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Sociologia na complexidade

Sociology in complexity

Resumos

O artigo se propõe a fazer uma introdução didática e informativa e, ao mesmo tempo, aprofundada sobre as conseqüências da emergência do paradigma da complexidade para a Sociologia. No desenrolar da narrativa, faz comparações, o que permite ao leitor não familiarizado com a temática da ciência identificar as diferenças macroparadigmáticas pré-modernas, da modernidade simples e da emergência do paradigma da complexidade. Define e exemplifica, sempre que possível, os termos, afirmações e princípios significativos para uma melhor compreensão do tema. Faz, também, inúmeras indicações, no interior da narrativa, de autores e obras, para que aqueles que desejarem continuar, possam mergulhar mais intensamente nos caminhos da sociologia da complexidade. O artigo inicia com uma introdução que define, a partir de Thomas Kuhn, o conceito de paradigma. A seguir, desenvolve de modo comparado, os princípios mais importantes do paradigma da complexidade. E, por fim, chama a atenção para alguns desafios da Sociologia na complexidade, alertando para os riscos da paralisação da complexidade na difícil tarefa de religarmos os saberes diante da hiperespecialização presente na crise do paradigma da modernidade simples.

paradigma da complexidade; sociologia e complexidade; conhecimento do conhecimento; modulação da complexidade


The article is a simultaneously didactic and informative deep introduction on the emergence of the paradigm of complexity for sociology. Along the narrative, we make comparisons, which allows the reader who is not familiar with the themes of science to identify the macro-paradigmatic pre-modern differences from simple modernity and the emergence of the paradigm of complexity. Whenever it is possible, we define and exemplify the terms, assertions, and principles that are significant for an understanding of the theme. We have also made numerous indications of authors and works within the narrative, thus those willing might take a deeper dive in the pathways of sociology of complexity. The article starts with an introduction that defines, after Thomas Kuhn, the concept of paradigm. Then we comparatively develop the most important principles of the paradigm of complexity. And finally, we draw attention for some challenges of sociology in complexity, warning against the risks of paralysis of complexity in the hard task of re-linking knowledges in face of the hyper-specialization present in the crisis of the paradigm of simple modernity.

paradigm of complexity; sociology and complexity; knowledge of knowledge; modulation of complexity


DOSSIÊ COMPLEXIDADE

Sociologia na complexidade1 1 Agradeço as generosas críticas de Maíra Baumgarten sobre o texto, muitas delas aqui incorporadas, e também as discussões esclarecedoras que realizamos sobre os desafios da ciência na contemporaneidade. Agradeço também a José Vicente Tavares o aprendizado realizado em nossas discussões e atividades conjuntas sobre a importância de Michel Foucault no debate da complexidade. Certamente muitas das idéias aqui expressas não terão cumplicidade absoluta e até mesmo expressarão algumas divergências com os colegas professores e pesquisadores que contribuíram para minhas formulações.

Sociology in complexity

Gilson Lima

Dr. em Sociologia, professor e pesquisador em Sociologia das ciências da Rede Metodista de Educação (IPA)Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Brasil

RESUMO

O artigo se propõe a fazer uma introdução didática e informativa e, ao mesmo tempo, aprofundada sobre as conseqüências da emergência do paradigma da complexidade para a Sociologia. No desenrolar da narrativa, faz comparações, o que permite ao leitor não familiarizado com a temática da ciência identificar as diferenças macroparadigmáticas pré-modernas, da modernidade simples e da emergência do paradigma da complexidade. Define e exemplifica, sempre que possível, os termos, afirmações e princípios significativos para uma melhor compreensão do tema. Faz, também, inúmeras indicações, no interior da narrativa, de autores e obras, para que aqueles que desejarem continuar, possam mergulhar mais intensamente nos caminhos da sociologia da complexidade.

O artigo inicia com uma introdução que define, a partir de Thomas Kuhn, o conceito de paradigma. A seguir, desenvolve de modo comparado, os princípios mais importantes do paradigma da complexidade. E, por fim, chama a atenção para alguns desafios da Sociologia na complexidade, alertando para os riscos da paralisação da complexidade na difícil tarefa de religarmos os saberes diante da hiperespecialização presente na crise do paradigma da modernidade simples.

Palavras-chave: paradigma da complexidade, sociologia e complexidade, conhecimento do conhecimento, modulação da complexidade.

ABSTRACT

The article is a simultaneously didactic and informative deep introduction on the emergence of the paradigm of complexity for sociology. Along the narrative, we make comparisons, which allows the reader who is not familiar with the themes of science to identify the macro-paradigmatic pre-modern differences from simple modernity and the emergence of the paradigm of complexity.

Whenever it is possible, we define and exemplify the terms, assertions, and principles that are significant for an understanding of the theme. We have also made numerous indications of authors and works within the narrative, thus those willing might take a deeper dive in the pathways of sociology of complexity.

The article starts with an introduction that defines, after Thomas Kuhn, the concept of paradigm. Then we comparatively develop the most important principles of the paradigm of complexity. And finally, we draw attention for some challenges of sociology in complexity, warning against the risks of paralysis of complexity in the hard task of re-linking knowledges in face of the hyper-specialization present in the crisis of the paradigm of simple modernity.

Key words: paradigm of complexity, sociology and complexity, knowledge of knowledge, modulation of complexity.

As ciências naturais abrangerão as ciências humanas, as

ciências humanas abrangerão as ciências naturais.

(Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos).

I - Pensando o mundo no mundo

Algumas palavras sobre paradigma: novos modos de pensar e de modelar o conhecimento

Foi Thomas Kuhn que popularizou o termo paradigma em seu livro: Estrutura das revoluções científicas (KUHN, 1962). Nesta obra, encontramos diversas noções de paradigma em diferentes abrangências e amplitudes. A grande contribuição de Kuhn foi a de demonstrar, para toda a comunidade científica, que as nossas verdades, por mais sofisticadas que sejam, são sempre posições, idéias e procedimentos de verificação de conhecimento, compartilhados num contexto historicamente datado, numa determinada época. Das diferentes noções que Khun expressa em sua obra sobre paradigma, uma delas é a que nos importa aqui: a idéia de um macropadrão de concepção de mundo, a qual Edgar Morin expressa com as palavras: "uma concepção, uma relação lógica, extremamente forte entre as noções mestras, noções chave e princípios chave" (MORIN, 2003: 85). Essa relação entre princípios é que vai comandar todos os propósitos, que obedecem inconscientemente, a todo o império do conhecimento de um determinado período histórico.

Assim, entenderemos aqui por paradigma, um macromodelo, padrão de concepção de mundo, compartilhado por uma determinada coletividade científica, numa determinada época histórica.

Newton, por exemplo, consolidou o paradigma cartesiano com as suas modelações matemáticas e teorias subjacentes, sobretudo, pela grande síntese mecanicista da sua lei da gravitação universal.

Para o moderno paradigma cartesiano-newtoniano existem conceitos fundamentais, tais como: a gravitação; a força newtoniana; a mente e o corpo como entidades separadas; a busca da verdade objetiva sem interferência do sujeito investigador (sem valoração subjetiva, sem intencionalidade,...) na representação e construção do conhecimento da realidade; a estrutura dividida em parcelamentos e funções; a noção de tempo flecha e de representações ou equações sem historicidade, etc.

Então, trata-se de um consenso paradigmático no cartesianismo-newtoniano de que a natureza tem uma ordem dada e que, a sua estrutura, para ser decifrada, deve ser estilhaçada em pedaços de objetos, cada vez mais simples, e que eles podem ser medidos em toda a sua espessura, por menor que seja (princípio da separabilidade do paradigma da simplicidade).

Para o paradigma da complexidade, outros conceitos são fundamentais como, por exemplo, o conceito que permite explicar os efeitos quânticos e a relatividade integrada na simultaneidade do tempo e do espaço (pensamos em um instante do tempo como conjunto de múltiplos eventos coexistentes). Utilizam-se as demonstrações dos modelos matemáticos não lineares e das interações nucleares fortes e fracas. Também se considera inseparável o sujeito do objeto (dependência do sistema de referência), da idéia de matéria integrada à consciência em estruturação organizada. Na complexidade, não temos mais uma estrutura dada, uma ordem dada, mas uma tensão entre equilíbrio e desequilíbrio, envolvendo a auto-organização e o caos entre forças de atração e dissipação, que podem ser demonstradas didaticamente assim:

De nada adianta pensarmos em auto-organização se não pensarmos no âmbito da inseparabilidade, da auto-organização físico e social, ou seja, de que existe algo que se organiza fora do governo de nossas determinações, cujas possíveis determinísticas de controle não temos mais possibilidades de prever (BECK, 1998, 1999).

A palavra complexus significa "o que está ligado, o que está tecido". É esse tecido que precisamos conceber. O adjetivo complexo (do latin plecto, plexi, complector, plexus: tecido, trançado, enroscado, mas também cingido, enlaçado, apreendido pelo pensamento). Em seu uso trivial complexo, torna-se sinônimo de complicado (plico, are, dobrar), algo embrulhado à espera de simplificação.

A noção do complexo enriqueceu-se nos últimos tempos, desde que a importância dos elos e das propriedades específicas dos conjuntos foram redescobertas e realçadas pelas novas mobilizações epistemológicas mais contemporâneas para ações de cingir, entrelaçar, envolver e apreender o mundo, os dados da realidade por uma organização do pensamento mais amplo, por ações articuladas e articulantes, religantes dos elementos e dados segmentados permitindo a emergência também da heterogeneidade, na qual os significados de origem devem permanecer com suas especificidades, como pretendia Pascal, que afirmou ser a parte tão inseparável do todo quanto o todo inseparável da parte. (ARDOINO, 2004: 548-549).

O princípio da separação não morreu, mas é insuficiente. É preciso separar, distinguir, mas também é necessário reunir e juntar. O princípio da ordem não morreu, é preciso integrá-lo na dialógica ordem-desordem-organização. O princípio da simplificação e da redução, certamente se encontra morto, porque jamais chegaremos ao conhecimento de um todo a partir do conhecimento dos elementos de base (MORIN, 2004: 564).

A transgressão apareceu com a microfísica. O raciocínio científico, fundamentado sobre a concordância entre a racionalidade e os dados da observação e da experiência, abriu-se sobre uma primeira brecha com o paradoxo da dualidade matéria-imaterialidade, da matéria que se comporta como um corpúsculo, como um corpo isolável e, em outros casos, de maneira contínua e caótica como uma onda. A contradição encontra-se entre estas duas dimensões absolutamente antinômicas. Muitos ainda tentam escamotear este paradoxo, chamando de quantum a partícula, mas os paradoxos lógicos reaparecem nos novos domínios de generalização da física quântica. Ficamos com a fulminante conclusão, que nos ensinou Nils Bohr, de que só podemos superar essa contradição se assumirmos a idéia de complementaridade (MORIN, 2004: 565).

A física quântica é um dos componentes mais significativos do paradigma da complexidade, mas o princípio da complexidade não se esgota na física quântica. Agora, temos, também, o princípio da historicidade e de tempo, dentro dos princípios macroparadigmáticos. No paradigma cartesiano-newtoniano, por outro lado, não existe historicidade na matéria, na "precisão" de suas fórmulas e modelagens de cálculos.

