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O papel da ouvidoria de polícia

The role of the police ombudsman

Resumos

Este artigo mostra os três grandes modelos de Ouvidoria existentes atualmente, das mais às menos autônomas. Realça a importância de a Ouvidoria ser vista não apenas como locus para censurar o policial mas, também, para defendê-lo. Finaliza, evidenciando a fragilidade do desenho institucional da Ouvidora da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, criado no Governo passado e mantido no atual Governo.

Ouvidoria; Accountability; Controle externo; Autonomia institucional; Desenho institucional


This article examines the three main models of ombudsman existing today, from most to least autonomous. It emphasizes how important it is for the ombudsman to be seen not only as a locus to criticize the police but also to defend it. To conclude, the article highlights the fragility of the institutional design of the Ombudsman of Pernambuco's Social Defense Secretary, which was created during the previous administration and maintained by the current government.

Ombudsman; Accountability; External control; Institutional autonomy; Institutional design


DOSSIÊ

O papel da ouvidoria de polícia

The role of the police ombudsman

Jorge Zaverucha

Doutor em Ciência Política pela University of Chicago; Pesquisador Nível 1B do CNPq; Professor Emérito da Escola de Magistratura de Pernambuco e Coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas

RESUMO

Este artigo mostra os três grandes modelos de Ouvidoria existentes atualmente, das mais às menos autônomas. Realça a importância de a Ouvidoria ser vista não apenas como locus para censurar o policial mas, também, para defendê-lo. Finaliza, evidenciando a fragilidade do desenho institucional da Ouvidora da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, criado no Governo passado e mantido no atual Governo.

Palavras-chave: Ouvidoria. Accountability. Controle externo. Autonomia institucional. Desenho institucional.

ABSTRACT

This article examines the three main models of ombudsman existing today, from most to least autonomous. It emphasizes how important it is for the ombudsman to be seen not only as a locus to criticize the police but also to defend it. To conclude, the article highlights the fragility of the institutional design of the Ombudsman of Pernambuco's Social Defense Secretary, which was created during the previous administration and maintained by the current government.

Keywords: Ombudsman. Accountability. External control. Institutional autonomy. Institutional design.

Reforma na Polícia quer dizer melhorar a eficiência e a eficácia na prevenção e repressão ao crime, com o fortalecimento do método democrático de policiamento, ou seja, a sua responsabilização (accountability). Responsabilização contempla, também, respeito aos direitos humanos para e na Polícia. Infelizmente, predomina a visão dos abusos da Polícia contra os cidadãos. Há que se ver um problema como um todo.

Há uma grande quantidade de queixas contra policiais que apresentam violações aos direitos humanos em suas corporações. E o que é pior, a ausência de uma instância na qual essas queixas possam ser internamente canalizadas. Em especial na Polícia Militar, cuja hierarquia militar é similar à do Exército Brasileiro.

A Ouvidoria é uma jornada e não um destino; nenhuma jornada é boa se estamos sós e sem esperança e, especialmente, se não soubermos onde queremos chegar. O poder, via de regra, é exercido através de instituições políticas, e a Ouvidoria é uma instituição política. O modo como essas instituições políticas se organizam, influenciam a distribuição do poder. Desse modo, discutir novos arranjos institucionais, ou seja, como as ouvidorias devem funcionar é, na verdade, debater sobre quais atores serão mais ou menos beneficiados ou prejudicados por determinada configuração institucional. O tipo de arranjo institucional a ser adotado pode tanto fortalecer, quanto fragilizar a legitimidade da democracia em um país.

A ouvidoria pública é uma nova instituição no cenário político brasileiro, e vem crescendo em quantidade (hoje já são 14 Ouvidorias de Polícia no Brasil), mas não necessariamente em qualidade. Como é o caso da Ouvidoria da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco.

Este dado mostra a necessidade que o cidadão brasileiro sente em ter uma instituição que possa, além de defender seus direitos, promovê-los. Este imperativo aumenta na medida em que as regras do nosso sistema legal são cada vez mais ignoradas pelo Estado e pelos próprios atores individuais. Debilitando, assim, o Estado de Direito. O Estado pode abusar, tanto dos atores privados, quanto dos próprios agentes estatais, sem esquecer que cidadãos também podem abusar do direito de outros cidadãos e do Estado.

