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Transformações na realidade do trabalho no Brasil e em Portugal

Reality changes in labor in Brazil and Portugal

Resumos

Os artigos reunidos no dossiê deste número da revista Sociologias foram apresentados em encontros realizados no Brasil e em Portugal como parte de atividades do Programa de Cooperação CAPES-GRISCES denominado Transformações do Trabalho e do Emprego no Contexto da Reestruturação Econômica - coordenado, no Brasil, pela Prof. Dra. Valmíria Piccinini e, em Portugal, pela Prof. Dra. Ilona Kovács, envolvendo os Programas de Pós-Graduação em Administração e Sociologia da UFRGS e o Centro de Investigação em Sociologia Econômica (SOCIUS) do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e, como instituição associada, o Departamento de Ciências da Administração da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. O referido programa de intercâmbio tem possibilitado aos pesquisadores envolvidos uma profícua discussão sobre resultados de pesquisas acerca da realidade do trabalho em transformação nos dois países, de tal forma que julgamos oportuno que, ao menos parte daquelas contribuições, se torne acessível ao público interessado, o que fazemos nesta oportunidade.

trabalho; emprego; reestruturação econômica; Brasil e Portugal


The articles included in the dossier of this issue of Sociologias were presented in meetings that took place in Brazil and in Portugal under the CAPES-GRISCES Cooperation Program named Changes in Labor and Jobs in the Context of Economic Restructuring - coordinated by Dr. Valmíria Piccinini in Brazil and by Dr. Ilona Kovács in Portugal. They involved the UFRGS Business Administration and Sociology Post-Graduation Programs and the Center for Economic Sociology Research (SOCIUS) of the Higher Institute for Economics and Management at the Technical University of Lisbon and the Department of Business Administration Sciences of the Federal University of Santa Catarina, Florianópolis, Brazil as an associated institution. The aforementioned interchange program has allowed the researchers involved a fruitful debate about research results on the changing labor reality in both countries, in such a way that we find it timely to make at least part of those contributions available to the public interested, which we do now.

labor; employment; economic restructuring; Brazil and Portugal


DOSSIÊ NOVAS REALIDADES DO TRABALHO - BRASIL E PORTUGAL

Transformações na realidade do trabalho no Brasil e em Portugal

Reality changes in labor in Brazil and Portugal

Sonia Guimarães Larangeira

Professora titular do departamento de Sociologia /IFCH/UFRGS; PhD em Sociologia na London School of Economics Political Science, Inglaterra

RESUMO

Os artigos reunidos no dossiê deste número da revista Sociologias foram apresentados em encontros realizados no Brasil e em Portugal como parte de atividades do Programa de Cooperação CAPES-GRISCES denominado Transformações do Trabalho e do Emprego no Contexto da Reestruturação Econômica - coordenado, no Brasil, pela Prof. Dra. Valmíria Piccinini e, em Portugal, pela Prof. Dra. Ilona Kovács, envolvendo os Programas de Pós-Graduação em Administração e Sociologia da UFRGS e o Centro de Investigação em Sociologia Econômica (SOCIUS) do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e, como instituição associada, o Departamento de Ciências da Administração da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. O referido programa de intercâmbio tem possibilitado aos pesquisadores envolvidos uma profícua discussão sobre resultados de pesquisas acerca da realidade do trabalho em transformação nos dois países, de tal forma que julgamos oportuno que, ao menos parte daquelas contribuições, se torne acessível ao público interessado, o que fazemos nesta oportunidade.

Palavras-chave: trabalho, emprego, reestruturação econômica, Brasil e Portugal.

ABSTRACT

The articles included in the dossier of this issue of Sociologias were presented in meetings that took place in Brazil and in Portugal under the CAPES-GRISCES Cooperation Program named Changes in Labor and Jobs in the Context of Economic Restructuring – coordinated by Dr. Valmíria Piccinini in Brazil and by Dr. Ilona Kovács in Portugal. They involved the UFRGS Business Administration and Sociology Post-Graduation Programs and the Center for Economic Sociology Research (SOCIUS) of the Higher Institute for Economics and Management at the Technical University of Lisbon and the Department of Business Administration Sciences of the Federal University of Santa Catarina, Florianópolis, Brazil as an associated institution. The aforementioned interchange program has allowed the researchers involved a fruitful debate about research results on the changing labor reality in both countries, in such a way that we find it timely to make at least part of those contributions available to the public interested, which we do now.

