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Reestruturação industrial, desemprego e autogestão: as cooperativas do Vale do Sinos

Industrial restructuring, unemployment and self-management: the cooperatives in the Sinos Valley

Resumos

Este artigo objetiva analisar uma situação típica do quadro de multiplicação de cooperativas de trabalho que atuam como empresas terceirizadas: a organização de cooperativas por sindicatos de trabalhadores como forma de reação ao desemprego decorrente da reestruturação industrial do setor calçadista. Foram pesquisadas cinco cooperativas de um total de nove, nos municípios de Novo Hamburgo e Parobé no Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, que trabalham para grandes indústrias sediadas na região. Procurou-se analisar o processo de reestruturação do setor, suas conseqüências em termos de desemprego, o papel dos sindicatos na organização e suporte das cooperativas e a percepção dos trabalhadores acerca da autogestão, da sua situação de proprietário-gestor-trabalhador em face de a experiências anteriores de trabalho assalariado.

cooperativas de trabalho; trabalho associado; reestruturação industrial


This article intends to analyze a situation typical of the increasing structure of work cooperatives that act as outsourcing companies: the organization of cooperatives by workers' unions as a reaction to the unemployment that followed the industrial restructuring of the footwear sector. This research examines five of nine cooperatives that work for large local industries in the municipalities of Novo Hamburgo and Parobé, in the Sinos Valley, Rio Grande do Sul, Brazil. The aim is to analyze the industry's restructuring process, its consequences in terms of unemployment, the unions' role in the organization and support of cooperatives, and the workers' perception of the self-management, their situation as owners-managers-workers, as opposed to their previous experiences as employees.

work cooperatives; associative work; industrial restructuring


ARTIGO

Reestruturação industrial, desemprego e autogestão: as cooperativas do Vale do Sinos1 1 Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no Workshop "Desafios institucionais para o melhoramento de arranjos produtivos locais", Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, junho de 2005.

Industrial restructuring, unemployment and self-management: the cooperatives in the Sinos Valley

Jacob Carlos LimaI

IDoutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo com pós-doutorado no Massachusets Institute of Technology. É professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, professor colaborador na Universidade Federal da Paraíba e pesquisador do CNPq

RESUMO

Este artigo objetiva analisar uma situação típica do quadro de multiplicação de cooperativas de trabalho que atuam como empresas terceirizadas: a organização de cooperativas por sindicatos de trabalhadores como forma de reação ao desemprego decorrente da reestruturação industrial do setor calçadista. Foram pesquisadas cinco cooperativas de um total de nove, nos municípios de Novo Hamburgo e Parobé no Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, que trabalham para grandes indústrias sediadas na região. Procurou-se analisar o processo de reestruturação do setor, suas conseqüências em termos de desemprego, o papel dos sindicatos na organização e suporte das cooperativas e a percepção dos trabalhadores acerca da autogestão, da sua situação de proprietário-gestor-trabalhador em face de a experiências anteriores de trabalho assalariado.

Palavras-chave: cooperativas de trabalho, trabalho associado, reestruturação industrial.

ABSTRACT

This article intends to analyze a situation typical of the increasing structure of work cooperatives that act as outsourcing companies: the organization of cooperatives by workers' unions as a reaction to the unemployment that followed the industrial restructuring of the footwear sector. This research examines five of nine cooperatives that work for large local industries in the municipalities of Novo Hamburgo and Parobé, in the Sinos Valley, Rio Grande do Sul, Brazil. The aim is to analyze the industry's restructuring process, its consequences in terms of unemployment, the unions' role in the organization and support of cooperatives, and the workers' perception of the self-management, their situation as owners-managers-workers, as opposed to their previous experiences as employees.

Keywords: work cooperatives, associative work, industrial restructuring.

Este artigo tem como objetivo analisar a organização de cooperativas de trabalho e de produção industrial no Brasil, a partir dos processos de reestruturação industrial da década de 90. Estuda a formação de cooperativas para a terceirização industrial como reação sindical ao desemprego com o fechamento ou relocalização de unidades fabris no território nacional e com a percepção dos trabalhadores sobre a autogestão. A questão básica discutida é o caráter complexo e híbrido dessas empresas autogestionárias, que se manifesta, por um lado, na maior participação dos trabalhadores nas decisões e, conseqüentemente, maior democratização das relações de trabalho; por outro, na autonomia relativa no processo de trabalho, determinado, em grande medida, pela empresa contratante dos serviços, que estabelece como o trabalho deve ser realizado. A vinculação das cooperativas ao mercado depende das relações com a contratante, o que garante a regularidade das encomendas, mas que termina por estabelecer novas formas de subordinação.

A dialética autonomia-subordinação é refletida na forma como os trabalhadores percebem a autogestão, nem tanto como uma alternativa à condição salarial e à exploração capitalista, mas como alternativa ao desemprego. Isto se manifesta no grau de adesão aos princípios da autogestão e na satisfação dos trabalhadores com o trabalho nas cooperativas, assim como na percepção acerca da situação proprietário-gestor-trabalhador ante as experiências anteriores de trabalho assalariado, numa região com forte tradição operária. A atuação sindical, ora de apoio, ora de combate às cooperativas, aponta para a dificuldade histórica de a organização sindical lidar com a questão da gestão.

Foram estudadas cinco cooperativas, de um conjunto de nove que trabalhavam para uma grande indústria do setor calçadista. A pesquisa foi realizada2 2 Pesquisa financiada pelo CNPq. no primeiro semestre de 2005 nos municípios de Novo Hamburgo e Parobé na região conhecida como Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, principal cluster produtor de calçados femininos para exportação do país. Foram realizadas cinco entrevistas com lideranças sindicais e com vinte e sete trabalhadores, além de visitas a cooperativas bem como com observação do trabalho.

1. As cooperativas e o ressurgimento do debate sobre autogestão

A internacionalização da economia brasileira na década de 90 implicou no fim do protecionismo estatal à indústria nacional e na busca por maior competitividade no mercado, acarretando o fechamento de numerosas fábricas, reestruturações setoriais, adequação tecnológica e organizacional e fusões de empresas que tiveram, entre suas conseqüências, o fechamento de postos de trabalho e o aumento de trabalhadores desempregados.

A busca da redução dos custos de produção resultou também no deslocamento espacial de unidades produtivas atraídas por generosos incentivos fiscais de estados e municípios, em regiões sem tradição industrial, com mão de obra barata e sem atividade sindical. Soma-se a isso o crescimento dos processos de subcontratação e de utilização de formas flexíveis de contratação da força de trabalho, reduzindo ainda mais os custos.

Neste contexto de reestruturação e desemprego, temos o ressurgimento das cooperativas de trabalho e/ou produção industrial, vistas como possível solução a duas ordens de problemas para atores antagônicos, embora complementares: para os trabalhadores e sindicatos, uma forma de manutenção de emprego, através dos movimentos de recuperação de empresas falidas, ou organização de cooperativas para atuarem na terceirização industrial; para as empresas, uma forma de flexibilização das relações de trabalho que as desonera da gestão e dos encargos sociais implícitos nos contratos formais de trabalho. Por se constituírem como empresas, as cooperativas mudam de estatuto jurídico, e a relação empresa-cooperativa passa a ser uma relação empresa-empresa. Quando precisam de trabalho vivo, as empresas subcontratam as cooperativas como qualquer outra empresa, sem a obrigação de manter um plantel de trabalhadores todo o ano.

A característica participativa e democrática das cooperativas irá convergir com o ideário participacionista presente nas teorias organizacionais do pós-70 que valorizam o conhecimento do trabalhador no processo produtivo como fator de qualidade e produtividade. Ao mesmo tempo, a questão da autonomia dos trabalhadores e a proposta socialista são repensadas a partir da difusão do ideário de uma economia social, em contraposição ao capitalismo neoliberal hegemônico, recuperando a idéia de autogestão dos trabalhadores em empreendimentos coletivos como uma possibilidade, uma alternativa não capitalista para uma outra sociedade justa e solidária (Singer, 1998).

Os termos "cooperativas de trabalho" e "cooperativas de produção industrial" distinguem-se pelo caráter fabril presente nas segundas, o que significa que estas dependem do trabalho coletivo e complementar no processo produtivo e que seus resultados só podem ser auferidos pela quantidade de trabalho (energia dispendida coletivamente) incorporada no produto final. Diferentemente, nas cooperativas de trabalho, qualificações ou habilidades individuais são utilizadas na prestação de serviços (médicos, taxistas, técnicos de informática, etc), o que não implica, necessariamente trabalho coletivo. Entretanto, a utilização dos termos é imprecisa e se confunde com a generalização do emprego de "cooperativas de trabalho" para todas as situações nas quais os trabalhadores gerenciam coletivamente a própria força de trabalho.

