Acessibilidade / Reportar erro

Burocracia e inserção social: uma proposta para entender a gestão das organizações públicas no Brasil

Bureaucracy and social inclusion: a proposal for understanding the management of public organizations in Brazil

Resumos

Este artigo se propõe a refletir, com base nas abordagens institucional e da sociologia econômica, a gestão das organizações públicas no Brasil. Sabe-se que a gestão destas é influenciada pela ação de grupos de interesse, principalmente em nosso país, caracterizado, dentre outras coisas, por traços patrimonialistas. Tal contexto faz com que aqueles que atuam na esfera pública se deparem constantemente com o dilema da ação coletiva, resumido na seguinte pergunta: em tais condições de pressão, como as organizações públicas conseguirão agir em prol do interesse coletivo? Para esta questão, própria do tema estrutura/agência, o seguinte trabalho sugere duas respostas: uma que destaca a agência, racionalidade e formação de preferências e outra, estrutural, centrada no insulamento burocrático e na inserção social. Após tal reflexão e com o propósito de ilustrar a pertinência das duas respostas, o artigo apresenta o exemplo do Programa Bolsa Família, destacando a contribuição da Caixa Econômica Federal e das Prefeituras para seu sucesso. Finalmente, apresenta as considerações finais e recomendações para estudos futuros.

Burocracia; Inserção Social; Organizações Públicas; Programa Bolsa Família; Brasil


This article examines the management of public organizations in Brazil, taking into account both the institutional approach and that of the economic sociology. It is a fact that the management of these organizations is affected by the actions of interest groups, especially in Brazil, which is characterized by patrimonial practices, among other things. This context forces those who work in the public sphere to constantly face the dilemma of collective action, summarized in the following question: Under such conditions, is it possible for the public organizations to act in the collective interest? To answer this question, which is related to the structure-agency debate, this work suggests two responses: One that emphasizes the agency, rationality and the formation of preferences; and another, structural, based on bureaucratic insulation and social inclusion. After such considerations, and for the purpose of illustrating the relevance of the two responses, the article discusses the case of the Bolsa Familia program (family grant), highlighting the contribution of Caixa Econômica Federal and the Municipalities for the success of the program. In the end, the authors present their conclusions and recommendations for future studies.

Bureaucracy; Social Inclusion; Public Organizations; Bolsa Família Program; Brazil


INTERFACE

Diogo Henrique HelalI; Jorge Alexandre Barbosa NevesII

IDoutor em Sociologia e Política (UFMG), Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)

IIDepartamento de Sociologia e Antropologia - Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

Este artigo se propõe a refletir, com base nas abordagens institucional e da sociologia econômica, a gestão das organizações públicas no Brasil. Sabe-se que a gestão destas é influenciada pela ação de grupos de interesse, principalmente em nosso país, caracterizado, dentre outras coisas, por traços patrimonialistas. Tal contexto faz com que aqueles que atuam na esfera pública se deparem constantemente com o dilema da ação coletiva, resumido na seguinte pergunta: em tais condições de pressão, como as organizações públicas conseguirão agir em prol do interesse coletivo? Para esta questão, própria do tema estrutura/agência, o seguinte trabalho sugere duas respostas: uma que destaca a agência, racionalidade e formação de preferências e outra, estrutural, centrada no insulamento burocrático e na inserção social. Após tal reflexão e com o propósito de ilustrar a pertinência das duas respostas, o artigo apresenta o exemplo do Programa Bolsa Família, destacando a contribuição da Caixa Econômica Federal e das Prefeituras para seu sucesso. Finalmente, apresenta as considerações finais e recomendações para estudos futuros.

Palavras-chave: Burocracia. Inserção Social. Organizações Públicas. Programa Bolsa Família. Brasil.

ABSTRACT

This article examines the management of public organizations in Brazil, taking into account both the institutional approach and that of the economic sociology. It is a fact that the management of these organizations is affected by the actions of interest groups, especially in Brazil, which is characterized by patrimonial practices, among other things. This context forces those who work in the public sphere to constantly face the dilemma of collective action, summarized in the following question: Under such conditions, is it possible for the public organizations to act in the collective interest? To answer this question, which is related to the structure-agency debate, this work suggests two responses: One that emphasizes the agency, rationality and the formation of preferences; and another, structural, based on bureaucratic insulation and social inclusion. After such considerations, and for the purpose of illustrating the relevance of the two responses, the article discusses the case of the Bolsa Familia program (family grant), highlighting the contribution of Caixa Econômica Federal and the Municipalities for the success of the program. In the end, the authors present their conclusions and recommendations for future studies.

Keywords: Bureaucracy. Social Inclusion. Public Organizations. Bolsa Família Program. Brazil.

INTRODUÇÃO

Estudar as organizações e sua gestão sob a perspectiva da inserção social (embbededness) não é questão recente. Diversos autores nacionais e internacionais (e.g. MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005; GARUD; HARDY; MAGUIRE, 2007) têm dedicado tempo e esforço em tal tarefa. Nacionalmente, ao menos, estes estudos organizacionais, de modo acertado, estão preocupados em ampliar o debate neo-institucional acerca da temática. Considera-se, contudo, que a esfera pública tem sido negligenciada nestas pesquisas.

