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Subdesenvolvimento e mercado de trabalho: uma análise a partir do pensamento latino-americano

Underdevelopment and the labor market: an analysis of the Latin American thought

Resumos

O objetivo deste artigo é analisar em que medida a Teoria da Dependência é ainda capaz de iluminar a discussão sobre o mercado de trabalho em países subdesenvolvidos, especialmente os da América Latina. Inicialmente, ele aborda a discussão clássica sobre desenvolvimento/subdesenvolvimento, baseada na visão centro - periferia. Em seguida, apresenta aspectos centrais da contribuição de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, a qual será contraposta àquela de Rui Mauro Marini, acerca da dependência. O artigo, então, discute os impactos da globalização sobre os mercados de trabalho em países periféricos como o Brasil e reflete sobre as possibilidades de a Teoria da Dependência ainda esclarecer aspectos importantes desta realidade.

Desenvolvimento; Subdesenvolvimento; Teoria da Dependência; Mercado de Trabalho


The aim of this paper is to analyze to what extent the Dependency Theory is able to clarify the discussion on the labor market in underdeveloped countries, especially those of Latin America. First, the article addresses the classic discussion on development and underdevelopment, based on the center-periphery vision. Next, the author presents the key aspects of Fernando Henrique Cardoso and Enzo Faletto's contribution to Dependency Theory, in contrast with that of Ruy Mauro Marini. The article then discusses the impacts of globalization on labor markets in peripheral countries like Brazil, and considers the possibilities for the Dependency Theory to clarify important aspects of this reality.

Development; Underdevelopment; Dependency Theory; Labor Market


DOSSIÊ

Subdesenvolvimento e mercado de trabalho: uma análise a partir do pensamento latino-americano* * Uma versão deste artigo foi apresentada no Colloque International Analyses et Pratiques du Développement: enjeux et diversité des approches, promovido pela Université de Picardie Jules Verne/Criisea (Centre de Recherche sur l' Industrie, les Institutions, et les Systèmes Economiques, d' Amiens)e 'Agence Universitaire de la Francophonie', em Amiens, França, nos dias 26 e 27 de outubro de 2006.

Underdevelopment and the labor market: an analysis of the Latin American thought

Liana Maria da Frota Carleial

Economista, professora titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualmente, é diretora de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (DIRUR) do Ipea

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar em que medida a Teoria da Dependência é ainda capaz de iluminar a discussão sobre o mercado de trabalho em países subdesenvolvidos, especialmente os da América Latina. Inicialmente, ele aborda a discussão clássica sobre desenvolvimento/subdesenvolvimento, baseada na visão centro - periferia. Em seguida, apresenta aspectos centrais da contribuição de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, a qual será contraposta àquela de Rui Mauro Marini, acerca da dependência. O artigo, então, discute os impactos da globalização sobre os mercados de trabalho em países periféricos como o Brasil e reflete sobre as possibilidades de a Teoria da Dependência ainda esclarecer aspectos importantes desta realidade.

Palavras-chave: Desenvolvimento. Subdesenvolvimento. Teoria da Dependência. Mercado de Trabalho.

ABSTRACT

The aim of this paper is to analyze to what extent the Dependency Theory is able to clarify the discussion on the labor market in underdeveloped countries, especially those of Latin America. First, the article addresses the classic discussion on development and underdevelopment, based on the center-periphery vision. Next, the author presents the key aspects of Fernando Henrique Cardoso and Enzo Faletto's contribution to Dependency Theory, in contrast with that of Ruy Mauro Marini. The article then discusses the impacts of globalization on labor markets in peripheral countries like Brazil, and considers the possibilities for the Dependency Theory to clarify important aspects of this reality.

Keywords: Development. Underdevelopment. Dependency Theory. Labor Market.

Introdução

As transformações pelas quais o capitalismo tem passado ao longo dos últimos anos têm evidenciado, de mais a mais, o assalariamento como forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho dos diferentes países. As evidências empíricas de norte a sul comprovam esse fato, mesmo que haja diferenças significativas no papel e do funcionamento do mercado de trabalho na estruturação das distintas sociedades. Uma das diferenças centrais parece ser a medida na qual o alargamento do assalariamento foi acompanhado da constituição da propriedade coletiva e da consolidação da sociedade salarial (CASTEL, 1995). Assim, o capitalismo - ou suas várias expressões concretas/reais - cohabita(m) com uma diferenciação importante no âmbito dos mercados de trabalho e das sociedades correspondentes.

A partir dos anos 1990 do século passado, as políticas de ajuste estrutural impostas aos países subdesenvolvidos, subordinadas à visão neoliberal dominante, após o fim do mundo bipolar, estão gerando maiores dificuldades aos mercados de trabalho dos países subdesenvolvidos e ampliando a vulnerabilidade dessas economias. De um lado, a dominância da política monetária controla a inflação e os gastos públicos e a agenda neoliberal produz um processo de privatização das empresas estatais, ampliando a internacionalização dessas economias dominadas agora pelas firmas-rede mundiais.

De outro lado, os países subdesenvolvidos sofrem um processo de maior fragilização, pois, na corrida por atrair investimentos diretos estrangeiros, é preciso mostrar-se competitivo e reduzir mais ainda os direitos sociais em vigor.

A par disso, a ascensão de certo capitalismo rentista, apoiado na expectativa de rentabilidade crescente pelos acionistas, por um lado, e, por outro, nas transferências crescentes de renda dos países subdesenvolvidos para os países ricos, por meio de suas dívidas externas e pagamento de prestação de serviços tecnológicos, rendas e royalties etc. Ou seja, redefine-se o subdesenvolvimento, agora globalizado (CARLEIAL, 2004).

Infelizmente, o pensamento latino-americano não produziu ainda uma interpretação que ponha no centro da reflexão essa "nova" especificidade. Entretanto, a "periferia" capitalista já produziu anteriormente uma interpretação específica sobre os efeitos da internacionalização dos países subdesenvolvidos no âmbito da Teoria da Dependência.

Esse pensamento emergiu nos anos 1960 do século passado, de modo muito peculiar, a partir do encontro, no exterior, de intelectuais latino-americanos exilados das ditaduras implantadas no Chile, no Brasil, na Argentina, etc. Esse pensamento se consolida em duas correntes principais e diferenciadas, a nosso ver, representadas pelas contribuições de Marini (2000) e da dupla Cardoso e Faletto (2004).

Este artigo se propõe a responder três questões precisas a partir do pensamento latino-americano consubstanciado nessas duas interpretações. Em primeiro lugar, analisa em cada uma das interpretações qual era o papel atribuído ao mercado de trabalho; em segundo lugar, pontua as diferenças/contradições presentes nestas interpretações. Finalmente, à luz dessas duas questões precedentes, examina em que medida as análises das teorias da dependência podem ainda iluminar a discussão do mercado de trabalho em países subdesenvolvidos, especialmente os latino-americanos. É importante ainda considerar que essas teorias foram ganhando complexidade e atualizações à medida que a realidade do mundo do subdesenvolvimento se foi alterando. Nos limites deste artigo, porém, lançaremos mão apenas das elaborações mais centrais desses autores.

O artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. Na seção 2, apresenta-se de forma sucinta a interpretação clássica do subdesenvolvimento centrada no binômio centro - periferia. Em seguida, na seção 3, apresentam-se as duas interpretações dos autores representativos da Teoria da Dependência, a de Cardoso e Faletto (2004) e a de Marini (2000), destacando os elementos mais importantes para a compreensão dos mercados de trabalho nos países subdesenvolvidos, nos quais, os demais mercados estão internacionalizados. Na seção 4, apontam-se as características centrais da "nova" internacionalização vivida pela América Latina nos anos 1990, com destaque para o caso do Brasil.1 1 A análise aqui desenvolvida estará certamente mais influenciada pelo caso concreto do desenvolvimento brasileiro em suas diferentes fases. Assim, a referência à América Latina pode parecer, em alguns momentos, abusiva. Na seção 5, reflete-se sobre os impactos da crise financeira, econômica e produtiva que eclodiu no ano de 2008. Nas considerações finais, reflete-se sobre a atualidade do pensamento desses autores neste novo momento de internacionalização das economias periféricas, em um cenário pós-crise. Enfim, qual é a pertinência de se pensar e se desejar um projeto próprio para as nações subdesenvolvidas em um mundo globalizado?

A análise clássica do subdesenvolvimento

O início dessa discussão remete necessariamente à construção da interpretação clássica desenvolvida por Celso Furtado (1961, 1995). Trata-se de uma proposição geral que captura o movimento progresso técnico - acumulação de capital - crescimento da renda, na esfera mundial, constituindo as faces do desenvolvimento e do subdesenvolvimento.

O subdesenvolvimento, segundo Furtado (1961, 1995) é uma especificidade de dada sociedade e é uma produção do próprio desenvolvimento capitalista.2 2 A trajetória de Celso Furtado se inaugura com sua tese de doutorado em Paris e prossegue ao longo dos anos na Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) e continua presente nos trabalhos que são desenvolvidos nessa perspectiva. Nesse sentido, não se constitui em etapa do processo de desenvolvimento, ou seja, o subdesenvolvido não ascende à condição de desenvolvido necessariamente. Assim, a condição de subdesenvolvimento pode persistir, pode aprofundar-se e pode ser irreversível, se não forem implementadas as medidas/políticas necessárias à sua reversão. Nesse sentido, mesmo que desejável, o desenvolvimento não necessariamente será atingido por todos os países.3 3 A contribuição de Celso Furtado (1961, 1995), entre outros, desautoriza a interpretação concebida no seio marxista, por Stalin, de etapas do desenvolvimento; desautoriza também a interpretação de desenvolvimento desigual e combinado.

O ponto de partida teórico da contribuição é o questionamento da teoria das vantagens comparativas, ricardiana, sua negação e a proposição de que os países do continente latino-americano precisavam instituir um período de substituição de importações que internalizasse, no país, a indústria e alterasse a correlação de forças entre desenvolvidos - que exportavam máquinas e equipamentos - em troca dos produtos primários dos subdesenvolvidos. Logo, o subdesenvolvimento era engendrado pelo próprio movimento de acumulação de capital no nível mundial, condição que era reiterada permanentemente. Como argumenta Oliveira (2005, p. 112) "o nexo externo era não apenas o núcleo da produção do subdesenvolvimento, mas também o de sua reprodução".

Estava posto, a nosso ver, o desafio a ser enfrentado pelas sociedades colonizadas: ter um projeto próprio em um mundo já dominado economicamente por grandes empresas e povoado por sociedades já mais igualitárias. Na realidade, essa questão continua posta para grande parte do mundo subdesenvolvido na Ásia, África ou na América Latina.

Inicialmente, é a inserção das economias periféricas no mercado internacional, na condição de economias exportadoras de produtos primários que lhes confere a condição de periferia de um centro no qual há a capacidade de constituição de um núcleo autônomo de investimentos e a incorporação do progresso técnico4 4 Certamente, quando se fala de desenvolvimento/subdesenvolvimento neste artigo, o ponto de referência é a revolução industrial capitaneada pela Inglaterra. com seus efeitos sobre a acumulação, o crescimento da renda e a geração de posto de trabalho. Assim é que as economias periféricas constroem uma estrutura produtiva voltada para o exterior, desarticulada de sua estrutura de consumo, cujos ajustes se fazem crescentemente pela importação de produtos mais sofisticados para os detentores da renda de exportação (TAVARES, 2000; MARINI, 2000).

A conseqüência clara sobre a constituição dos mercados de trabalho é a tendência permanente ao subemprego estrutural causado pela heterogeneidade estrutural (PINTO, 2000), que gestava uma insuficiência dinâmica do ritmo da acumulação, quando comparada com a suficiência dinâmica dos países centrais. Assim, o subemprego cresceria de modo contínuo, tanto em termos absolutos como relativos, gerando um resultado devastador qual seja, o emprego corresponderia a uma percentagem decrescente da ocupação total.

Por trás desse resultado desastroso do mercado de trabalho estariam a lenta ascensão da renda per capita e a incapacidade do crescimento setorial em absorver a força de trabalho disponível. Esse é o núcleo central da interpretação centro - periferia que vai instigar as análises subsequentes.

A ancoragem das ideias de Furtado na Cepal e sua associação ao pensamento de Prébisch vão dar a base conceitual e analítica para o desenvolvimento das diferentes contribuições intituladas de análises da dependência. Na realidade, elas são complementares à análise cepalina, mas instigadas por uma realidade mais complexa ensejada pela crise do modelo de substituição de importações na segunda metade dos anos 1950 do século passado.

As teorias da dependência: Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto versus Ruy Mauro Marini

De acordo com a interpretação de Rodriguez (2006), o processo de substituição de importações, na segunda metade dos anos 1950 do século passado, torna-se extremamente mais difícil em razão das necessidades impostas pela instalação de setores químicos e de metal-mecânica e, ainda, pela vinda de investimentos estrangeiros, destinados a produzirem para o mercado interno. Essa fase exigiu, então, altos investimentos públicos e medidas protecionistas, gerando importante crise do balanço de pagamentos, aumento da inflação e do déficit público, marginalização de vastos grupos sociais e perda de dinamismo da região. Na realidade, como é consenso na interpretação desse período, instala-se mais um gargalo no processo de substituição de importações.

Acrescido aos problemas econômicos, a região enfrenta, já no início dos anos 1960 - o que se prolonga na década seguinte -, sérios problemas com as ditaduras instaladas na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Chile, no Peru e no Uruguai, reduzindo a chance de constituição de sociedades mais igualitárias e democráticas neste lado do mundo5 5 Theotônio dos Santos considera que o golpe de 1964 no Brasil conseguiu instalar no país "(...) uma modernização fundada na aliança e integração da burguesia (que tinha aspirações a ser um poder internacional ou regional significativo) ao capital multinacional, consagrando um tipo de desenvolvimento industrial dependente, subordinado às modalidades de expansão e de organização do capitalismo internacional, que submetia os centros de acumulação locais à lógica de expansão do centro hegemônico mundial" (SANTOS, 2000, p. 95). . Neste contexto socioeconômico e político, dá-se a emergência de uma interpretação complementar à análise cepalina, a da dependência.

O argumento de Ruy Mauro Marini quanto à dependência latino-americana6 6 "(...) é o conhecimento da forma particular que acabou por adotar o capitalismo dependente latino-americano, o que ilumina o estudo de sua gestação e permite conhecer analiticamente as tendências que desembocaram neste resultado" (MARINI, 2000, p. 106).

A análise de Marini (2000) certamente interage com a interpretação cepalina do subdesenvolvimento, afirmando que, quando se avalia a economia latino-americana à luz do modo de produção capitalista, ela expõe peculiaridades que se apresentam, às vezes, como deformação e, às vezes, como insuficiência.7 7 Esta seção foi desenvolvida à luz de Marini (2000). Essa constatação leva o autor a afirmar que temos um capitalismo sui generis, que só ganha concretude (sentido) se o observamos no nível nacional e, principalmente, no cenário internacional. Assim, ele define dependência como "uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito, as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência" (MARINI, 2000, p. 109).