A utilização dos dois termos acrescenta-se, na literatura, à adjetivação das cooperativas entre as verdadeiras e as falsas ou de fachada3 3 Ou, ainda, coopergatos ou pseudocooperativas organizadas para intermediar a contratação de força de trabalho de forma fraudulenta. Quando legalizadas, são conhecidas como cooperativas de mão-de-obra. , diferenciando das demais, aquelas que seguem os princípios cooperativistas, que seriam artimanhas utilizadas por empresas para rebaixar custos. Esta distinção, em formulações diversas, é histórica e está presente desde o surgimento das primeiras cooperativas européias e norte-americanas, refletindo o embate ideológico do movimento operário-sindical do século XIX e seus desdobramentos posteriores. Porém, a diversidade de formas assumidas pelas cooperativas e estratégias utilizadas para sobreviverem no mercado capitalista, sua vinculação ou não a políticas governamentais durante todo o século XX (o caso italiano é paradigmático4 4 Na Itália as cooperativas são vinculadas às centrais sindicais, por sua vez vinculadas a partidos políticos. Essa vinculação garantia encomendas de países socialistas a determinadas cooperativas. Veja-se (Dow, 2002; Thornley,1983, Louis, 1986 ) ) cria uma multiplicidade de situações nas quais essa dualidade resulta insatisfatória.

O termo autogestão, por sua vez, acompanha o de cooperativismo, constituindo-se no cerne de sua proposta, que é a democratização das práticas sociais no espaço de trabalho, um poder compartilhado que garante a autonomia de um coletivo. É um conceito ambíguo e multidimensional abarcando a dimensão social, voltada a ações em benefício do grupo envolvido; a econômica, referente à precedência do trabalho sobre o capital; a política, a partir de princípios e formas de representação que garantam o poder compartilhado, e a técnica, que se refere à possibilidade de outras formas de organização e divisão do trabalho (Albuquerque, 2003). Sua utilização na contemporaneidade está cada vez mais vinculada a métodos e técnicas administrativas, mistificando o aspecto gerencial do processo de trabalho, desligando-os de práticas sociais contextualmente condicionadas. Isso leva a certa indiferenciação dos processos produtivos entre empresas cooperativas e/ou autogestionárias e as empresas capitalistas regulares com relação às tendências da produção como automação, informatização, terceirização e outras (Ibidem, p.23).

Para a ANTEAG (Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias), o conceito de autogestão ou empresas autogestionárias ou de co-gestão é mais preciso: seria o modelo de gestão sob controle dos trabalhadores, com democratização da gestão, viabilidade e rentabilidade do projeto, modernização tecnológica, integração empresarial em rede de negócios e parceria com sindicatos quando estes apóiam ou apoiaram o projeto. A autogestão estaria referenciada especificamente, embora não exclusivamente, à recuperação de empresas em situação falimentar, que são reorganizadas pelos trabalhadores em regime de autogestão quando assumem o controle total, ou em co-gestão, quando entram em acordos com proprietários para gerirem a empresa, aproximando-se ainda da proposta das ESOPs (Employee Stock Ownership) norte-americanas de compra de ações das empresas pelos trabalhadores.

Numa perspectiva "de mercado", Dow (2003) faz uma crítica às diversas terminologias, tendo os países anglo-saxões como referência. Considera que as empresas controladas e administradas por trabalhadores ("governance") têm recebido uma variedade enorme de nomes tais como cooperativas de produtores, cooperativa de trabalhadores, autogestão (self-management), democracia econômica e industrial, empresas autogestionárias, e controle operário (workers'control), utilizados de forma intercambiável. Considera que a utilização do termo cooperativa de produtores – no nosso caso de produção industrial – é portadora de carga ideológica excessiva por causa de sua associação histórica com práticas organizacionais vinculadas a políticas igualitárias de salários, à supressão das hierarquias administrativas e da rotatividade de trabalhadores. Além disso, considera que as cooperativas de produção/produtores seriam tipicamente pequenas e de trabalho intensivo, além de se confundirem com cooperativas de produção formadas por fornecedores de insumos agrícolas. O conceito de autogestão seria um termo guarda-chuva vinculado ao sistema econômico e político que vigorou na Iugoslávia no período 1949-91 abarcando situações diversas. Por fim, "Democracia Econômica e Industrial" seria uma concepção vaga aplicada a estruturas que envolveriam desde empresas de países socialistas com propriedade estatal, co-determinação (a participação de trabalhadores nos conselhos diretivos de empresas) até empresas controladas por acionistas. Propõe, para evitar confusão, o termo LMF – Labor Management Firm -, que se caracterizaria pelo controle dos trabalhadores sobre a empresa, o que a diferenciaria da KMF- Kapital Management Firm, controlada pela quantidade de capital investido por proprietários ou acionistas. Sua preocupação básica é discutir a viabilidade das empresas LMF no capitalismo, de forma pragmática, procurando demonstrar a possibilidade de grandes ou pequenas empresas serem assim geridas, principalmente a partir da introdução de formas flexíveis de produção. Advoga a substituição do dogmatismo pelo pragmatismo, acreditando ser possível criar um forte setor controlado pelos trabalhadores através de políticas de inovação e pequenos subsídios públicos, o que levaria a uma reconciliação de governança democrática com prosperidade econômica.

A classificação da Organização das Cooperativas Brasileiras distingue as cooperativas de trabalho das de produção industrial, diferenciando ainda as cooperativas de produção agrícola. Uma multiplicidade de formas caracterizaria essas cooperativas no que se refere a modos de propriedade e gestão pelos trabalhadores, assim como à autonomia em relação ao mercado. Parte significativa das cooperativas de trabalho e/ou produção industrial atuam como empresas terceirizadas para grandes ou médias empresas, tendo sido organizadas por processos que envolveram trabalhadores, sindicatos, empresas, governos, ONGS, com formatos diversos em relação ao grau de autonomia, democracia interna, efetividade da gestão coletiva, etc. Outras conseguiram maior autonomia trabalhando com produtos próprios, indiferenciando-se de empresas regulares com a contratação de trabalhadores assalariados. Outras funcionam como agências intermediadoras de mão-de-obra ou são constituídas para a prestação de serviços para empresas integradas geralmente por ex-funcionários.

Às cooperativas de trabalhadores (de trabalho, de produção industrial e mesmo de trabalhadores agrícolas em cooperativas do MST - Movimento dos Sem Terra), somam-se as "cooperativas populares". Estas são organizadas por incubadoras de cooperativas vinculadas a Universidades e centrais sindicais (a Fundação Unitrabalho composta por diversas Universidades juntamente com a CUT – Central Única dos Trabalhadores, por exemplo), voltadas à organização de trabalhadores urbanos em pequenos empreendimentos de geração de renda como forma de combate ao desemprego e à exclusão social. Essas cooperativas dependem fortemente dos programas de incubação e entidades estatais e da sociedade civil para se consolidarem. Um exemplo característico são as cooperativas de catadores de lixo e de reciclagem de resíduos sólidos urbanos.

Contudo, como destaca Valle (2002), os empreendimentos autogestionários e cooperativos reúnem atores sociais com propostas diferentes, que variam do socialismo à inserção no mercado, tendo em comum uma questão pragmática - a sobrevivência -, na qual o trabalho coletivo e autogerido constitui-se num aprendizado difícil e geralmente percebido como transitório.

A discussão continua e, nesta, há uma concordância, independentemente da matriz de referência: a necessidade da sobrevivência da cooperativa no mercado. Mas, isto não significa, necessariamente, uma atenuação da polarização ideológica presente no debate. O crescimento da proposta de Economia Solidária e a adoção de políticas sindicais e governamentais de apoio a empreendimentos cooperativos têm separado as cooperativas consideradas autênticas daquelas consideradas voltadas ao mercado. Entretanto, divergências dentro do próprio movimento sindical tornam as classificações móveis acerca do grau de adesão a princípios solidários, do grau de autonomia na organização do trabalho e em face do mercado. Estas divergências referem-se a formas de gestão na qual mantêm-se ou não a separação entre planejadores e executores, a representação dos trabalhadores nas diretorias, a participação dos trabalhadores em assembléias, a preparação dos trabalhadores para gestão, a construção de novas hierarquias nos espaços do trabalho. Para além da questão, está a efetividade da autonomia e da democracia nos coletivos de trabalho, que pressupõe conscientização dos trabalhadores acerca dessa autonomia e os determinantes políticos e culturais dessa autonomia. Numa sociedade marcada pelo assalariamento como forma hegemônica – pensada inicialmente como compra e venda da força de trabalho e, posteriormente, acrescida de direitos sociais que vão caracterizar a condição salarial(Castel 1998) – , a heteronomia é fator preponderante a partir da divisão do trabalho, técnica, sexual, social, que vai estabelecer padrões de comportamento sociocultural no trabalho. Mudanças desses padrões não acontecem apenas com alterações nas formas de propriedade, uma vez que nem sempre se alteram as estruturas cognitivas.

Dessa forma, a discussão da autogestão implica a discussão não apenas dos condicionamentos políticos da democracia industrial, mas de elementos de sua viabilização, o que exige também a discussão da gestão como forma de permanência no mercado e a existência ou não de um projeto de transformação social subjacente. Isto, dado o caráter híbrido presente na idéia de cooperativa e autogestão, na qual se procura superar a condição do assalariamento capitalista dentro do mercado capitalista5 5 Cornforth (2004) acompanha Dow (2003), discutindo a necessidade de criação de um quadro conceitual para discutir a governança das cooperativas. Afirma que, enquanto a chamada governança corporativa é bem desenvolvida, o mesmo não acontece com as cooperativas. Propõe a integração, num quadro conceitual, da contribuição de varias teorias em suas ambigüidades e contradições, o que vai chamar de "Paradox Perspective". .

