de uma objetividade da fala, quando escusa de metáforas elaboradas, e da ação, quando propõe o jogo corporal direto -, é o típico jogo do par amoroso dos criados, e pode ser visto em qualquer cena entre estes caracteres, em qualquer peça de Antônio José, à exceção, justamente, de As variedades de Proteu.7 7 Caranguejo passa a maior parte de seu tempo com Maresia tentando convencê-la a aceitar o casamento, contudo sem dizer que pretende se casar com ela (jogo de intenções veladas pouco comum em criados). Só quando ela aceita se casar, na cena 2 da parte 2 (p. 54), começa o jogo de sedução direto entre Caranguejo e Maresia. “Caranguejo: Lança os olhos por esta casa. Vê, vê se achas aqui com quem te empregues. Maresia: Aqui fora ele não está ninguém. Caranguejo: Pois casa com esse ele. Maresia: Quê?! Contigo?! Caranguejo: Contigo não! Comigo! Maresia: Pois hei-de casar comigo?! Caranguejo: Não, com eu! Maresia: Ora isso é o que me faltava! Antes morrer, que casar contigo!” (SILVA, 1957-1958, p. 54).

O empenho de Proteu na conquista de Cirene chega até o primeiro clímax da peça, quando Cirene é ferida:

Políbio: Senhor, como El-Rei manda que não vá sem a princesa, todo o excesso é louvável. Senhora, não te dilates.

Cirene: Príncipe, é força obedecer.

Proteu: Pois vás com efeito ao himeneu?

Políbio: Infalivelmente.

Proteu: Não te pergunto a ti; com Cirene falo.

Políbio: Pois eu por ela respondo, que deixar ir será impossível.

Proteu: E eu também por ela respondo, que ir não pode.

Políbio: Eu sem ela não hei-de ir.

Proteu: E eu mando que vás sem ela.

Políbio: Cirene não é Dórida.

Proteu: E eu sou Proteu, que, uma vez empenhado em impedir-te que leves a Cirene, o não hás-de conseguir.

Cirene: Príncipe, que te perdes! Políbio, que fazes?

Políbio: Obedecer a El-Rei.

Cirene: Príncipe, adeus. Vou sem alma! (À parte)

Proteu: Espera. Ai de mim, que a vida e o coração me levas. (À parte)

Políbio: Venha vossa Alteza, que assim importa.

Proteu: Pois, bárbaro instrumento de minha morte, roubarei a tua vida, em recompensa da que me levas.

(Puxa Proteu um punhal contra Políbio e fere a Cirene, que se mete de premeio e cai desmaiada)

Políbio: Que intentas?

Cirene: Suspende, Senhor! Mas, ai que me feriste, e o sangue... Ai de mim!

Proteu: Que vejo! Cirene (ai, infeliz!) ensanguentada! Ah, cruel, que tu foste a causa...

Políbio: A tua imprudência... Há tormento igual! Senhora? Cirene?

Proteu: O sangue é copioso. Mas eu vivo, e Cirene desmaiada! Eu me tirarei a vida para castigo de meu inocente delito. Morre, infeliz Proteu!

(Ao querer ferir-se Proteu, Políbio o detém, tirando-lhe o punhal e fica com ele na mão)

Políbio: Senhor, que fazes? Não sejas homicida de ti mesmo.

(SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 59).

O herói vai tão a extremo que acaba ultrapassando a linha do bom senso e, a partir daí, a ação envereda por um labirinto circular (FURTER, 1964FURTER, Pierre. La structure de l’univers dramatique d’A. J. da Silva, ‘o Judeu’. Bulletin des Etudes Portugais, n. 25, p. 51-75, 1964.), tomando um “cariz marcadamente trágico” (FERRAZ, 1976FERRAZ, Maria de Lourdes. ‘Ser’ e ‘parecer’ na obra do Judeu. Brotéria, Lisboa, v. 102, n. 5/6, p. 552-566, maio/jun, 1976.), em que as personagens cada vez mais se afundam, até que a autoridade real, que substitui a autoridade divina, intervenha e restabeleça a ordem.

Evidentemente que, como acaba por ser percebido em todos os primeiros galãs de Antônio José, também Proteu apresenta algum desvio de caráter, embora ainda um esboço, se comparado ao próximo protagonista, Faetonte. Além de extremoso, não se pode deixar de falar da forma como ele trata a princesa Dórida.