Por conseguinte, é fundamental que a Ouvidoria de Polícia tenha uma tríplice face: 1) Acolher as denúncias dos indivíduos contra os agentes estatais; 2) acolher denúncias de policiais contra policiais ou outros agentes estatais; 3) acolher as denúncias de policiais contra indivíduos. Agindo assim, acredito que a Ouvidoria será capaz de ganhar legitimidade, tanto entre policiais, quanto entre os usuários de seus serviços. E mais, como entre as próprias instituições policiais.

Em bom português, Ouvidoria não se faz contra as instituições policiais e os policiais, mas com as polícias e os policiais, além de outros órgãos do Governo e da sociedade civil. Assim, os policiais são capazes de perceber a Ouvidoria como instituição aliada quando a percebem empenhada não apenas em condenar, mas em compreender e trabalhar junto com eles para a solução dos problemas.

Julgo ser impossível estudar a Ouvidoria de um modo meramente técnico, destituído de conteúdo ideológico, pois a questão é, também, política. Afinal, o bem coletivo para o qual a Ouvidoria contribui, isto é, a segurança pública, nem sempre é desejado igualmente pelas diversas forças sociais, pela própria polícia e, mesmo entre os policiais. Caso fosse desejada igualmente, provavelmente, não estaríamos discutindo esse tema. E mais, a conjuntura política em que a Ouvidoria atua reflete sobremaneira no modo como este bem público é ofertado.

As mudanças que afetam a eficiência da Ouvidoria também passam pelas transformações do próprio Estado. O fato de a maioria das Ouvidorias atuar basicamente, por exemplo, nas capitais, demonstra que ela não é uma Ouvidoria de todo o Estado, por não ter capilaridade suficiente. Há aí no nascedouro, um defeito genético institucional que discrimina boa parte da população.

A Ouvidoria deve ser um órgão autônomo, no sentido de que seu titular seja escolhido por órgão independente do poder fiscalizado. A autonomia precisa ser não apenas funcional, mas, também, orçamentária. Deste modo, evita-se que a Ouvidoria possa, por exemplo, vir a ser "asfixiada financeiramente" pelo Governador de plantão. Ou seja, caso o ouvidor não se comporte de acordo com a vontade do Executivo, ele poderia cortar o fluxo financeiro destinado à instituição. Matando-a de inanição.

Nesta mesma linha de raciocínio, o tempo do mandato do Ouvidor não deveria coincidir com o tempo político da permanência do Governador. O calendário político ficaria desatrelado do calendário administrativo. Com o objetivo de ficar institucionalmente claro que a Ouvidoria é muito mais um órgão de Estado do que de governo. Frise-se que, no âmbito estadual, em geral, a Ouvidoria está ligada ao Poder Executivo. Deste modo, a Ouvidoria fiscaliza o próprio poder do qual faz parte.

Em sólidas democracias, as Ouvidorias ficam, majoritariamente, institucionalmente localizadas no Legislativo. Ora, poderá ser alegado: há, também, aí influência político-partidária. Lógico que existe, contudo, ela é exercida de um modo descentralizado, em vez de centralizado. Um mérito das Ouvidorias brasileiras é que o cidadão comum pode ter acesso ao Ouvidor, ao contrário, por exemplo, da França, onde um parlamentar intermedia a relação indivíduo-instituição.

No âmbito das instituições policiais brasileiras, julgo ser o arranjo institucional mais avançado o da Ouvidoria de Polícia de São Paulo. O Conselho Estadual da Pessoa Humana de São Paulo submete ao Governador do Estado uma lista tríplice de candidatos da qual é escolhido um. Repete-se, embora com maior moderação, a hipertrofia do Poder Executivo.

Na maioria dos Estados brasileiros, a influência do Governador é ainda maior, pois não há lista tríplice. O Governador nomeia monocraticamente o Ouvidor. Afora a competência institucional do Governador em nomear o Procurador Geral de Justiça, o Secretário de Segurança Pública, o Corregedor de Polícia e os Chefes de Polícia, sem descurar sua influência sobre as bancadas parlamentares estaduais, mercê do seu amplo controle sobre as verbas orçamentárias. Haja concentração de poder! Por isso escrevi anteriormente sobre a inconveniência de se discutir ouvidoria de um modo meramente técnico, já que a questão é, também, política.