O estudo de experiências concretas, longe de responder a todas essas questões, permite recuperar o caráter contraditório e diverso presente nos processos de mudança social no qual o trabalho é repensado enquanto elemento definidor de identidades e sociabilidades.

2.O "Cluster" do Vale dos Sinos e as crises dos anos 906 6 Agradeço às professoras Judith Tendler e Lorena Holzmann pelas referências e contatos no RS e a Flavio Saydelles pela coleta de dados em Novo Hamburgo e Parobé.

O cluster do Vale do Rio dos Sinos, ou Vale dos Sinos como passaremos a chamá-lo é considerado pela ABICALÇADOS (Associação Brasileira de Indústria de Calçados) como o maior do mundo. Localiza-se próximo à capital do Estado (40 km aproximadamente) e abrange 26 municípios, sendo os principais: Novo Hamburgo, Campo Bom, Taquara, São Leopoldo, Parobé, Igrejinha e Sapiranga, onde se concentram as principais indústrias , instituições de ensino,de pesquisa e de assistência tecnológica.

Um fator relevante para entender o setor calçadista no Brasil é sua relação com o mercado externo. Constitui-se em um dos maiores exportadores mundiais, principalmente de calçados de couro. O Rio Grande do Sul participava, em 1992, com 75% da produção brasileira de calçado de couro e do volume de exportação.

Segundo Ruas (1995), a reconversão estrutural da indústria mundial implicou um processo de relocalização dos processos de produção, com utilização de trabalho intensivo para países do Terceiro Mundo, cujos custos são menores (isso, a partir do final dos anos 60 e início dos 70). Manteve-se, nos países centrais, uma parcela da produção de calçados de qualidade voltada a consumidores de maior renda e passou-se a importar os calçados destinados a consumidores de renda média para baixo. Com isso, foram formados grandes pools de importação e distribuição nos EUA e CEE, pelos produtores locais, que determinavam moda, design e marketing para os produtos massificados, além de preços, tamanhos dos lotes e prazos de entrega (p.56-57). Nesse contexto, o Vale dos Sinos foi beneficiado, pois estava consolidado como pólo produtor no mercado nacional, com os fornecedores da cadeia produtiva situados localmente e pela presença de diversas instituições de apoio.

A indústria de calçados é um dos setores que mais absorve força de trabalho na indústria, com salários bem abaixo da média do setor como um todo. Apesar da crise do mercado externo desde 1989, o setor absorvia no Estado do Rio Grande do Sul , em 1992, 150.000 trabalhadores distribuídos por 1.700 empresas, possuindo centros de formação do SENAI, o Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA), a Faculdade do Vale do Rio dos Sinos e a Universidade do Vale dos Sinos, com cursos voltados à qualificação da mão-de-obra local. Cerca de 50% das empresas podiam ser consideradas médias (mais de 100 empregados) e grandes (+ de 500) (15%). As demais se constituíam em pequenas e microempresas.

Mesmo com a infra-estrutura de formação e qualificação para os trabalhadores, a maioria dos empregados no cluster tem baixa escolaridade e qualificação, dado o caráter trabalho-intensivo desta indústria, com um processo de trabalho caracterizado por tarefas simples e repetitivas e pelos baixos salários pagos. A subcontratação é uma prática histórica do setor e disseminada na região. As grandes e médias empresas subcontratam pequenas e microempresas para tarefas específicas de montagem, acabamento e costura, além dos "ateliês", pequenas oficinas familiares que utilizam trabalho temporário e informal.

Com a abertura do mercado brasileiro às importações nos anos 90, o cluster passou por profunda crise, com a entrada de produtos chineses mais baratos no país e a valorização do real, o que provocou queda nas exportações. As minidesvalorizações da moeda não ajudaram muito e somente a partir de 1999, a situação se estabilizou novamente.

Como reação à crise, as fábricas passaram a introduzir mudanças tecnológicas e organizacionais, flexibilizando a produção através de programas de qualidade total, células de produção e outras medidas para aumentar a produtividade e competitividade internacional.

Outra estratégia utilizada foi a relocação de empresas de grande e médio porte para o nordeste do país, atraídas por incentivos fiscais dos governos de Estados como Bahia, Paraíba e Ceará, o que resultou no fechamento ou na redução da produção local. Entre os incentivos fiscais oferecidos por esses estados, destacavam-se o fornecimento de instalações, infra-estrutura, renúncia fiscal por 10 anos e, como novidade, a organização, pelos governos estaduais, de cooperativas de produção industrial como forma de reduzir ainda mais os custos. Nessas cooperativas, as empresas garantiam as encomendas, estabeleciam o layout, o processo produtivo, alocavam suas máquinas em regime de comodato e supervisionavam o trabalho com trabalhadores experientes, funcionários que eram deslocados para a região. Os governos estaduais recrutavam e treinavam os trabalhadores que as compunham, pagando "bolsas treinamento" por até dois meses. As cooperativas, em grande parte funcionavam legalmente, embora controladas diretamente pelas empresas que mantinham suas instalações ao lado das cooperativas. Isso resultou em processos contra empresas e cooperativas, na Justiça do Trabalho, por fraudes e utilização de trabalho assalariado disfarçado, culminando no fechamento de algumas unidades e na reconversão de outras em empresas regulares (Lima, 2002). Outras cooperativas fecharam, a partir das mudanças nas regras dos incentivos fiscais em Estados como o Ceará, e outras ainda permanecem na região, concentrando até 3.000 trabalhadores, produzindo para exportação tênis e sapatos de couro.

Para se ter uma idéia do impacto das mudanças provocadas pela crise no Vale dos Sinos, o número de trabalhadores que, em 1988, segundo dados do MTB/RAIS, era de 151.856, passou para 95.490 em 1997, uma redução de 56.366 trabalhadores ou 38% da força de trabalho utilizada (Bazan e Navas-Aleman, 2001).

A recuperação, a partir de 1999, atenuou esse quadro, embora com profunda reestruturação da indústria local. Dados de 2002 apontam que o cluster concentra 60% das indústrias nacionais de componentes, 80% das indústrias de máquinas para couro e calçados, 80,4% do total auferido em exportações e 49,8 dos trabalhadores do setor. Nesse período houve uma recuperação do número de empregos, que passou para 130.418 trabalhadores ocupados.

A tabela abaixo permite visualizar produção nacional de calçados na qual o cluster do Vale dos Sinos se destaca como o maior pólo exportador, principalmente de calçados femininos de couro.

É interessante observar, na tabela acima, os números referentes aos Estados nordestinos, sem tradição na produção e exportação de calçados e que agora, somados, se constituem na quarta região produtora e exportadora do País. Esses dados referem-se a empresas formalizadas, não considerando o número de ateliês informais e sweats shops nas diversas regiões do País, que atuam nas redes de subcontratação, além das cooperativas que não constam dos dados oficiais.

O fechamento de unidades industriais e a transferência de setores das fábricas para o Nordeste provocaram, por parte do movimento sindical gaúcho, a busca de alternativas ao desemprego. Uma delas foi, também, organizar cooperativas de trabalhadores, seja para recuperar fábricas em situação falimentar, seja na busca de empresas locais que se dispusessem a terceirizar suas atividades em cooperativas. Em alguns casos, essas cooperativas tornaram-se alternativa de trabalho interessante para os trabalhadores com retiradas atraentes, comparativamente aos salários pagos pelas fábricas locais, e maior democratização da gestão do trabalho.

3. Os sindicatos, as empresas e as cooperativas

A multiplicação de cooperativas de produção industrial e de trabalho decorreu, como já referido, dos processos de reestruturação econômica em termos globais. Para Cornforth (1990, 1983) essas cooperativas responderam ora ao fechamento de fábricas e indústrias e às tentativas de recuperação de empregos, ora a tendências new age de combate ao capitalismo, voltadas a questões culturais e ambientais do pós-68 e da crise do modelo socialista7 7 O autor faz uma classificação do tipo de cooperativas surgidas na Europa e EUA nesse período, vinculadas a processos falimentares e alternativos como livrarias especializadas em questões étnicas, de gênero, de produção e venda de produtos orgânicos e outros considerados politicamente corretos . . A retomada da idéia de cooperativa como alternativa dos trabalhadores não apenas ao desemprego, mas como uma possibilidade de "outra economia" passou a ser defendida por distintos atores sociais.

No Brasil, seu crescimento resultou dos processos de reestruturação produtiva iniciados na década de 80, das crises econômicas do período, e do início dos processos de privatização de empresas públicas, processo este aprofundado nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Ainda nos anos 80, alguns estudos de caso apontaram para tentativas de recuperar empresas falidas, com a participação sindical e da sociedade de forma esporádica, além de tentativas de órgãos internacionais para organizar cooperativas de trabalho junto a populações de baixa renda (Lima, 2002). Ao contrário de países como a Itália, com forte presença de cooperativas no mercado de trabalho, com poderosas federações sindicais de trabalhadores de cooperativas vinculadas aos principais partidos políticos de esquerda e de direita, no Brasil, historicamente, o movimento cooperativista esteve voltado a cooperativas de produção agrícola, incentivadas durante o regime militar como alternativa à reforma agrária, sem grande sucesso. Após o fim do regime, a Organização das Cooperativas Brasileiras manteve uma perspectiva empresarial e, dado o número reduzido de cooperativas de produção/trabalho, permaneceu marginal à politização oriunda do movimento sindical. Tanto é que as cooperativas organizadas por sindicatos, ou mesmo empresas convertidas em cooperativas, raramente integram a Organização8 8 Não existe obrigatoriedade de filiação das cooperativas a OCB ou OCEs que não se constituem em órgão fiscalizador. Tanto é que os dados destes órgãos não permitem conhecer a dimensão do setor no País ou nos Estados. .