Já na cena 2 da parte 1, Caranguejo apresenta, a título de estase8 8 A estase é aquele ponto neutro a partir do qual a ação dramática inicia. Já “a intrusão dramática é aquilo que surge e acontece, libertando as forças irresistíveis que, a partir desse ponto conduzirão a peça.” (BALL, 2008, p. 41). Nas Variedades, a intrusão é o enamoramento de Proteu por Cirene à primeira vista e descrito na primeira cena. inicial, a situação de Proteu anterior à primeira cena da peça:

Proteu: Deixa-me; não me persigas, que não há maior tormento para um infeliz, que a privação do retiro.

Caranguejo: Senhor Proteu, que mania é essa? Ao mesmo tempo que te vês propínquo a casar, te vejo próximo a enlouquecer? Não esperavas com alvoroços a Dórida, Princesa de Egnido? Não dizias muitas vezes, lamentando nas costas do mar (se é que o mar tem costas): vem, querida Dórida; e, se por falta de águas encalhou o teu navio, as dos meus olhos te trarão ao reboque? Não andavas fazendo sonetos a uma ausência e cantando minuetes a uma saudade? Pois como agora, depois de possuir o que desejavas, parece que não desejas o que possuis? (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 14, grifo nosso).

A parte da elaboração da personagem Proteu, que se relaciona com a tradição deste Deus marinho, limita-se ao seu talento metamorfo, uma vez que a constituição de seu caráter para a criação de um papel sobre Proteu baseia-se toda nas perceptivas espanholas do galán, ou seja, ele é - enquanto “ser” - um galã tragicômico, ao passo que a espetacularidade requerida para a peça - enquanto “parecer” - ganha força com as suas variedades.

A reflexão de Perez de Moya sobre a personagem de Proteu, entretanto, lança luz sobre a interpretação coetânea deste mito.9 9 “Philosofía secreta donde debajo de historias fabulosas se contiene mucha doctrina provechosa a todos estudios. Con el origen de los ídolos o dioses de la Gentilidad. Es materia muy necesaria para entender poetas y historiadores. Ordenado por el bachiller Juan Pérez de Moya, vecino de la villa de San Esteban del Puerto. Dirigido al ilustre señor Iuan Baptista Gentil, hijo de Constantín Gentil. Con privilegio real. En Madrid, en casa de Francisco Sánchez, impresor de libros. Año de 1585.” Utilizamos a edição de Carlos Clavería, pela Catedra Letras Hispánicas, em 1995. A sessão Declaración tenta transmitir o sentido moral do mito, ou o que poderia, no século XVI, ser entendido pelo sentido moral daqueles mitos. Algumas das interpretações sugeridas pelo autor espanhol, embora não diretamente relacionadas à peça em estudo, podem esclarecer alguns pontos da opção de Antônio José pelo mito de Proteu, uma vez que esta se apresenta, no quadro do período estudado, como uma escolha inusitada.

Por Proteo entendieron unos la materia primera de que las cosas se forman y engendran. Y porque de una misma materia, por el calor y humidad nacen así árboles como animales, o la misma materia se convierte en elementos, por esto dijeron que se convertía en varias cosas; otros, por esto mismo significar, entendieron por Proteo la naturaleza del aire, mediante la templanza, del cual nacen todas las cosas, y por esto dijeron ser origen y principio de plantas y animales, como lo significa Homero.

[…]

Otros dijeron haber sido un hombre experimentadísimo en la arte de retórica, que con dulzura de palabras movía los ánimos de los hombres en varios pareceres y quereres, y por esto decían que se mudaba en varias cosas, templando los movimientos de los ánimos, usando en unos acaecimientos de clemencia y en otros de crueldad, y esto era convertirse una veces en fuego, otras en agua.

[…]

Diodoro dice que Proteo fue eleto por rey de Egipto como el más prudente que hallaron en aquella provincia y más sabio en todas artes. Y el mudarse en diversas formas era que con su mucha prudencia se acomodaba a todas las cosas, de donde salió en costumbre entre los de Egipto, cuando los reyes solían en público llevar en la cabeza (como por insignia real) una señal de león, otras veces de un toro, otras de serpiente, otras una llama de fuego, y así de otras cosas, dando por esto a entender que eran sabios, como Proteo (PÉREZ DE MOYA, 1995PÉREZ DE MOYA, Juan. Philosofía secreta de la Gentilidad. Madrid: Cátedra, 1995. 662 p., p. 513).