O que parece ser central ressaltar é que, para esse autor, o subdesenvolvimento engendra formas específicas de circulação.8 8 Para Marini (2000, p. 130) "(...) o movimento real da formação do capitalismo dependente se faz da circulação à produção, da vinculação ao mercado mundial ao impacto que isso acarreta sobre a organização interna do trabalho, para voltar então a recolocar o problema da circulação". No momento inicial, retratado na fase de economia primário-exportadora, é a dissociação entre a produção e a circulação de mercadorias que opera, uma vez que a produção latino-americana não depende da capacidade interna de consumo para sua realização, fazendo emergir a contradição fundamental entre capital e trabalho. Naquele momento, a incorporação da América Latina na economia mundial foi uma resposta à exigência da passagem à geração da mais-valia relativa nos países desenvolvidos, no sentido de que a mais-valia relativa corresponde à desvalorização dos bens de salário, mas não necessariamente à produtividade do trabalho. A resultante é a redução do valor real da força de trabalho nos países centrais, permitindo, assim, cotas de mais-valia mais elevadas.

Para Marini (2000), está claro que a questão não se esgota apenas na mera atuação da lei do valor, mas também na possibilidade concreta de transgredi-la. Ou seja, quando países produzem bens que os demais não produzem, é possível que as transações sejam realizadas, transgredindo a lei do valor e dando origem ao intercâmbio desigual. De modo também muito inovador, Marini (2000) vai considerar que a presença de trocas desiguais (transações realizadas em condições de divergência entre preços e valores) não vai ensejar uma busca pela equivalência nas trocas, mas, fundamentalmente, vai procurar compensar essa perda de renda, internamente ao país exportador de bens primários, por meio de um mecanismo de superexploração dos trabalhadores.

O argumento central de sua análise, então, é a superexploração da força de trabalho, que significa um regime de regulação da força de trabalho em que a acumulação de capital repousa especialmente em grau elevado da exploração da força de trabalho, e não, como seria necessário, na ampliação da capacidade produtiva dos trabalhadores, mediante a incorporação dos avanços permitidos pelo desenvolvimento tecnológico. Esta parece ser a contribuição mais especial sobre a constituição dos mercados de trabalho em países subdesenvolvidos. O resultado seria uma redução do valor capital, o que agregado à intensificação do trabalho, levaria a uma ampliação das taxas de mais-valia e da taxa de lucro. Isto significaria que o salário é menor do que o custo de reprodução da força de trabalho, o que explicitaria a superexploração do trabalho.9 9 Para Marini (2000), isso explicaria porque o assalariamento se impôs, dada a inadequação do trabalho escravo ao rebaixamento do custo de reprodução da força de trabalho, a não ser que a oferta de trabalho fosse totalmente elástica. Assim, os três mecanismos, a intensificação do trabalho, o prolongamento da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho necessário, configuram a natureza do modo de produção. A partir do momento que o foco da acumulação passa a ser a indústria, a circulação tende a cindir-se em duas esferas, tal como na fase da economia exportadora, mas a expansão da esfera superior é uma consequência da transformação das condições de produção e se torna possível à medida que, aumentando a produtividade do trabalho, a parte do consumo individual total que corresponde ao consumo operário diminui em termos reais. A ligação entre as duas esferas se distende, mas não se rompe.

No caso da América Latina, a industrialização não cria sua demanda, mas nasce para atender a uma demanda já existente e se estruturará a partir das exigências procedentes dos países avançados. Dado o baixo nível tecnológico, o preço de produção se determina basicamente pelos salários e o capitalista industrial se valerá do excedente de mão de obra criado pela própria economia exportadora e agravado pela crise que esta experimenta - crise que obriga o setor exportador a liberar mão de obra - para pressionar os salários no sentido da baixa. Isso lhe permitirá absorver grandes massas de trabalho, e a prolongação da jornada acelerará a concentração de capital no setor industrial.

A produção industrial latino-americana é independente das condições de salário em dois sentidos: por não ser um elemento essencial do consumo individual do operário, o valor das manufaturas não determina o valor da força de trabalho. Não será então a desvalorização das manufaturas que influenciará na taxa de mais-valia. Isto implica em despreocupação com a introdução do progresso técnico, mas o leva a ampliar a exploração da força de trabalho. Segundo Marini (2000), a oferta individual coincide, em linhas gerais, com a demanda existente, constituída pela esfera alta da circulação. Surge, então, a necessidade de generalizar o consumo de manufaturas. Isto dá lugar a dois tipos de adaptações: a ampliação do consumo das camadas médias, que se gera a partir da mais-valia não acumulada, e o esforço para aumentar a produtividade do trabalho, condições sine qua non para baratear as mercadorias.

Como se sabe, a substituição de importações é uma prática difícil e limitada pela capacidade de exportação diante das necessidades expressas pela evolução da produção industrial latino-americana. Daí a importância do capital externo, dos financiamentos e de investimentos diretos estrangeiros.

Concretamente, a economia mundial já tinha conseguido ampliar seu padrão de concentração de capitais e necessitava mesmo escoar capital, e, assim, o fluxo de capital para a periferia orienta-se para a indústria, associada ainda ao crescimento da produção de bens de capital no mundo desenvolvido. A industrialização latino-americana corresponde, assim, a uma nova divisão internacional do trabalho, em cujo âmbito se transferem aos países dependentes etapas inferiores da produção industrial, reservando-se para os centros imperialistas as etapas mais avançadas e o monopólio da tecnologia correspondente. Tem-se, então, uma nova hierarquização da economia capitalista mundial, cuja base é a redefinição da divisão internacional do trabalho. Vale, porém, referir que, para Marini (2000), há uma espécie de reaproximação do modelo industrial ao da economia exportadora, uma vez que a incorporação de progresso técnico em condições de superexploração do trabalho acarreta inevitável restrição ao mercado interno, contando, assim, com significativo exército de reserva e ainda com a permanente necessidade de voltar-se ao exterior.

A interpretação de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto10 10 Esta subseção seguiu de forma simplificada Cardoso e Faletto (2004).

A base de análise de Cardoso e Faletto (2004, p. 498) também é a interpretação clássica do subdesenvolvimento, mas, no entanto, procura responder aos limites do desenvolvimento latino-americano, incorporando de forma mais rigorosa a sociologia e a política. Nesse sentido,

é necessário estudar as conexões entre o sistema econômico e a organização social e política das sociedades subdesenvolvidas, não só nessas sociedades e entre elas, mas também com relação aos países desenvolvidos, pois a especificidade histórica da situação de subdesenvolvimento nasce precisamente da relação entre sociedades 'periféricas' e 'centrais' (CARDOSO; FALETTO, 2004, p.37).

Para eles, a situação de subdesenvolvimento é produzida exatamente pela interligação entre sociedades de diferentes graus de desenvolvimento na estrutura global do sistema capitalista. Para destacar mais precisamente a condição de subdesenvolvimento, os autores consideravam importante ir além da vertente econômica na explicação de tal condição. Seria necessário ainda explicar "(...) como as economias subdesenvolvidas vincularam-se historicamente ao mercado mundial e à forma em que se construíram os grupos sociais internos que conseguiram definir as relações orientadas para o exterior que o subdesenvolvimento supõe" (CARDOSO; FALETTO, 2004, p. 507).