Sabemos hoje que, mesmo no interior da matéria, temos historicidade, e que o próprio cosmos se expande e se contrai. O enfrentamento do tempo no paradigma da modernidade simples iniciou-se de modo ainda incipiente com Charles Darwin, com a sua teoria sobre a evolução da vida (DENNETT, 1998). E, depois, Einstein e Prigogine, como veremos mais adiante, acabaram por adotar o tempo como princípio-chave integrado em sistemas de referências ou diagramas de espaço-tempo,2 2 É importante ter claro que a relatividade especial é uma teoria do espaço-tempo, porém Einstein não se refere em termos de intervalos temporais ou magnitudes espaciais medidas ou de simultaneidade observada, etc. Isso é um ponto importante, porque a teoria de Einstein não diz respeito a medições ou operações que podemos efetuar com réguas e relógios absolutos. Trata-se de uma dependência dos fenômenos físicos a um sistema de referência, no qual a relatividade especial torna as relações de simultaneidade, duração e intervalo espacial, dependentes do sistema de referência. Assim, não temos mais nem espaço nem tempo absoluto, o que implica uma matemática, inclusive aplicada, muito mais complexa. Ver: RUSSEL, Bertrand. O A B C da Relatividade. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2005. em que os próprios referenciais, não estejam sujeitos à ação de forças no mundo da natureza física e bioquímica.

Agora percebemos que a própria matéria se expande, auto-organiza-se, e até mesmo o universo evolui em um tempo flecha ascendente (organização) e num tempo flecha descendente (entropia). Em vez de estrutura, temos uma complexa estruturação organizacional. Temos assim, ordem e desordem, isto é, o caos produtivo também na ordem, cujos desequilíbrios, a favor da ordem ou a favor da desordem, podem levar à paralisia da complexidade (entropia). Também o equilíbrio absoluto leva à paralisia da complexidade.

Temos o borramento das fronteiras entre o mundo físico, social e biológico, que há décadas, Michel Foucault demonstrou com a emergência do biopoder, da desmaterialização do poder-corpo para o poder-vida (TAVARES DOS SANTOS, 1966: 7-16). Vivemos o império da informação desmaterializada. Diante dos avanços recentes da Física, da Biologia, da Bioquímica coloca-se, em causa a precisa distinção entre o mundo orgânico (molhado) e o inorgânico (seco); entre seres vivos e matéria inerte (vida ó matéria ó informação), entre o humano e o não-humano. As características antes consideradas específicas e complexas dos seres humanos e das relações sociais, tais como: a auto-organização, o metabolismo, a auto-reprodução são detectadas no mundo físico e bioquímico. Trazem implicações profundas para o nosso conhecimento da vida em sociedade.

Por fim, temos para nós um dos princípios mais significativos da complexidade, que é o que afirma não existir apenas um único plano de realidade. O mundo, e também nós no mundo, faz parte de múltiplos planos simultâneos de realidade integrada nos novos limites da ciência diante do infinitamente grande e do infinitamente pequeno. Esta é a grande questão e o mais importante princípio estruturante da complexidade.

Há muito tempo que a mecânica quântica coloca em questão e em xeque o dogma filosófico contemporâneo da existência de um único nível de realidade cartesiana. Werner Heinsenberg chegou muito próximo disso em seus escritos filosóficos, de conceito do "nível de realidade". Em seu famoso "Manuscript of the year", de 1942 (publicado somente em 1989) Heisenberg introduz a idéia de três "regiões de realidade", capaz de dar acesso ao próprio conceito de "realidade". As três regiões que ele descreve são a macro, a micro e a biológica. Hoje, temos ainda, a complexidade e a complexidade social, que podem gerar tanto mais convergência quanto mais fragmentação.

Vimos que as ciências clássicas geraram uma brutal ruptura entre observador (indivíduo conhecedor) e realidade. Essa ruptura, em termos de ciência, reinou absoluta até o final do século XIX, e reinou de modo menos absoluto até o final do Século XX. Uma das máximas de Descartes afirmava que, havendo apenas uma verdade em cada coisa, quem quer que a encontre saberá dela tudo o que se pode saber.

Tomemos como exemplo o problema da complexidade informacional integrada em múltiplos planos de escala. Vamos começar imaginando a menor dimensão concebível na física atual, pegando um metro, multiplicando por 10 e reduzindo ao máximo, teremos então: ? 10-35 metros (trinta e cinco zeros negativos). Segundo especulações da física teórica, aqui não existiria nenhuma possibilidade de matéria, seja de onda, seja de partícula, seria como o fim absoluto da matéria. Depois, pensemos na outra extremidade, a máxima escala cósmica possível e vislumbramos hoje, o que os físicos especulam como se fosse o possível tamanho máximo do Universo: ? 1026 metros (vinte e seis zeros positivos) medidos em distância de milhões de anos-luz (300 000 quilômetros por segundo).

Temos, na realidade macrofísica e social, a escala dos metros, quilômetros, centímetros e milímetros, ainda visível pelos olhos humanos. Mais abaixo temos a realidade da informação mícron. Seria como se dividíssemos um metro em um milhão de partes iguais e na mesma escala teríamos: ? 10-6 metros (seis zeros negativos). Foi aqui que se procedeu, nos últimos cinqüenta anos, à grande aceleração tecnológica proveniente da microinformação digital e da microinformação genética. A microeletrônica computacional e a genética operam apenas na escala do mícron e, mesmo assim, enfrentam atualmente novos dilemas complexos que ainda nos deixam meio atordoados, diante das suas implicações no mundo organizacional em nossas sociedades.

Depois de vivenciarmos até bem recentemente a corrida do ouro pela microinformação digital e a microinformação genética (projeto Genoma), que nos deixou a idéia perturbadora de que quase tudo o que achamos pequeno e invisível poderia ser reduzido à escala da microfísica do poder e do espectro do poder simbólico, vivemos, atualmente, a nova corrida do ouro, a nanoinformação.3 3 Atualmente vivenciamos uma nova corrida do ouro, sem precedentes ante a sua intensidade e velocidade na história, por parte das grandes corporações em investimentos em nanotecnologias. O investimento anual em nanotecnologia, em 2004, tanto no setor privado, como no estatal, foi estimado em US$ 8,6 bilhões. Praticamente todas as quinhentas companhias Fortune estão investindo em pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos nanométricos. Somente nos Estados Unidos, o nível de gastos governamentais em nanotecnologia aproxima-se a US$ 1 bilhão por ano. Bem maior do que o montante destinado ao Projeto Genoma, tornando-se a maior aventura científica financiada com dinheiro público, desde o lançamento da Apollo à lua (GRUPO ETC, 2005:20). A nanotecnologia promete reinventar o mundo físico, gerando múltiplas conseqüências na escala macrossocial. Agora, dividiremos o metro em um bilhão de partes iguais e, na mesma escala teremos: ? 10-9metros (nove zeros negativos). Na escala do nanômetro, um fio de cabelo tem um diâmetro em torno de oitenta mil nanômetros, ou nanoinformações. Um nanotubo de carbono tem dez nanos. Uma molécula de DNA é imensa na escala nano. Tem cem nanômetros e é um pouco menor que um vírus. Uma célula vermelha de sangue (hemácia) é extravagante na escala nanométrica. Encontra-se na ordem de dez mícrons ou de dez mil nanoinformações.

Agora sabemos que a verdade sobre uma coisa não é tão simples de encontrar. Cada um dos planos da realidade tem suas especificidades. Caminhamos num consenso de que toda a manipulação acima de dez nanômetros deve ser monitorada diante dos possíveis e prováveis riscos à vida humana e ao meio ambiente. No entanto, os sociólogos e ambientalistas estão em choque com os nanotecnólogos, que já estão produzindo novos produtos com novas nanopartículas reestruturadas e que nunca existiram na macro-realidade social e ambiental. Exigem-se testes, mas testes que venham a se tornar realidade na escala nano, não apenas na escala macro, por causa dos diferentes efeitos quânticos nas diferentes escalas de realidade informacional, como por exemplo, o alumínio. Na macro-escala física, o alumínio é inofensivo, nós o usamos até na boca, como aparelho ortodôntico. Já, na escala nano, o alumínio é explosivo, como demonstraram as pesquisas militares.

A nanoinformação coloca desafios imensos, para uma nanodemocracia informacional e seus efeitos sobre substituições de materiais, de energia. Trata-se de uma reinvenção do mundo, e teremos um impacto muito mais profundo e muito mais rápido do que aquele que tivemos na escala da informação micro. A microinformação digital precisou de apenas cinqüenta anos para gerar profundos impactos na macroescala social e ambiental. A genética necessitou em torno de quarenta anos e, no ritmo que se está realizando a corrida da nanoinformação (cujo ciclo tecnológico recém estamos iniciando), seu impacto macrosocial deve realizar-se em apenas quinze anos. A nossa macrodemocracia nem sequer se acomodou com a microdemocracia organizacional da informação, e já temos que enfrentar a nanodemocracia organizacional. Na complexidade informacional, trata-se, então, de percebermos que existem simultaneamente múltiplos planos de realidade e múltiplos e diferenciados efeitos quânticos diante dos diferenciados e múltiplos planos existentes.

Os padrões auto-organizados surgem de instabilidades intrínsecas do sistema, que é aberto para ingredientes básicos como massa e energia, mas não para conduzir toda a informação e a organização, pois é um processo que também se auto-organiza, e nenhum plano de descrição da realidade tem precedência ontológica sobre qualquer outro.

Enfim, temos ainda outras abordagens menores de paradigmas: os microparadigmas. São técnicas, procedimentos ou especializações convertidas em micropadrões, cuja mudança qualitativa não altera ou coloca em cheque o macroparadigma dominante de uma época. É o que acontece, por exemplo, quando nos referimos apenas a subparadigmas econômicos na sociedade, tipo sociedades agrárias (materialidade da terra), sociedades industriais (materialidade das mercadorias e produtos industrializados) e sociedades de informação (imaterialidade das idéias, dos símbolos, dos ícones, da informação-imagem, da estética e do conhecimento).

Vivemos no mundo da ciência e do conhecimento, imersos numa transição macroparadigmática, migramos a passos largos do paradigma cartesiano-newtoniano para o paradigma da complexidade.

A mudança de paradigmas na História também diz respeito ao exercício de poder. A transição de um paradigma para outro traz junto uma nova concepção de mundo que se afirma e outra que é deixada de lado. Daí que, num período de transição entre paradigmas, é particularmente importante, do ponto de vista epistemológico, observar o que se passa com estas ciências. Por exemplo, hoje não basta apenas apontar a tendência para a superação da disciplinaridade do conhecimento e da ruptura da distinção moderna entre ciências naturais e ciências sociais. É preciso conhecer o sentido e conteúdo dessa distinção e dessa superação, e uma nova modulação, também complexa, para o próprio conhecimento e o fazer científico. Falamos em transdisciplinaridade, em complexidade, mas mantemos ainda intacta a estruturação disciplinar do velho paradigma em nossas universidades e centros de pesquisas.

O advento do paradigma e da epistemologia da complexidade, de Edgar Morin, tem desafiado a enfrentar-mos novas possibilidades de modulagens (procedimentos) também complexos (MORIN, 2000b). A teoria da complexidade avançou bem mais intensamente que sua modelação. Modelar de modo complexo é um dos desafios que o novo paradigma proposto por Edgar Morin trouxe aos inquietos espíritos científicos. Neste sentido, pensamos que a complexidade diz respeito, sobretudo, ao tratamento do conhecimento numa integração de múltiplos e simultâneos planos da realidade: o plano macro, o plano físico, o plano micro-físico e, atualmente, o plano nanofísico (TOMA, 2004, MARTINS, 2005, GRUPO ETC, 2005).