As qualidades de Proteu não eram vistas como inspiradoras de intrigas, mas como fundadoras de um pensamento filosófico, de acordo com estas passagens de Pérez de Moya. Quase sempre associado à sabedoria, Proteu é usualmente citado como adjetivo alusivo à sua mutabilidade.

Egéria livre

À Ninfa do rio Erídano, aclamada por Antônio José como Primeira-Dama de sua última peça, o dramaturgo resgata a memória de uma ninfa que, como diz Baltasar de Vitória, “es muy de notar, que nombrando Virgilio tantas Ninfas, y Sanazaro, no hagan memoria de Ninfa tan celebrada como Egeria” (VITORIA, 1676VITORIA, Baltasar de. Teatro de los dioses de la Gentilidad. Madrid: Imprenta Real, 1676. 3 v, p. 258).

OvídioOVÍDIO -. Metamorfoses. Tradução de Domingos Lucas. Lisboa: Nova Vega, 2006., entretanto, narra a metamorfose da ninfa Egéria, esposa de Numa, em fonte:

Mas os males alheios não conseguiam aliviar a dor de Egéria.

Sentada no sopé de um monte, desfaz-se em lágrimas, até que,

comovida pelo amor conjugal da dolente, a irmã de Febo faz

de seu corpo uma gelada fonte e dissolve-lhe os membros

em imorredouras águas (2006, p. 547).

Baltasar de Vitoria nada acrescenta à caracterização do mito de Egéria, além de algumas conjecturas para moralizar ou aproximar o mito do imaginário cristão.10 10 “Vivió esta en el año de 3250 de la Creacion del Mundo. […] San Agustin reduce esto a historia, diciendo que Numa Pompilio, como era gran republico, traxo una fuente encañada de muy lexos, la qual llamaron Egeria, y por esso dixeron que era su muger; si bien es verdad, que ella tampoco no fue sino su amiga, porque su propria muger se llamó Tracia, hija de Tracio, Rey de los Sabinos, como lo trató Plutarco en la vida de Numa.” (VITORIA, 1676, p. 257) Antônio José, entretanto, recorre a poucos elementos do mito original e cria um caráter completamente novo, em gênese e anima.11 11 Sabe-se que o conceito de originalidade neste período histórico e literário era substancialmente diferente do atual e não havia escrúpulos em adaptar as obras vertidas de outros idiomas com enxertos no sentido de adequar a obra às relações sócio-culturais e referenciais do país onde ia ser lida e/ou representada, caso se tratasse de teatro (BRITO, 1989, p. 49).

Egéria é uma ninfa associada às águas, sendo transformada em fonte. Na peça do Judeu, ela é uma princesa usurpada, feita ninfa por Anfitrite, ou seja, ela é uma semidivindade que agora interfere no mundo dos mortais.

Egéria: Que hás-de dizer, ingrato? Sabe que já não necessito dos teus favores, pois a piedade de Anitrite (sic) me fez ninfa do Erídano, onde espero triunfar de um tirano, que me usurpa a coroa, e de um falso amante, que cruel me ofende (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 107).

Não podemos deixar de observar que Antônio José reproduz, no par Egéria-Faetonte, a metáfora elevada do amor entre os elementos fogo e água, em reprodução à própria concepção de Faetonte, como narra Pérez de Moya:

Dice que Phaetón era hijo del Sol y de Clymene, porque Phaetón quiere decir ardor o inflamación que del Sol sale, porque Phaetón en griego significa lo mismo que en latín ardeo, que en español quiere decir arder. Que fuese hijo de Clymene, Clymi es lo que en latín innundare, rebosar o salir de madre, y porque esto se entiende en el agua, y porque el Sol sacando copia de exhalaciones del agua y de partes húmidas, entendidas por Clymene ninfa, e inflamadas del mismo Sol, se causa gran calor, como acontece en el tiempo de estío; por esto se dijo ser Phaetón hijo del Sol y de Clymene (1995, p. 245).

Ainda para a composição do caráter de Egéria na peça Precipício de Faetonte em consonância com as raízes da personagem mítica, a dedicação amorosa da ninfa ao seu companheiro Numa12 12 Numa Pompílio foi governante de Roma na transição dos séculos VIII e VII a.C. Sua história, transformada em lenda, conta que desposou a ninfa Egéria, após esta ter se apaixonado pelo monarca romano. é tão forte, a ponto de Diana ver-se impelida a metamorfoseá-la em fonte. Esta emotividade está presente na caracterização da Egéria do Judeu, embora com outra inclinação.