Logo, o subdesenvolvimento engendra também uma forma de dominação.11 11 Na opinião desses autores, as noções de centro e periferia não levam em conta os fatores políticos e sociais implicados na situação de dependência. Assim, a passagem de uma situação de dependência para outra - por exemplo, a ruptura colonial e a constituição de uma nova dependência da Inglaterra - funda-se em um sistema de relações entre classes ou grupos já existentes na fase anterior. Desse modo, a nova situação de dependência possui condicionantes internos para além dos condicionantes externos, os quais nem sempre constroem soluções favoráveis ao desenvolvimento nacional. Logo, a análise não pode prescindir das formas de atuação das forças sociais em jogo, presas ao passado e daquelas ansiosas pela mudança social. Nesse sentido, os fatores político-sociais internos podem vir a produzir políticas que tirem partido de oportunidades ou novas possibilidades de crescimento econômico. Neste caso, estabelecem-se disputas entre grupos internos, relutando em abrir mão do poder para "novos" grupos, como na passagem da condição de economia primário-exportadora para outra de base industrial. Essa correlação de forças é atingida em decorrência do vigor das mudanças em curso e que são determinadas pelo padrão de relação nacional/internacional prevalecente até então. Desse modo, a relação entre grupos internos e grupos externos rearticula-se antes e durante os processos de mudança. Logo, fica mais uma vez evidente a impossibilidade de análises meramente econômicas na busca da compreensão para situações de dependência.

Como dizem os autores: "a análise da dependência significa que não se deve considerá-la como uma 'variável externa', mas que é possível analisá-la a partir da configuração do sistema de relações entre as diferentes classes sociais no âmbito mesmo das nações dependentes" (CARDOSO; FALETTO, 2004, p.44). Assim, cada formato histórico de dependência produzirá um rearranjo entre as classes e dele dependerá a capacidade de expansão da economia dependente. Cada mudança econômica e social é, necessariamente, um processo político, cujo resultado dependerá das forças sociais em disputa.

Os autores desenvolvem uma análise detalhada desses processos na América Latina, respeitando sua diversidade e contemplando um período de tempo significativo. Para os objetivos deste artigo, é importante ainda destacar a interpretação desenvolvida por eles quanto à internacionalização dos mercados, por ocasião dos processos de industrialização por substituição de importações. Nesse caso, os autores não consideram que existam riscos para o processo de desenvolvimento, pois mesmo marginalizando alguns setores industriais, novas oportunidades são abertas para investimentos, pois tal processo funciona como "uma bola de neve, já que cada produto terminado que se começa a fabricar estimula a substituição progressiva de suas partes e componentes". Além disso, "o investimento estrangeiro impulsiona a incorporação de setores operários e outros técnicos profissionais o que contribui para manter as alianças desenvolvimentistas" (CARDOSO; FALETTO, 2004, p.160).

Assim, em cada momento da relação de dependência, é preciso evidenciar como Estado, classe e produção se relacionam. Finalmente, o que conta mesmo é que a superação ou a manutenção das "barreiras estruturais" ao desenvolvimento e a dependência dependem, mais que de condições econômicas tomadas isoladamente, do jogo de poder que permitirá a utilização em sentido variável dessas "condições econômicas".

As análises da dependência e os mercados de trabalho

Os eixos principais das análises apresentadas na seção anterior revelam visões distintas do mesmo fenômeno. Marini (2000), ancorado na teoria marxista, desenvolve um pensamento mais centrado na base econômica, enquanto Cardoso e Faletto (2004) elaboraram uma análise mais sociopolítica das mudanças.12 12 No âmbito de suas produções acadêmicas, Cardoso e Faletto (2004) desenvolvem críticas à interpretação de Marini, estabelecendo-se réplicas e tréplicas. O leitor interessado pode acompanhar esse debate por meio dos próprios autores aqui referenciados. Entretanto, esse debate não é o objetivo deste artigo. Na literatura pertinente, há uma certa interpretação consensual de que Marini desemboca na interpretação da impossibilidade de uma "solução" para a América Latina nos marcos do modo de produção capitalista. Já Cardoso e Faletto (2004) estão mais próximos da análise clássica do subdesenvolvimento, por se posicionarem pela possibilidade da ação sobre o desenvolvimento do subdesenvolvimento a partir da ação das políticas públicas e, portanto, da ação do Estado.

Do ponto de vista do mercado de trabalho, porém, a análise sociopolítica nos leva a concluir que a constituição desse mercado é vista como uma consequência natural do desenvolvimento capitalista e a política pública entendida como política social teria o condão de reduzir os efeitos deletérios da posição subordinada desses países na economia mundial,13 13 As teorias da dependência já foram discutidas e analisadas por uma produção acadêmica relevante; não é meu intuito nos limites deste artigo dar conta dessa discussão tão ampla. Neste sentido, estou apenas retomando pontos que me parecem relevantes para o entendimento das análises de mercado de trabalho. de acordo com Cardoso e Faletto (2004). Nesta constatação, talvez resida a razão pela qual temos, até hoje, enormes dificuldades de concepção de políticas econômicas acopladas diretamente a políticas sociais. Tem-se sempre a impressão de que se trata de dois objetos distintos e, em alguns casos, até mesmo concorrentes. Neste âmbito, os movimentos de mudança no sentido de incorporar as classes trabalhadoras urbanas nos processos decisórios da nação, parecem depender mais da evolução dos movimentos sociais do que das transformações do mercado de trabalho.

No caso de Marini (2000), a questão do mercado de trabalho está presente na forma de regulação orientada pelos conceitos-chave de superexploração da força de trabalho, de estratificação da circulação e de sua desarticulação com a produção. Neste caso, o mercado de trabalho lembra a interpretação keynesiana de subordinação ao mercado de bens e ainda ocupa um estatuto de variável de ajuste no capitalismo dependente.

Estabelecendo um pequeno balanço das questões apontadas desde a introdução deste artigo, emergem como tendências no mundo subdesenvolvido: i) a insuficiência dinâmica da acumulação; ii) a tendência estrutural ao subemprego; iii) a superexploração da força de trabalho; iv) a desarticulação entre produção e consumo; v) a tendência à redução dos mercados internos levando a uma crescente necessidade de dependência dos mercados externos; vi) a hierarquização da economia mundial gerada pela divisão do trabalho que concentra nos países centrais fases avançadas da industrialização e, ainda, monopoliza o acesso às tecnologias; vii) a relevância de políticas sociais que compensem os efeitos deletérios da dependência; e viii) a expansão econômica e social dependente do rearranjo entre classes em cada momento histórico, logo, dependente do jogo de poder que permitirá a utilização em diferentes sentidos das condições econômicas.

Os anos 1990 e a nova onda de internacionalização do mundo subdesenvolvido

O novo ciclo de internacionalização dos mercados latino-americanos nos anos 1990 do século passado ocorre em cenário bem diferente, pontuado pela mudança nos padrões de concorrência internacional, pela dominância do regime de acumulação de dominância financeira,14 14 Não é objetivo deste artigo analisar esse regime de acumulação e sim, tratar de seus efeitos sobre a mudança nas estratégias das empresas multinacionais, na dinâmica industrial e seus efeitos sobre o mercado de trabalho na periferia capitalista. Ver para isto, no entanto, Chenais (1997) e Moreira (2003) acentuando o caráter rentista da globalização.15 15 Fica cada vez mais evidente que há uma relação especial entre financeirização e o grau de exploração da força de trabalho nesta fase do capitalismo. A nosso ver, do ponto de vista da forma de operação do modo de produção, a financeirização, ao oferecer um patamar mínimo de rentabilidade o qual os diferentes blocos de capital tomam como padrão, desencadeia uma exarcebação das tendências imanentes do capital, tal como ocorreu com o movimento de centralização dos capitais no século XIX. A par disto, a centralidade dos procedimentos inovativos e a quase integração entre ciência e tecnologia confirmam o quadro de atraso da região. Já a partir das décadas anteriores, os países começaram a se submeter ao receituário prognosticado pelo Consenso de Washington retratado na abertura comercial, desregulamentação dos mercados, privatizações de empresas públicas e programas de controle da inflação.16 16 É importante ressaltar que as mudanças na organização da produção e do trabalho entre os países desenvolvidos iniciam-se bem antes das implementadas na América Latina: foi o início da era Reagan-Tatcher. Lá os impactos sobre o mercado de trabalho também foram significativos, reduzindo a participação dos contratos por tempo indeterminado mas, mantendo a dominância do assalariamento como forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho. Ver Plihon (2006). Tais políticas de ajustamento estiveram referenciadas no alto endividamento interno e externo desses países e em importantes déficits de seus balanços de conta corrente 17 17 O calendário das reformas não foi o mesmo para a região. O Chile o iniciou na década de 1970; a Bolívia, a Costa Rica e o México, em meados da década de 1980; e a Colômbia, o Peru, a Argentina e o Brasil, apenas na década de 1990. .