Keywords: labor, employment, economic restructuring, Brazil and Portugal.

Transformações na realidade do trabalho

No estágio atual em que nos encontramos perde sentido referir-se à mudança/transformação para caracterizar a novidade. O século 20 foi marcado por profundas mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais, de tal forma que a mudança tornou-se, como diria magistralmente o escritor Philip Roth, uma "tradição duradoura".

As análises sobre tais mudanças tendem a operar em registros cuja ênfase encontra-se ora numa perspectiva pessimista, ora numa abordagem otimista. De um lado, parte-se do pressuposto de que a lógica que presidiu os comportamentos e as estratégias no passado regerá o futuro, e, portanto, a mudança representaria desestabilização, inflexão negativa. De outro, recorre-se à falácia da descontinuidade cujo pressuposto supõe que o presente é fundamentalmente diferente do que o precedeu. Sabemos que a realidade social não se constrói a partir de rupturas, mas de uma dialética entre continuidade e mudança e, também, que não há caminhos predeterminados, mas possibilidades e limites ou impasses, dependendo da capacidade que se tiver de intervir na realidade. A História demonstra que as sociedades têm sabido absorver as transformações em seu próprio benefício, ainda que, na maioria das vezes, com enormes sacrifícios de certos segmentos sociais, especialmente, na fase de transição. A preocupação deve ser, portanto, com a irracionalidade do processo de mudanças e não, contra a sua emergência. Nunca seria demais insistir que a realidade é diversa, múltipla e complexa e, ao tentar compreendê-la, deve-se fugir das simplificações. Este talvez seja um risco importante que devemos tentar evitar ao descrever o que ocorre na realidade atual, no mundo do trabalho.

Nos anos 80 e início dos anos 90, a discussão acadêmica sobre a realidade do trabalho era pautada por polêmicas e controvérsias sobre a real natureza dos processos em curso; ao final da década e no início do novo século, ainda que inexistindo consenso, as controvérsias parecem menos agudas, já que as tendências apresentam-se de forma mais nítida, embora seja arriscado propor generalizações. Transitamos por terreno movediço, principalmente se buscamos alcançar algum grau de objetividade.

Ao examinar a realidade do trabalho, hoje, há que reconhecer que estamos diante de transformações que estão a exigir revisão de conceitos, recriação de alternativas e de imaginação sociológica. Dificilmente alternativas poderão ser formuladas a partir de modelos passados. A luta política do presente depende da definição de novos conceitos e de novas utopias.

Há um grupo de conceitos que tentam apreender a natureza de tais mudanças em seu sentido mais amplo: sociedade pós-industrial, sociedade de serviços, pós-fordismo, sociedade da informação, sociedade informacional. Na vigência do fordismo, as categorias que definiam as questões do trabalho eram formuladas em termos de categorias discretas e opostas (trabalhadores em tempo integral, estabilidade no emprego, masculino, chefes de família versus trabalhadores em tempo parcial, mulheres com vínculos principais fora do trabalho remunerado, em geral, domésticos; gerentes/supervisores versus não-gerentes/não-supervisores, etc). A realidade do trabalho daí decorrente era definida por tempos fixos que regiam também a vida da família, da comunidade e do lazer, favorecendo a integração e a padronização. A cidadania estava diretamente relacionada ao trabalho de tempo integral. Não havia cidadania fora do trabalho. Os princípios sociais e os ideais de convivência eram definidos pela noção de padronização e de homogeneidade que se traduziam em termos políticos nas idéias de integração, corporativismo, coletivismo e nacionalismo.

A especificidade da realidade atual se caracterizaria pelo que alguns chamam o regime de risco, ou seja, a idéia de que, em princípio, há maiores possibilidades e alternativas, em conseqüência, a previsão e o planejamento tornam-se problemáticos. Quando os mercados são globalizados e diversificados, a demanda é quantitativa e qualitativamente menos previsível; o mesmo ocorre com a padronização quando a produção é globalizada e descentralizada. Nesse contexto, a padronização fordista caracterizada por rígida e hierárquica divisão de trabalho torna-se um obstáculo à valorização do capital. Dificilmente poder-se-ia retornar às velhas certezas de formas de trabalho e de trajetórias padronizadas. Enquanto o fordismo caracterizou-se pela padronização, o regime de risco basear-se-ia na individualização do trabalho; enquanto o fordismo desconsiderou os danos ao ambiente, o regime de risco teria como preocupação central minimizar os males da prosperidade. O regime de risco representaria a compulsão da escolha, a individualização e a pluralização num contexto de incertezas e inseguranças. O desafio, portanto, seria saber de que forma a perda de segurança poderia ser transformada em desabrochar de criatividade.