Vivemos períodos de transição paradigmática quando nos encontramos mais intensamente em estados de turbulências. O novo paradigma repercute desigualmente nas várias regiões do paradigma dominante e vigente e, por isso, os sinais do futuro tornam-se ambíguos.

Nas fases de transição e de revolução científica, encontramos muita insegurança quando a nossa reflexão epistemológica se torna mais avançada e sofisticada do que a nossa prática científica. Hoje nenhum de nós pode visualizar de modo seguro, projetos concretos de investigação que correspondam inteiramente ao paradigma emergente. Ainda experimentamos muitas defasagens operacionais quando temos que formular nossos projetos de pesquisas em modelizações disciplinares fragmentadas pelas metodologias cartesianas integradas em lógicas reducionistas e mecanicistas (problemas, hipóteses, operacionalização de hipóteses interligadas em teorias desconexas, de baixa densidade e complexidade em metodologias informacionais, etc.). Ainda estamos tateando experimentalmente novas modalidades operatórias, informacionais e procedimentais mais complexas, especialmente quando pesquisamos os fenômenos novos e cada vez mais emergentes na macrorrealidade social contemporânea.

É por isso que, mesmo estando muito presente, o paradigma da complexidade ainda está precisamente numa fase de transição paradigmática. Sabemos, porém, que estamos no caminho do novo, mas não exatamente onde estamos na jornada. A condição epistemológica da ciência repercute na condição existencial dos cientistas. Afinal, se todo conhecimento é autoconhecimento, então, todo desconhecimento é autodesconhecimento (SANTOS, 2001: 58).

Não são poucos os que insistem em que nada de novo existe para inaugurarmos uma nova era paradigmática. Pessoas ilustres e pensadores respeitáveis, como Habermas, Hobsbawn e, até mesmo Einstein - que deu uma imensa contribuição para derrubar o edifício mecanicista newtoniano - não viram nada de novo em termos paradigmáticos. Também os positivistas, os neopositivistas, os naturalistas ou os tecnólogos (mais conservadores), mesmo os mais experimentalistas ou os mais racionalistas, não cansam de afirmar que vivemos atualmente nada mais, nada menos, do que a radicalização da própria modernidade. As perturbantes teorias de Einstein sobre a relatividade, ainda sofrem resistências, mesmo que, quase todas elas já tenham sido encontradas, demonstradas e validadas experimentalmente. A física teórica ainda sofre muitas críticas dos experimentalistas, por revelar abordagens ilusórias e obscuras, como recentemente explicitou o médico e pesquisador da ciência, Ério Brasil Pellanda, em seu último livro (PELLANDA, 2005).

Uma premissa deste artigo é a de que, como nos ensinou Khun, um paradigma, pode durar, ter tempo, ter uma história definida, valores e princípios precisamente adquiridos e compartilhados. Acreditamos que é possível detectar esses valores e também como esses valores podem ser conhecidos e compartilhados numa época histórica, verificar rupturas e necessariamente identificar a emergência de um renascimento, de novas modelagens de saber, de conhecer, de socializar o conhecimento, ou seja, do novo lugar do conhecimento no mundo macrossocial.

II – Um pouco de história: a transição do paradigma astrológico para o moderno paradigma cartesiano-newtoniano e a emergência da complexidade

Quando um paradigma termina? Qual o legado que ele deixa (continuidade)? Com o que ele rompe? Quais são as novas opções e os novos caminhos? O que, da sua narrativa, organização, princípios, são obsoletos e deixados para trás?

Se o termo moderno é muito amplo para ter um significado, imaginemos, então, a longa duração do paradigma pré-moderno que, aqui, chamaremos de astrológico. Quanto tempo pode durar um paradigma?

Até quando transitará o moderno paradigma? Até quando teremos que conviver na proliferação desconstrutiva dos prefixos pós (pós-moderno, pós-modernismo, pós-industrial, pós-humano...), que experimentamos desde a década de 60, ainda no século anterior? E, ainda: quando religaremos o conhecimento às novas e complexas construções simbióticas (de symbíon, de fazer junto)?

Muito já se escreveu sobre o novo paradigma da complexidade, assim vamos, por questões de tempo e precisão, concentrar-nos apenas em registrar algumas descrições históricas e didáticas da emergência da complexidade. Para isso, vamos voltar um pouco no tempo, e verificar de onde viemos, do ponto de vista paradigmático, ou seja, o paradigma astrológico pré-moderno e, em que consistiu a ruptura paradigmática moderna.

Para nossos fins, vamos ater-nos neste artigo, a explicitar dois grandes princípios básicos, que conduziram toda a história do paradigma astrológico pré-moderno numa mesma concepção paradigmática de mundo e vamos estabelecer relações, diálogos com as devidas rupturas e escolhas operadas no macroparadigma da modernidade simples, em detrimento do paradigma astrológico. Ao mesmo tempo, sempre que possível, vamos introduzir diálogos nessa comparação, de modo também transversal, com as rupturas e ressignificações atuais encontradas no macroparadigma da complexidade.

Vejamos os dois grandes princípios básicos que conduziram toda a história do paradigma astrológico:

1) O princípio da similitude

Produzir conhecimento, para os pré-modernos, era como manusear um caldeirão de sopa, com diferentes ingredientes, de modo não fragmentário e não disciplinar no qual tudo se aproximava, e em que se buscava uma aproximação.

O princípio da similitude revela uma maneira muito própria de os pré-modernos produzirem e manusearem o conhecimento. Michel Foucault já tinha afirmado a idéia de que o saber, no Século XVI, deixava (para trás) uma lembrança de um conhecimento misturado e sem regra, em que todas as coisas do mundo podiam aproximar-se ao acaso das experiências, das tradições ou das credulidades. (FOUCAULT, 1987). Os pré-modernos manejavam um sistema de similitudes que consistia em aproximar as coisas entre si, em buscar tudo o que pudesse revelar-se nelas como um parentesco. Entretanto, com a imposição moderna de pensar, este processo se alterou profundamente.

Os modernos, ao contrário, em vez de aproximar, buscaram discernir as coisas, isto é, separá-las e estabelecer diferenças, classificá-las para depois rearranjá-las num mecanismo totalizante, numa nova totalidade pensada racionalmente, diferenciando a arte da ciência; o sujeito, do objeto; a objetividade, da subjetividade; a natureza da cultura; a emoção, da razão e a mente do corpo. Os modernos almejam a fragmentação especializada do saber para disciplinar o corpo, o olho, a objetiva em face da observação metódica, a fim de conquistar pela simplicidade a objetividade cartesiana:

"Essas longas cadeias de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, levaram-me a imaginar que todas as coisas que podem cair sob o conhecimento dos homens encadeiam-se da mesma maneira e, que, com a única condição de nos abstermos de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e de observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las uma das outras, não pode haver nenhuma tão afastada, que não acabemos por chegar a ela, e nem tão escondida que não a descubramos" (Descartes, 1989: 27-28 - Grifos nossos).

Aqui está o "canto do galo" do racionalismo moderno. A emoção da alvorada de toda uma idade que se iniciou e que chamamos de Idade Moderna. A petulância cartesiana. A ruptura moderna reinou absoluta, em termos de ciência, até o final do século XIX e reinou de modo menos soberano até o final do Século XX. A crença de Descartes imperou como se, ao conhecermos apenas uma verdade de cada coisa, quem quer que a encontrasse saberia tudo sobre o que dela se poderia saber.

Enfim, o homem vai saber a verdade sobre tudo. Na complexidade, sabemos que a verdade de uma coisa não é tão simples de encontrar como a tamanha certeza reducionista de Descartes. A máxima cartesiana impôs a redução da complexidade, a expressão da razão com 'r' minúsculo (racionalização), como descreveu Edgar Morin (MORIN, 2000a:112). Outra questão que Descartes propõe com seu Método é a de que devemos sempre simplificar:

"Começar pelas racionalizações mais simples e mais fáceis de conhecer; e, considerando que, entre todos aqueles que até agora procuraram a verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar... e enfrentar com esse novo espírito com o alimento das verdades e a não se contentar com falsas razões" (Ibid., id.)

As clássicas ciências modernas geraram uma brutal ruptura entre observador (agente conhecedor) e a realidade (objeto a ser conhecido). Por outro lado, hoje sabemos que a matéria se expande em auto-organização de modo não linear e, sim, caótico, integrado a duas realidades simultâneas: ordem e desordem.

O paradigma cartesiano-newtoniano se desdobrou em duas grandes derivações: o positivismo e o racionalismo.

O positivismo às vezes é chamado de cientificismo realista, naturalista ou, ainda, visto como uma simples transposição da ciência da mecânica para todos os fenômenos psicológicos que possam ser entendidos como comportamentos que poderiam ser decompostos em porções irredutíveis ou até mesmo "átomos" de ação, tomado por uma abstração visual, simétrica, que praticamente via a tarefa da ciência como a de produzir um conhecimento fotográfico da realidade: observar ? medir ? expressar uma lei. O conhecimento emergiria pelo raciocínio matemático (mais aritmético) que permitiria romper com o senso comum, negando-o ou qualificando-o.

Até mesmo para o racionalismo de Bachelard e de Einstein, a ordem no universo e na natureza era dada como organizada. Einstein, apesar de todas suas intuições e contribuições, não colocava em questão a ordem implícita do mundo moderno, da natureza e a concepção mecanicista do Cosmos. O que Einstein afirmava era que a ciência apenas estava mudando de concentração, do mundo visível, para o mundo do oculto. Porém, as próprias descobertas de Einstein, sobretudo aquelas sobre a relatividade e suas novas explicações sobre tempo e espaço, foram decisivas para ajudar a corroer o sólido edifício do macroparadigma cartesiano-newtoniano.

Quando a ciência cartesiana alcançou, de modo decisivo, o mundo do oculto, não visual, é que emergiram, também com força racionalista, novos pensadores como: Niels Bohr, Planck, Poincaré e Werner Heinsenberg, entre outros. Por isso, pensadores da ciência como: Gaston Bachelard (BACHELARD, 1996), na França e Karl Popper (POPPER, 1975) na Áustria, despertaram para querer identificar algo que estava mudando na produção do conhecimento científico e tentaram entender como esses homens estavam produzindo a nova ciência. O racionalismo é uma expressão mais complexa do paradigma moderno, mas também concebe a natureza, a ordem do universo dada como organizada.

Popper, que não era apenas um positivista lógico como tanto se afirmou, demonstrou que a ciência visual da indução falsifica seus axiomas com simplificações. O exemplo dos Cisnes Brancos que ele apresenta é básico neste sentido. Dizia Popper que um indutivista descobre mais de duzentos cisnes brancos e quanto mais procura cisnes, ele só encontra cisnes brancos. Assim, ele cria o axioma: "todo cisne é branco". Isso será verdadeiro até que ele encontre um cisne preto que destruirá e colocará abaixo toda a sua verdade. Popper insistiu sobre a provisoriedade das descobertas científicas, especialmente as operadas por inferência indutiva. Sua solução ao problema da indução é a de que, para ele, a ciência não é mais do que um conhecimento conjetural. Em vez de indução, Popper propõe que se fale em conjecturas, probabilidades e, em vez de verificação, em falsificabilidade (POPPER, 1975: 13-40).