A cólera que acomete Egéria, desmedida e avassaladora, pode ser comparada àquela atribuída à Medeia de Antônio José. Motivada pelo amor a Albano e pela usurpação do trono por Tages, Egéria é cegada pelo impetus vingativo, a ponto de só compreender que seu coração possui um novo amante quando já é demasiado tarde.

Egéria: Uma felicidade e uma desgraça ao mesmo tempo. Aquele que viste ir preso era (ai de mim!) o mais extremoso amante que me adorava, chegando a tanto a sua fineza, que chegou a dar a morte a Ismene, cujo sangue é este que matiza este prado (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 143).

(Passa um raio atravessando o carro [do Sol, que Faetonte guia], e cai Faetonte nos braços de Egéria)

Egéria: Ai, de mim infeliz! Mas que vejo? Não és tu o fementido Faetonte, a quem os deuses, compadecidos da minha injúria, precipitam justiceiros para castigo da tua infidelidade? Olhai! Se as águas do Erídano não foram as que te erigiram decente túmulo para sepultar a tua ingratidão, as correntes de meu pranto sejam as que purifiquem as manchas de tua inconstância, para que se patenteiem os realces da tua firmeza! (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 198)

Interesse e vingança movem as duas últimas damas de Antônio José da Silva. A elevação de pares corruptíveis à posição de protagonista de uma peça tragicômica altera significativamente toda a estrutura. Este pode ser o grande diferencial de Antônio José perante a produção tragicômica dos séculos anteriores, permitindo explorar novas linhas de força dentro de enredos e estruturas formais estabelecidas.

Já sobre sua relação com a representação mental ou literária herdada dos séculos anteriores, os mitos narrados nas óperas joco-sérias estudadas são perfeitamente adequados aos caracteres consagrados pela tradição. Entretanto, Antônio José amplia a sua construção, atribuindo maior gama de nuances às personagens, a partir da inserção de novas cenas e personagens, também estes, quando mitológicos, coerentes com a sua raiz greco-latina.