Os resultados mais imediatos sobre os mercados de trabalho são sobejamente conhecidos e podem ser sintetizados na ampliação do desemprego, da informalidade e na flexibilização dos mercados de trabalho. Em relação à flexibilização, Tokman e Martinez (2000) reconhecem a incapacidade de tais reformas gerarem novos postos de trabalho e ainda afirmam que as análises de regressão realizadas mostram que a relação entre as mudanças no nível de emprego e o custo do trabalho não foi estatisticamente significativa; o resultado concreto foi mesmo a ampliação do número de trabalhadores sem contrato de trabalho. As reformas de Estado implementadas também reduziram a participação do setor público na geração de empregos e propiciaram um empobrecimento dos trabalhadores ocupados, indicado pela queda dos salários industriais e dos salários mínimos (SMs) nesses países. Os anos 1990 também marcaram a reentrada de alguns países da América Latina no circuito dos fluxos mundiais de capitais, ao mesmo tempo em que esse continente vivia os efeitos socioeconômicos das reformas estruturais iniciadas nas décadas anteriores.18 18 A maior parcela dos fluxos externos continuou a direcionar-se para o bloco de países desenvolvidos, 94,5% desses fluxos em 2000. Logo, couberam 5,5% do fluxo total para o bloco dos subdesenvolvidos. (BIRD) Enfim, o continente integrou-se de forma defensiva na globalização.

A globalização não é um fenômeno novo, mas certamente encontra-se em nova fase caracterizada pela ampliação do movimento de financeirização, do caráter rentista do capitalismo, da reestruturação tecnológica, assim como da maior afirmação da firma-rede enquanto formato organizacional dominante. Assim, a globalização desenvolveu uma hierarquização entre os diferentes países por meio da moeda e do conhecimento - ou, mais precisamente, por meio do acesso ao desenvolvimento da capacidade tecnológica, da capacidade de incorporação das inovações e, enfim, da capacidade de venda do direito de utilização deste conhecimento. Adicionalmente, o capital/dinheiro sob a forma de moeda hegemônica, a saber, o dólar americano, é a pré-condição e o resultado de todas as economias nacionais (OLIVEIRA, 2005).

Nesta hierarquia, o Norte e o Sul ocupam posições diferentes; entre os subdesenvolvidos, evidentemente, há também diferenças, em decorrência da forma de inserção de cada país. Assim, por exemplo, China e Brasil ocupam posições distintas. O Brasil escolheu a inserção passiva do lado produtivo, optando, assim, por uma incorporação pelo lado financeiro do processo em curso. A posição chinesa certamente não é a mesma. Ademais, no mundo subdesenvolvido, de forma mais desastrosa, o Estado transforma-se em poderoso agente da globalização, à medida que desregulamenta mercados e atua como um agente financeiro ao titularizar sua dívida e atrair investimentos diretos estrangeiros.

A economia latino-americana e a brasileira em particular, sempre foi dependente de recursos e tecnologia externos. Entretanto, o papel das multinacionais e do investimento direto estrangeiro (IDE) se alteraram significativamente. Entre os anos 1950 e 1970 do século passado, o IDE auxiliou fortemente na formação de uma estrutura industrial relativamente complexa e integrada, as multinacionais quando aqui chegavam eram mais autônomas em relação à matriz, engajando-se mais intensivamente no projeto nacional de desenvolvimento; enfim, as estratégias das firmas coincidiam com o modelo de crescimento que se implantava no país, ampliavam a capacidade produtiva local e ampliavam o valor agregado do setor manufatureiro brasileiro. Adicionalmente, o mercado de trabalho por elas gerado era também mais assemelhado ao padrão vigente no país de origem. Já nos anos 1990, intensificado o processo de reestruturação produtiva e implementada a política econômica neoliberal, especialmente a de privatização e desregulamentação, estão dadas as condições de retorno do IDE, como relatado anteriormente. Entretanto, o que mudou?

As condições da concorrência se haviam acirrado com a presença da firma-rede,19 19 O significativo aumento da presença da firma-rede no cenário produtivo mundial pode ser entendido como o próprio símbolo de certo formato de divisão internacional do trabalho que se faz entre firmas mundiais localizadas em diferentes partes do globo, porém, atendendo ao plano de negócios da firma-sede. Além disso, tal presença, vista como uma tendência inelutável dessa fase do capitalismo, indica a dificuldade crescente dos países subdesenvolvidos. Para uma excelente análise da firma-rede, ver Veltz (2000, 2001). bem como pelos procedimentos de aquisição e fusão entre grupos e firmas. Assim, o fluxo de IDE atraído para o Brasil naquela década não significou necessariamente ampliação da capacidade produtiva do país e nem criação de capacidade tecnológica. O que vimos foi uma significativa transferência de propriedade, quer via privatização das empresas estatais, quer via venda de empresas privadas. Até mesmo nas estatais remanescentes, tais como a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras) e as Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras), a lógica dos negócios é a dominante, tendo-se perdido parcialmente a capacidade de tê-las como instrumento importante do desenvolvimento nacional e regional.

Esse quadro ainda é fortemente realimentado pelo mercado cativo de patentes detidas por poucos países, impedindo aos subdesenvolvidos ter livre acesso às tecnologias, aos equipamentos e aos aprendizados, a não ser mediante o pagamento de rendas e royalties.20 20 Uma discussão interessante pode ser encontrada em Menino (2004). Na realidade, o conhecimento transformou-se também em ativo que sancionado pelo direito de propriedade, permite a obtenção de rendimentos pelo seu uso.

Nosso argumento é que, nos anos 1990, o Estado brasileiro fez uma escolha clara de política econômica, qual seja: transferir para as empresas multinacionais - quer via privatização, quer via fusão e/ou aquisição de empresas brasileiras - o poder de decisão sobre o padrão de produção, produtividade, inovação técnica, qualificação dos trabalhadores, enfim, do padrão de inserção produtiva da economia brasileira no mundo globalizado. Esse conjunto de fatos redunda em divisão internacional do trabalho, na qual, cabem aos países desenvolvidos, as atividades de concepção e design e, portanto, as atividades de desenvolvimento de processo e produto, cabendo aos subdesenvolvidos as atividade de montagem.

Todo esse processo se concretiza também em evidência de desindustrialização. De fato, essa desindustrialização é demonstrada pela redução da participação do produto industrial no produto interno bruto (PIB) brasileiro, mas principalmente pela perda de elos importantes das cadeias industriais.21 21 De fato, a queda da participação do produto industrial no PIB começou nos anos 1980; de uma participação de 32,1% do PIB, em 1985, ela passa para 19,1%, em 1998. A partir de 1999, com a desvalorização do real, esta participação volta a aumentar e atualmente ela é de 23% do PIB. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, 2003) denunciou esse processo e o intitulou de "desindustrialização negativa". Entretanto, Carneiro (2003) já havia remarcado a redução da diversidade industrial brasileira; Carleial (2004), por sua vez, nomeou esse processo de 'subdesenvolvimento globalizado' e o Instituto de Educação e Inovação (IEDI, 2005) indicou uma "desindustrialização relativa", chamando atenção sobre os efeitos negativos deste quadro sobre o dinamismo econômico do país.