Também verificou-se que estes novos cientistas, em geral, estão produzindo conhecimento sobre um mundo oculto. O próprio Einstein afirmou que o chão escorregou de nossos pés. Como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não vêem? Na ciência do visível, muitas vezes, apenas com raciocínios lógicos poder-se-iam validar conhecimentos, cuja construção de hipóteses, seria mais facilmente produzida e testada. Foi assim que surgiu uma outra modalidade de expressão do macroparadigma cartesiano-newtoniano: o racionalismo.

Não se trata aqui, apenas do debate entre materialismo e idealismo, mas, muitas vezes, para estes novos racionalistas, as longas cadeias de hipóteses e modelos padrões restringiam-se apenas a experimentos de suas canetas, os quais eles escreviam no papel. O racionalismo levou ao extremo o poder da lógica e da racionalização moderna, e seus seguidores apostavam muito mais na capacidade do raciocínio do que na experimentação controlada.

No entanto o racionalismo foi muito importante para os novos cientistas e pensadores da complexidade emergente, como Einstein, por exemplo. A complexidade tem uma grande identidade com os racionalistas, mas a complexidade reequilibra, de modo mais cooperado e, muitas vezes simultâneo, a indução com a reflexividade e também a dedução, com intuição e abdução também em cooperação com as ressonâncias sensórias, simultaneamente. A reflexibilidade de modo complexo encontra-se e se religa com o saber perital das aplicações no processo do conhecimento.

Há uma grande possibilidade de complementaridade entre as abordagens analíticas e sistêmicas. A primeira continua necessária para extrairmos da realidade os elementos que nos possibilitam fundar teorias, e a segunda nos permite obter uma visão mais global dos sistemas, tornando viável a eficácia da ação. Tratamos de modelização sistêmica complexa, o que a retórica helênica e latina denominavam inventio como definiu Jean-Louis Le Moigne. Trata-se de romper e descartar "pureza" das práticas, das técnicas peritais dos subsistemas e de estarmos sempre acompanhados, de modo também reflexivo, de um desassossegamento constante das nossas ações, de perguntarmos sempre o que estamos fazendo, a que se refere nossa própria ação, o que ela está produzindo, no que se ela está transformando, de estarmos presente, juntos, na ação contextualizada (MORIN, 2004: 545).

Em página após página dos quatro tomos de seu Método, Edgar Morin chamou nossa atenção para essa problemática. É preciso urgentemente reencontrar os procedimentos da contextualização e aprender a construir, para nós mesmos, ricas representações do que fazemos, do que ouvimos em profundas ressonâncias sensíveis e significantes.

Na ciência do oculto, o processo de investigação e de análise fica mais complexo e minucioso, exige muito trabalho descritivo e procedimental. Quase todos os cientistas da complexidade forjaram complexas teorias mescladas em novas aplicações e modalidades qualitativas de produzir conhecimento complexo. Suas buscas de explicações diversas sobre fenômenos novos foram contribuindo para negar muitos das velhas certezas comuns da ciência moderna.

Assim, podemos entender melhor a afirmação de que, a subjetividade constrói o experimento, como demonstrou Heinsenberg. Mas os avanços não se resumiram apenas a um outro modo de pensar o mundo, a natureza, o Cosmos e, sobretudo, nosso novo lugar nesse mundo. Os avanços nas aplicações tecnológicas aceleraram-se tanto após a segunda Grande Guerra Mundial que tecnologia e ciência integraram-se na complexidade de modo ainda mais intenso, principalmente a partir da emergência da consciência dos efeitos quânticos e dos múltiplos planos da realidade, ao mesmo tempo específicos e simultâneos, em convergência com a macrorrealidade física e social.

O paradigma moderno tem uma dimensão materialista essencial, mesmo no sentido e na compreensão da própria razão. O positivismo fortaleceu muito o componente materialista do paradigma moderno. O materialismo poderia, assim, emancipar a sociedade da sua condição historicamente atribuída à religião ou à filosofia especulativa. Descrições matemáticas herméticas do cosmos não faltavam ao ingrediente moderno, volumetria e velocidade dos átomos reduzidos, como a menoridade possível da matéria, que em força e velocidade vagavam pelo vazio imaterial.

A complexidade implica uma nova e mais complexa espiritualidade que herdamos da modernidade simples. Weber demonstrou que somos seres com vontade de ser mais, e que a própria modernidade laica ocidental criou para si, uma espiritualidade específica, mais operante, das suas ambições (WEBER, 1983). A falência e a crise nas promessas emancipadoras da razão moderna e seu diálogo surdo, instrumentalizador e colonizador do pensamento mágico têm levado multidões de mentes à busca de "escapes esotéricos" desconciliados da complexidade, podendo, inclusive, colocar em risco o próprio pensar complexo, ante a emergência de novos fundamentalismos e crenças autoritárias e personalistas. Se quisermos experimentar uma satisfação profunda e complexa em nossa vida social, precisamos ser capazes de encarar a sociedade em um contexto mais amplo de significado e valor. Em um contexto que transcenda o materialismo (ou consumismo reducionista) quanto ao próprio interesse limitador da vida no mundo.

O questionamento do princípio da separabilidade, proposto na regra cartesiana, é um dos elementos essenciais do paradigma da complexidade. O edifício moderno se encontra em crise pela hiperespecialização do saber desligado na macrorrealidade social, gerando uma entropia informacional. Isso nos faz lembrar Eliot, quando indagou, mais ou menos assim: "onde está o conhecimento que perdemos na informação e onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento informacional?" ( MORIN, 2000c: 16).

Nossa visão social necessita ter uma dimensão espiritual plural e também complexa, isto é, devemos ser capazes de responder perguntas como: para que existe a sociedade? Qual seu significado? (ZOHAR, 2000: 30-31). Em que dimensões da realidade subjacente encontramos suas raízes, seus dilemas Éticos (com E maiúsculo)? Em última instância trata-se de questões espirituais. Têm a ver com a compreensão do sentido mais profundo e a sanção de nossos atos (limites) e com o respeito profundo à legitimidade múltipla de expressões de espiritualidades e crenças tão diversas da nossa civilização planetária, de nossa pátria Terra.

O espectro dos limites da redução lógica e o enfrentamento intrínseco da contradição em seus domínios apareceram também no mais elevado pensamento matemático, com o teorema de Gödel, que anuncia que, em um sistema formalizado complexo que comporta a aritimética, sempre existe uma proposição que não pode ser decidida e que, até mesmo a não-contradição do referido sistema não pode ser decidida. O paradoxo encontra-se também na vida social em sua escala macrofísica. Quando olhamos um indivíduo, a espécie desaparece, passa a ser uma abstração, mas, quando o olhamos no tempo, o indivíduo desaparece, desfalece é a espécie que permanece. O princípio da lógica dedutivo-indentitária deixou de ser absoluto, e é preciso saber transgredi-lo (MORIN, 2004: 565).

O paradigma da complexidade integra natureza e cultura que não podem mais ser vistos separadamente (inseparabilidade: tecnologia, homem, cultura e natureza), é como um sistema auto-organizativo com entropia – dispersão, mas impossível de separarmos e isolarmos como pretendia o cartesianismo. Não há variáveis isoladas na complexidade. Como ilustra Wigner em seu exemplo: "a medição da curvatura do espaço causada por uma partícula não pode ser levada a cabo sem criar novos campos que são bilhões de vezes maiores que o campo sob investigação". (WIGNER, 1970: 7).

O segundo princípio do paradigma astrológico, com o qual a modernidade simples rompeu de modo fulminante, foi o postulado da separação entre a esfera cósmica (celeste) de a esfera terrestre, que se manifesta na concepção de mundo geocêntrica que se harmonizou com a interpretação da Bíblia e foi reinterpretada pela teologia medieval principalmente por Tomás de Aquino.

2) O princípio da separação do mundo físico do metafísico

Assim como para o mundo terrestre e físico temos as Leis da Física, para o mundo Celeste, Astrológico, o Céu, o Cosmos temos a quinta essência aristotélica. Ou seja, temos outras leis não físicas do extraordinário, do divino, do celestial, um lugar onde as leis da física não operam.

Veremos, a seguir, que Galileu substituiu, a partir da experiência, a idéia de espaço cósmico qualitativamente diferenciado, pelo espaço homogêneo e abstrato da geometria euclidiana. O ponto central para a derrubada do edifício aristotélico iniciado por Galileu e consolidado por Isaac Newton, consistiu na unificação entre o céu e a terra, ou seja, as leis que governavam os fenômenos terrestres governavam também os fenômenos celestes. Aristóteles com a idéia de quinta essência considerava o "céu" como uma substância perfeita e imutável, isto é, só na Terra poderia haver mudanças químicas e físicas como: água, ar e fogo.

A primeira grande ruptura produzida nessa concepção foi através da navalha precisa do raciocínio de Maquiavel, que demonstrou de modo realista a legitimação humana do poder. A segunda começou com Copérnico e Giordano Bruno e foi completada pelo moderno Galileu.

Concordamos, porém, com Ortega y Gasset de que o novo homem de ciência, começa a ser "moderno", quando se torna um homem novo, quando renasce (Ortega y Gasset,1989). Segundo Ortega y Gasset, o homem renasce após Galileu Galilei (1554-1642) e René Descartes (1596-1650).

Da crença numa terra plana, transitamos, graças aos modernos, para uma terra redonda, da terra imóvel localizada no centro de um universo finito, segundo Aristóteles, para uma terra que se movimenta como um peão, num cosmo infinito, do qual a terra é um simples satélite que gira em torno de uma estrela periférica localizada num pequeno sistema solar, presente no final da cauda da Via Láctea, numa modesta galáxia.

A modernidade simples nos fez habitantes de um mundo externo ao sujeito, ordenado, estável, com determinismo causal e, sobretudo, sem tempo, que tem uma estrutura implícita. Um mundo em que o sujeito exógeno observa, descreve, decifra e compreende os segredos intrínsecos dessa estrutura mecânica, através da mensuração metódica e objetiva.

Galileu, entre 1600 - 1609 desenvolveu as suas concepções que o levaram à geometrização da ciência do movimento e, segundo ele próprio, a criar duas novas ciências: 1) O Estudo geométrico da resistência dos sólidos e 2) O tratado sobre o Movimento. Em 1604, Galileu demonstrou a sua lei da queda dos corpos.

Uma de suas mais significativas contribuições à ciência não está numa descoberta particular, mas no fato de ter reabilitado em novas bases o método experimental, que andava esquecido desde os tempos de Arquimedes. Galileu, no Século XVI, deu início à ciência moderna e forneceu o suporte para a proposta newtoniana que ocorreria no século seguinte. O método "galileano" da verificação experimental permitia, inclusive, contrariar toda evidência não controlada, não laboratorial - a conjectura torna-se verdadeira se o experimento concordar com ela.

O método foi tão revolucionário que transformou a ciência em algo radicalmente novo. Antes dele, era praticamente evidente que a Terra estava parada e que ocupava um lugar privilegiado no Cosmos. Tudo o que ele tentou demonstrar contrariava a evidência. Deveria, portanto, ser falso. No entanto ele tinha razão. Era uma razão nova que se instituíra no mundo fazendo surgir uma nova forma de obtenção da verdade.

