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A diversidade dos sotaques: o inglês e as ciências sociais

The diversity of accents: the english language and the social sciences

RESENHA

A diversidade dos sotaques: o inglês e as ciências sociais

The diversity of accents: the english language and the social sciences

Marcelo Fetz

Cientista social, Mestre em Sociologia e Doutorando em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

RESUMO

Neste novo trabalho, Renato Ortiz desenvolve uma arqueologia dos conceitos "linguística" e "língua" com o objetivo de compreender a posição social da língua inglesa nas esferas da sociedade, da ciência e, especialmente, das ciências sociais. Partindo do pressuposto de que todas as línguas têm igual capacidade para representar a realidade, o autor analisa criticamente a "superioridade" da língua inglesa frente a todas as outras línguas. No rastro da dicotomia universalidade/diversidade, Ortiz busca interpretar a língua inglesa como um elemento do mercado de bens simbólicos. Ao observar a predominância da língua inglesa nas ciências, questiona o papel dominante desse idioma nas ciências sociais, e se caracteriza, se não pela constituição de um saber universal, pelo desenvolvimento de um saber cosmopolita.

Palavras-chave: Língua inglesa. Ciências Sociais. Universalidade. Diversidade. Cosmopolitismo.

ABSTRACT

In this new article, Renato Ortiz develops an archeology of the concepts of "linguistics" and "language," with the aim of understanding the social position of the English language in the spheres of society, science, and especially the social sciences. Assuming that all languages are equally able to describe reality, the author critically analyzes the "superiority" of the English language compared to all the other languages. In the wake of the universality / diversity dichotomy, Ortiz intends to interpret the English language as an element of the market of symbolic goods. By observing the predominance of the English language in science, he questions the dominant role of this language in the social sciences, which is characterized, if not by the constitution of a universal knowledge, by the development of a cosmopolitan knowledge.

Keywords: English language. Social Sciences. Universality. Diversity. Cosmopolitanism.

ORTIZ, Renato. A diversidade dos sotaques: o inglês e as ciências sociais. São Paulo: Brasiliense, 2008.

Professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Renato Ortiz desenvolve em seu novo trabalho uma arqueologia dos conceitos linguagem e língua. Busca compreender a expansão da língua inglesa no decorrer do século XX, levando aos olhos do leitor um rico material bibliográfico acerca do debate sobre a busca de uma língua universal. De forma complementar, estuda a ressemantização da ideia de universal e de particular, cuja valorização da diversidade de sotaques e de línguas pelo mundo relaciona-se a uma gradual mudança histórica. Estimulado por seu amigo, Octávio Ianni que, quando em vida, comentou o ensaio que mais tarde originaria esta publicação, Renato Ortiz tomou o tema como um desafio, desdobrando-o em uma questão relevante para as Ciências Sociais.

Ao observar o estatuto da função linguística na História, Ortiz interpreta a posição privilegiada da língua inglesa na contemporaneidade. Em um debate sociológico alicerçado no conceito de modernidade-mundo, o autor trata da passagem do 'uno' ao 'diverso', bem como as suas implicações nos campos sociais. A partir de uma metodologia que privilegia a pesquisa bibliográfica e a sua análise crítica, Ortiz contrasta os dados estatísticos relacionados com o aumento da produção de trabalhos científicos, de editoração e tradução em língua inglesa, com a lógica de pesquisa no interior das Ciências Sociais, ciente da ascensão da língua inglesa durante o século XX.

Para Ortiz, a globalização declina-se especialmente em língua inglesa. Apoiado nos trabalhos de linguistas interessados em comprovar a tese de que todas as línguas apresentam capacidades idênticas para a representação dos objetos da realidade, o autor sustenta a ideia de que não existem argumentos científicos objetivos que justifiquem a superioridade de uma língua sobre outra. No entanto, não é isso o que pode ser observado na atualidade, onde a hierarquização das línguas surge centralizada na supremacia do Inglês. Para Ortiz, esta situação tem sérias implicações no interior dos campos sociais, especialmente no científico, onde seria possível observar o aumento paulatino do uso do Inglês em detrimento das demais línguas. Com relação às ciências sociais, a questão da língua, em especial o monolinguismo inglês, traria problemas fundamentais, particularmente quando o assunto é a construção do objeto sociológico. Apesar dos elementos históricos que influenciariam a singularidade da constituição das ciências sociais, a restrição, caracterizada pelo aumento da utilização da língua inglesa, é vista como um elemento negativo que atuaria sobre o raciocínio de uma ciência que, se não universal, presa pelo cosmopolitismo. Sobre este ponto em específico, a epígrafe escolhida pelo autor é emblemática, pois o livro seria dedicado aos que escutam o rumor de outras línguas.