A hierarquização monetária e tecnológica coloca o Brasil em posição de extrema fragilidade, pois o subdesenvolvimento é agravado. A firma-rede funciona como o locus da divisão internacional do trabalho, na qual, as atividades determinantes associadas ao desenvolvimento do conhecimento estão especialmente no Norte, que abriga a maioria das sedes das grandes empresas multinacionais.22 22 Na realidade, esse processo decorre não só do movimento de globalização, mas também da ausência de políticas públicas adequadas. A política macroeconômica tem impactos bem conhecidos; no entanto, é importante remarcar a ausência de uma política industrial que vá além da produção e tire partido da presença de multinacionais no país. Além disso, o global sourcing e o comércio internacional interfirmas definem a estratégia de rentabilidade da firma-rede como a variável central da tomada de decisão.

Finalmente, nos mercados de trabalho, há uma diferença abissal entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos, mas que é absolutamente compatível com a ampliação do assalariamento enquanto forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho. Essa divisão do trabalho desencadeada pela firma-rede define, ao mesmo tempo, a hierarquização das atividades, o conteúdo do trabalho e as perspectivas dos mercados de trabalho no mundo.

Os anos 2000 e a crise financeira de 2008

Diferentemente da década anterior, nos anos 2000, o Brasil vem tendo um comportamento bem mais positivo, especialmente após 2004. O início desta tendência ocorre em 1999, com a desvalorização do real, mas só se acelera posteriormente com o aumento da demanda externa que beneficia as commodities brasileiras e pela política pública que aposta no mercado interno brasileiro. Como evidencia o gráfico 1 a seguir, a taxa de crescimento do PIB passa de uma média de 2% ao ano (a.a.) desde os anos 1980 até 2002, atingindo uma média de 4,7% a.a. entre 2003 e 2008.


Esse crescimento teve impacto muito positivo sobre o mercado de trabalho brasileiro, invertendo a tendência da década anterior. O principal aspecto a ser destacado é a ampliação dos postos formais de trabalho; na realidade, entre 2002 e 2008, foram criados mais de 10 milhões de empregos formais no país, ou seja, empregos com carteira de trabalho assinada ou empregos estatutários (servidores públicos), segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Consequentemente, ocorreu uma redução da taxa de desemprego aberto nas regiões metropolitanas (RMs) brasileiras, nas seis para as quais há pesquisa dessa natureza.23 23 As RMs são: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belo Horizonte. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de maio de 2003 a maio de 2010, a taxa de desocupação passa de 12,5% a 7,5% da população economicamente ativa (PEA).24 24 É importante registrar que, a partir de 2003, o IBGE passou a denominar este indicador de taxa de desocupação, e não mais taxa de desemprego.

Internamente, a ação do Estado, mesmo que ancorada em uma política macroeconômica que preserva o superávit primário, paga juros altos e mantém uma estrutura tributária regressiva, conseguiu produzir uma mudança significativa que vem fortalecendo o mercado interno por meio: i) da recuperação do valor real do SM - entre 2002 e 2010, o valor real cresceu 56% -, o qual sinaliza para diversas categorias profissionais e a grande maioria dos aposentados; ii) dos programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família (PBF); e iii) da ampliação do acesso a crédito pessoal e financiamento da moradia própria. Ao lado disto, ocorreu uma significativa redução do número de domicílios pobres no país; em 2003, 35% dos domicílios brasileiros eram considerados pobres; e em 2007, essa participação é de 22,7%, segundo o IBGE.

Em janeiro de 2006, o segundo governo Lula instituiu o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que abriga investimentos importantes na cadeia do petróleo e gás, da indústria naval, das hidroelétricas, da infraestrutura e da logística - incluindo portos, aeroportos, ferrovias e estradas - e, ainda, no programa de regularização fundiária e renovação urbana, em favelas no país. Do lado fiscal, o Brasil também vinha em boa trajetória. As receitas cresceram 7,7%, o superávit primário foi de 4,1% do PIB e a dívida líquida do setor público vinha caindo nos últimos anos e, em 2008, atingiu 36% do PIB.

No front internacional, o Brasil ampliou suas reservas internacionais, diversificou o destino de suas exportações, reduzindo significativamente sua dependência dos Estados Unidos, fortalecendo sua integração na América Latina e com os novos mercados emergentes da China, da Índia, bem como da África, destacando-se o crescimento de exportações para Angola.

Essa tendência positiva da economia brasileira foi atingida de forma mais indireta pela crise financeira internacional que eclodiu em 2008, com a falência do Lehman Brothers. Os países subdesenvolvidos que não foram atingidos diretamente pela crise financeira, sofreram seus impactos em razão do enxugamento do crédito internacional, da redução dos preços das commodities, da queda das exportações em razão da redução da demanda internacional, da maior ou menor presença das firmas transnacionais em seus territórios e, ainda, das expectativas negativas geradas pela crise.

Tal como nos países desenvolvidos, as medidas contracíclicas implementadas no Brasil foram centradas em desonerações fiscais, na manutenção/ampliação dos gastos de governo, na ampliação dos recursos voltados para o seguro desemprego e nas medidas especiais para setores estratégicos em dificuldades, como é o caso da automotiva. Entretanto, pela primeira vez na história recente do nosso país, a crise encontra o setor público bem organizado, e o setor privado, em média, também organizado. O problema dos "ativos tóxicos" ou das consequências de especulações com o câmbio atingiram poucas empresas como a Sadia e a Aracruz e houve um único caso de fusão entre dois bancos: o Unibanco e o Itaú.

O Banco Central do Brasil (Bacen) criou linhas de crédito para os exportadores; iniciou uma redução da taxa de juros básica da economia; efetuou leilões de dólares e redução do depósito compulsório dos Bancos; aumentou a rapidez do redesconto; favoreceu que os Bancos públicos comprassem pequenas instituições financeiras em dificuldades; ampliou os prazos de recolhimentos dos impostos; ampliou o orçamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - o maior Banco de financiamento da produção a longo prazo -, criando novas linhas de financiamento de caminhões, ônibus e tratores, ampliou os recursos para a safra agrícola 2008-2009 e os recursos para os fundos constitucionais que financiam o desenvolvimento regional.

Em 2010, o quadro geral brasileiro parece mais positivo; há previsão de crescimento em torno de 7% para o PIB no ano em curso. O superávit primário foi reduzido para 2,5% do PIB, o governo lançou a fase 2 do PAC, reforçando os recursos previstos para as áreas de logística, transporte e infra-estrutura econômica, urbana e social, com destaque para a habitação.

No primeiro momento da eclosão da crise, houve um forte movimento de defesa da flexibilização da legislação trabalhista, suspensão de contratos de trabalho e negociações específicas entre empregados e empregadores. Entretanto, o governo freou as pressões para a flexibilização e passou a assinalar a necessidade de contrapartidas das empresas beneficiárias de financiamento público, cujo foco central seria a manutenção dos empregos, abrindo um espaço para a discussão de novas institucionalidades na relação empresas - governo.

Para nosso argumento neste artigo, o mais importante, no contexto internacional, é ponderar a possibilidade de um mundo multipolar, uma vez que, no pós-crise, são os países emergentes que têm puxado o crescimento econômico. Entretanto, isto até agora não alterou de forma significativa as decisões internacionais em favor da redução do peso da finança em relação ao lado produtivo da economia e nem mesmo gerou uma consciência mais efetiva sobre a necessidade de controle dos Bancos. Surpreendentemente, a crise grega em 2010, ao contrário, vem gerando um grande temor na Europa, em relação à perda de valor do euro, e as medidas divulgadas são do receituário clássico de redução dos gastos, congelamento do valor pagos aos aposentados, reformas previdenciárias etc. A Inglaterra, com seu novo Primeiro Ministro, chegou a divulgar que, no caso dela, o mais acertado seria a redução de 40% dos gastos públicos, o que implicaria a perda de um milhão de empregos.

