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Violências, medo e prevenção

DOSSIÊ

APRESENTAÇÃO

Violências, medo e prevenção

José Vicente Tavares dos Santos

Doutor de Estado pela Université de Paris – Nanterre. Professor Titular do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Em edição anterior, formulávamos as seguintes questões acerca da violência: "quais as formas de violências que predominam na América Latina, no início do Século XXI? Quais as origens - sociais, econômicas, políticas e simbólicas - das violências? Qual a relação entre juventude e violência? A violência na escola, à escola ou da escola? Violência, agressão, incivilidade ou agressividade? Como se conforma a crise do sistema de Justiça Penal? Quais os efeitos dos meios de comunicação na disseminação das violências? Quais as lutas sociais pela cidadania que se configuram atualmente na América Latina? Qual a matriz disciplinar dos estudos sobre as conflitualidades?" (Sociologias nº. 8, 2002).

Ao longo dos vinte números de Sociologias, inúmeros artigos trouxeram respostas a essas questões; neste dossiê, algumas dessas temáticas são retomadas. Os três textos iniciais discutem as "formas de violências que predominam na América Latina". O primeiro, de Daniel Chaves de Brito e Wilson José Barp ("Ambivalência e Medo: faces dos riscos na Modernidade") analisa a modernidade e os "efeitos ambivalentes do medo sobre a sociedade contemporânea" a partir de diversas teorias sociais que mostram "os riscos constantes do processo de modernização sem reproduzir a modernização do medo".

Letícia Maria Schabbach em ("Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil") discute a aplicabilidade da teoria de Niklas Luhmann ao estudo de sociedades de modernidade periférica, pois "nessas sociedades, a exclusão se reproduz sob uma lógica própria". O texto conclui "...que as organizações criminosas são organizações sociais, abrangendo unidades de processos de comunicação que ligam as decisões entre si. Atuando na ilegalidade, tais organizações interagem com os outros sistemas e organizações, dentro de uma rede de relações interorganizacionais, onde se percebem as linkages entre o mundo lícito e o ilícito. Além disso, para se adequarem ao ambiente externo, elas precisam sempre estar se renovando".

Luis Gerardo Gabaldón ("Usurpación de identidad y certificación digital: propuestas para el control del fraude electrónico") estuda a usurpação da identidade por um impostor para receber um benefício em nome do titular de direito aparece cada vez mais como objeto de delitos cometidos com ajuda das tecnologias da informação. As conseqüências deste ato vão além da perda econômica, pois comprometem seu histórico no sistema de crédito, seu prestígio e até sua identidade social. Utilizando dados provenientes de uma investigação qualitativa na Venezuela, o autor conclui por uma reflexão acerca do equilíbrio entre os mecanismos de segurança, os quais multiplicam os controles para dificultar a fraude, e o sobrepeso ao usuário de procedimentos de autenticação nas transações eletrônicas.

A produção social do medo aparece no artigo sobre a relação entre juventude e violência de Margarita Rosa Gaviria M. ("Controle social expresso em representações sociais de violência, insegurança e medo") que analisa "as representações de violência e sentimentos derivados - insegurança e medo para duas gerações de pessoas (jovens e adultos) moradoras de mu nicípios do Rio Grande do Sul, caracterizados pelo alto índice de criminalidade". A autora conclui que "os elementos dos discursos em torno da violência constroem-se em decorrência de experiências sociais vivenciadas em ambientes vulneráveis à violência. Fenômeno acentuado em contextos sociais nos quais emana a crise das instituições, onde a família, a igreja e a policia perdem o poder de exercer o controle social e tornam-se, portanto, ineficazes no cumprimento desta função".