A divisão primordial da separabilidade, em que se assenta toda a ciência moderna, opera-se na distinção entre "condições iniciais" e "leis da natureza". As "condições iniciais" são um reino de complicações, de acidentes, no qual se faz necessário selecionar as condições relevantes dos fatos a serem observados. E as "leis da natureza" são um reino de simplicidades e de regularidades, onde é possível observar-se e medir-se com rigor. Essas distinções, concretamente, nada têm de "natural". Elas são completamente arbitrárias, conforme descreveu Eugene Wigner (Wigner, 1970: 3). Todavia é nelas que se assenta toda a ciência moderna.

Precisamos, pois, promover e realizar uma nova transdisciplinaridade, transitar de um paradigma que permite distinguir, separar, opor e, portanto, dividir relativamente os domínios científicos para outro, de modo que possamos fazê-los se comunicarem, sem que operemos a redução da simplicidade. O paradigma da modernidade simples é mutilante e insuficiente. É necessário um paradigma da complexidade que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba níveis de emergência da realidade sem reduzi-los a unidades elementares e às leis gerais (Morin, 2000a: 128).

III – A atual crise macroparadigmática

Os sinais de que este modelo de racionalidade científica atravessa uma profunda crise são fortes em alguns de seus traços principais. Estamos imersos num período de revolução científica que se iniciou principalmente com Einstein e com a mecânica quântica.

Na nossa sociedade complexa, atual, existem sofisticadas máquinas capazes de produzir e fabricar ressonâncias e pasteurizar sensações de desejos e de subjetividades fora da nossa mente, como uma televisão ou uma tela de cinema ou de computador, e de nos acoplar a um hipercórtex4 4 A metáfora do hipercórtex foi criada por Roy Ascott para despertar a atenção da importância da emergente cultura informacional e telemática e seus novos agenciamentos individuais e coletivos nas sociedades contemporâneas. Para Ascott, cada nó da rede, cada servidor na Net é parte também de mim, quando, na extensão-rede em interação com os "nós" das redes informacionais, reconfiguro também a mim mesmo. Certamente o compartilhamento cognitivo das redes digitais de modo simbiótico é significativo no mundo atual como o compartilhamento maquínico de memórias de longo prazo, interações compartilhadas de rotinas lógicas e cognitivas. Chamo aqui também a atenção para uma outra referência, a sensória, que não é meramente cognitiva, como aquela proveniente da reprodução mimética da realidade pelas mídias informacionais, inclusive, as analógicas como as televisivas, cinemáticas, radiofônicas, telefones fixos e móveis, sensores,... Mimese, nesse sentido, não representa mera "imitatio" (imitação da realidade) tal como compreendia Platão, mas um agir individual e social significativo em simbiose com as profundas extensões sensórias, envolvida em espaços midiáticos de amplificação sensória e que reconstroem e fabricam realidades do mundo na atualidade. Sobre a metáfora do Hipercórtex ver: ASCOTT, 1997: 336-334. capaz de nos fazer sentir desejos e emoções, mesmo quando esses forem "simbioticamente fabricados" (Lima, 2005: 55-64).

As experiências mostram que os nossos sentidos são muito mais flexíveis e adaptáveis do que acreditávamos. Viajamos através deles como se fossem máquinas que modulam e fabricam subjetividades contemporâneas, como se fôssemos seres complexos e vivêssemos em complexas sociedades com nosso córtex mental conectado a um hipercórtex contemporâneo e simbiótico.

Porém é importante acrescentar que a crise do paradigma dominante é o resultado interativo de uma pluralidade de condições sociais e teóricas. O mais contraditório desta questão é que a identificação dos limites, das insuficiências "estruturais" do paradigma científico moderno é, na verdade, resultado do grande avanço no conhecimento, que ele propiciou. O aprofundamento do conhecimento moderno permitiu ver a frag@ilidade dos pilares em que esse mesmo conhecimento se fundava (Santos, 2000: 68).

A ciência no Século XX resultou das formas novas de ver o mundo, a natureza, o Cosmos. A primeira veio da digitalização da matéria e da energia, átomos e quanta, uma digitalização que deixou apenas umas poucas "ondas" perdidas agitando-se em sua esteira no mundo físico, biológico e social. A segunda, adveio da necessidade vital de enfrentarmos o determinismo e da idéia de que não podemos absolutamente prever resultados, pois, dadas as quantidades iniciais das imensas partículas e ondas informacionais e simbólicas e mesmo seu complexo processo de auto-organização, encontramos, no mundo físico e social, uma auto-organização independente de nossos desejos determinísticos.

O resultado dessas novas formas de ver o mundo gerou uma nova modalidade de inserção do indivíduo na vida social, expressa em uma estruturação complexa da ação individual e coletiva, não mais para o indivíduo-trabalho/corpo-renda, mas para o indivíduo-informação/conhecimen to-renda, estruturação essa, imbricada em espaços em redes.

Uma sociologia imersa na complexidade é impelida, pelo novo macroparadigma emergente, a redesenhar a sociedade da modernidade simples, os velhos Estados, as velhas e poluídas cidades, a relação entre a cultura e a racionalidade econômica moderna com o ecossistema. Surgem novos processos de constituição e geração de renda, de ressignificação do trabalho pelo conhecimento e não mais pelas rotinas de emprego-tarefa, bem como a necessidade de libertar a vida do mito da guerra competitiva do mercado intransponível, de recolocar o mercado para agir a favor de uma nova razão complexa, assim como fez Hobbes e todos os contratualistas modernos quando reorganizaram os incipientes mercado industrial e a esfera pública pré-moderna, para as conquistas racionais da modernidade simples.5 5 Não caberia aqui desenvolver os novos e imensos desafios do agenciamento individual e coletivo dos atores sociais para a realização da reinvenção da vida nas sociedades imersas na complexidade do conhecimento. O certo é que as modernas instituições e seus agenciamentos racionalistas dela derivados, não são capazes de afirmar um novo construto societal no qual o conhecimento ocupa um novo lugar na arena das teias relacionais e dos novos agenciamentos que se deslocam cada vez mais do plano econômico-material para uma dimensão simbólica e informacional. Essa dimensão simbólica e imaterial, para ser complexa, não deve reduzir-se apenas aos ditames do encapsulamento da autopoiésis sistêmica das redes cognitivas recursivas, por mais significativas que sejam suas realizações. Trata-se de um agenciamento simbiótico, não dualístico, estruturante e não estruturado de orquestrações abertas, sejam elas individuais ou públicas e que se encontram imersas numa complexa auto-eco-organização emergente.

O Estado moderno, ou sua esfera pública derivada, é um Estado-processo-racionalidade-norma-contrato que foi mobilizado para controle dos corpos e da funcionalidade mecânica das modernas sociedades comerciais e industriais e deve, agora, desdobrar-se em esferas públicas organizacionais complexas da macro, micro e nano- democratização da informação e do conhecimento. Onde está a informação no moderno Estado-Nação-Racionalidade-Norma-Contrato-Controle? A informação é apenas um suporte, uma instrução ao processo de racionalização e controle público. Nas sociedades complexas, a informação é o sistema nervoso principal. O agir processual-material sob o controle da racionalização se torna o suporte decisivo dos procedimentos organizacionais da esfera pública. A informação, na processualística organizacional, é apenas uma modesta instrução num processo racional. O Estado da modernidade simples não foi pensado nem é preparado para tornar as informações um agenciamento público significativo e efetivamente democrático.

Pensamos que também é necessário enfrentar com profundidade os desafios da imposição da continuidade versus ruptura societal e de reagir, diante das velhas regras da sintetização da vida e do ecossistema, aos ditames do também já velho, reducionista e cansativo jogo do mercado industrial. Sem desmerecermos a importância dos eventos contemporâneos como o que levou à Queda do Muro de Berlim no outono de 1989 e ao desmantelamento do império da União Soviética em 1991, não podemos continuar a agir como se nada, além disso, tivesse acontecido desde o Século XIX na esfera econômica, política, social, cultural, ambiental e científica.

Para novamente reencontrarmos o otimismo ante as conquistas atuais do domínio informacional e do conhecimento, cada vez mais presente na história da caminhada civilizatória, é preciso religar o tecido social numa complexa auto-eco-organização. Para isso será necessário pensarmos também uma ética da complexidade que não existe na ciência clássica, pois ela é determinista e tem a pretensão de conhecer o futuro. Temos padrões que são inevitáveis e imprevisíveis, então, teremos que reconstruí-los num novo desafio Ético (com E maiúsculo). Assim, esperamos que, depois da conquista da macroinformação e com as atuais conquistas da micro e da nanoinformação, possamos aprender que os múltiplos planos da realidade surgem teórica, espontânea e experimentalmente e se efetivam na simultaneidade complexa e também no macroplano da realidade física e social.

IV – Palavras finais: Ligação dos saberes, tradição sociológica e a paralisação da complexidade

Os últimos insights da Física, da dinâmica quântica, da teoria do caos, das estruturas dissipativas da bioquímica, das teorias do infinitamente pequeno da nanotecnologia, das teorias da informação, das ciências da vida e da mente, todos, cada vez mais, convergem para um novo paradigma: o da complexidade.

Campos de saberes informacionais estão, cada vez mais, integrados à nova sopa do grande caldeirão da física quântica e nos fornecem um imenso tecido tomado por uma fina malha, no qual, os sociólogos comprometidos em entender a vida presente no mundo contemporâneo devem tecer os nós que ligam e religam esses insights a novos insights que se relacionam com preocupações sociais e cotidianas com o eu e a sociedade.

Os avanços recentes da Física, da Biologia e da Bioquímica, como há muito já afirmava Michel Foucault denunciar a borragem das velhas fronteiras naturais, biológicas e sociais do bio-poder, põem em questão a distinção entre: 1) O mundo orgânico (molhado) e o inorgânico (seco); 2) Seres vivos e matéria inerte (vida ó matéria ó informação); 3) O humano e o não-humano.

As características antes consideradas específicas dos seres humanos e das relações sociais tais como: auto-organização do metabolismo e auto-reprodução são, agora, entendidas no mundo físico não-humano. A complexidade quântica introduz na matéria os conceitos de historicidade que se entrelaçam com os conceitos humanos de liberdade, de autodeterminação e até de consciência que tínhamos reservado apenas para "os seres racionais" (homens e mulheres). Porém esta ligação de saberes entre o mundo social, físico, biológico e químico, não é consensual na Sociologia, pois temos polêmicas.

Max Weber foi o mais radical defensor da separação entre ciência do espírito e ciência da natureza. Atualmente outros autores mais modernos defendem esta posição como Jeffrey Alexander (Alexander, apud Giddens & Turner (orgs.), 1999: 23-90). Anthony Giddens também defende a especificidade das ciências sociais (Giddens, 1978, 1999). No entanto é interessante notar que a perspectiva teórica da estruturação de Giddens se assemelha muito à abordagem de Pregogine sobre os tempos dissipativos e sua sistematização. O bioquímico russo recebeu o Prêmio Nobel de 1977 por seu trabalho relacionado com a nova visão sobre os sistemas vivos. Prigogine contestou a visão mecanicista do sistema vivo, afirmando a unidade entre o sistema vivo e o não-vivo. Assim como Giddens, a seu modo, também fez o mesmo com o mecanicismo objetivista do funcionalismo sistêmico e do estruturalismo.