O texto é dividido em duas partes essenciais. Na primeira, é debatida a relação entre língua e sociedade, sobretudo os conceitos de universalidade e de diversidade, elementos que historicamente pautariam a questão da língua, bem como a passagem do internacional ao mundial, onde o Inglês passaria a ter um papel preponderante nas ciências e na sociedade. A segunda parte do trabalho, por sua vez, é caracterizada pelo debate da ciência e as implicações da supremacia do Inglês sobre esta atividade, focalizando tanto as ciências sociais quanto as ciências da natureza. A partir da interlocução com autores da sociologia da ciência, Ortiz discute a emergência gradual do uso desta língua no interior do campo científico. A influência do trabalho de Pierre Bourdieu pode ser claramente observada pelo leitor sob o tema da disputa, da hierarquização social e do acúmulo de capital simbólico, substrato teórico empregado pelo autor para o entendimento do Inglês no interior do campo científico.

Através da abordagem histórica adotada neste trabalho, que se traduz na riqueza de argumentos e de exemplos, Ortiz oferece ao leitor a oportunidade de observar uma mudança no humor dos tempos, na passagem do século XIX para o XX. Neste sentido, Ortiz debate a ressemantização da noção de diversidade em oposição à noção de universalidade. Se até o século XIX a diversidade soava como um elemento negativo, o mesmo não pode ser verificado no século XX, onde ela ganha o estatuto de riqueza, de positividade: a diversidade das línguas deve ser preservada, não mais, superada. O autor analisa brevemente a passagem bíblica do Gênesis, onde a língua possuiria uma origem monogenética. Língua e linguagem estariam, portanto, fundidas em um mesmo elemento, sendo um meio real para apreensão da verdade dos objetos. A origem monogenética contrastaria com o mito de Babel onde ocorreria um decaimento, quando a unidade da língua dá origem à diversidade e, consequentemente, ao desentendimento entre os homens. A viagem do autor por distintas civilizações, como a Grécia e os distintos períodos históricos, somente reforça as similaridades na argumentação calcada na negatividade da ideia de diversidade, bem como do desentendimento entre os homens em períodos históricos anteriores ao século XX.

O tema do desentendimento entre os homens e a forma de remediálo foi tratado de diferentes formas pelos homens da ciência após o século XVI, como argumenta Ortiz. As línguas filosóficas, que seriam imanentes, permitiriam a apreensão do Ser ontológico; as línguas artificiais, como o Volapuque e o Esperanto, possibilitariam solucionar o desentendimento entre os homens. No período iluminista, a língua se deslocaria do núcleo religioso, renunciando, assim, à ideia da necessária correlação entre o fundamento ontológico dos objetos e a sua expressão linguística. Sua função estaria agora relacionada à utilidade, na tentativa de facilitar o entendimento entre os homens da ciência. No período posterior à Revolução Industrial, com a transição da sociedade estamental tradicional para a moderna, o tema da língua relaciona-se cada vez mais ao problema da internacionalização. A língua nacional seria um elemento oposto ao universo internacionalizado, cuja mudança tecnológica teria possibilitado a superação dos obstáculos sócio-espaciais. No entanto, os indivíduos somente se teriam aproximado fisicamente, não "espiritualmente". Novamente, a diversidade surge como um problema social, negatividade esta que deveria ser remedida para que o bom entendimento pudesse prevalecer. No Iluminismo, a língua surge enquanto um ideal de civilização e a sua unicidade seria a forma pela qual as luzes e a razão poderiam ser propagadas: uma humanidade, uma língua. A língua universal, portanto, unificaria a sociedade sob um chão comum, uma unicidade das nações a nível internacional.

O quadro se altera drasticamente durante o século XX, e este passa a ser o foco de Ortiz no decorrer de seu trabalho. Como afirma o autor, "o otimismo anterior cede lugar a um pessimismo agudo e os valores universalistas do monolinguismo passam a ser vistos com desconfiança" (ORTIZ, 2008, p. 30). Neste momento, o desaparecimento da diversidade das línguas é visto como um aspecto negativo. A crônica desta morte anunciada espelha-se no "Atlas das línguas do mundo em perigo de desaparecimento", elaborado pela UNESCO com o objetivo de preservar a diversidade das línguas no mundo. Contrariamente ao período anterior, a unicidade dá lugar à diversidade, sendo a polaridade entre o par universal/positivo e diversidade/negativo invertidos.