Devem as Ouvidorias ter autonomia para investigar por conta própria as denúncias que recebem? Ou necessitam as Ouvidorias ter apenas um papel reativo, isto é, acompanhamento e avaliação permanente das atividades policiais? A intensidade destas indagações cresce na medida em que criamos duas Polícias rivais, a civil e a militar atuando em um mesmo espaço geográfico, caso único no mundo. De fato, inexiste um sistema de policiamento similar ao brasileiro. Seguindo este ineficiente arranjo institucional estabeleceu-se um antagonismo entre a Corregedoria de Polícia e a Ouvidoria de Polícia. Esta acusa aquela de maquiar as investigações por razões corporativas. A Corregedoria, por sua vez, diz que a Ouvidoria exagera no número de denúncias com o fito de desgastar a imagem das Polícias, bem como cita a má fundamentação das denúncias. Estas rivalidades institucionais são contraproducentes, tornando o sistema ainda mais disfuncional.

Urge fazer com que as duas instituições cooperem, ao invés de se rivalizarem. Para isso, é preciso que haja um respeito entre ambas. O primeiro passo seria exigir que as Corregedorias respondessem dentro de um determinado prazo legal às demandas das Ouvidorias. E que estas fossem punidas, caso esses prazos não fossem respeitados. Só que, para isso, a Ouvidoria precisa ter autoridade. Em troca, as Ouvidorias não precisariam acionar automaticamente o Ministério Público, por confiarem em respostas oferecidas pelas Corregedorias e, obviamente, na celeridade do fornecimento de dados. As Ouvidorias não podem ser reféns das Corregedorias. Caso contrário, as Ouvidorias perdem credibilidade junto à população.

Brigas à parte, é inútil criar uma Ouvidoria sem que haja seleção e treinamento adequado do pessoal encarregado pelo controle da atividade policial. O diletantismo de nobres propósitos de militantes de direitos humanos deve dar lugar a uma instituição que, para poder cobrar resultados das Corregedorias, saiba antes de tudo ser profissional. Portanto, diria que a eficácia do mecanismo de Ouvidoria está baseada em: independência; controle civil democrático; poder para exigir cooperação da Polícia e capacidade de participação ativa em procedimentos disciplinares.

A função, cada vez mais importante, de uma bem sucedida Ouvidoria de Polícia inclui seu foco em fiscalizar práticas e políticas de policiamento e recomendações para reformas. Detectei a nível internacional três modelos de Ouvidorias. Tais modelos são praticados em países do Primeiro Mundo e cabe a nós, que vivemos em uma outra realidade, estudarmos o que poderemos tirar de bom e de ruim destes exemplos. Criando o nosso próprio modelo.

Qualquer um desses modelos ou arranjos institucionais demanda custos políticos. O primeiro é o modelo de Ouvidoria de Investigação Independente. Representa a forma atual mais independente de Ouvidoria de Polícia. Consiste em um diretor dedicado em tempo integral, um investigador que conduz a investigação dos fatos e um grupo de civis que estudarão o relatório da investigação e farão recomendações para as autoridades policiais.

Já o modelo de Ouvidoria Investigativa é composto por um conselho ou comissão. Este corpo investiga as queixas e faz recomendações para as autoridades das forças policiais, no tocante à mudança de políticas e disciplinas. Esse conselho funciona para prover investigação e participação do cidadão no processo de averiguação. Ênfase na participação do cidadão que confere legitimidade ao conselho. O ponto forte deste modelo é que ele pode proporcionar maior interação da comunidade e, com isso, a garantia de maior transparência, pois tais decisões serão tomadas fora do departamento de polícia. Quem lida com a atividade policial sabe que a melhor fonte para resolução de crimes provém de informações fornecidas pela sociedade. Tendo a sociedade ao lado do Estado, as resoluções dos crimes tenderão a aumentar.

Para manter sua integridade, o modelo investigativo precisa de recursos humanos com conhecimento, capacidade e treinamento suficientes para conduzir uma investigação sigilosa. Para que esta Ouvidoria tenha credibilidade dentro e fora da polícia precisa, também, de uma equipe capaz de intimar, com recursos financeiros suficientes para investigações plenas bem como ter acesso a registro público, ter regras claras e processos abertos. E reconhecer as devidas obrigações, deveres e direitos dos policiais.