Nos anos 90, com o surgimento da ANTEAG, configura-se um novo movimento pela transformação de empresas em situação falimentar, até então inédito no país A ANTEAG representou a primeira tentativa de organizar trabalhadores em empresas autogestionárias procurando dar suporte a empresas em situação falimentar, cujos trabalhadores estivessem mobilizados para torná-las cooperativas9 9 A ANTEAG foi constituída em 1994, a partir de um grupo de técnicos que integravam a Secretaria de Formação do Sindicato dos Químicos de São Paulo e do DIEESE, os quais organizaram o Primeiro Encontro dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão, que deu origem à Associação (ANTEAG 2000). . Numerosas empresas foram assessoradas em várias regiões do País. Entretanto as experiências foram heterogêneas e não necessariamente a ANTEAG esteve presente em todas as situações. Algumas vezes, a procura da ANTEAG se dava posteriormente; outras vezes seus técnicos participavam e/ou acompanhavam a transformação de fábricas e os processos iniciais de sua constituição enquanto empresa autogestionária. Os formatos foram variados, desde as empresas transformadas por solicitação de empresários que se viam sem alternativas, empresas falimentares cujos proprietários tentaram reaver prédios e máquinas por meio da Justiça, ganhando em alguns casos e inviabilizando as cooperativas. Em algumas delas, os empresários continuaram na empresa, em outras, as diretorias permaneceram e em outras só os trabalhadores permaneceram, levando a resultados diferenciados não apenas na sobrevivência das cooperativas, mas também na sua autonomia e democratização efetiva da gestão.

No Vale dos Sinos, com o fechamento de unidades industriais pela quebra de empresas e/ou centralização de outras, os sindicatos começaram a articular a formação de cooperativas. Nesse momento, o sindicato de Novo Hamburgo assumiu certa liderança, dada sua localização no centro da região. Mas outros sindicatos, como de Ivoti e Parobé, também participaram ativamente. A idéia de cooperativa, naquele momento, estava totalmente desvinculada seja da OCE, como já referido, (que os dirigentes nem sabiam que existiam) ou mesmo, das centrais sindicais. A CUT estadual inicialmente foi contra a formação de cooperativas, por considerar que representavam uma forma de flexibilizar as relações de trabalho. Entretanto não opôs obstáculos à organização das cooperativas do Vale. O sindicato de Novo Hamburgo também convidou um representante do Sindicato dos Químicos de S.Paulo, que estava organizando a ANTEAG, para dar assessoria.

Um dos primeiros casos, na região, deu-se com a quebra da fábrica ENGESINOS. Os trabalhadores ocuparam a fábrica, entraram em contato com os clientes e se propuseram a continuar operando. Funcionou por um ano e meio, até a fábrica ir a leilão. Como os trabalhadores não conseguiram dinheiro para arrematá-la, a Cooperativa deixou de existir.

Outras cooperativas, resultantes de processos falimentares tiveram trajetórias diferenciadas. Numa delas, a Cooper-S10 10 Os nomes das empresas e cooperativas em sua maior parte foram alterados. , resultante da falência de uma empresa produtora de calçados e artigos de couro, os gerentes e o corpo administrativo participaram e permaneceram na Cooperativa. Com isso, manteve-se a estrutura hierárquica, e os 350 funcionários viraram associados. Desenvolveram produtos próprios e hoje utilizam 1000 trabalhadores assalariados diretos e cerca de 2000 trabalhadores indiretos através de formas diversas de terceirização. A Cooper-S é vista como um sucesso empresarial e de viabilidade do cooperativismo de "mercado", mas é percebida com desconfiança pelo sindicalismo mais combativo, que a considera uma empresa como qualquer outra. Outras cooperativas seguiram caminho semelhante ao da Cooper-S2, também resultante de massa falida que trabalha direto com companhias exportadoras, terceirizando toda a sua produção, que é exportada e que contou inicialmente com a participação do sindicato em sua organização; e ainda a Cooper-Co, que também fabrica produto próprio, mas está enfrentando dificuldades com capital de giro.

As cooperativas organizadas diretamente pelos sindicatos, em sua maioria, estavam (estão) vinculadas à terceirização para a grande empresa da região, a AW. Segundo depoimentos de sindicalistas, a AW, sediada em Parobé, cerca de 40 km de Novo Hamburgo, sempre foi vista como empresa modelo pelos trabalhadores, pelos benefícios que oferecia como apoio educacional, fiança na compra de lotes pelos trabalhadores e outros. Os sindicatos tinham conhecimento de que a empresa estaria disposta a fornecer serviço para cooperativas, interessada que estava em reduzir custos e ciente das vantagens que auferiria com sua utilização. Afetada pela abertura comercial, a empresa já tentara trabalhar com cooperativas na Paraíba e, posteriormente, transferiu suas atividades daquele Estado, abrindo unidades de produção na Bahia, onde concentra atualmente, a maior parte de sua produção.

A partir de 1994, foram abertas seis cooperativas em Parobé, tendo chegado a nove em alguns momentos, além de duas em Ivoti e uma em Novo Hamburgo e, com exceção de uma, todas trabalhando terceirizadas, quase que exclusivamente, para a Empresa AW.

A atuação sindical também foi distinta por município. Em Parobé, o sindicato assumiu o papel de intermediação junto à AW e se constituiu no preposto da empresa junto às cooperativas que dependem do presidente do sindicato para negociar preços e encomendas. As cooperativas pagam uma taxa mensal ao sindicato pela intermediação, e o presidente chegou a ter um contrato de assalariado em uma cooperativa como forma de permanecer oficialmente na categoria, depois de perder o emprego em uma fábrica que fechou. As relações foram boas até o presidente candidatar-se a vice-prefeito da cidade, contando com o apoio formal das cooperativas, e perder. A partir daí, começou a acusar algumas de serem cooperativas de fachada e atacá-las na rádio do sindicato, além de apoiar ações de trabalhadores contra elas. Segundo um membro da direção da Cooper - 5 - que é a única que trabalha terceirizada para outra empresa - a BT-, a organização da cooperativa teve franca oposição do sindicato, que ficou fora dos entendimentos com a empresa. Assim, não houve a intermediação do sindicato. Essa oposição resultou em pressão junto aos trabalhadores para denunciarem a cooperativa como fraude, e ainda, por assalariamento disfarçado, embora funcione com as mesmas características das demais cooperativas que trabalham para a AW.

As cooperativas do município mantêm laços também com o sindicato de Novo Hamburgo, por meio da Escola Oito de Março, fundada em 1993, que atua com cursos técnicos sobre calçados, e de formação política sobre economia solidária.

As duas cooperativas de Ivoti se afastaram do sindicato e perderam a terceirização com a AW, desenvolvendo produtos próprios e, segundo depoimentos, tornaram-se empresas "familiares", com seu presidente empregando familiares e controlando as cooperativas. Com a perda das encomendas da AW, elas enfrentam dificuldades em manter a produção.

A AW, segundo o sindicato de Novo Hamburgo, não participou diretamente da organização das cooperativas, embora as tenha incentivado. Inicialmente, emprestou máquinas e treinou trabalhadores. Estabeleceu as metas de produção e o modo como a produção deveria ser feita, além de supervisionar diariamente a produção nessas cooperativas. Antes de as cooperativas começarem a funcionar, o sindicato organizou diversas reuniões e cursos para esclarecer sobre o trabalho associado, a situação de trabalhador-proprietário e princípios de cooperativismo, com uma média de 35 trabalhadores por grupo. A AW estabeleceu quantos trabalhadores necessitava em cada cooperativa. A oferta de trabalhadores experientes era grande, dado o desemprego, na época, o que não demandou gastos com treinamento. Posteriormente outros trabalhadores foram sendo admitidos, mesmo sem muita experiência, e treinados nas próprias cooperativas.

A não-intervenção da empresa nas cooperativas e a participação sindical em sua organização resultaram na maior observância dos princípios cooperativistas como cotas de admissão, participação democrática através de eleições de dirigentes, assembléias regulares para a resolução dos problemas, assim como uma organização do trabalho mais flexível em termos disciplinares. Ao mesmo tempo, o fato de a Empresa AW não exigir dedicação exclusiva das cooperativas tem possibilitado a várias delas trabalharem para outras empresas em caráter eventual, ou mesmo com certa regularidade, além de estarem tentando desenvolver produtos próprios com a assessoria sindical e da Escola Oito de Março. Entretanto, o elemento estabilizador dessas cooperativas de terceirização tem sido a regularidade das encomendas da Empresa AW, o que tem possibilitado um ganho mensal para os trabalhadores comparativamente maior que o dos trabalhadores assalariados, numa média de R$.400,00 (em empresas regulares) e R$.600,0011 11 Em janeiro de 2005. nas cooperativas. Isso, além de ganhos de produtividade e retiradas no final do ano, que compensariam a ausência dos direitos trabalhistas.