Mudanças importantes verificam-se no que se refere a quem trabalha. Por exemplo, houve um crescimento expressivo da participação da mulher no mercado de trabalho, não apenas em termos da taxa de participação, mas também em termos de horas trabalhadas e de ascensão a postos tradicionalmente ocupados por homens, como os de gerentes e demais posições de autoridade. O novo estatuto social não poderá ignorar tal realidade; os problemas familiares decorrentes da nova situação de trabalho da mulher devem ser encarados como problemas sociais e tratados em termos coletivos e institucionais, desfazendo ou minimizando a tradicional separação entre as esferas doméstica e do trabalho.

Ainda em relação a quem trabalha, haveria uma tendência à elevação da qualificação dos trabalhadores, especialmente nas empresas tecnologicamente avançadas que competem no mercado internacional. O aumento da qualidade de produtos ou serviços e a redução de custos são buscados através do "empowerment" de seus empregados, ampliando o escopo de suas atribuições, reduzindo os níveis hierárquicos, transferindo responsabilidades até então atribuídas a gerentes e/ou supervisores aos trabalhadores do chão de fábrica. Entretanto, a responsabilidade com a qualificação tem recaído sobre os trabalhadores, individualmente. Isso se torna mais dramático nos setores envolvidos com tecnologia de informação, em que a qualificação torna-se rapidamente obsoleta, reduzindo o seu valor no mercado. Dessa forma, o trabalhador corre o risco de ver sua qualificação desvalorizar-se rapidamente.

Neste contexto, os empregados conscientizam-se de que eles próprios devem cuidar de suas carreiras e de sua qualificação, o que resulta num comprometimento maior com sua trajetória do que com a empresa em que trabalham. Seu comportamento estaria mais próximo do dos trabalhadores autônomos. A nova relação de emprego caracterizar-se-ia por ser definida, não no interior da empresa (através de políticas de treinamento, concessão de benefícios e de promoção) mas, cada vez mais, pelo mercado (Cappelli, 1999).

Em relação a quem trabalha, observa-se crescimento do número de trabalhadores com contratos por tempo determinado e de tempo parcial (empregados de agências de emprego e por contrato temporário). Há indicações de que percentual expressivo desses trabalhadores preferiria estar regularmente empregado. Esse tipo de contrato tende a reduzir o envolvimento dos trabalhadores, o que resulta em sério problema para as empresas que dependem do comprometimento dos trabalhadores para o seu sucesso em épocas de acirrada competição. Por essa razão certas empresas estariam a repensar esse tipo de estratégia, e a expectativa é de que tais formas de emprego tenderiam a não se expandir.

No que se refere a como se trabalha, cresce o percentual de empresas utilizando práticas de trabalho que tendem a elevar a qualificação, tais como trabalho em equipe autodirigida, rotatividade de funções e grupos de solução de problemas. O crescimento na utilização de tais práticas está associado à crença dos empregadores de que a participação dos empregados resulta em ambiente de trabalho mais produtivo, mais lucrativo, mais inovador, mais flexível e mais responsivo (Heckscher, 1996, xix; Osterman, 2001, p. 82).

A aplicação de tal modelo restringe o ingresso de trabalhadores não-qualificados, impedindo-os de adquirirem qualificação no local de trabalho. Para os que trabalham na empresa, reduz-se a distinção entre gerentes e demais empregados tornando menos nítida a delimitação de funções; entretanto, o achatamento de hierarquias resulta na desvalorização do sistema de promoções como forma de incentivo, e a tendência é de que o mesmo seja substituído por um sistema de benefícios, muitas vezes, distribuídos desigualmente entre trabalhadores na mesma ocupação, acentuando-se, assim, a desigualdade entre os trabalhadores numa mesma empresa e com a as mesmas características demográficas.

Ao mesmo tempo, a maior insegurança no emprego contraria os princípios que fundamentam as práticas participativas e de envolvimento do trabalhador. Todavia, ainda que sem garantia de emprego, os trabalhadores mostram-se mais satisfeitos em trabalhar sob formas que valorizem uma qualificação mais elevada.