Porém muitos outros autores, alguns de modo implícito, defendem o contrário. Exemplos são: Michel Foucault e seu diálogo com os múltiplos saberes, particularmente a Biologia, a Medicina e o Direito; Ulrich Beck, que está permitindo o renascimento renovado de uma sociologia na Europa, através do seu diálogo profundo com a teoria do caos; Zygmunt Bauman, que, ao dialogar com a física quântica, demonstrou que nossa modernidade é cada vez menos sólida e cada vez mais líquida; Boaventura de Sousa Santos; e o mais explicitamente ferrenho defensor da complexidade, Edgar Morin, que já produziu uma extensa obra, produto de um frutífero diálogo com cientistas de vários saberes.

Na fase atual de transição paradigmática, encontramos visíveis e fortes sinais de um processo de fusão de estilos, de interpenetrações entre cânones. Necessitamos revisitar os velhos cânones e verificar o que está oculto sob a ótica de novas percepções em emergência.

Pensadores como Thomas Hobbes, John Stuart Mill e, inclusive, o filósofo liberal John Locke, alimentaram-se das convicções da mecânica física moderna em busca de inspiração e exemplo em seus escritos sobre o Estado e a Sociedade. Muitas foram as leis determinantes da História. Teorias como a da evolução mecanicista e reducionista, de Darwin e o modelo "científico", de Freud, que apresentava o ego como um sistema hidráulico, provinham da mesma fonte (Zohar, 2000: 19-39).

Saint-Simon, com sua vertente do socialismo utópico, de perfil mais tecnocrático, criou a idéia de um novo saber chamado de fisiologia social. Augusto Comte (1798-1857) e Vilfredo Pareto apoiaram-se abertamente em metáforas mecânicas e térmicas para descrever a dinâmica da sociedade. Entretanto foi Comte que cunhou a recém-criada ciência (a Sociologia), com o nome de "física social".

Herbert Spencer (1820-1903) também dialogou com a Física e, muito mais precisamente, com o mecanicismo biológico (organicismo em complexidade crescente). Algumas das interpretações do próprio Karl Marx (1818 - 1883), um dos mais importantes fundacionistas das ciências sociais, foram influenciadas pela hegemonia paradigmática da física newtoniana e sua grande síntese mecanicista da natureza e do Cosmos. Na esteira da Física clássica, muitos marxistas reduzem Marx a um decifrador e descobridor dos axiomas e princípios básicos da vida social, pela matéria e corpos num grande sistema (capitalismo). O universal maquinismo do relógio cósmico newtoniano converte-se, assim, em modelo teórico, a partir do qual se compara a economia, a sociedade e o Estado a um mecanismo preciso, sujeito às leis e à força de motores que mobilizam a História.6 6 Esta é apenas uma das derivações possíveis das múltiplas formulações políticas, filosóficas, econômicas e socais presentes em Marx. Infelizmente, o Marx reduzido a criador da idéia de um sistema "capitalista" nos moldes de uma totalidade mecanicista mesmo que em evolução dialética, tornou-se quase um senso comum sociológico. Porém a obra marxiana apresenta várias outras dimensões e possibilidades, notadamente no que se refere à relação sociedade/natureza e à sua perspectiva de História como devir incerto, conforme indica Maíra Baumgarten. Neste sentido ver: BAUMGARTEN, M. Natureza, Trabalho e Tecnociência. In: Dicionário Crítico sobre Trabalho e Tecnologia. CATTANI, Antônio David (org.). Petrópolis: Rio de Janeiro, 2002: 203-213. Também, julgo muito importante considerar que a obra de Marx é imensa e complexa e, sobretudo, que sua obra não foi produzida dentro do mundo acadêmico e científico e sim numa "práxis" profunda de debate estratégico sobre posições filosóficas, políticas, sociais e econômicas, mas sem uma preocupação maior em dialogar mais especificamente com os ditames da ciência moderna.

Também Émile Durkheim (1858-1917) integrou a emergente Sociologia moderna numa modesta incursão precoce com a termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade, na sua visão de teoria social. Significativo é o seu conceito de anomia nas esferas orgânicas e críticas. O conceito "anomia", empregado por Durkheim na sua obra O Suicídio, escrita e publicada em 1887, designa um estado social sem regras e sem normas (Durkheim, 2000). A expansão ilimitada das necessidades do homem, segundo Durkheim, podem levar à anomia. Durkheim, revela-se em pânico diante do caos. Para ele, a anomia acontece com freqüência, em conseqüência da depressão ou da prosperidade econômica, trazendo consigo um "elevado grau de desvios" do comportamento humano.

As ciências sociais ocuparam-se, até o momento e, mesmo assim de forma periférica, com a teoria do caos, apesar das indicações incipientes de Durkheim sobre o problema da anomia. Ainda hoje as ciências sociais se limitam às pesquisas sobre as estruturas da ordem na sociedade e à procura dos princípios formadores dessa ordem. O conceito de crise e de revolução deixa transparecer o caos, mas tem ainda uma nítida formulação negativa.

Para Durkheim, sobretudo na sua fase mais funcionalista, a crescente divisão do trabalho social traz a necessidade da formação de uma teia de regras, que reconstrua a solidariedade entre as funções divididas. Assim, qualquer formação nova de órgãos e funções sociais causa anomia se ela não for, ao mesmo tempo, freada pelas regras de cooperação (Durkheim, 1999).

Durkheim, como já frisamos, percebe a problemática do caos sem, contudo, ocupar-se dela de modo mais profundo. Apenas nos mostra a formação espontânea de regras em processos anômicos (o caos) como sendo um estado da ordem perturbada e, não, como uma efetiva produtividade complexa da auto-organização (Durkheim, 1982).

Mais adiante, bem menos funcionalista e em diálogo com a física eletromagnética dos elétrons, encontramos uma outra perspectiva de Durkheim em sua incipiente sociologia do conhecimento. Trata-se de um dos capítulos do seu livro Formas Elementares da Vida Religiosa, quando Durkheim está tratando das festas coletivas e as compara a uma revolução de elétrons, para explicitar a sua explicação sobre a sinergia festiva (baseada em concentração e dispersão), que é uma idéia central do paradigma da complexidade (Durkheim, 2001). O princípio da auto-organização ou auto-regulação, como princípio de formação espontânea de regras - formação de padrões - era explicitamente conhecido por Durkheim, principalmente na sua produção teórica a partir de 1907.

Émile Durkheim, a seu modo e há muito tempo, já nos ensinou a pensar as relações sociais à semelhança dos fenômenos físicos e de modo muito genérico designou a sociedade como "padrões coletivos de pensamento, sentimento e ação" (Zohar, 2000: 21). Esta definição é tão genérica que envolve átomos, moléculas, neurônios, corpos, mentes, planetas,...

De qualquer modo, o incipiente conceito funcionalista de anomia ou as crises de dissipação da sinergia são, para Durkheim, sempre dependentes da preponderância da organização sobre a dispersão e inibem uma compreensão mais profunda da capacidade do agenciamento individual ou coletivo inserido nos processos envolvidos pela auto-organização. Também hoje, diferentemente de Durkheim, já estamos convencidos de que o mundo não tem mais uma estrutura implícita (totalidade sistêmica fechada).7 7 A totalidade é aqui entendida como uma modelização mecanicista. Mesmo uma totalidade dialética e contraditória, para nós, apenas revela uma possibilidade de modelização mais dinâmica e menos determinística do mecanicismo em face da versão analítica da totalidade. Pensamos, é claro, que padrões podem ser estabelecidos de modo mais ou menos estável, mas numa modelização de possível universalidade(s) sem totalidade. É importante explicitar que tratamos aqui da totalidade, não como uma categoria epistemológica e sim metodológica.

Max Weber foi, dos clássicos fundacionistas das ciências sociais, o que mais explicitamente desconfiou do trilho mecanicista da velha física da natureza. Weber defendeu a necessidade de descobrirmos um método que permitisse estabelecer referências mais adequadas aos fenômenos das atividades humanas do que o método experimental permitia realizar em relação aos fenômenos da natureza (Fernandes, 1980: 94-95).

Weber criou, para tanto, uma metodologia ideal, típica (modelar a subjetividade e a objetividade na conexão de sentidos para a compreensão), de modo revolucionário na época, partindo da compreensão de que não existe neutralidade objetiva num processo de investigação nas ciências sociais. Isto implicou uma nova modalidade de realização da "objetividade", aquela que não repousa apenas no objeto, mas na indagação da "peculiaridade" do tipo de conhecimento, por meio do qual se conhece e se realiza um determinado ato investigativo (Weber, 1991: 87). Weber também defendeu a sua hipótese não determinista e anti-mecanicista, neo-kantiana de que jamais poderíamos abarcar e conquistar a totalidade pelo conhecimento.

Curiosamente todo este esforço de Weber se conecta atualmente com a física quântica, que defende, também para o mundo da realidade física, que esse mesmo real não se reduz à soma das partes em que o dividimos para observar e medir. A física teórica, que também contraria a simplificação da distinção sujeito/objeto, assume novos contornos e profundidade de forma simbiótica de um continuum tanto quanto propôs Weber, ante a idéia de uma modelização complexa que contenha objetividade, mas que contemple, também, a subjetividade e que, de um modo complexo, defenda a existência de uma interferência estrutural do sujeito observador da realidade observada.

Max Weber não foi definitivamente apenas um sociólogo, teve uma formação acadêmica muito ampla, concentrada em estudos de Direito e com profundas incursões pela História, Economia, Filosofia e mesmo Teologia. Com sua morte em 1926, Mariane Weber, sua esposa, que era feminista e se dedicava também ao trabalho intelectual publicou uma extensa biografia do autor, e essa biografia, por muito, tempo foi a única fonte de consulta nessa área e influenciando de modo intenso o ensino weberiano. Foi assim que, amigos e discípulos próximos, como Karl Jaspers inspirado na biografia publicada por Mariane Weber, difundiram uma das interpretações de Weber, que tomada de meias verdades e de omissões significativas, reforçara uma tendência a difundir uma formalização excessiva no ensino weberiano, acentuando mais do que o necessário sua tipologia (Fleischmann, 1977: 139).

Weber é autor de uma obra extensa, complexa e plena de influências díspares. Ele dialogou primeiro com Marx e depois, com Nietzsche ,dois hereges desconsiderados nos muros internos da Academia alemã. Foi provavelmente Marx quem exerceu a influência mais profunda e duradoura sobre Weber. A maioria das obras de Weber, sobretudo, a conhecida "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" (Weber, 1983) foi concebida visando verificar a justeza da teoria marxista perante a problemática questão das relações entre infra-estrutura e superestrutura. Talvez por isso, Weber não seja tão conhecido pelos seus debates e influências com Nietzsche.8 8 É a este momento da produção de Weber que mais nos referimos neste artigo. Sobre a relação e influências de Nietzsche em Weber ver: FLEISCHMANN, Eugène. Weber e Nietzsche. In: Sociologia: Para ler os clássicos. COHN, Gabriel, Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1977: 136-185.

Estes são alguns exemplos bem genéricos, que querem apenas demonstrar a importância e a significância de revisitarmos criticamente a acumulação teórica, experimental e reflexiva da sociologia da modernidade simples (clássica) e de não descartá-la nem transformá-la em tradição escolástica ou fundamentalista.