Segundo o sindicato de Novo Hamburgo, as cooperativas não foram pensadas, em sua organização, como forma de flexibilização das relações de trabalho e sim, como alternativa ao desemprego. A "perda de direitos" não tem constituído problema, já que os ganhos dos trabalhadores têm sido satisfatórios: as cooperativas recolhem regularmente o INSS,12 12 O recolhimento do INSS já está incluso, por lei, no pagamento feito às cooperativas pela empresa contratante. e as "sobras"13 13 Legalmente, as cooperativas não obtêm lucro. As "sobras" seriam os resultados divididos anualmente aos trabalhadores. têm garantido retiradas mensais regulares, descanso remunerado, férias e mesmo o décimo terceiro salário. Mesmo com a empresa não estabelecendo nenhum contrato ou garantia de fornecimento de encomendas, estas têm sido regulares. As cooperativas estão funcionando há dez anos, apesar de percalços variados, como por exemplo, a inexperiência de administração pelos trabalhadores, a destituição de diretorias por má gestão, gestão fraudulenta e falências, que resultaram em reestruturações, fechamento de algumas e abertura de novas cooperativas.

O caráter empírico da atuação sindical ante as cooperativas foi substituído, a partir do primeiro semestre de 1999, pelo Programa de Economia Popular e Solidária, dirigido pela Coordenação de Economia Popular e Solidária (Ecopopsol) da Secretaria do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais (SEDAI) do Estado do Rio Grande do Sul, o que resultou em convênios com Universidades, com o Centro Tecnológico de Couro e Calçados, entidades empresariais, e com a ANTEAG, que ficou como gestora do Programa. Foram criados um Centro de Design e uma incubadora de cooperativas , cujos produtos passaram a ser apresentados em feiras de couro e moda no país. O Sindicato de Novo Hamburgo, juntamente com a Fundação Banco do Brasil, mantém, em convênio com a FEVALE e a Unisinos, programas de formação técnica para os trabalhadores, além de seminários sobre cooperativismo e economia solidária.

Mesmo com esse apoio, as dificuldades em obter capital de giro para as cooperativas limitaram o alcance do programa e, com exceção das cooperativas que conseguiram manter produtos próprios, as demais continuaram a trabalhar terceirizadas. Com o fim do governo petista no Estado, o programa, embora não desativado oficialmente, perdeu força.

4. As cooperativas e os trabalhadores14 14 Entre os trabalhadores entrevistados, 13 eram mulheres e 14 homens. Destes, 11 trabalhavam há mais de três anos nas cooperativas, 10 entre um e três anos e nove até um ano. A escolaridade majoritária era até o 1º. Grau completo, com 22 trabalhadores. Apenas seis trabalhadores tinham o 2º grau, e só um completo.

As cooperativas de terceirização na região trabalham de forma regular para as duas grandes empresas referidas e, com serviços eventuais, para outras fábricas de calçados. No geral, as cooperativas mantêm relação entre si com empréstimos de máquinas e insumos, principalmente as que trabalham para a mesma empresa, a AW. Tentativas de acordos entre cooperativas de formatos distintos falharam por falta de confiança entre as partes. A idéia de uma federação de cooperativas trabalhando conjuntamente, ou de uma rede solidária entre elas, permanece no ideário do sindicato e é considerada importante por seus dirigentes, mas sem relação com a realidade efetiva. Trata-se de um projeto para o futuro.

Algumas cooperativas têm prédios próprios, assim como maquinaria própria ou financiada. Outras, ainda, funcionam em prédios alugados com máquinas emprestadas, seja da empresa primeira, seja de outras cooperativas, enquanto não compram suas máquinas e não viabilizam espaço adequado. Problemas de gestão de recursos e crises internas foram apontados como elementos que dificultam a compra ou a construção de prédios. Em cooperativas mais recentes, a propriedade do galpão não se coloca ainda como problema, preocupadas que estão com a sustentabilidade do empreendimento. A propriedade de prédios ou máquinas é um indicador da maior ou menor capacidade "gerencial" dos trabalhadores e até de sua autonomia, uma vez que possuem maior poder de negociação com a empresa primeira e de busca de parceiros alternativos.

A rotatividade entre trabalhadores é vista como problema nas cooperativas, e poucos fundadores ainda permanecem. Essa rotatividade se dá por iniciativa majoritária dos trabalhadores. Tal como nas empresas regulares, os pedidos de desligamentos no final de ano são comuns, uma vez que as cooperativas devolvem as cotas pagas pelos trabalhadores. Isto é percebido negativamente, pelas direções das cooperativas, pela descapitalização que acarretam com a restituição das cotas, assim como os gastos embutidos no treinamento de novos trabalhadores, não tanto para o tipo de serviço, já que a maioria já tem experiência no setor, mas pela adaptação à empresa "cooperativa" e à condição de associado. Organizadas dentro dos princípios cooperativistas, todas as cooperativas exigem uma integralização de cotas que, no geral, são corrigidas monetariamente e devolvidas ao trabalhador na hora em que for desligado ou em que pedir exclusão do quadro de associados. As cotas funcionam como uma espécie de indenização ou, mesmo, um fundo de garantia para compensar a ausência dos direitos trabalhistas da empresa comum.

Mesmo todos os trabalhadores sendo associados, novas hierarquias no trabalho terminam por ser constituídas. Com processos de trabalho que variam da utilização da esteira rolante a equipes de trabalho, e com a natureza simples da maioria das tarefas como costura, colagem, montagem e fases acessórias, a qualificação exigida é baixa, e a divisão do trabalho pouco difere da existente em uma fábrica comum. Distintos graus de qualificação ou de envolvimento na gestão equivalem a diferentes níveis de remuneração, que podem variar de quatro a doze níveis. Os mais comuns são das diretorias, pessoal administrativo, líderes de grupo e mecânicos. As diferenças internas de qualificação entre os trabalhadores são percebidas com certa naturalidade, embora questionem as diferenças salariais que, em algumas situações, são consideradas altas e injustificáveis. No geral, a responsabilidade de gestão e qualificações específicas – como o mecânico, por exemplo – justificam, para os trabalhadores, níveis salariais diferenciados.

As novas hierarquias se manifestam, em grande parte, na participação das assembléias, das quais todos os trabalhadores participam, mas poucos se manifestam. Isso pode ser explicado por vários fatores: a baixa escolaridade dos trabalhadores do chão de fábrica – que raramente possuem 1º. grau completo, em contraposição aos participantes das diretorias, às vezes com maior escolaridade, ou com experiência de militância ou, mesmo, apenas mais articulados. A inibição dos trabalhadores nas assembléias é comum entre trabalhadores associados de baixa escolaridade como demonstram pesquisas em empresas transformadas em cooperativas, nas quais a hierarquia anterior permanecia, mesmo que informalmente (Holzmann, 2001, Rosenfield, 2003).

As cooperativas estudadas não resultaram de empresas transformadas, mas organizadas com ex-trabalhadores demitidos de diversas empresas, portanto, sem uma hierarquia anterior "transferida" para a cooperativa. Com isso, os trabalhadores não se confrontam necessariamente com antigos dirigentes, mas, mesmo assim, em sua maioria, declararam que apenas ouvem nas assembléias, sentindo-se constrangidos em se exprimir. E, quando fazem perguntas, referem-se mais a ganhos do mês do que a questões gerenciais que afirmam pouco conhecer. Justificam-se alegando, desde a pouca familiaridade com os temas discutidos, até o receio de serem ridicularizados por não saberem falar. O que não significa necessariamente que estão desinteressados, mas que reproduzem uma cultura da não-participação presente nas relações de trabalho, caracterizadas pela separação trabalho intelectual-trabalho manual e por formas verticais de gestão com hierarquias fortemente estabelecidas. Dependendo da cooperativa e do grau de informação das atividades de gestão bem como das relações estabelecidas entre os trabalhadores associados, a situação pode variar no que diz respeito à participação. Esta, muitas vezes, é percebida na informalidade do dia- a-dia, na qual a presença dos trabalhadores e gestores no mesmo espaço facilita a comunicação. O "afrouxamento" hierárquico não significa necessariamente maior participação.

Este quadro ora é atenuado, ora é reforçado pelos cursos fornecidos pelos sindicatos, nos quais a participação é igualmente desigual, dependendo dos interesses do trabalhador, o que acarreta, muitas vezes, uma atuação maior daqueles que integram as diretorias e conselhos diretivos, terminando por se constituírem num grupo diferenciado dentro das cooperativas, com maior domínio dos processos técnicos e administrativos e maior identificação com a gestão coletiva. Geralmente a maior participação está vinculada à maior escolaridade. Isso se evidencia em falas de trabalhadores quando se referem aos problemas administrativos como algo externo a eles, sendo problemas "da diretoria", "do conselho fiscal", do "conselho disciplinar", dos quais não se consideram parte ou co-responsáveis, abrindo mão da participação direta.