Segundo alguns estudos, os empregados teriam "absorvido" a nova realidade. Resultados de pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos evidenciam diferenças vis-à-vis os resultados obtidos em pesquisas anteriores. Perguntados sobre o que esperavam do emprego, os empregados classificaram "segurança no emprego" em quinto lugar, depois de "trabalho interessante", "melhores formas de comunicação" e "oportunidades de desenvolvimento" (HR Executive Review: Implementing the New Employment Contract, citado por Cappelli, 1999, p. 36). Em outra pesquisa do mesmo tipo, os empregados manifestaram seu desejo de obter "oportunidades de desenvolvimento profissional" e "treinamento", o que contribuiria para ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho externo. Cappelli argumenta que é esta uma "segunda geração" de empregados, que desconheceu o período que precedeu o processo de reestruturação e que, por isso mesmo, estaria mais apta a adaptar-se às regras das novas relações de emprego.

Em relação a demissões, destaca-se o caráter particular do fenômeno atual vis-à-vis o que ocorria no passado, quando o corte de trabalhadores verificava-se em razão de declínio da atividade econômica com expectativa de recontratação na melhora do ciclo. Hoje o corte de trabalhadores tem por objetivo a redução de custos (downsizing). Sua particularidade é que as empresas despedem empregados durante fase de crescimento e prosperidade, sendo que as demissões devem-se, em geral, à reestruturação e à subcontratação. As empresas, ao mesmo tempo em que demitem, também contratam, na tentativa de ajustar a força de trabalho às novas necessidades. Isso é particularmente verdadeiro para aquelas que trabalham com tecnologias de informação. A acirrada competição, a instabilidade das condições de mercado, a rapidez das inovações tecnológicas e gerenciais, fazem com que o período de planejamento de produção das empresas torne-se menor do que as carreiras individuais.

As taxas de desemprego, no entanto, são distintas, de acordo com regiões e segmentos sociais: tendem a ser mais elevadas, para trabalhadores com menor escolaridade, bem como para ocupações com qualificação relativamente mais baixa. Dados recentes sobre a realidade brasileira mostram a diferença existente entre os índices de emprego e desemprego comparando-se as áreas metropolitanas e o interior urbano de alguns estados.

De qualquer forma, o desemprego tecnológico constitui-se em uma realidade. Alguns analistas argumentam que a sociedade do conhecimento seria incapaz de incorporar os trabalhadores e se estaria afastando da sociedade do trabalho. Nesse sentido, o futuro tenderia a ser de desemprego em massa e, em conseqüência, um novo tipo de divisão social se estabeleceria: a divisão entre os que possuem e os que não possuem emprego. Jeremy Rifkin, autor de O fim do trabalho, é um dos representantes desta perspectiva. Apoiando-se no desenvolvimento histórico, a perspectiva oposta argumenta que o temor dos trabalhadores de serem substituídos por máquinas tem-se mostrado infundado, já que a redução de trabalhadores ou a eliminação de um determinado setor são acompanhadas pela criação de novos setores e novos postos de trabalho que se expandem rapidamente. O exemplo clássico seria o que ocorreu com a agricultura: a drástica redução de pessoal não significou a redução da população economicamente ativa como um todo, muito ao contrário.

Os contextos do Brasil e de Portugal

Os artigos reunidos no dossiê deste número da revista Sociologias foram apresentados em encontros realizados no Brasil e em Portugal como parte de atividades do Programa de Cooperação CAPES-GRISCES - Transformações do Trabalho e do Emprego no Contexto da Reestruturação Econômica - coordenado pela Prof. Dra. Valmíria Piccinini e Prof. Dra. Ilona Kovács, envolvendo os Programas de Pós-Graduação em Administração e Sociologia da UFRGS e o Centro de Investigação em Sociologia Econômica (SOCIUS) do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e, como instituição associada, o Departamento de Ciências da Administração da UFSC. O referido programa de intercâmbio tem possibilitado aos pesquisadores envolvidos uma profícua discussão sobre resultados de pesquisas acerca da realidade do trabalho em transformação nos dois países, de tal forma que julgamos oportuno que ao menos parte daquelas contribuições se tornasse acessível ao público interessado, o que fazemos nessa oportunidade.