Precisamos, ao contrário, valorizar e revisitar nossa tradição "clássica", com o olhar da complexidade, descobrir conexões ocultas, perguntas ainda não respondidas e contribuições ainda não valorizadas neste tão recente percurso moderno do saber sociológico.

Uma questão crítica e à qual precisamos estar atentos na complexidade é que nem todo o diálogo significa religação complexa de saberes, e uma maior complexidade pode também, mesmo com boa audiência acadêmica ou editorial, expressar-se como um modo de paralisação da complexidade.

A idéia de paralisação da complexidade é geralmente referida nos debates acadêmicos sobre a complexidade. Podemos afirmar rapidamente que essa idéia quer significar a adoção, por um determinado autor, de termos e conceitos da complexidade sem, no entanto, efetivamente aderir, em sua teoria e modelização de modo mais significativo e profundo, a todas as implicações do paradigma da complexidade, adotando, assim, uma complexidade que, por isso, paralisa-se. Diferentes exemplos, dependendo das situações e das circunstâncias que envolvem o debate, podem ser identificados. Vamos aqui citar alguns.

Começamos com a proposta "complexa" de vida artificial de Chris Langton. Langton acredita que as revoluções da informática, e mesmo no nível biológico, trazem de volta a importância da complexidade informacional. Chris Langton, com sua proposição da biocomputação e sua idéia de "Vida Artificial", que têm, no plano tecnológico, imensas qualidades, difunde e alimenta pretensões simplificadoras que induzem a compreensão da imensa complexidade vital para aquém das ambições de sua nova biologia (Lagnton, 1989, 1995).

Langton expressa a convicção de que nada existe nos seres vivos que não possa ser recriado no interior confortável de um computador. Ele esquece que já sabemos da existência de vários traços da inteligência e da vida humana que não se mostraram muito fáceis de serem definidos em termos de computabilidade, como alguns especialistas em inteligência artificial já suspeitavam.9 9 Para uma discussão e crítica mais direta sobre o reducionismo informacional ver: LIMA, Gilson. A Síndrome de Frankenstein: mitos e magias da moderna informação numérica. In: Revista de Educação, Ciência e Cultura, Centro Universitário La Salle: Canoas, 1999: 79-86.

De fato, até mesmo no contexto da inteligência artificial e das redes neurais, o trabalho do cientista, cada vez mais se assemelha, de modo relevante, ao do artista intuitivo e complexo pois, no mínimo, é necessário intuir as regras simples que irão gerar padrões complexos. Todavia, sua proposta de vida artificial é um imenso reducionismo paralisador da complexidade vital. A compreensão da vida é ainda imersa em muitos mistérios, porém tudo o que já se sabe da energia vital se distancia em complexidade do automatismo cibernético e do cognitivismo recursivo dos programas lógicos. Mesmo sabendo que estes últimos possuem um grande componente de auto-organização, sua limitação da complexidade vital torna-os apenas brinquedinhos cognitivos muito primários.

Outro exemplo muito conhecido como paralisação da complexidade é o trabalho de Wolfram, que também neste sentido, é emblemático. Ele, em síntese, acredita que o Universo como um todo nada mais é do que um autônomo celular (Wolfram, 1994). Assim, se isso é "verdade", vamos, então, abandonar tudo e só aprender a linguagem digital.

A paralisação da complexidade revela-se também com tentativas de migrar e de religar conceitos do mundo físico, biológico e bioquímico, de modo simplificador, mecânico sem, muitas vezes, levar em consideração a complexidade e a especificidade do diálogo e da religação dos saberes. O caso da sociedade cibernética de Niklas Luhmann é exemplificador. Apesar das grandes contribuições da teoria social, Luhmann exagera, tomado por um neo-positivismo sistêmico que já foi denunciado por Habermas na visível dominância do processo da totalização binária.

A predominância dos atuais sistemas digitais é significativa, porém o exagero de Luhmann no uso do conceito de teoria dos sistemas autopoiéticos operacionalmente fechados, mesmo que "funcionalmente" diferenciados, subestima a complexidade existente na dinâmica social, até em comunidades de vida mais simples do que a da complexidade humana.

Até uma modesta espécie de vida enquanto organização complexa é capaz de se auto-reproduzir fielmente. A palavra "fielmente" pode ter vários significados. Uma espécie que se reproduza com excessiva fidelidade (ou seja, com pouca variabilidade darwiniana) não conseguirá sobreviver nem a uma pequena mudança no ambiente. Os próprios seres vivos são, assim, entidades complexas, auto-suficientes, capazes de se sustentarem apenas com substâncias recolhidas do ambiente. Certamente que aqui não nos estamos referindo aos vírus, que como seres vivos, não são capazes de reproduzirem-se sem a ajuda de outras células intactas.

A complexidade da vida humana é imensa, e sua realização em sociedades cada vez mais complexas encontra-se inserida em múltiplas dimensões abertas, que apontam sempre para as emergências do novo e do não-acabado presentes em resultados indetermináveis realizados pela auto-organização. Os sistemas cibernéticos tomados pela lógica cognitiva recursiva são complexos, mas expressam, como o próprio Luhmann aponta, uma redução da complexidade e são efetivamente redutores da complexidade vital e não a própria complexidade.

Luhmann também paralisa a complexidade, primeiro porque se mantém muito preso à dimensão cognitiva dos sistemas derivados das máquinas cibernéticas e, segundo, porque mantém a dualidade da modernidade simples dividida entre realidade vital e realidade reconstruída pelos redutores sistêmicos, e, mesmo sendo esses sistemas cibernéticos tomados pela lógica recursiva, sua teoria social se desconecta e se desliga da realidade, na qual a complexa simbiose do agenciamento dos atores sociais só pode efetivar-se de modo significativo em reduções determinadas pelas possibilidades do "encapsulamento dos sistemas autopoiéticos".

No próprio mundo biofísico, a universalização não é tão sistemicamente "totalizável", está também em movimento, e é - se entendida como sistema - um sistema fluente, como demonstrou Prigogine quando integrou na própria Física e na Química uma dimensão "histórica" a partir da sua teoria das estruturas dissipativas, pois em algumas fases, os elementos do sistema comportam-se de maneira determinista e em outras fases - perto das chamadas bifurcações,10 10 Uma bifurcação é um "ponto de decisão" entre várias alternativas de desenvolvimento de um sistema. Passado esse ponto, não existe mais a possibilidade de retorno. O sistema perde a "lembrança" do seu estado anterior. de modo não-determinista.

Para não paralisarmos a complexidade, devemos incluir a dimensão sensória, lúdica, artística, intuitiva e não apenas cognitiva, do agenciamento social, abolindo os extremos (os extremos equivalem à morte, ou à extinção, ou ao caos completo, ou ao equilíbrio completo), como na termodinâmica com seus sistemas caóticos, perguntando-nos sempre: onde está a complexidade, está também a auto-organização?

Outro caso, muito significativo de paralisação da complexidade nas humanidades, e muito citado é o da conhecida utilização equivocada, principalmente dos conceitos da física teórica, por alguns famosos, ilustres e conhecidos pensadores pós-modernos com suas "imposturas intelectuais", como Gilles Deleuze e Félix Guatarri, denunciados pelos duros críticos Alan Sokal e Jean Bricmont (Sokal & Bricmont , 1999). A paralisação de complexidade, neste caso (mesmo sem concordar com as posições conservadoras dos físicos Alan Sokal e Jean Bricmont nesse debate, sobretudo perante suas defesas mais ou menos implícitas da separação "disciplinar" do universo físico em face do universo das humanidades), consiste na difusão reducionista da possível transferência mecanicista das teorias físicas, a física quântica, por exemplo, para o plano macrossocial, desconsiderando em demasia as especificidades e indeterminações próprias do plano macrossocial e até mesmo das diferentes implicações nos diferenciados planos da realidade ante os próprios efeitos quânticos.11 11 Concordamos com William Everdell, que nada tem de pós-moderno, quando afirmou, em sua volumosa pesquisa sobre as origens do emergente pensamento modernista do Século XX, que, grande parte das obras pós-modernas refletem muitas dificuldades. Seus autores são tomados por uma espécie de ar afetado, com erudições exclusivas que refletem aparências vultosas de exibicionismos cultos e pedantismos, mas que expressam apenas uma tendência potencial de um modernismo ainda recente, que saboreia, com deleite, insinuações esotéricas e obsessões autoconscientes, Às vezes em narrativas meio satíricas e meio partícipes (EVERDELL, 2000: 15).

Nesta mesma direção a física Zohar Danah nos alerta que não é pedagógico para a complexidade simplificarmos a idéia da interferência estrutural do observador no objeto observado, como encontramos em certos livros de sucesso que fazem a relação entre física quântica e macrorrealidade social, nos quais os autores encorajam os seus leitores a tirarem conclusões simplificadoras. As implicações deste diálogo são complexas. Por exemplo, Fritjof Capra elabora implicações morais e sociais de que a mente do observador cria propriedades que o elétron tem, porém tais propriedades não podem ser, de nenhum modo, chamadas de objetivas. Nada na teoria da física quântica sugere que a observação ou o observador crie a realidade em si mesma: o encapsulamento da função da onda de uma mesa não pode transformá-la num gato ou num canguru, principalmente de modo tão simplificador, no plano macrofísico. Só pode tornar-se mesa (Zohar, 1990: 52-53).

Também na educação e nas ciências organizacionais vemos chegar e ir embora certas "ondas de complexidade" que revelam a tentação da paralisação da complexidade e que podem conduzir-nos por caminhos simplistas, a-simbióticos, idealistas ou neo-mecanicistas, quando não, ainda tomadas por um esoterismo desconexo.

Não postulamos, na complexidade, uma unificação absoluta entre o mundo social, o físico, o biológico e o "natural", de modo reducionista como pretendia o positivismo clássico. No entanto o nosso macromundo físico e social está sintonizado nas condições de criticidade, de instabilidade e de mudanças súbitas e radicais em que as transições são rigorosamente inevitáveis e imprevisíveis. Não são os agentes externos que produzem essas mudanças, são os processos de uma auto-organização. Não é apenas um sujeito que pensa, que interfere numa realidade objeto, é um processo interno que se auto-organiza. A evolução por mudanças descontínuas de padrões ocorre de forma espontânea, para além da previsibilidade do sujeito "racional".

Porém, com os debates em torno da emergência do paradigma da complexidade, a Sociologia tem sido convidada a ter um papel significativo para decifrar o conhecimento complexo e propor novas respostas sociais, políticas e culturais às novas conquistas do conhecimento. Para isso, a Sociologia deve mergulhar profundamente num conhecimento de fronteira, numa nova transdisciplinaridade de religação dos conhecimentos que dialoguem profunda e criticamente com a ciência e com a tecnologia, expressando novas respostas para velhas perguntas e para os fenômenos sociais mais emergentes. Respostas inseridas na dimensão crítica do conhecimento sociológico e respostas complexas aos desafios complexos na perspectiva societal contemporânea.

Quando falamos em uma nova transdiciplinaridade que religue o conhecimento desligado pela disciplinaridade da modernidade simples, compartilhamos com Jacques Ardoino a idéia de que não nos estamos referindo a uma religação realizada na funcionalidade da multidimensionalidade dos fenômenos e das situações, esta freqüentemente associada ao pensamento complexo, mas a uma perspectiva multirreferenciada. A multidimensionalidade, mesmo que as "dimensões", num dado momento, sejam atribuídas a um objeto, por imposição de um sistema de análise, mantém muito forte a tendência para a homogeneidade, ao passo que - numa compreensão multirreferenciada - com a irredutibilidade reconhecida das óticas umas às outras, trata-se de levar em conta e iluminar sempre a heterogeneidade (Ardoino, 2004: 554).