Outra variável importante na criação e manutenção de novas hierarquias é a duração da gestão, normalmente de quatro anos para a diretoria – com possibilidade de renovação –, o que reforça a sensação de dualidade entre os que gerem e os que obedecem, mesmo considerando-se que, em várias delas, os conselhos são renovados anual ou bianualmente15 15 Kasmir (1996), estudando o Complexo Cooperativo de Mondragón no País Basco Espanhol, destaca o maior envolvimento dos gestores com as cooperativas, em comparação com os trabalhadores do "chão de fábrica", menos identificados com a propriedade e a gestão coletiva, vistas como externalidades, responsabilidades dos "outros" - os gestores. . Vieitez e Dal Ri apontam situação similar em empresas recuperadas, nas quais os "quadros" dirigentes terminam por se perpetuar no poder, centralizando e concentrando poder, adquirindo experiências e conhecimento que os distinguem da "base"(2001)16 16 Os autores coordenaram pesquisa com 18 empresas autogestionárias recuperadas, em diversas regiões do País ligadas à ANTEAG no período 1998-2000. .

O cluster do Vale é pólo de atração de migrantes das diversas regiões do Estado. O contingente de trabalhadores associados, embora formados por migrantes, tem tradição na indústria de calçados, com diversos membros da família empregados nas fábricas, cooperativas ou ateliês informais nas cidades da região. Distintas gerações, parentes e colegas que integram as redes sociais dos trabalhadores caracterizam o mercado de trabalho do setor, e as vagas formais, informais e associadas, são ocupadas por intermédio dessas redes.

A baixa escolaridade e a existência de uma tradição de trabalho assalariado na região são argumentos utilizados pelas direções das cooperativas na justificação da dificuldade de compreensão, pelos trabalhadores, da natureza do trabalho associado. Entretanto, isso é mais perceptível entre trabalhadores com pouco tempo de trabalho nas cooperativas. Trabalhadores com mais de um ano, indagados sobre o que entendiam por cooperativas definiam-nas como sinônimo de trabalho em grupo, com ganhos iguais dependendo do envolvimento coletivo, e direitos iguais, embora a noção de propriedade coletiva não aparecesse entre as características definidoras. Mesmo assim, indagados sobre o envolvimento e/ou compromisso individual e dos colegas no cotidiano na cooperativa, a resposta foi sempre a necessidade do esforço coletivo para a obtenção de resultados satisfatórios para todos.

A terceirização e a dependência da fábrica podem, talvez, explicar a baixa percepção da propriedade "coletiva". Vários trabalhadores associados tinham sido assalariados na empresa primeira e percebiam as cooperativas como artifício desta para não contratar. Ao mesmo tempo, consideravam a sobrevivência da cooperativa dependente das relações com a poderosa AW, vendo poucas possibilidades de atuação totalmente autônoma. No entanto, situação similar ocorre em fábricas recuperadas, nas quais a percepção da propriedade comum é pouco notada. Para Vieitez e Dal Ri (2001), o que importa para os trabalhadores seria mais a "comunidade" de trabalho, ou seja, a criação, manutenção e reprodução dos postos de trabalho, garantindo a regularidade de renda.

A ambivalência do trabalhador entre a participação efetiva na produção e gestão e a sensação de "ser empregado" foram observadas na pesquisa IBASE-ANTEAG, na qual a ênfase dada pelos trabalhadores aos critérios de função e responsabilidade refletia a percepção de diferenciais de poder interno entre eles, tal qual em uma empresa convencional (p.26, 2001). Mesmo com certa compreensão do significado da cooperativa, o trabalho associado é entendido como falta de opção num quadro de desemprego. A conquista de um emprego -"com carteira" - continua um objetivo a ser alcançado, embora não a qualquer preço . Depois de anos de trabalho na cooperativa, com ganhos salariais maiores comparativamente aos das empresas da região, a ida para um emprego assalariado precisaria valer a pena, seja por maiores salários, seja pela estabilidade. Enquanto a rotatividade nas cooperativas ocorre por opção dos trabalhadores, nas fábricas não. Não valeria deixar a cooperativa por um emprego registrado que, depois de um mês ou dois, deixaria de existir.

A satisfação com o ambiente de trabalho é um fator de destaque nas falas dos trabalhadores. Embora existindo novas hierarquias, o contato do trabalhador com a diretoria e a administração é permanente, com os membros, na maioria das vezes, dividindo espaço na produção, com tarefas semelhantes. O caráter mais democrático e participativo evidencia-se na colaboração no processo de trabalho com os membros das equipes, ou das linhas se ajudando mutuamente. Quem termina sua tarefa vai auxiliar os demais, pois isso significa atingir as metas de produção e, possivelmente, sair mais cedo ou não ter que trabalhar no sábado. Atingir a meta significa também maiores sobras no mês, maior retirada mensal e, no final do ano, a maior divisão das sobras pelo conjunto dos trabalhadores, garantindo férias num período em que diminuem as encomendas, e um décimo terceiro que pode ser maior que a retirada mensal.

A participação de homens e mulheres também é mais igualitária, tanto nas diretorias quanto no "chão de fábrica", não havendo distinção significativa entre o envolvimento de homens e mulheres nas atividades da cooperativa ou, mesmo, na percepção do trabalho associado.

O conhecimento do trabalho da equipe, ou o das tarefas na esteira apontam para certa multifuncionalidade na organização do trabalho, embora alguns trabalhadores se considerem especialistas em uma atividade e destaquem isso. A organização do trabalho, em geral, pressupõe um conhecimento mais coletivo, dada a necessidade de substituição rápida de membros da equipe em casos de doenças ou faltas. Como as encomendas determinam o ritmo de produção, e as fábricas primeiras supervisionam o trabalho, o envolvimento no trabalho e o conhecimento de mais de uma atividade, são além de desejáveis, necessários. Mesmo assim, a organização do trabalho continua sendo a da empresa capitalista, a mesma divisão do trabalho, somada a um caráter mais participativo.

A camaradagem entre os colegas, o interesse comum significam menor estresse no trabalho. O salário, quando maior, provoca uma crescente satisfação dos trabalhadores, que se sentem mais motivados. Mesmo trabalhadores insatisfeitos consideraram o trabalho nas cooperativas mais "relaxado", menos tenso, com menores cobranças.

Maior democracia não significa menor disciplina, característica fundante do trabalho industrial. Todos os estatutos estabelecem punições para faltas, atrasos e desempenho insatisfatório, levando à exclusão de associados. A disciplina é vista como normal para que o trabalho saia, embora não evite queixas. Por parte da direção, pelo que consideram o baixo envolvimento dos trabalhadores, e pelos trabalhadores, por causa dos colegas que, tayloristicamente falando, "fazem cera", prejudicando o trabalho coletivo.

Contudo, nem todos os trabalhadores se sentem satisfeitos na cooperativa ou percebem diferenças entre esta e uma empresa comum17 17 Pesquisa realizada em 2001 em todo o país, pelo IBASE e pela ANTEAG, apontou um elevado nível de satisfação dos trabalhadores com o trabalho em cooperativas e grande adesão a seu ideário, incluindo em sua amostra, diversos tipos de cooperativas "autênticas". Pesquisas por nós realizadas no Nordeste do País, com cooperativas de produção industrial, demonstraram certa ambigüidade dos trabalhadores, talvez pela inexistência, nas cooperativas lá instaladas, de qualquer veleidade participativa, constituindo-se, na maioria dos casos, em meras dependências das empresas "parceiras" que participaram de sua organização. Trabalhadores sem experiência fabril reclamavam por trabalho assalariado, não entendendo o significado do trabalho autogestionário, mas, ao mesmo tempo, estavam satisfeitos, por terem, pela primeira vez, um "emprego" com ganhos relativamente regulares, nas cooperativas.(Lima 2002, 2003). . Parte deles declarou estar na cooperativa enquanto algo melhor não aparecesse e considera que as possibilidades de melhorar de vida, permanecendo na cooperativa, são limitadas. Nestes casos, não acreditam e nem se identificam com a proposta, percebendo-a como passageira. Esta situação foi observada também por Rosenfield (2003) ao estudar uma empresa, transformada no Rio Grande do Sul, do setor metalúrgico, tendo feito uma classificação pelo tipo de adesão do trabalhador ao projeto de cooperativa: engajamento, pelos militantes, no projeto político de um cooperativismo autêntico; adesão pragmática à cooperativa pela manutenção da ocupação e da renda possibilitada, independentemente da forma de propriedade ou gestão; e do recuo, por aqueles que não vêem diferença entre a cooperativa e a empresa comum e reclamam dos colegas que se acham donos e vigiam o trabalho dos outros. Nas diversas situações, nota-se uma baixa percepção da cooperativa como propriedade coletiva, mantendo-se a externalidade característica da empresa regular e uma autopercepção difusa, na qual permanece a identidade social do trabalhador, mas não a do trabalhador-gestor ou trabalhador-proprietário.

Mesmo considerando que, na cooperativa, trabalha-se mais - pois tem-se que atender a demanda -, quanto maiores as encomendas, maiores os ganhos auferidos. Segundo o depoimento de um dirigente, enquanto uma empresa utiliza dez trabalhadores, a cooperativa é obrigada a utilizar sete para que o trabalho renda mais para os membros, fazendo uma declaração, meio às avessas, da necessidade da produção enxuta. Maiores encomendas e a sua regularidade significam possibilidades de futuro das cooperativas, embora não eliminem a sensação de instabilidade que representa a terceirização. Todavia, as possibilidades de desenvolvimento de produtos próprios (em alguns casos já desenvolvidos), além de esbarrar com as dificuldades de capital de giro, de obter financiamentos oficiais e privados bem como dos impostos, situação que afeta os pequenos negócios de uma forma geral, também não eliminam a instabilidade e a incerteza próprias da inserção e permanência no mercado.