Os artigos tratam de temas diversos embora tenham todos a preocupação central de discutir as implicações sociais que afetam o trabalho e o emprego em face da nova realidade que emerge com os fenômenos como a globalização, a liberalização dos mercados, a inovação tecnológica e a reestruturação produtiva. Embora não tenham sido concebidos em termos de uma metodologia comparativa, não há como deixar de reconhecer similaridades entre aspectos da realidade dos dois países tão fortemente ligados não apenas pela língua e pela cultura, como também, pelo nível de desenvolvimento econômico-social que os identificam, segundo alguns analistas, como países semi-periféricos.

O conjunto de artigos reunidos no dossiê deste número da revista Sociologias, conforme acima referido, inclui temas distintos, abordando desde questões como as relativas ao trabalho flexível, às relações sindicais, às práticas de gestão, aos modos de trabalhar e de ser na nova situação, até questões de ordem propriamente teórica, como a discussão sobre autonomia no trabalho. Os quatro primeiros artigos corresponderiam a uma abordagem cujos dados, e o tratamento dos mesmos, estaria mais próxima de uma perspectiva estrutural, enquanto os dois últimos artigos estariam mais próximos de uma preocupação que tem como centro a subjetividade do trabalhador.

Kovács, em seu artigo Emprego flexível em Portugal, escapa da simplificação fácil que concebe o trabalho na atualidade em termos de uma dualidade - núcleo e periferia. Ao contrário, a autora destaca a tendência à crescente diferenciação e heterogeneidade das situações de trabalho e formas de emprego. Discorre sobre as formas distintas em que se manifesta o emprego flexível e que convergem no sentido de flexibilidade contratual, de tempo de trabalho, de espaço e de estatuto.

Afirma com propriedade que as formas flexíveis de emprego podem tanto implicar riscos como oportunidades, "tanto trazer vantagens como desvantagens para os indivíduos neles envolvidos e para a sociedade em geral". Tal argumento permite apreender a complexidade da nova realidade e corrobora evidências por nós recolhidas em investigação sobre o setor de telecomunicações, cuja diversidade e heterogeneidade de situações rejeitam definições dualistas pré-determinadas.

Diante da diversidade e tentando fugir às explicações deterministas, a autora busca compreender a razão pela qual alguns se beneficiam com o processo, enquanto outros, ao contrário, são prejudicados; ou, em que medida situações instáveis de emprego levam a situações mais virtuosas, enquanto outras, à precariedade. Tais questões tornam-se fundamentais se considerarmos a necessidade de saber "Como é possível melhorar a situação dos grupos fragilizados e criar condições para que haja mobilidade ascendente?"

Para melhor apreender as diferentes situações em suas possibilidades e limites, a autora cria uma tipologia distinguindo quatro formas de flexibilidade do emprego.

O artigo apresenta dados esclarecedores sobre trabalho temporário, trabalho autônomo, de tempo parcial, na Europa, na União Européia e em Portugal, bem como sobre a dinâmica da qualidade de emprego e sobre aspectos subjetivos relacionados a como os trabalhadores vivem e sentem a flexibilidade.

Conclui afirmando que as formas flexíveis de emprego são ambíguas e podem, tanto se constituírem em opção e levar a formas de mobilidade ascendente, quanto em imposição e levar à precariedade.

Piccinini em Cooperativas de trabalho de Porto Alegre e flexibilização do trabalho também aborda o trabalho flexível, porém enfocando as cooperativas de trabalho no contexto brasileiro, com o objetivo de esclarecer de que forma a flexibilidade do trabalho em cooperativas repercute sobre a organização do trabalho e sobre a qualidade de vida do trabalhador.

Tal como observado por Kovács, a investigação conduzida por Piccinini também evidencia o aspecto da ambigüidade de situações: a flexibilidade é de modo geral avaliada (dirigentes) positivamente já que possibilitaria maior grau de autonomia em termos de contratos e jornada de trabalho, bem como de oportunidade de aperfeiçoamento e aprendizagem de novas atividades. Segundo a autora, uma minoria consideraria a flexibilização como forma de sobrevivência no mercado de trabalho desfavorável. Em se tratando dos associados, estes prefeririam uma relação de emprego assalariado.

As conclusões da autora apontam para a diversidade de motivações quanto à adesão das pessoas às cooperativas, ainda que a busca de alternativas ao desemprego seja dominante. Ao mesmo tempo, observa diversidade também quanto às condições de trabalho.