Os três textos seguintes abordam "a crise do sistema de Justiça Criminal" bem como analisam experiências de mudança, ainda incipientes. Dani Rudnicki ("O ingresso dos bacharéis nos quartéis na Polícia Militar Gaúcha") explica as mudanças na Academia da Polícia Militar, tendo em vista que "desde 1996, os aspirantes aos cargos dirigentes da Brigada Militar do Rio Grande do Sul necessitam, obrigatoriamente, possuir um diploma de Ciências Jurídicas e Sociais". Rudnicki discute "as vantagens e desvantagens deste requisito para ingresso na corporação, bem como os percalços percebidos para a implementação deste modelo e a opinião dos agentes sobre os cursos realizados e as possibilidades de permanência do requisito, assim como os reflexos no futuro da Brigada Militar" dos novos oficiais da BM, conhecidos como data venia.

Maria Teresa Nobre e César Barreira ("Controle Social e Mediação de Conflitos: as delegacias da mulher e a violência doméstica") discutem os "modos de funcionamento institucional das Delegacias da Mulher e dos Juizados Especiais Criminais no atendimento aos casos de violência doméstica, antes da Lei Maria da Penha". Com base em uma experiência desenvolvida em uma DEAM do Estado de Sergipe, analisam a função social da Polícia e da Justiça, para além da repressão à criminalidade: trata-se da "aplicação do instrumento jurídico de mediação de conflitos em espaços policiais, voltada ao enfrentamento da violência contra a mulher".

Jorge Zaverucha ("O papel da ouvidoria de polícia") mostra os "três grandes modelos de Ouvidoria existentes atualmente" e conclui "evidencian do a fragilidade do desenho institucional da Ouvidora da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco".

Gilson Lima e Vivian Furtado ("A política pública dos telecentros e prevenção da violência para jovens de baixa renda: O caso da cidade de Porto Alegre!") estudaram os telecentros, "organizações públicas- estatais - implantados pela Prefeitura de Porto Alegre em parceria com a empresa pública de processamento de dados PROCEMPA, como uma proposta para inclusão digital do município". Os autores concluem pela "fragilidade dessa política pública frente a um dilema contemporâneo que denominamos da dupla exclusão social (industrial e informacional)".

Os artigos mencionados trouxeram análises, explicações e sugestões acerca de algumas das questões inicialmente formuladas. O primeiro conjunto estuda a relação entre modernidade, violências e a produção social do medo: por um lado, observam-se novas formas de violência e crime – o crime organizado, pois as organizações criminosas são organizações sociais; o crime digital, delito cometido mediante as tecnologias da informação. Por outro, a produção social do medo aparece em contextos de vulnerabilidade social, marcados pela crise das instituições.

O segundo conjunto de escritos aborda a crise do sistema de Justiça Penal. As mudanças em uma escola de polícia militar, com o ingresso de bacharéis em direito que passam a ser denominados de data vênia; a aplicação da mediação de conflitos em delegacias que atuam sobre os casos de denúncias de violência contra a mulher; e a fragilidade dos modelos de Ouvidoria existentes atualmente.

Por fim, reaparece a prevenção da violência na pesquisa sobre os efeitos dos meios de comunicação na disseminação das violências. O tema é analisado pelo ângulo da inclusão digital, cuja fragilidade é alta face aos dilemas contemporâneo da dupla exclusão social, industrial e informacional.

Por conseqüência, permanecem várias dimensões da agenda de pesquisa da sociologia da conflitualidade, tema recorrente de Sociologias desde seu primeiro número: "uma abordagem inovadora acerca das várias redes de dominação e de violência presentes nas formações sociais contemporâneas, indicando, ainda, novas possibilidades teóricas para sua compreensão sociológica" (Sociologias nº 1, p. 13).

Certamente, uma larga pauta de investigações permanece. Entretanto, temos a convicção de que, de algum modo, os trabalhos publicados sobre o tema podem ter contribuído a nosso engajamento primevo: "um envolvimento nas lutas sociais contra a violência, as quais têm se articulado para superar o dilaceramento da cidadania que a expansão da violência difusa tem disseminado na sociedade contemporânea" (Sociologias, nº 1, 1999, p. 13).

Configura-se a atualidade social, cultural e política da relação entre modernidade, violências e a produção social do medo. O olhar do leitor poderá trazer inspiração a que outros autores sigam na aventura sociológica da conflitualidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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