Exclusões de trabalhadores por enxugamentos – entendidos mais como fechamento de alguma linha de produtos – não são incomuns. A empresa primeira estabeleceu o montante de trabalho a ser oferecido, o layout e o número de trabalhadores, desde o início. O crescimento posterior decorreu por aumentos na demanda, abertura de novas linhas de produtos e novos parceiros, o que não é necessariamente estável, resultando em desativações eventuais. Outra forma de exclusão é a indisciplina e, principalmente, a inadequação ao trabalho associado, o que termina por comprometer o esforço do conjunto dos trabalhadores. De qualquer forma, o número de exclusões por ano é baixo, e o número de saídas voluntárias, maior.

A adesão de novos trabalhadores é percebida positivamente como conseqüência normal de saídas e necessidade de recompor quadros. Poucos trabalhadores se sentem prejudicados com isso, alegando que seria mais um para dividir os "lucros" da cooperativa. O tamanho dessas cooperativas, entre 40 a 80 trabalhadores, foi estabelecido, como afirmado anteriormente, pela empresa contratante, com expansões posteriores. O crescimento incontrolado de associados, por sua vez, é percebido negativamente, uma vez que experiências com mais de 100 trabalhadores redundaram em fracassos, atribuídos ao descontrole gerencial, dada a pouca vivência administrativa dos trabalhadores. Essa discussão está presente no movimento cooperativista e em experiências exitosas de cooperativas como Mondragón, que estabelece o número máximo de trabalhadores e a abertura de novas cooperativas a partir do limite estabelecido (White & White, 1989).

Outro fator de satisfação vincula-se à idade. Para os mais velhos, a cooperativa é o único "emprego" possível. Fora dela, restaria apenas o trabalho a "frio" 18 18 Forma local de se referir ao trabalho informal, sem registro em carteira. nos ateliês. Nas cooperativas, a idade não constitui problema, e vários trabalhadores de mais de cinqüenta anos convivem com alguns jovens recentemente contratados.

O caráter pragmático presente na formação dessas cooperativas aparece também na baixa formação dos trabalhadores em cooperativismo. Geralmente esta formação está mais presente nos processos de organização das cooperativas pelos sindicatos. Depois, mesmo na organização recente de novas cooperativas, a participação do sindicato é menor. No geral, os trabalhadores aprenderam seu significado no cotidiano do trabalho e na participação das assembléias e, em menor escala, nos seminários organizados pelos sindicatos, ou em algum curso específico. Não que os cursos de formação tenham diminuído, mas o envolvimento no cotidiano do trabalho dificulta saídas para a formação, isso sem considerar, como já referido, o baixo interesse dos trabalhadores nessa formação.

Para os trabalhadores, a cooperativa significa um "emprego" numa empresa diferente, mais democrática, sem dúvida, com diferenças substantivas, com uma empresa comum na organização do cotidiano do trabalho, com relação a hierarquias e a colaboração no processo de trabalho, embora sem rupturas radicais. A divisão do trabalho permanece, e a gestão tende a permanecer separada da execução. A carteira assinada e os direitos continuam desejáveis, embora muitos já percebam que, na cooperativa, isso também pode ser observado a partir de decisões do coletivo dos trabalhadores19 19 Existe um projeto de lei do governo federal obrigando as cooperativas a pagarem direitos trabalhistas, desde que contratantes do trabalho de seus associados. . O INSS já é recolhido e as retiradas - em média, superiores às das empresas - terminam por compensar outros direitos. Com isso, sair da cooperativa não chega a ser prioridade, pelo menos enquanto a estabilidade das encomendas permanecer. Uma sensação de segurança perpassa a fala dos trabalhadores, talvez vinculada à empresa considerada modelar que tem garantido a regularidade das encomendas.

A relação dos trabalhadores com o sindicato é dúbia e depende do sindicato ao qual eles estão vinculados. Estes, por sua vez, têm relações distintas com as cooperativas, seja a intermediação com a empresa, em Parobé, seja uma militância mais aguerrida no ideário da economia solidária, em Novo Hamburgo, e da Escola 8 de março, com atividades sistemáticas de discussão e ofertas de cursos variados aos trabalhadores. Isso reflete na participação dos trabalhadores e na filiação aos sindicatos. Os mais antigos nas cooperativas demonstram uma percepção política mais acurada acerca do trabalho associado, assim como maior preocupação com o caráter da gestão, seja em termos de participação, seja em termos de eficácia. Já outros afirmaram serem sindicalizados como forma de obter assistência médica e jurídica (até mesmo contra as próprias cooperativas) e de participar dos cursos oferecidos. Outros consideram que não são assalariados e, portanto, o sindicato não lhes diz respeito.

A cooperativa como possibilidade de construção de novas solidariedades extra-trabalho ainda aparece pouco. Afirmações referentes à camaradagem interna no cotidiano do trabalho, a interesses comuns ou ao de integrarem uma grande família têm poucas repercussões externas e pouco ou nada diferem dos de uma empresa comum. Em algumas cooperativas, a sociabilidade se resume ao jogo de futebol entre os trabalhadores, em alguns finais de semana. Em outras, se limita a uma festa de confraternização no final do ano. Por morarem na mesma cidade, encontros em outros espaços são relativamente comuns embora não demonstrem maior participação "cívica" comparativamente a outros trabalhadores. Participam de igrejas de diversas denominações, e apenas um trabalhador declarou participar da associação de bairro. Alegam cansaço ou falta de tempo, reproduzindo comportamento similar ao dos demais trabalhadores. Isso não permite, ainda, ilações acerca de diferenciais de comportamento, vinculados a novos ideais de solidariedade social.

5. Perspectivas

O que se percebe nas falas dos trabalhadores e de lideranças sindicais é um grande pragmatismo na discussão das cooperativas e do trabalho autogestionário. Indicadores desse pragmatismo encontram-se, por um lado, no debate entre lideranças sindicais e da ANTEAG sobre o caráter autêntico de diversas cooperativas que tiveram sucesso na recuperação de situações falimentares e se organizaram empresarialmente. Por outro, na atitude dos trabalhadores acerca das cooperativas. As crises do setor e os processos de reestruturação tornam a situação do trabalhador instável, o que afeta particularmente as cooperativas ainda em consolidação. O mercado de trabalho local integra trabalhadores de empresas e cooperativas, de ateliês, que circulam pelas distintas formas de propriedade, gestão e relações de trabalho. Mesmo com a recuperação econômica da região, a partir de 1999, com crescimento do emprego formal20 20 A valorização do real em relação ao dólar tem sido considerada responsável por nova crise no cluster, em 200 , as cooperativas tornaram-se uma opção a mais de ocupação, ou ainda uma falta de opção ao emprego regular.

Novo Hamburgo e a região do Vale dos Sinos, como cluster tradicional de sapatos, têm uma força de trabalho com experiência fabril e tradição sindical, não apenas na indústria calçadista, mas também de máquinas e componentes, enfim de toda a cadeia produtiva. As cooperativas apareceram como alternativa ao desemprego e não como possibilidade de ultrapassagem do assalariamento dentro do movimento cooperativista. Isso não é uma particularidade da região, porém reflete o crescimento das cooperativas em termos mundiais, a partir da década de 70 do século XX. Mesmo se recuarmos um pouco mais no tempo, observaremos que o crescimento de cooperativas de produção e trabalho respondem a crises econômicas, ou a políticas estatais de desenvolvimento com um grande grau de objetividade entendida pela relação cooperativa-mercado. Outras experiências exitosas de cooperativas no mercado, como o complexo de Mondragón, aliam questões culturais do país basco com forte participação dos trabalhadores e constituição de um complexo que atua em diversos setores econômicos e compete ativamente no mercado internacional, aliando trabalho associado em seu país de origem, com trabalho assalariado em suas empresas no exterior. Além disso, tem inovado, utilizando formas de cooperativismo "flexibilizado", com trabalhadores associados temporários (Kasmir, 1999).

A participação sindical nas cooperativas gaúchas representou uma efetividade maior no caráter participativo e democrático dos trabalhadores comparativamente às cooperativas que foram organizadas pelo Estado ou por empresas para a redução de custos em outras regiões do país. Nestas, embora formalmente democráticas e participativas, a representação dos trabalhadores nas diretorias de cooperativas é apenas formal e geralmente indicada pelas empresas que mantêm, na maioria dos casos, o controle absoluto sobre os trabalhadores, fazendo com que eles confundam a cooperativa com a própria empresa, a cooperativa vista como uma empresa diferente, caracterizada pela ausência de direitos.

Nas cooperativas gaúchas, mesmo com a terceirização e a dependência da empresa-primeira em relação a encomendas e ao controle da organização do processo de trabalho, existe a opção (mesmo restrita) de trabalhar com outras empresas, mesmo em caráter eventual, bastando apenas que não se misturem linhas ou equipes. Com isso, é grande a autonomia administrativa, embora a necessidade de atendimento e manutenção das encomendas da empresa estabeleçam limites a essas cooperativas.