Cerdeira, em Relações laborais e emprego, discute os dilemas do sindicalismo no contexto das transformações atuais e que se manifestam em tendência à descentralização das negociações; à flexibilidade do trabalho, à lógica do individualismo, ao declínio da sindicalização e ao desenvolvimento de novas estratégias de gestão. Ressalta, entretanto, que as pressões decorrentes de fenômenos como a globalização e a liberalização dos mercados não produzem necessariamente um resultado predeterminado. Interviriam nesse processo fatores de ordem histórico-institucionais de cada país. Dessa forma, adverte a autora, os efeitos do sistema flexível de produção sobre o sindicalismo não poderiam ser previstos de forma linear.

O artigo traça um histórico do movimento sindical em Portugal desde abril de 1974, quando foi instituído o sistema dual de representação dos trabalhadores (comissão de empresa e sindicatos), e as comissões de empresas tiveram papel relevante no interior das empresas. Segundo a autora, desde final dos anos 70, a clivagem político-ideológica leva à divisão sindical. Paralelamente, ocorre acentuada queda nas taxas de sindicalização, atribuída à politização das organizações sindicais e ao desenvolvimento do sindicalismo corporativista.

As evidências descritas indicam a presença de uma nova dinâmica de negociação que estaria a envolver os atores diretamente, sem a intermediação do Estado. Ao mesmo tempo, as negociações estariam pautando-se pela lógica da concessão - que supõe a limitação de reivindicação e ganhos mútuos - em oposição à lógica distributiva dos anos 70-80. A questão proposta pela autora é a de saber até que ponto o atual sistema sindical é capaz de garantir condições mais favoráveis de emprego aos trabalhadores.

Santos, em Gestão de Recursos Humanos: Teoria e Prática, discute o desafio colocado à gestão de recursos humanos ante o novo contexto de exigências proposto pela sociedade do conhecimento, pelas tecnologias de informação e comunicação e pela globalização, em que a importância da produção de bens não-tangíveis tende a tornar-se crescente. Dessa forma, as características tradicionais (preço, matérias-primas, energia e trabalho) tendem a ceder lugar à capacidade de inovação altamente dependente de competências humanas. A autora destaca três vias para o alcance desse objetivo: desenvolvimento do capital humano, do capital estrutural e do capital relacional.

Em relação ao capital humano, não seria suficiente ao trabalhador do conhecimento apenas o desenvolvimento de determinada qualificação profissional, mas seria obrigatório dispor de competências que permitam a criação e a inovação. Para tanto, a empresa deveria propiciar um ambiente estimulante ao desenvolvimento dessas capacidades, o que suporia um novo modo de gestão que envolveria gerir um componente emocional. Quanto ao capital estrutural, suporia a capacidade de transformar a produtividade do capital intelectual em projetos, produtos e serviços. Importante para esse processo seria a chamada inteligência partilhada, produto de redes relacionais. Em relação ao capital relacional suporia a valorização de interações múltiplas entre pessoas e organizações.

A autora procura mostrar que a realidade concreta afasta-se dos princípios acima referidos. Ao contrário, a flexibilidade teria produzido a segmentação dos recursos humanos, de acordo com o valor agregado que trazem à empresa, predominando "uma gestão muito instrumental do elemento humano".

Grisci e Bessi, em Modos de Trabalhar e de Ser na Reestruturação Bancária, abordam o setor de serviços, mais precisamente o setor bancário, que tem passado por radical transformação com extensa utilização da automação cujos resultados se traduzem em completa redefinição do perfil profissional e no elevado grau de demissões.

Diante de tais transformações, as autoras propõem-se a compreender a subjetividade do trabalhador entendida como formas "de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de sonhar, de fazer... de habitar, de vestir-se, de embelezar-se, de fruir, etc".

A investigação empírica foi realizada em um Banco público que passou por processo de reestruturação que redefiniu o direcionamento da empresa para o mercado, estabelecendo como prioridades um sistema de performance visando a lucratividade. Ao se alterarem os objetivos da empresa criar-se-iam novos modos de subjetividade que demandariam dos trabalhadores características próprias do trabalho imaterial - considerado fator central na nova relação produção-consumo e cuja especificidade demandaria um novo tipo de trabalhador: não apenas objeto de trabalho, mas também sujeito, no sentido de que sua afetividade seja mobilizada, de forma a despertar no consumidor o desejo de consumo.