Considerações finais ou da pertinência de se pensar um projeto próprio de desenvolvimento

O novo formato de subdesenvolvimento, delineado a partir dos efeitos da implementação das reformas neoliberais na América Latina e, especialmente, no caso brasileiro acentua as condições originalmente analisadas pelas teorias da dependência. A ação da crise recente não dá sinais de alterações positivas nesse quadro. O trinômio progresso técnico - acumulação de capital - comportamento da renda, tende a se diferenciar mais fortemente entre os dois mundos, pois, para os países subdesenvolvidos, a possibilidade de criação de um centro autônomo de inovações foi substituída pela maior dependência tecnológica que se retrata na presença da multinacional firma-rede, dos processos de desindustrialização em curso, no aumento da importação de componentes e peças necessárias ao plano de negócios dessa firma - em última instância pelo comércio intrafirma -, pelo crescente envio para os países centrais de rendas tecnológicas e, finalmente, pela incapacidade de compra efetiva de tecnologia por falta de moeda.

Adicionalmente, o fluxo de IDE recebido nos anos 1990 para compra e aquisições de empresas privadas e públicas não foi acompanhado de qualquer exigência de transferência de tecnologia e de internalização de conhecimento no país que permitisse a incorporação de produtores locais nas redes mundiais de fornecedores e a qualificação de trabalhadores, contrariamente aos processos de deslocalização de indústrias europeias para a Europa do Leste ou do Japão para a Ásia (POTTIER, 2003). Nesse sentido, a análise clássica do subdesenvolvimento, ao apontar a tendência ao subemprego parece muito atual.25 25 No Brasil, em 2004, havia um grande contingente de subocupados: 5,4 milhões de não remunerados e 3,3 de ocupados em atividades de autoconsumo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE (ROCHA; CAVALCANTI, 2006).

A escolha pela inserção passiva na globalização teve efeitos deletérios sobre as possibilidades futuras de criação de postos de trabalho de qualidade, pois a firma-rede instala uma divisão internacional de trabalho, na qual as plataformas locais de montagem se distanciam dos centros de concepção e design. Nesse sentido, a firma-rede reaviva o conceito de divisão do trabalho hierarquizada, entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, proposto por Marini (2000); no entanto, essa hierarquia hoje é comandada pelos possuidores de moeda e de conhecimento.

Internamente aos países subdesenvolvidos, o indicador de superexploração do trabalho, conceito fundamental de Marini (2000), pode ser identificado, no Brasil, nas longas jornadas de trabalho,26 26 No Brasil, a jornada de trabalho de 44 horas de trabalho semanais vigora apenas para os que possuem carteira de trabalho assinada, os quais representavam 37,54% dos ocupados em 2004; é bom lembrar, porém, que o assalariamento é dominante, pois atinge 55,87 dos ocupados (ROCHA; CAVALCANTI, 2006). Há trabalhadores, como os autônomos, para os quais, a jornada pode ser superior. nos baixos salários27 27 Em 2004, 56% dos ocupados recebiam até dois SMs de renda mensal, o equivalente a € 259,00, indicando o tamanho do mercado interno. - reforçando a tendência de desarticulação entre consumo dos trabalhadores e consumo das classes altas e, ainda, entre estrutura produtiva e consumo -, na tendência instalada desde 1994, de flexibilização dos mercados de trabalho28 28 Krein (2003). e, finalmente, na inexistência de uma sociedade salarial à la Castel (1995). Mesmo nesse novo ciclo de crescimento pelo qual passa o Brasil, a maioria das ocupações criadas é remunerada na faixa de até dois SMs, indicando a urgência de um programa de reindustrialização que garanta a geração de postos de trabalho de maior qualidade com impactos positivos, inclusive no conteúdo dos cursos de graduação nas diferentes áreas técnicas no país.

É importante ainda considerar que, do ponto de vista da apropriação do valor à escala mundial, a dominância da ciência nos processos produtivos torna todos os trabalhadores, em qualquer posição da cadeia de produção, absolutamente solidários, quer sejam engenheiros de produção que concebem o produto - automóvel, por exemplo, na Europa -, quer sejam montadores que o montam -, por exemplo, no Brasil (CARLEIAL, 1997; PRADO, 2005). Nesse sentido, é interessante refletir que essas são questões estruturais gestadas lado a lado ao endividamento externo e interno dessas economias, os quais têm maior divulgação na produção acadêmica. Esse é o modo de produção capitalista vigente no subdesenvolvimento, ainda um misto de deformação e deficiência, como dizia Marini (2000).

Do ponto de vista da organização política e dos diferentes interesses de classes, como sugeriram Cardoso e Faletto (2004), as evidências indicam que, nesses países, a representação desses interesses é muito dificultada por razões de ordem histórico-estrutural. A reduzida participação de trabalhadores industriais entre os ocupados pode ser uma das explicações, ou contra-explicações, se considerarmos o caso brasileiro no qual os metalúrgicos estiveram na base da constituição do Partido dos Trabalhadores (PT), partido do atual presidente da República que está no seu segundo mandato.

Mesmo assim, permanece o argumento de que países com essa história tão retardatária de constituição de classes trabalhadoras tendem a reproduzir partidos políticos muito semelhantes e incapazes de representar verdadeiramente diferentes interesses de classes, sendo facilmente dominados pelos seus interesses de classe. É importante, porém, considerar que foi exatamente na vigência dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) que se operou a inserção passiva do país na globalização, não sem reação popular. Operou-se também uma desvirtuação da democracia representativa, uma vez que o voto dado garante a representação, mas até certo ponto. Ou seja, essa forma de inserção acabou por configurar um abuso de poder ungido pela representação obtida nas urnas.

Diante da realidade do subdesenvolvimento, é evidente a necessidade ainda de constituição de um projeto próprio de desenvolvimento, voltando assim à questão inaugural do debate centro - periferia. É imperativo, porém, cada vez mais difícil. Em primeiro lugar, é preciso não abrir mão do desenvolvimento enquanto ampliação das possibilidades para todos; em segundo lugar, a questão produtiva é fundamental para a configuração futura dos mercados de trabalho; neste sentido, no caso brasileiro, a política pública precisa incorporar uma dimensão negocial, ou seja, "tirar partido" da estrutura produtiva instalada e dominada por multinacionais em setores estratégicos; em terceiro lugar, negociar, caso a caso, a decisão de internalizar em empresas locais o desenvolvimento de projetos e ainda negociar, caso a caso, a utilização da expertise brasileira - trabalhadores, universidades, institutos de pesquisa etc. - para as atividades de concepção e design de peças que, por mais simples que sejam, serão capazes de estimular o aprendizado e melhorar a capacitação tecnológica nacional. O país dispõe de um sistema de financiamento da produção, único no mundo, composto pelo BNDES, pelo Banco do Brasil (BB), pela Caixa Econômica Federal (CEF),pelo Banco do Nordeste do Brasil S/A (BNB), Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e pelo Banco da Amazônia S/A (Basa), o qual foi responsável, em grande medida, pelo êxito na saída da crise de 2008. Esse sistema pode também funcionar acionando condicionalidades produtivas, de localização e de geração de emprego em suas concessões de financiamento, sendo também capaz de construir um sistema de acompanhamento e monitoramento das ações, de tal modo a contribuir decisivamente para o desenvolvimento do país. Enfim, articular e negociar a reversão do subdesenvolvimento globalizado. Ou será que, para nós, como certa vez disse Furtado (1972, p. 38), o desenvolvimento é um simples mito?