Referências

  • BALL, David. Para trás e para frente: um guia para leitura de peças teatrais. Tradução de Leila Coury. São Paulo: Perspectiva, 2008. 136 p.
  • BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 128 p.
  • BRITO, Manuel Carlos. Estudos de História da Música em Portugal Lisboa: Editorial Estampa, 1989. 220 p.
  • CARRERA DE LA RED, Avelina. La mitología en el teatro neolatino renascentista. In: LOBATO, Maria Luisa et al (ed.). Mito y personaje: III y IV Jornadas de Teatro. Burgos: Ayuntamiento de Burgos, 1995, p. 33-48.
  • FERRAZ, Maria de Lourdes. ‘Ser’ e ‘parecer’ na obra do Judeu. Brotéria, Lisboa, v. 102, n. 5/6, p. 552-566, maio/jun, 1976.
  • FURTER, Pierre. La structure de l’univers dramatique d’A. J. da Silva, ‘o Judeu’. Bulletin des Etudes Portugais, n. 25, p. 51-75, 1964.
  • GONTIJO ROSA, Carlos. Figuras marinhas no teatro do Bairro Alto: um pouco de mitologia, outro tanto de invenção. In: Revista Épicas. Ano 6, N. 11, Jun 22, p. 33-51.
  • OVÍDIO -. Metamorfoses Tradução de Domingos Lucas. Lisboa: Nova Vega, 2006.
  • PÉREZ DE MOYA, Juan. Philosofía secreta de la Gentilidad Madrid: Cátedra, 1995. 662 p.
  • SILVA, Antônio José da. Obras completas Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v.
  • SILVEIRA, Francisco Maciel. Concerto barroco às óperas do Judeu São Paulo: Perspectiva , 1992. 262 p.
  • VITORIA, Baltasar de. Teatro de los dioses de la Gentilidad Madrid: Imprenta Real, 1676. 3 v
  • 1
    Por exemplo, não há grandes comentários ou outras peças escritas a partir dos mitos tratados em As variedades de Proteu (1737). Entretanto, há uma constante adjetivação a partir da capacidade metamórfica dos entes marinhos, especialmente atribuída a Proteu.
  • 2
    A primeira tradução para o português da obra é anônima e datada de 1794. Entretanto, a língua não se tornaria empecilho para a difusão da obra, quer por via oral, quer pela familiaridade do povo português com a língua castelhana.
  • 3
    Há de se notar a forte influência romana dos mitos narrados por Antônio José. Ainda fruto de um trabalho posterior seria cotejar os atributos gregos e romanos dos mesmos deuses e, de acordo com o nosso critério de caracterização de personagens, compreender estas influências gregas, romanas e medievais na obra de Antônio José.
  • 4
    Constatados por Silveira (1992SILVEIRA, Francisco Maciel. Concerto barroco às óperas do Judeu. São Paulo: Perspectiva , 1992. 262 p.) em Anfitrião ou Júpiter e Alcmena, mas presente em toda a dramaturgia de Antônio José da Silva, o Amor e as finezas poéticas são considerados como elementos tipicamente portugueses.
  • 5
    Fator que aproxima a ópera de Antônio José e as comedias produzidas em Espanha, em que os criados têm, entre outras, a função de amenizar e entreter o público.
  • 6
    Tal apelo erótico deste tipo de cena poderia ser mascarado, quando interpretada por bonifrates. Mesmo assim, há que se ter em conta a imaginação do público, muito mais habituado a este tipo de intérprete.
  • 7
    Caranguejo passa a maior parte de seu tempo com Maresia tentando convencê-la a aceitar o casamento, contudo sem dizer que pretende se casar com ela (jogo de intenções veladas pouco comum em criados). Só quando ela aceita se casar, na cena 2 da parte 2 (p. 54), começa o jogo de sedução direto entre Caranguejo e Maresia. “Caranguejo: Lança os olhos por esta casa. Vê, vê se achas aqui com quem te empregues. Maresia: Aqui fora ele não está ninguém. Caranguejo: Pois casa com esse ele. Maresia: Quê?! Contigo?! Caranguejo: Contigo não! Comigo! Maresia: Pois hei-de casar comigo?! Caranguejo: Não, com eu! Maresia: Ora isso é o que me faltava! Antes morrer, que casar contigo!” (SILVA, 1957-1958SILVA, Antônio José da. Obras completas. Prefácio de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957-1958. 4 v., p. 54).
  • 8
    A estase é aquele ponto neutro a partir do qual a ação dramática inicia. Já “a intrusão dramática é aquilo que surge e acontece, libertando as forças irresistíveis que, a partir desse ponto conduzirão a peça.” (BALL, 2008BALL, David. Para trás e para frente: um guia para leitura de peças teatrais. Tradução de Leila Coury. São Paulo: Perspectiva, 2008. 136 p., p. 41). Nas Variedades, a intrusão é o enamoramento de Proteu por Cirene à primeira vista e descrito na primeira cena.
  • 9
    Philosofía secreta donde debajo de historias fabulosas se contiene mucha doctrina provechosa a todos estudios. Con el origen de los ídolos o dioses de la Gentilidad. Es materia muy necesaria para entender poetas y historiadores. Ordenado por el bachiller Juan Pérez de Moya, vecino de la villa de San Esteban del Puerto. Dirigido al ilustre señor Iuan Baptista Gentil, hijo de Constantín Gentil. Con privilegio real. En Madrid, en casa de Francisco Sánchez, impresor de libros. Año de 1585.” Utilizamos a edição de Carlos Clavería, pela Catedra Letras Hispánicas, em 1995.
  • 10
    “Vivió esta en el año de 3250 de la Creacion del Mundo. […] San Agustin reduce esto a historia, diciendo que Numa Pompilio, como era gran republico, traxo una fuente encañada de muy lexos, la qual llamaron Egeria, y por esso dixeron que era su muger; si bien es verdad, que ella tampoco no fue sino su amiga, porque su propria muger se llamó Tracia, hija de Tracio, Rey de los Sabinos, como lo trató Plutarco en la vida de Numa.” (VITORIA, 1676VITORIA, Baltasar de. Teatro de los dioses de la Gentilidad. Madrid: Imprenta Real, 1676. 3 v, p. 257)
  • 11
    Sabe-se que o conceito de originalidade neste período histórico e literário era substancialmente diferente do atual e não havia escrúpulos em adaptar as obras vertidas de outros idiomas com enxertos no sentido de adequar a obra às relações sócio-culturais e referenciais do país onde ia ser lida e/ou representada, caso se tratasse de teatro (BRITO, 1989BRITO, Manuel Carlos. Estudos de História da Música em Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. 220 p., p. 49).
  • 12
    Numa Pompílio foi governante de Roma na transição dos séculos VIII e VII a.C. Sua história, transformada em lenda, conta que desposou a ninfa Egéria, após esta ter se apaixonado pelo monarca romano.
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2021
  • Aceito
    30 Abr 2022
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com