Uma religação do conhecimento de modo multirreferenciado é sempre tomada por uma pluralidade de olhares, tanto concorrentes quanto eventualmente mantidos unidos por um jogo de articulações. Não somente é voltada para sua integração funcional diferenciada entre as disciplinas.12 12 Edgar Morin afirmou que: "a ciência nunca teria sido ciência, se não tivesse sido transdisciplinar" (MORIN, 2000a: 136-137). A questão não é apenas a de fazermos um saber transdisciplinar, mas qual saber transdisciplinar é preciso fazer. A ciência é também um saber-poder, e sua institucionalização disciplinar ainda mantém uma elevada reserva de poder.

Quem quiser trilhar o caminho da complexidade na Sociologia também é desafiado a propor novas modulações organizacionais do saber e das instituições informacionais, novas formas de acesso à renda, no cada vez mais central modo de produção do conhecimento, denunciando e formulando alternativas à exclusão social e à precarização do tecido societário, denunciando a estreiteza reducionista mercantil da tecno-ciência, do conhecimento-produto-patente e do saber proveniente dos interesses restritos do técnico-poder e de suas crenças no determinismo tecnológico. Não é um caminho para quem almeja tranqüilidade, sobretudo quando vivemos num mundo onde carreiras científicas e acadêmicas ainda estão dominadas por um conhecimento científico envolvido institucionalmente nas teias do velho paradigma da modernidade simples.

A Complexa Teoria da Sociedade da Informação e do Conhecimento compreende a realidade simultânea e multiplamente referenciada, composta de dimensões físicas visíveis e invisíveis que devem ser enfrentadas em diálogo profundo com múltiplos saberes, permitindo distinguir, sem separar, a matéria, do espírito; a mente, do corpo; a natureza, da vida; o indivíduo, da sociedade.

A Sociologia imersa na complexidade do conhecimento precisa dialogar com as ciências, contribuindo para a ampliação de espaços religantes dos saberes desligados, enfrentando problemáticas complexas com novas modelizações emergentes, diante da oposição clássica indivíduo e sociedade, para a ressignificação do trabalho nas sociedades do conhecimento, para o novo papel das escolas, para as relações entre a produção do conhecimento científico e tecnológico com o Estado, as Universidades, empresas, mercado e sociedade em geral (Baumgarten, 2001: 14).

As sociedades complexas necessitam da ciência e da tecnologia, mas inseridas numa complexidade do conhecimento religado envolvido numa teia estruturadora e difusora de uma consciência civilizatória global e múltipla tecida no nosso ecossistema.

As metáforas e analogias entre as ciências sociais e não-sociais sempre existiram e, cada vez mais, devem comunicar-se e se intercruzar num zigue-e-zague permanente entre ambas as fronteiras específicas e menos precisas. No entanto um diálogo complexo não aceita fusões mecanicistas, determinismos tecnológicos e nem mesmo o sonho da tecnociência – pretendido por alguns - que funde tecnologia com ciência de modo muito simplificador e a-simbiótico. Um diálogo complexo respeita as diferenças, as distinções, mas abriga imensas e profundas parcerias.

Recebido: 20/11/2005

Aceite final: 07/01/2006

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  • 1
    Agradeço as generosas críticas de Maíra Baumgarten sobre o texto, muitas delas aqui incorporadas, e também as discussões esclarecedoras que realizamos sobre os desafios da ciência na contemporaneidade. Agradeço também a José Vicente Tavares o aprendizado realizado em nossas discussões e atividades conjuntas sobre a importância de Michel Foucault no debate da complexidade. Certamente muitas das idéias aqui expressas não terão cumplicidade absoluta e até mesmo expressarão algumas divergências com os colegas professores e pesquisadores que contribuíram para minhas formulações.
  • 2
    É importante ter claro que a relatividade especial é uma teoria do espaço-tempo, porém Einstein não se refere em termos de intervalos temporais ou magnitudes espaciais medidas ou de simultaneidade observada, etc. Isso é um ponto importante, porque a teoria de Einstein não diz respeito a medições ou operações que podemos efetuar com réguas e relógios absolutos. Trata-se de uma dependência dos fenômenos físicos a um sistema de referência, no qual a relatividade especial torna as relações de simultaneidade, duração e intervalo espacial, dependentes do sistema de referência. Assim, não temos mais nem espaço nem tempo absoluto, o que implica uma matemática, inclusive aplicada, muito mais complexa. Ver: RUSSEL, Bertrand.
    O A B C da Relatividade. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2005.
  • 3
    Atualmente vivenciamos uma nova corrida do ouro, sem precedentes ante a sua intensidade e velocidade na história, por parte das grandes corporações em investimentos em nanotecnologias. O investimento anual em nanotecnologia, em 2004, tanto no setor privado, como no estatal, foi estimado em US$ 8,6 bilhões. Praticamente todas as quinhentas companhias
    Fortune estão investindo em pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos nanométricos. Somente nos Estados Unidos, o nível de gastos governamentais em nanotecnologia aproxima-se a US$ 1 bilhão por ano. Bem maior do que o montante destinado ao Projeto Genoma, tornando-se a maior aventura científica financiada com dinheiro público, desde o lançamento da Apollo à lua (GRUPO ETC, 2005:20). A nanotecnologia promete reinventar o mundo físico, gerando múltiplas conseqüências na escala macrossocial.
  • 4
    A metáfora do hipercórtex foi criada por Roy Ascott para despertar a atenção da importância da emergente cultura informacional e telemática e seus novos agenciamentos individuais e coletivos nas sociedades contemporâneas. Para Ascott, cada nó da rede, cada servidor na
    Net é parte também de mim, quando, na extensão-rede em interação com os "nós" das redes informacionais, reconfiguro também a mim mesmo. Certamente o compartilhamento cognitivo das redes digitais de modo simbiótico é significativo no mundo atual como o compartilhamento maquínico de memórias de longo prazo, interações compartilhadas de rotinas lógicas e cognitivas. Chamo aqui também a atenção para uma outra referência, a sensória, que não é meramente cognitiva, como aquela proveniente da reprodução mimética da realidade pelas mídias informacionais, inclusive, as analógicas como as televisivas, cinemáticas, radiofônicas, telefones fixos e móveis, sensores,... Mimese, nesse sentido, não representa mera
    "imitatio" (imitação da realidade) tal como compreendia Platão, mas um agir individual e social significativo em simbiose com as profundas extensões sensórias, envolvida em espaços midiáticos de amplificação sensória e que reconstroem e fabricam realidades do mundo na atualidade. Sobre a metáfora do Hipercórtex ver: ASCOTT, 1997: 336-334.
  • 5
    Não caberia aqui desenvolver os novos e imensos desafios do agenciamento individual e coletivo dos atores sociais para a realização da reinvenção da vida nas sociedades imersas na complexidade do conhecimento. O certo é que as modernas instituições e seus agenciamentos racionalistas dela derivados, não são capazes de afirmar um novo construto societal no qual o conhecimento ocupa um novo lugar na arena das teias relacionais e dos novos agenciamentos que se deslocam cada vez mais do plano econômico-material para uma dimensão simbólica e informacional. Essa dimensão simbólica e imaterial, para ser complexa, não deve reduzir-se apenas aos ditames do encapsulamento da autopoiésis sistêmica das redes cognitivas recursivas, por mais significativas que sejam suas realizações. Trata-se de um agenciamento simbiótico, não dualístico, estruturante e não estruturado de orquestrações abertas, sejam elas individuais ou públicas e que se encontram imersas numa complexa auto-eco-organização emergente.
  • 6
    Esta é apenas uma das derivações possíveis das múltiplas formulações políticas, filosóficas, econômicas e socais presentes em Marx. Infelizmente, o Marx reduzido a criador da idéia de um sistema "capitalista" nos moldes de uma totalidade mecanicista mesmo que em evolução dialética, tornou-se quase um senso comum sociológico. Porém a obra marxiana apresenta várias outras dimensões e possibilidades, notadamente no que se refere à relação sociedade/natureza e à sua perspectiva de História como devir incerto, conforme indica Maíra Baumgarten. Neste sentido ver: BAUMGARTEN, M. Natureza, Trabalho e Tecnociência. In:
    Dicionário Crítico sobre Trabalho e Tecnologia. CATTANI, Antônio David (org.). Petrópolis: Rio de Janeiro, 2002: 203-213. Também, julgo muito importante considerar que a obra de Marx é imensa e complexa e, sobretudo, que sua obra não foi produzida dentro do mundo acadêmico e científico e sim numa "práxis" profunda de debate estratégico sobre posições filosóficas, políticas, sociais e econômicas, mas sem uma preocupação maior em dialogar mais especificamente com os ditames da ciência moderna.
  • 7
    A totalidade é aqui entendida como uma modelização mecanicista. Mesmo uma totalidade dialética e contraditória, para nós, apenas revela uma possibilidade de modelização mais dinâmica e menos determinística do mecanicismo em face da versão analítica da totalidade. Pensamos, é claro, que padrões podem ser estabelecidos de modo mais ou menos estável, mas numa modelização de possível universalidade(s) sem totalidade. É importante explicitar que tratamos aqui da totalidade, não como uma categoria epistemológica e sim metodológica.
  • 8
    É a este momento da produção de Weber que mais nos referimos neste artigo. Sobre a relação e influências de Nietzsche em Weber ver:
    FLEISCHMANN, Eugène. Weber e Nietzsche. In: Sociologia: Para ler os clássicos. COHN, Gabriel, Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1977: 136-185.
  • 9
    Para uma discussão e crítica mais direta sobre o reducionismo informacional ver: LIMA, Gilson. A Síndrome de Frankenstein: mitos e magias da moderna informação numérica. In:
    Revista de Educação, Ciência e Cultura, Centro Universitário La Salle: Canoas, 1999: 79-86.
  • 10
    Uma bifurcação é um "ponto de decisão" entre várias alternativas de desenvolvimento de um sistema. Passado esse ponto, não existe mais a possibilidade de retorno. O sistema perde a "lembrança" do seu estado anterior.
  • 11
    Concordamos com William Everdell, que nada tem de pós-moderno, quando afirmou, em sua volumosa pesquisa sobre as origens do emergente pensamento modernista do Século XX, que, grande parte das obras pós-modernas refletem muitas dificuldades. Seus autores são tomados por uma espécie de ar afetado, com erudições exclusivas que refletem aparências vultosas de exibicionismos cultos e pedantismos, mas que expressam apenas uma tendência potencial de um modernismo ainda recente, que saboreia, com deleite, insinuações esotéricas e obsessões autoconscientes, Às vezes em narrativas meio satíricas e meio partícipes (EVERDELL, 2000: 15).
  • 12
    Edgar Morin afirmou que: "a ciência nunca teria sido ciência, se não tivesse sido transdisciplinar" (MORIN, 2000a: 136-137). A questão não é apenas a de fazermos um saber transdisciplinar, mas qual saber transdisciplinar é preciso fazer. A ciência é também um saber-poder, e sua institucionalização disciplinar ainda mantém uma elevada reserva de poder.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Recebido
      20 Nov 2005
    • Aceito
      07 Jan 2006
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