Na situação de modernidade-mundo, como colocado em outros trabalhos por Ortiz, há de ser estabelecida a distinção entre a esfera econômica e a esfera cultural, sendo a primeira trabalhada através do conceito de globalização e a segunda pelo conceito de mundialização. A temática da língua, portanto, trará um duplo questionamento, onde os campos sociais seriam dinamicamente atravessados pela relacionalidade, quando Ortiz utiliza-se do artifício da situação histórica.1 1 Remeto o leitor ao interessante ensaio "Anotações sobre o universal e a diversidade", redigido por Renato Ortiz, publicado na Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, jan./abr. 2007. Desta maneira, o autor trabalha com a ascensão da língua inglesa no interior dos campos, língua que, aos poucos, torna-se em um dos elementos essenciais da modernidade-mundo. Mas, questiona o autor, qual seria o fundamento de sua disseminação? Esta é a pergunta que passa a orientar a pesquisa desenvolvida pelo autor.

Muitos são os argumentos empregados para a justificação de uma possível supremacia da língua inglesa, como descreve e analisa Renato Ortiz, no decorrer do texto. Entre estes, a utilização de argumentos relacionados à sua estrutura léxica é muito comum, através dos quais a língua inglesa possibilitaria um melhor rendimento estrutural para sociedade globalizada. Tecnicamente fácil de ser apreendida, gramaticalmente simplificada e perfeitamente adaptada aos meios de comunicação em massa, a língua inglesa apresentaria, assim, uma melhor relação custo/benefício entre todas as demais. No entanto, o autor se recusa a aceitar este tipo de argumentação sem um exame crítico. Ortiz também foge das demais abordagens empregadas para o estudo do objeto analisado: as teses póscolonialistas e as teses imperialistas. Para Ortiz, elas indicam os culpados, sem explicar os reais motivos.

O individualismo metodológico também figura entre os temas debatidos pelo autor, pois sua abordagem tomaria a língua como um elemento individualizado, onde as inúmeras opções sociais estariam postas à escolha dos agentes, independentemente do tecido social e dos processos históricos constitutivos. Para a crítica desta abordagem, Ortiz utiliza-se de uma argumentação de cunho durkheiminiano. O interacionismo simbólico, neste sentido, não apresentaria um bom ferramental para a elaboração de um estudo sobre o tema da supremacia do Inglês na atualidade. De forma contrária, Ortiz desenvolve sua análise a partir de um universo social fundamentado sobre um "mercado de bens linguísticos", onde a busca por novas e melhores posições sociais são elementos essenciais para a criação de um padrão social. Este padrão, por sua vez, reforçaria a posição social detida por todos aqueles que utilizam o Inglês como língua majoritária. Da mesma forma, este padrão é reproduzido e ampliado. "O inglês não apenas ocupa uma posição central na galáxia das línguas, ele a está expandindo, pois as pessoas que aprendem a falá-lo esperam dos outros a mesma atitude" (ORTIZ, 2008, p. 83). Apesar de mundialmente difundido, o inglês também apresentaria variações locais, inúmeros sotaques relacionados ao chão sócio-cultural dos distintos povos, não implicando necessariamente em uniformidade.

A legitimidade do Inglês pode ser facilmente observada na música pop, no rock and roll moderno, etc. Não se trata apenas de simples intercâmbios econômicos, já que estas formas promoveriam novas escalas de valores. O universo nacional e suas raízes culturais contrastam-se com um espaço mundializado e desterritorializado, onde estar "sintonizado" torna-se um elemento de distinção social, com as novas gerações utilizando-se destes símbolos para a definição de "estilos de vida". Estilos de vida, portanto, desterritorializados e legítimos. Embora apreciada, a Língua Inglesa prescindiria de entendimento. Dada a insuficiente competência para a apreciação da língua pelos diferentes povos, o autor se questiona: "o que significa apreciar uma língua que não é compreendida?" (ORTIZ, 2008, p. 85). Mais interessante do que a pergunta é a sua resposta. Ortiz remete o leitor a Bourdieu: a estrutura da relação de produção linguística dependeria da relação de força simbólica entre os locutores. Neste sentido, dominar uma língua seria insuficiente, pois para que "a interação entre os falantes ocorra é preciso que a competência transforme-se em capacidade de 'se fazer escutar'" (ORTIZ, 2008, p. 85). Escutar, neste universo, é crer, dado que o ato social fundamenta-se na relação autoridade-crença.

