EDITORIAL
Inovar é preciso
Alcimar Barbosa Soares, PhD
Editor-Chefe
Dentre os inúmeros desafios enfrentados pelos ditos "países em desenvolvimento", sem dúvida a distribuição justa da riqueza está entre os maiores. Aqui cabem, preliminarmente, dois esclarecimentos: (i) destaco o termo "países em desenvolvimento", pois, confesso, não sei se consigo compreender bem a métrica usada pelos organismos internacionais para defini-lo; (ii) o que aqui denomino "riqueza" deve, necessariamente, ir muito além de depósitos em contas bancárias ou posses dos cidadãos como dizia um cartaz recentemente publicado em algumas redes sociais, "país rico não é país onde pobre tem carro; país rico é onde o rico anda de transporte público"... isso resumo um pouco do que gostaria de definir como riqueza de um país. Crescer e distribuir riqueza é um desafio imenso para qualquer nação. Distribuir riqueza é também dar oportunidades para que os cidadãos tenham acesso digno a um sistema educacional decente, é prover saneamento básico universal, é permitir que doentes possam ser cuidados com dignidade e permitir que tecnologias de ponta alcancem cada canto do país.
Aproximando a discussão de nosso métier, penso ser impossível falar em nação rica quando os corredores de seus hospitais estão amontoados de "leitos" com pacientes sofrendo enquanto transeuntes por eles passam, é impossível falar em riqueza quando a excelência no tratamento só é privilégio de alguns pouquíssimos endinheirados. Não defendo aqui a transição para qualquer regime político-social como solução, até porque essa discussão é terreno minado e não caberia em um editorial de uma revista científica da área de engenharia... ou talvez sim...
A maior parte dos "países em desenvolvimento" depende fortemente da exportação de seus recursos naturais e parecem entrar cada vez mais em uma possível espiral destrutiva: exporta-se commodities a alguns poucos dólares a tonelada e importa-se alta tecnologia (muitas vezes produzida com aquelas commodities) a milhões de dólares a tonelada. E assim, a conta não fecha. Certamente não há nada de errado em se importar alta tecnologia - nenhuma nação poderá produzir absolutamente tudo. O problema é a total dependência externa em setores estratégicos, como é o caso da saúde.
Vejamos o caso dos países latino americanos. Se observarmos seus Estabelecimentos de Assistência a Saúde (EAS), perceberemos que praticamente todos os equipamentos de ponta (e até mesmo alguns com baixa tecnologia embarcada) utilizados no dia-a-dia são importados. Sim, existem alguns poucos e importantes exemplos de uso de produtos nacionais... mas são a exceção, e não a regra. Como destaquei, não há mal algum em trabalharmos com equipamentos fabricados no exterior. Aliás, é até fundamental em muitos casos. Mas, se tal dependência atingir patamares importantes, como tem sido o caso nesta região do planeta, os custos podem ser altíssimos para as nações. E custo alto sempre implicará na menor disseminação daquelas tecnologias o que, em última análise, significa que não chegarão a todos que necessitam.
Mas, não é só de "hardware" que vive um sistema de saúde. Há muito que se fazer para mudar o modus operandi vigente nos EAS, em que processos de gestão ultrapassados ainda são, teimosamente, repetidos. Milhões são gastos, por exemplo, em contratos desatualizados, em serviços ineficientes e na aquisição de equipamentos inadequados (muitas vezes até superdimensionados) para a realidade local.
Precisamos "inovar". Sim, inovar. E inovar significa, por exemplo, fazer chegar às pessoas novas tecnologias e novos processos de gestão dos hospitais de sua região. E, neste aspecto, nós Engenheiros Biomédicos podemos e devemos dar nossa contribuição. Muita pesquisa de qualidade é desenvolvida dia após dia em nossos laboratórios. Prova disso são os excelentes artigos publicados nesta Revista. Mas, precisamos ir agora um pouco além. Precisamos tirar nossas dissertações, teses e artigos da prateleira. De fato, existem muitos que já o fazem primorosamente pesquisam, registram patentes e conseguem até mesmo transferir a tecnologia gerada para o setor industrial. Mas, repetindo o que disse antes, são a exceção. Também é verdade que muita pesquisa não é necessariamente "transferível". Afinal, pesquisa de base é absolutamente essencial e não deve ser preterida em favor da chamada pesquisa "aplicada". De qualquer forma, meu ponto é que podemos sim, gerar conhecimento e tecnologias nacionais que beneficiarão diretamente milhões de pessoas em nossas nações. É perfeitamente possível transformarmos nossas dissertações, teses e artigos no bem estar de nossos povos.
O desafio e o discurso não são novos e têm sido martelados constantemente em foros por todo o mundo. A palavra "inovação" está na moda. Até mesmo ministérios vinculados a governos federais mudaram recentemente sua denominação para incorporar esta importantíssima vertente mundial. Já podemos observar, brotando em diversos países, centros dedicados à inovação tecnológica em saúde, cujas metas alinham-se perfeitamente ao exposto neste texto. O futuro parece promissor.
Vencer o desafio de transformar nossa produção científica em inovação para a área de saúde é certamente um dos caminhos mais importantes para transformar nossas nações. E aqui, cada um de nós tem um importante papel a cumprir.
Bom trabalho a todos nós.
Nota do editor: Gostaria de lembrar a todos que a partir de 2014 a RBEB passará a publicar apenas trabalhos redigidos em inglês. Reforço aqui nosso cronograma de transição:
i. A partir da próxima edição (29(3) - setembro) e até o final do ano, a RBEB dará prioridade para publicação de artigos redigidos em inglês, sendo possível a publicação de artigos em português de excelência ou que tenham sido aprovados até julho;
ii. A partir de outubro de 2013, a RBEB só aceitará submissões de artigos redigidos em inglês; e
iii. A partir da primeira edição de 2014, a RBEB publicará apenas artigos redigidos em inglês.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jul 2013 -
Data do Fascículo
Jun 2013