As autoras concluem que a reestruturação do trabalho bancário enfatiza a performance de vendas, o atingimento de metas, a competitividade, o que acarretaria fragmentação da categoria contribuindo para que prevaleça entre os empregados a lógica do individualismo.

O artigo de Rosenfield Autonomia Outorgada e Apropriação do Trabalho concentra-se na discussão de aspectos propriamente teóricos, relativos às transformações na natureza do trabalho, enfocando a questão da autonomia.

A autora reconhece que o novo modelo de organização do trabalho, ao contrário do anterior, contribui para a mobilização da inteligência do trabalhador, permitindo assim uma experiência mais variada e complexa, além de propiciar relações de trabalho mais democráticas. A discussão desenvolvida busca, porém, aprofundar a questão e avaliar em que medida as novas formas de organização do trabalho representariam de fato um ganho para o trabalhador.

O exame da questão leva à identificação de um paradoxo expresso na dupla realidade: "engajamento e adesão aos objetivos da empresa... (e) obrigação de se engajar". Para caracterizar tal situação, utiliza-se do conceito de autonomia outorgada, em oposição à autonomia real: verificar-se-ia, sim, uma situação de maior autonomia, esta, porém, tem seus limites definidos pela racionalidade econômica e não pela esfera de ordem social ou subjetiva.

Da mesma forma que outros autores acima comentados, Rosenfield também conclui reconhecendo estar diante de uma situação ambígua: a autonomia outorgada constituir-se-ia numa pseudo-liberdade já que presa à racionalidade econômica, o que impediria a emergência de uma real autonomia, contudo, ao mesmo tempo, contribuiria para a promoção do enriquecimento do trabalho através do estímulo à criatividade e iniciativa.

Considerações finais

É interessante notar que, em termos gerais, as conclusões a que chegam os artigos apresentados tendem a uma certa convergência no sentido de apontar, de um lado, para a novidade da realidade atual do trabalho, ao mesmo tempo em que destacam a heterogeneidade e diversidade de situações; de outro lado, aponta-se para a "ambigüidade" ou "paradoxo" que caracterizaria o contexto do trabalho nas condições investigadas. Tais resultados têm o mérito de se afastarem das perspectivas dualistas tão caras às análises típicas dos anos 80 e início dos anos 90, sugerindo uma maior nitidez nas tendências que se delineiam.

Parece não haver dúvidas de estarmos diante de uma nova realidade que está a exigir a redefinição de atores, de instituições e de políticas. Quais seriam esses?

Os sindicatos, por exemplo, são considerados peça fundamental, entretanto, seriam sindicatos renovados, operando de forma mais ampla em escala e escopo: aliando-se a outros sindicatos bem como a diferentes grupos e organizações comunitários e profissionais, atuando politicamente para garantir melhores condições de trabalho e maior participação dos trabalhadores no local de trabalho, mas também defendendo as necessidades e os interesses dos mesmos em seu percurso ocupacional (como estudante/trabalhador até a aposentadoria), bem como ao nível do mercado de trabalho, oferecendo treinamento, qualificação e servindo como intermediários na busca por emprego, tanto para os trabalhadores de baixa quanto para os de alta qualificação.

O governo, ator também considerado fundamental, atuaria em nível macroeconômico através da formulação de políticas que mantenham o crescimento econômico e a demanda por trabalhadores, inclusive os de baixa qualificação, mas também através de incentivos que apóiem e complementem iniciativas que visem a melhoria das condições de trabalho. Ao governo caberia ainda ocupar-se da modernização da legislação, adequando-a aos novos tempos.

Às empresas caberia transformarem-se em "corporações com foco em capital humano", promovendo um ambiente de trabalho virtuoso, no qual todos os trabalhadores, não apenas uma elite, fossem valorizados e respeitados.

É imprescindível criar-se um novo contrato social no trabalho, que beneficie a todos - as empresas, os investidores, a economia, os trabalhadores, a sociedade. Entretanto a nova realidade requer mudança urgente na governança das empresas, de forma que as mesmas respondam não apenas aos acionistas mas, sobretudo, aos trabalhadores. Há necessidade de mudanças de valores em relação ao trabalho e em relação às responsabilidades sociais. Se temos de conviver com alto nível de riscos, há que mudar as regras em termos de sobre quem recairão os riscos, de maneira a distribuí-los de forma mais eqüitativa entre todos os envolvidos.

Recebido: 19/07

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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