Chegamos assim à segunda parte do trabalho, onde o autor remete o leitor ao problema da ciência na modernidade-mundo e o uso do Inglês como língua franca. Não se trata apenas de uma análise centrada nas Ciências Sociais, pois Ortiz busca debater a questão da supremacia do Inglês também nas Ciências Naturais. Logo de início, fica claro ao leitor que a temática em questão se impõe como um novo elemento que age internamente no campo da ciência, influenciando, desta forma, sua forma social e sua organização. O Inglês é a língua da ciência, como coloca o autor. Para justificar a sua tese, leva o leitor à observação de uma longa série histórica de dados estatísticos, onde se verifica o crescimento exponencial dos artigos publicados em Língua Inglesa e a redução de textos escritos nas demais línguas. Tanto nas disciplinas acadêmicas quanto nas revistas científicas, a supremacia do Inglês desponta como o elemento característico do século XX. O atrofiamento das Línguas francesa, alemã, espanhola e do latim, cede lugar ao drástico aumento das publicações em Língua Inglesa. Na verdade, são mais do que dados quantitativos, pois os mesmos atuariam como novos critérios objetivos para a hierarquização social: trabalhos científicos, cientistas, departamentos acadêmicos e institutos de pesquisa disputariam entre si posições de destaque no interior do campo científico, e a língua inglesa ofereceria ao seu usuário um diferencial simbólico. O Inglês surge enquanto uma língua franca para a atividade científica, língua neutra que se estabeleceria como um meio para alcançar a universalidade, em oposição às demais línguas que, aos poucos, acabam restritas ao universo local dos Estados-nação.

Atento aos elementos constitutivos do campo científico e aos critérios adotados para a verificação de seu funcionamento, Renato Ortiz observa com certo cuidado as distinções centrais entre as ciências sociais e as ciências da natureza. Neste aspecto, trabalha com a principal ideia de Thomas S. Khun, remetendo o leitor ao conceito de paradigma científico. Contrariamente às Ciências Naturais, a Ciência Social apresenta-se como uma ciência pré-paradigmática, e sem intenção de se tornar paradigmática. As Ciências Sociais seriam também históricas e contextuais, e dificilmente, poderiam ser universalmente generalizadas, além de não apresentarem uma organização cumulativa de seu conhecimento. Esta digressão realizada por Ortiz é fundamental para a compreensão da sequência de sua argumentação, focada nos critérios avaliativos presentes no interior da ciência, denominada cientificidade, cientometria e insensatez.

Assim como nas ciências da natureza, a Ciência Social também tem os seus índices e critérios de avaliação. Para dar continuidade à sua argumentação, Ortiz analisa o desenvolvimento do debate no interior da Sociologia da Ciência. Retoma os trabalhos de Robert Merton, onde a abordagem funcionalista permitiu a análise de uma instituição científica unificada. A ciência, termo empregado no singular, seria entendida como uma instituição social, dotada de elementos cognitivos e morais. Diferentemente das escolas da Sociologia da Ciência posteriores ao pensamento de Merton, cuja análise foca a sua construção e não a ciência acabada, como pretendia a tradição funcionalista, a questão posta era observar a Ciência com o objetivo de desobstruir as barreiras ao seu bom funcionamento. Para responder a essa pergunta, foi necessário que estes autores desenvolvessem critérios objetivos para a sua avaliação. O lócus entre o reconhecimento e a excelência científica foi preenchido através do emprego da citação como um meio objetivo para mensurar a qualidade de um trabalho científico. A partir deste mecanismo, tornou-se possível avaliar a excelência de um trabalho científico. A saída, no entanto, é circular e ilógica, dado que "um trabalho científico seria bom porque é citado e seria citado porque é bom". Na busca de aplicar as correções propostas pelo pensamento funcionalista, trabalhos cientométricos e bibliométricos foram desenvolvidos. Além de trabalhos de avaliação, políticas científicas foram desenvolvidas com o intuito de otimizar o funcionamento da atividade científica. Como resultado, observa-se a criação do Institute for Science Information (ISI) e seus correlatos, Science Citation Index e o Social Science Citation Index. Imbuídos da ideia de que a citação capta um dos principais valores da Ciência, deixou-se para trás o real motivo pelo qual esse mecanismo foi adotado pelos sociólogos: como um meio para a observação do reconhecimento e da excelência científica.