O ponto fraco deste modelo é que ele pode ser muito trabalhoso para a equipe da Ouvidoria. A equipe é, geralmente, mal treinada para conduzir investigações de boa qualidade. Outro ponto fraco desse modelo é que ele representa um processo externo e dispendioso de Ouvidoria. Custa dinheiro, em outras palavras. Além de poder gerar um outro problema: a equipe especial da Ouvidoria que investiga, pode reproduzir as mesmas práticas condenadas nas investigações policiais. Portanto, o desenho institucional per se é condição necessária, mas não suficiente para se obter um resultado eficiente. A cultura política do País onde este tipo de arranjo pode vir a ser instalado deve ser levado em conta.

Enfatizo ser política a decisão sobre a mudança no desenho institucional. A Irlanda do Norte, que chegou à lamentável situação que todos conhecemos, só então resolveu optar por um novo tipo de Ouvidoria. Na Irlanda do Norte, a Ouvidoria (Police Ombudsman for Northern Ireland) tem poder de polícia: poder de prender, de investigar por conta própria e de preparar inquéritos para o Ministério Público, para iniciar o processo de responsabilização judicial dos policiais que infringem a lei. Tem o poder de revistar até mesmo a casa de um policial. Sei o quanto seria difícil implementar tais poderes no Brasil, pois até o poder de investigação do Ministério Público está sendo contestado pela Polícia Civil.

A Ouvidoria da Irlanda do Norte possui uma equipe de cento e quatro profissionais, sendo que oitenta são investigadores altamente treinados. Recebem uma média de três mil queixas por ano e investigam cerca de trinta por cento das mesmas. A Ouvidoria contrata serviços de perícia independente, pode exigir toda e qualquer informação que a Polícia possua sobre o caso, sobre sua investigação, e quando decide investigar um caso, a Polícia é obrigada a se afastar, ou seja, ela age pró-ativamente. Nos dias de hoje, essa Ouvidoria do tipo investigativa é considerada o instrumento de controle externo da Polícia mais eficaz, rigoroso, independente e autônomo do mundo.

O segundo modelo é o de monitoramento. Seria composto por um conselho ou uma comissão que estuda a investigação conduzida pela Corregedoria de Polícia. Esse modelo pode recomendar maiores investigações e, também, pode fazer sugestões para mudanças de política, de policiamento e de conduta. Tal modelo funciona identificando investigações adequadas e inadequadas da Corregedoria, solicita medidas corretivas departamentais e trabalha para melhorar a qualidade das investigações da Corregedoria de Polícia. Neste modelo, a Ouvidoria está ligada a um único banco de dados central, de tal maneira que, quando a polícia recebe uma queixa, o ouvidor fica sabendo, pois ela segue diretamente para o seu escritório. Assim como a queixa que o ouvidor recebe é compartilhada pelo departamento de polícia.

Há o modelo sistêmico que funciona da seguinte forma: a queixa é registrada e então encaminhada à chefia de investigação da polícia. Ela decide quem é notificado, quando e quem será o investigador. Este investigador de polícia não entrará em contato com a Ouvidoria, contudo, avisará quando irá entrevistar testemunhas policiais, visitar a cena do crime, tirar fotos, etc. A Ouvidoria tem o direito à completa divulgação de todo o relatório da Polícia, a toda evidência, em suma, a tudo. A Ouvidoria tem o direito de estar presente em todas as investigações, participando plenamente de todas as queixas contra abusos de policiais e abusos feitos contra policiais.

Quando o investigador termina a investigação, ele a envia para a Ouvidoria que fará a revisão e o estudo do que foi produzido. Então, o ouvidor estuda todos os fatos, tais como: foram todas as testemunhas entrevistadas? Todas as evidências foram consideradas antes de se chegar a uma conclusão? O viés do policial e seus próprios preconceitos objetivos foram partes da investigação? Após estudar a investigação, se concorda, o ouvidor documenta tudo e envia essa notificação ao queixoso. Se não concorda, há vários níveis de apelação, e a maioria deles é resolvida nos níveis mais baixos, com um comandante ou chefe da Corregedoria. As queixas não resolvidas são, então, levadas para o Secretário de Segurança Pública, que está, em última análise, no mesmo nível do ouvidor, porque ambos se reportam diretamente ao Governador. Ou seja, ouvidor e Secretário de Segurança Pública estão no mesmo nível hierárquico.