Recebido: 06/07/2010

Aceite final: 06/08/2010

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  • *
    Uma versão deste artigo foi apresentada no Colloque International Analyses et Pratiques du Développement: enjeux et diversité des approches, promovido pela Université de Picardie Jules Verne/Criisea (Centre de Recherche sur l' Industrie, les Institutions, et les Systèmes Economiques, d' Amiens)e 'Agence Universitaire de la Francophonie', em Amiens, França, nos dias 26 e 27 de outubro de 2006.
  • 1
    A análise aqui desenvolvida estará certamente mais influenciada pelo caso concreto do desenvolvimento brasileiro em suas diferentes fases. Assim, a referência à América Latina pode parecer, em alguns momentos, abusiva.
  • 2
    A trajetória de Celso Furtado se inaugura com sua tese de doutorado em Paris e prossegue ao longo dos anos na Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) e continua presente nos trabalhos que são desenvolvidos nessa perspectiva.
  • 3
    A contribuição de Celso Furtado (1961, 1995), entre outros, desautoriza a interpretação concebida no seio marxista, por Stalin, de etapas do desenvolvimento; desautoriza também a interpretação de desenvolvimento desigual e combinado.
  • 4
    Certamente, quando se fala de desenvolvimento/subdesenvolvimento neste artigo, o ponto de referência é a revolução industrial capitaneada pela Inglaterra.
  • 5
    Theotônio dos Santos considera que o golpe de 1964 no Brasil conseguiu instalar no país "(...) uma modernização fundada na aliança e integração da burguesia (que tinha aspirações a ser um poder internacional ou regional significativo) ao capital multinacional, consagrando um tipo de desenvolvimento industrial dependente, subordinado às modalidades de expansão e de organização do capitalismo internacional, que submetia os centros de acumulação locais à lógica de expansão do centro hegemônico mundial" (SANTOS, 2000, p. 95).
  • 6
    "(...) é o conhecimento da forma particular que acabou por adotar o capitalismo dependente latino-americano, o que ilumina o estudo de sua gestação e permite conhecer analiticamente as tendências que desembocaram neste resultado" (MARINI, 2000, p. 106).
  • 7
    Esta seção foi desenvolvida à luz de Marini (2000).
  • 8
    Para Marini (2000, p. 130) "(...) o movimento real da formação do capitalismo dependente se faz da circulação à produção, da vinculação ao mercado mundial ao impacto que isso acarreta sobre a organização interna do trabalho, para voltar então a recolocar o problema da circulação".
  • 9
    Para Marini (2000), isso explicaria porque o assalariamento se impôs, dada a inadequação do trabalho escravo ao rebaixamento do custo de reprodução da força de trabalho, a não ser que a oferta de trabalho fosse totalmente elástica.
  • 10
    Esta subseção seguiu de forma simplificada Cardoso e Faletto (2004).
  • 11
    Na opinião desses autores, as noções de centro e periferia não levam em conta os fatores políticos e sociais implicados na situação de dependência.
  • 12
    No âmbito de suas produções acadêmicas, Cardoso e Faletto (2004) desenvolvem críticas à interpretação de Marini, estabelecendo-se réplicas e tréplicas. O leitor interessado pode acompanhar esse debate por meio dos próprios autores aqui referenciados. Entretanto, esse debate não é o objetivo deste artigo.
  • 13
    As teorias da dependência já foram discutidas e analisadas por uma produção acadêmica relevante; não é meu intuito nos limites deste artigo dar conta dessa discussão tão ampla. Neste sentido, estou apenas retomando pontos que me parecem relevantes para o entendimento das análises de mercado de trabalho.
  • 14
    Não é objetivo deste artigo analisar esse regime de acumulação e sim, tratar de seus efeitos sobre a mudança nas estratégias das empresas multinacionais, na dinâmica industrial e seus efeitos sobre o mercado de trabalho na periferia capitalista. Ver para isto, no entanto, Chenais (1997) e Moreira (2003)
  • 15
    Fica cada vez mais evidente que há uma relação especial entre financeirização e o grau de exploração da força de trabalho nesta fase do capitalismo. A nosso ver, do ponto de vista da forma de operação do modo de produção, a financeirização, ao oferecer um patamar mínimo de rentabilidade o qual os diferentes blocos de capital tomam como padrão, desencadeia uma exarcebação das tendências imanentes do capital, tal como ocorreu com o movimento de centralização dos capitais no século XIX.
  • 16
    É importante ressaltar que as mudanças na organização da produção e do trabalho entre os países desenvolvidos iniciam-se bem antes das implementadas na América Latina: foi o início da era Reagan-Tatcher. Lá os impactos sobre o mercado de trabalho também foram significativos, reduzindo a participação dos contratos por tempo indeterminado mas, mantendo a dominância do assalariamento como forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho. Ver Plihon (2006).
  • 17
    O calendário das reformas não foi o mesmo para a região. O Chile o iniciou na década de 1970; a Bolívia, a Costa Rica e o México, em meados da década de 1980; e a Colômbia, o Peru, a Argentina e o Brasil, apenas na década de 1990.
  • 18
    A maior parcela dos fluxos externos continuou a direcionar-se para o bloco de países desenvolvidos, 94,5% desses fluxos em 2000. Logo, couberam 5,5% do fluxo total para o bloco dos subdesenvolvidos. (BIRD)
  • 19
    O significativo aumento da presença da firma-rede no cenário produtivo mundial pode ser entendido como o próprio símbolo de certo formato de divisão internacional do trabalho que se faz entre firmas mundiais localizadas em diferentes partes do globo, porém, atendendo ao plano de negócios da firma-sede. Além disso, tal presença, vista como uma tendência inelutável dessa fase do capitalismo, indica a dificuldade crescente dos países subdesenvolvidos. Para uma excelente análise da firma-rede, ver Veltz (2000, 2001).
  • 20
    Uma discussão interessante pode ser encontrada em Menino (2004).
  • 21
    De fato, a queda da participação do produto industrial no PIB começou nos anos 1980; de uma participação de 32,1% do PIB, em 1985, ela passa para 19,1%, em 1998. A partir de 1999, com a desvalorização do real, esta participação volta a aumentar e atualmente ela é de 23% do PIB.
  • 22
    Na realidade, esse processo decorre não só do movimento de globalização, mas também da ausência de políticas públicas adequadas. A política macroeconômica tem impactos bem conhecidos; no entanto, é importante remarcar a ausência de uma política industrial que vá além da produção e tire partido da presença de multinacionais no país.
  • 23
    As RMs são: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belo Horizonte.
  • 24
    É importante registrar que, a partir de 2003, o IBGE passou a denominar este indicador de taxa de desocupação, e não mais taxa de desemprego.
  • 25
    No Brasil, em 2004, havia um grande contingente de subocupados: 5,4 milhões de não remunerados e 3,3 de ocupados em atividades de autoconsumo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE (ROCHA; CAVALCANTI, 2006).
  • 26
    No Brasil, a jornada de trabalho de 44 horas de trabalho semanais vigora apenas para os que possuem carteira de trabalho assinada, os quais representavam 37,54% dos ocupados em 2004; é bom lembrar, porém, que o assalariamento é dominante, pois atinge 55,87 dos ocupados (ROCHA; CAVALCANTI, 2006). Há trabalhadores, como os autônomos, para os quais, a jornada pode ser superior.
  • 27
    Em 2004, 56% dos ocupados recebiam até dois SMs de renda mensal, o equivalente a € 259,00, indicando o tamanho do mercado interno.
  • 28
    Krein (2003).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 2010
    • Aceito
      06 Ago 2010
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