Com isso, o foco volta-se para o papel da Língua Inglesa. As duas bases citadas previamente privilegiam sobremaneira as publicações científicas em Língua Inglesa. A citação dá origem ao chamado Índice de Impacto, instrumento para a avaliação da excelência de uma publicação científica. Mas, o que é uma citação? E o que é uma referência? Para além destes dois elementos trabalhados no seu texto, Ortiz está particularmente interessado nas possíveis implicações desses mecanismos avaliadores no interior das Ciências Sociais. Uma primeira questão colocada diz respeito ao meio de produção. Diferentemente das Ciências Naturais, grande parte do trabalho nas Ciências Sociais é desenvolvido em livros, o que contrasta com a forma de medir a excelência de um trabalho acadêmico, centrada na contagem das citações em um determinado artigo. Ortiz, então, questiona: será esta a melhor forma para avaliar a excelência de um trabalho no interior das ciências sociais? Um saber cosmopolita e historicamente contextualizado, agora centrado quase que exclusivamente sob uma única língua e em uma forma apenas de publicação. Será que os trabalhos de cientistas sociais franceses, alemães e italianos devem ser esquecidos?

Obviamente, a resposta para estas perguntas é simples. As bases de dados científicas e seus índices não refletiriam a atividade científica, especialmente as Ciências Sociais. Embora não sejam reflexo da atividade exercida por cientistas sociais, por que, então, estas continuariam a ser empregadas e cada vez mais prestigiadas pelos novos cientistas sociais? Além, é claro, da influência dos elementos constitutivos de uma economia de forças simbólicas, Ortiz busca no trabalho de Marcel Mauss a resposta para a questão. De maneira geral, trata-se de uma forma de crença na eficiência de um mecanismo técnico de avaliação. Assim como a magia o é para o mágico e seus pares no interior das sociedades autóctones, os mecanismos de avaliação o seriam para certos cientistas.

A crítica sobre as formas estabelecidas de avaliação cientométricas e bibliométricas vão além das bases de dados científicos, chegando às ferramentas de busca e de pesquisa da Internet. Como argumenta o autor no exemplo de uma busca com o mecanismo Proquest, sobre o termo "globalização", em três diferentes línguas, a possível liberdade, esta de escolha, estaria condicionada por uma predisposição linguística, pois haveria uma significativa centralização dos resultados disponibilizados em língua inglesa. Nesta perspectiva, os resultados seriam problemáticos e revelariam a necessidade de uma reflexão crítica sobre o estatuto da língua no interior das Ciências Sociais, devido à questionável centralização dos resultados na Língua Inglesa.

Neste sentido, "o global english torna-se universal english [...] Temos assim não apenas uma hierarquia entre os idiomas. Marcando a desigualdade existente entre eles, um elemento sutil de segregação intelectual se instaura" (ORTIZ, 2008, p. 194). Para além dos condicionantes da língua no interior do campo científico, existiriam outros, não menos relevantes, que atuariam no universo social.

Convenientemente esquece-se de que o cosmopolitismo não é um atributo necessário da globalidade, e que o particularismo do pensamento enuncia-se tanto em dialeto, quanto em linguagem mundial, pois, na condição da modernidade-mundo, é perfeitamente plausível, e corriqueiro, ser globalmente provinciano

(ORTIZ, 2008, p. 194).

Enfim, a pesquisa desenvolvida por Renato Ortiz é um trabalho que abre uma série de opções para a análise da ciência social no Brasil. Ao questionar um senso comum científico mineralizado no interior do campo acadêmico, bem como as suas relações com a Língua Inglesa, permite ao leitor colocar novas questões em debate. Além da questão central da Língua Inglesa, os mecanismos empregados para a avaliação da excelência científica nos programas de pós-graduação nas áreas de Sociologia, Antropologia e Ciência Política, atualmente elaborados pela CAPES, e as suas consequentes formas de hierarquização social e de representação interinstitucional, podem ser objetos SIMILARES de análise, onde o foco poderá centrar-se tanto nos elementos constitutivos, quanto na forma como os agentes buscam utilizá-los e representá-los. Neste universo, a abordagem de Pierre Bourdieu (2001; 2004), centrada nas formas objetivas de capital simbólico científico puro e institucional, torna-se uma poderosa ferramenta para a observação das disputas sociais no interior do campo científico, particularmente o das Ciências Sociais.

Recebido: 24/10/2008

Aceite final: 18/11/2008

  • BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
  • ______. Science de la science et reflexivite: cours du college de France. Paris: Raisons d'agir, 2001.
  • ORTIZ, Renato. A diversidade dos sotaques: o inglês e as ciências sociais. São Paulo: Brasiliense, 2008.
  • ______. Anotações sobre o universal e a diversidade. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 7-16, jan./abr., 2007.
  • 1
    Remeto o leitor ao interessante ensaio "Anotações sobre o universal e a diversidade", redigido por Renato Ortiz, publicado na Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, jan./abr. 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2010
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