Os problemas apresentados pelas cooperativas são semelhantes aos das pequenas empresas, em termos organizacionais e de acesso a mercados e financiamentos. Dificuldades de capital de giro impossibilitam o desenvolvimento e comercialização de produtos com marca própria, o que permite uma maior independência da fábrica-cooperativa. A baixa familiaridade com os ditames administrativos tem provocado crises de gestão e mesmo de falência de cooperativas locais. A união das cooperativas também depende de relações de confiança, fazendo com que se aproximem das mais iguais, num processo de hierarquização entre elas.

O envolvimento dos trabalhadores também é diferenciado, conforme a organização interna, em termos hierárquicos e salariais. A participação nas assembléias, mesmo massiva, não tem significado a consciência da situação de trabalhador-proprietário. Termina por reproduzir certa diferenciação entre quem administra e quem executa, mesmo que, em tese, sejam os mesmos trabalhadores. De qualquer forma, a ausência do autoritarismo da fábrica é reconhecida pelos trabalhadores, que consideram o trabalho menos estressante, embora intenso. Intensidade justificada pelo caráter comum do empreendimento.

O futuro é incerto. Até quando a fábrica continuar com as encomendas. O assalariamento não deixa de ser desejado, apesar de condicionado à estabilidade e aos melhores salários, ambos relativos, que possuem agora.

O movimento sindical, envolvido com a idéia de economia solidária, reconhece que o processo é longo. Poucos trabalhadores participam das discussões sobre cooperativismo em seu cotidiano. Os trabalhadores associados pouco se diferenciam dos assalariados, em sua percepção do sindicato como prestador de serviços sociais. Alguns sindicalistas reclamam que os trabalhadores não se sentem mais participantes.

Entretanto, os sindicatos também têm posturas diferentes com relação às cooperativas. Para ficarmos apenas nos municípios estudados, enquanto o de Novo Hamburgo tem um envolvimento ativo com o que seria um sindicalismo combativo, desenvolvendo programas de capacitação e conscientização para a autogestão, o de Parobé trabalha com uma perspectiva de resultados, agindo como intermediador e monopolizando as relações entre a fábrica e as cooperativas.

Permanece ainda a dubiedade da representação, uma vez que os trabalhadores cooperativados também são proprietários. Nem sempre os sindicatos têm clareza de como agir com as cooperativas que eles próprios ajudaram a organizar. É interessante observar que apenas a CUT – Central Única dos Trabalhadores – tem uma discussão mais sistematizada acerca de cooperativismo, com a criação, em 1999, da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), com apoio a empreendimentos considerados autênticos. Contudo, como vimos no caso estudado, não existe consenso sobre o que é autêntico ou não, com implicações na forma, eficácia e abrangência dos programas implementados pela Central e dos sindicatos a ela vinculados.

O funcionamento das cooperativas por longo período de tempo demonstra que elas são viáveis, embora dependentes de externalidades que não controlam. A adesão dos trabalhadores evidencia condições de trabalho mais satisfatórias e mais democráticas ante as tendências de precarização do mercado de trabalho. Todavia, o processo de trabalho permanece praticamente o mesmo, o que determina a pequena percepção das diferenças relativas ao funcionamento de uma fábrica regular, embora aumente essa percepção relativa à participação na gestão e na maior horizontalização hierárquica.

Pode-se afirmar a existência de uma identidade operária consolidada na região na qual as cooperativas aparecem como possibilidade de ocupação vista positivamente em termos de ganhos e de democratização do ambiente de trabalho. Mas não se constitui, ainda, num movimento na direção de uma alternativa efetiva, política, na representação dos trabalhadores, para além da condição salarial. Neste momento, a situação se configura de forma defensiva, o que não significa que não assuma novas dimensões.

De qualquer forma, a situação estudada evidencia a convergência de questões de ordem econômica – as formas de gestão, de divisão do trabalho, da permanência no mercado - a política, a democracia interna, a adesão a projetos mais amplos, no caso, da economia solidária, e culturais, presentes na valorização do contrato de trabalho, na heteronomia na relação de trabalho. Questões essa inter-relacionadas que apontam para a complexidade de uma discussão pautada nas transformações capitalistas e para a necessidade da reconstrução de alternativas, da utopia de uma sociedade diferente, mas que recuperam o debate do início do século XX sobre em que medida as cooperativas se constituiriam em uma alternativa viável.

Recebido: 03/03/06

Aceite final: 22/06/06

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  • 1
    Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no Workshop "Desafios institucionais para o melhoramento de arranjos produtivos locais", Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, junho de 2005.
  • 2
    Pesquisa financiada pelo CNPq.
  • 3
    Ou, ainda, coopergatos ou pseudocooperativas organizadas para intermediar a contratação de força de trabalho de forma fraudulenta. Quando legalizadas, são conhecidas como cooperativas de mão-de-obra.
  • 4
    Na Itália as cooperativas são vinculadas às centrais sindicais, por sua vez vinculadas a partidos políticos. Essa vinculação garantia encomendas de países socialistas a determinadas cooperativas. Veja-se (Dow, 2002; Thornley,1983, Louis, 1986 )
  • 5
    Cornforth (2004) acompanha Dow (2003), discutindo a necessidade de criação de um quadro conceitual para discutir a governança das cooperativas. Afirma que, enquanto a chamada governança corporativa é bem desenvolvida, o mesmo não acontece com as cooperativas. Propõe a integração, num quadro conceitual, da contribuição de varias teorias em suas ambigüidades e contradições, o que vai chamar de "Paradox Perspective".
  • 6
    Agradeço às professoras Judith Tendler e Lorena Holzmann pelas referências e contatos no RS e a Flavio Saydelles pela coleta de dados em Novo Hamburgo e Parobé.
  • 7
    O autor faz uma classificação do tipo de cooperativas surgidas na Europa e EUA nesse período, vinculadas a processos falimentares e alternativos como livrarias especializadas em questões étnicas, de gênero, de produção e venda de produtos orgânicos e outros considerados politicamente corretos .
  • 8
    Não existe obrigatoriedade de filiação das cooperativas a OCB ou OCEs que não se constituem em órgão fiscalizador. Tanto é que os dados destes órgãos não permitem conhecer a dimensão do setor no País ou nos Estados.
  • 9
    A ANTEAG foi constituída em 1994, a partir de um grupo de técnicos que integravam a Secretaria de Formação do Sindicato dos Químicos de São Paulo e do DIEESE, os quais organizaram o Primeiro Encontro dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão, que deu origem à Associação (ANTEAG 2000).
  • 10
    Os nomes das empresas e cooperativas em sua maior parte foram alterados.
  • 11
    Em janeiro de 2005.
  • 12
    O recolhimento do INSS já está incluso, por lei, no pagamento feito às cooperativas pela empresa contratante.
  • 13
    Legalmente, as cooperativas não obtêm lucro. As "sobras" seriam os resultados divididos anualmente aos trabalhadores.
  • 14
    Entre os trabalhadores entrevistados, 13 eram mulheres e 14 homens. Destes, 11 trabalhavam há mais de três anos nas cooperativas, 10 entre um e três anos e nove até um ano. A escolaridade majoritária era até o 1º. Grau completo, com 22 trabalhadores. Apenas seis trabalhadores tinham o 2º grau, e só um completo.
  • 15
    Kasmir (1996), estudando o Complexo Cooperativo de Mondragón no País Basco Espanhol, destaca o maior envolvimento dos gestores com as cooperativas, em comparação com os trabalhadores do "chão de fábrica", menos identificados com a propriedade e a gestão coletiva, vistas como externalidades, responsabilidades dos "outros" - os gestores.
  • 16
    Os autores coordenaram pesquisa com 18 empresas autogestionárias recuperadas, em diversas regiões do País ligadas à ANTEAG no período 1998-2000.
  • 17
    Pesquisa realizada em 2001 em todo o país, pelo IBASE e pela ANTEAG, apontou um elevado nível de satisfação dos trabalhadores com o trabalho em cooperativas e grande adesão a seu ideário, incluindo em sua amostra, diversos tipos de cooperativas "autênticas". Pesquisas por nós realizadas no Nordeste do País, com cooperativas de produção industrial, demonstraram certa ambigüidade dos trabalhadores, talvez pela inexistência, nas cooperativas lá instaladas, de qualquer veleidade participativa, constituindo-se, na maioria dos casos, em meras dependências das empresas "parceiras" que participaram de sua organização. Trabalhadores sem experiência fabril reclamavam por trabalho assalariado, não entendendo o significado do trabalho autogestionário, mas, ao mesmo tempo, estavam satisfeitos, por terem, pela primeira vez, um "emprego" com ganhos relativamente regulares, nas cooperativas.(Lima 2002, 2003).
  • 18
    Forma local de se referir ao trabalho informal, sem registro em carteira.
  • 19
    Existe um projeto de lei do governo federal obrigando as cooperativas a pagarem direitos trabalhistas, desde que contratantes do trabalho de seus associados.
  • 20
    A valorização do real em relação ao dólar tem sido considerada responsável por nova crise no cluster, em 200
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      22 Jun 2006
    • Recebido
      03 Mar 2006
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