O ponto forte desse modelo é o de ser capaz de produzir resultados sobre uma investigação de um modo mais rápido que o modelo anterior, ou seja, o modelo investigativo. Tal modelo conta, também, com a participação do cidadão. Para manter o seu ajustamento, o modelo de monitoramento precisa de uma boa equipe que tenha conhecimento suficiente, capacidade de treinamento e de identificar problemas nas investigações da Corregedoria. O ponto fraco desse modelo é que ele também exige muito tempo, além de ser demorado. Caso o trabalho da Corregedoria seja inadequado, o Conselho não será correspondentemente treinado ou capacitado. Assim sendo, não estará apto a fazer as recomendações de qualidade para as investigações, uma vez que trabalha em cooperação com a Corregedoria de Polícia. Esse modelo, obviamente, está mais vulnerável à neutralização de suas funções.

O terceiro modelo é um modelo de Ouvidoria Externa. O ouvidor irá estudar a queixa do indivíduo e, então, modificar o sistema (de segurança) para torná-lo mais eficiente. É uma espécie de auditor. Esse modelo é composto por um indivíduo que estudará a queixa e a investigação da Corregedoria. Pode, também, gerar outras investigações não levantadas pelo queixoso. Caso a investigação da Corregedoria seja deficiente, o ouvidor poderá solicitar novas investigações ou conduzir investigação independente. Este modelo de Ouvidoria Externa funciona na identificação e monitoramento de investigações, na averiguação de queixas de problemas e até mesmo pode chegar a conclusões e fazer recomendações.

O ponto positivo deste modelo de Ouvidoria é que o ouvidor pode operar de maneira flexível e livre. É mais livre do que o Conselho e também esses dois modelos têm a missão muito mais ampla do que apenas monitorar ou investigar, como acontece no primeiro modelo. O ouvidor também precisa ter autoridade sobre o departamento de polícia. Para isso, precisa de recursos financeiros suficientes para executar suas tarefas. O ponto fraco desse modelo é que ele depende da capacitação, habilidade e compromisso de uma única pessoa. Acho salutar que haja mais de uma pessoa responsável pela Ouvidoria de Polícia. Responsável sob o ponto de vista institucional. Na maioria dos casos, o Conselho ou a Comissão geralmente é composto de membros, muitas vezes voluntários, que fazem estudos de caso e/ou não são remunerados, mas nada impede que sejam remunerados nem que deixem de ser voluntários. Alguns destes conselhos podem também contar com a participação de policiais como membros para trazer a sua "expertise". A estrutura organizacional desses modelos também é diferente. Esses são os critérios, os três modelos que encontrei na literatura sobre Ouvidoria.

Quando comparamos esses três modelos com, por exemplo, a Ouvidoria de Pernambuco, constata-se que, em Pernambuco, há apenas um ouvidor e uma pequena equipe (um motorista e três atendentes). A Ouvidoria não possui autonomia financeira, e, conseqüentemente, pode ser asfixiada pelo Governador, caso não queira seguir suas determinações. O ouvidor está praticamente sozinho, nem ouvidor-assistente existe. E se o ouvidor quiser tirar férias, quem o substitui?

A nomeação do Ouvidor em Pernambuco é de livre escolha do Governador do Estado e, para dito fim, pedirá ato de nomeação que deverá ser, devidamente, publicado no Diário Oficial de Pernambuco. Portanto, há um comando nitidamente verticalizado. E mais, o Ouvidor de Polícia não é detentor de mandato a termo, ou seja, um prazo determinado. Deste modo, pode ser exonerado do cargo a qualquer tempo (demissível ad nutum). Inclusive, o relatório semestral da Ouvidoria é enviado ao Governador, que tem a competência institucional em decidir se o torna público ou não.

Este frágil arranjo institucional que apresenta um sério déficit em termos de accountability, entrou em vigor, em 2000, no governo Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Seu sucessor, o governador Eduardo Campos (PSB-PE) costuma queixar-se da herança maldita deixada pelo Governo anterior. Contudo, em termos de Ouvidoria, o atual governador, até o momento, parece considerar tal herança como bendita: manteve intacto o desenho institucional da ouvidoria. E o mais preocupante é ter contribuído para enfraquecer ainda mais a Ouvidoria, na medida em que nomeou para dirigi-la a coordenadora do "Grupo Tortura Nunca Mais", em Pernambuco. Ela, outrora aguerrida voz da sociedade civil contra possíveis violações aos direitos humanos, está agora em profundo silêncio. Assim como o mencionado Grupo local.

Recebido: 10/03/2008

Aceite final: 20/06/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2008

Histórico

  • Aceito
    20 Jun 2008
  • Recebido
    10 Mar 2008
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