Com o propósito de contribuir com os estudos organizacionais no país, este trabalho busca, por meio do aporte institucional e da sociologia econômica, propor um melhor entendimento das organizações públicas nacionais. Acredita-se que o contexto social e cultural do país, marcado, dentre outras coisas, por traços patrimonialistas, trazem particularidades à gestão dessas organizações. Assim, sua compreensão e estudo necessitam ser feitos com base em uma abordagem contextualizada, inserida.

Uma destas particularidades refere-se, por exemplo, à ação de grupos de interesse sob as organizações públicas nacionais e o modo como elas atuam e são geridas neste contexto. Em suma, a dinâmica pode ser resumida no problema de ação coletiva: em tais condições de pressão, como as organizações conseguirão agir em prol do interesse coletivo? Esta questão é aqui ilustrada, por meio da utilização do exemplo do Programa Bolsa Família, do atual Governo Federal. Argumenta-se que o sucesso do programa depende de questões institucionais e, em especial, da contribuição conjunta de duas organizações - as Prefeituras e a Caixa Econômica Federal. A dinâmica desta atuação é aqui descrita, buscando mostrar as particularidades da ação organizacional pública no país.

Sabe-se que a quantidade, o tipo de atuação e as próprias características das organizações públicas diferem em função do contexto de cada país e das diferentes visões predominantes de Estado. Assim, inicialmente, este artigo apresenta as principais visões sobre Estado, destacando a institucional. A seguir, o texto apresenta o papel que a teoria sociológica atribui às instituições na explicação de questões relacionadas a problemas de ação coletiva, um dos principais desafios para a gestão de organizações públicas. Tal problema é respondido teoricamente com base em duas abordagens: uma que destaca a agência, racionalidade e formação de preferências e outra, centrada no insulamento burocrático e inserção social. Logo após, apresenta o exemplo do Programa Bolsa Família, com o propósito de ilustrar a pertinência das duas respostas, ao destacar o papel da Caixa Econômica Federal e das Prefeituras. Finalmente, apresenta as considerações finais e recomendações para estudos futuros.

Visões sobre o Estado

Após as duas grandes guerras, o Estado passou a ser visto como atuante e os aparelhos do Estado podiam ser usados para promover mudanças estruturais. Neste sentido, o principal encargo do Estado era acelerar a industrialização, mas, também, era esperado que desempenhasse um papel na modernização da agricultura e no fornecimento da infra-estrutura necessária à urbanização. O Estado era visto como solução. As experiências do pós-guerra, entretanto, mostraram que o Estado, de modo geral, foi incapaz de solucionar alguns problemas advindos com a industrialização e a modernização. O Estado deixou de ser visto como solução e passou a ser visto como problema, como um obstáculo para o desenvolvimento.

A crise do petróleo, no final da década de 1970, alimentou, ainda mais, a concepção do Estado como incapaz de lidar com os problemas surgidos. Nesse contexto, começou-se a questionar se o Estado deveria mesmo tentar ser um agente econômico ativo. Para os neo-utilitaristas, a fim de fugir dos efeitos nocivos da ação do Estado, a esfera deste deveria ser reduzida ao mínimo e o controle burocrático, sempre que possível, deveria ser substituído por mecanismos de mercado.

A orientação para a renda, conceituada em termos primários como corrupção, tem sido uma faceta bem conhecida da operação dos Estados do Terceiro Mundo. Casos assim são utilizados pelos neo-utilitaristas para justificar a ação reduzida do Estado. É oportuno destacar que o surto de ortodoxia neo-utilitarista era auto-limitante. O problema neoliberal se dá na irracionalidade coletiva: a visão neo-utilitarista é incapaz de explicar a ação coletiva por se tratar de uma visão atomizada, na qual as relações de troca são naturais (não inseridas em um contexto social). Há, também, a expectativa paradoxal de que o Estado (raiz do problema), de algum modo fosse capaz de se tornar o agente que iniciaria e implementaria programas de ajuste.

Uma das críticas à abordagem atomizada da economia neo-clássica é de origem francesa. Boyer (1990), por exemplo, ao apresentar a teoria da regulação, busca compreender fenômenos econômicos de maneira contextualizada e não atomizada como o faz a abordagem neoclássica da economia.

E se, ao contrário, a lógica, a gênese e o próprio esgotamento das formas institucionais fizessem parte integrante de uma outra forma de abordar a economia? Tal é precisamente o ponto de partida das teorias da regulação. Elas tomam o crescimento, as crises e sua variação no tempo e no espaço como uma questão central da análise econômica, ligando estes fenômenos às formas sociais vigentes (BOYER, 1990, p.14)

Ainda para o autor (1990, p. 36), "as análises em termos de regulação também dedicam uma atenção especial às formas assumidas pelas relações sociais fundamentais num dado momento histórico ou numa dada sociedade. Portanto, a idéia central é a de forma estrutural ou institucional".

Bourdieu (1996; 1997), por sua vez, em breve ensaio, discutiu a concepção e construção de Estado, destacando, dentre outras coisas, o processo de reprodução social lá existente.

O Estado é resultado de um processo de concentração de diferentes tipos de capital, capital de força física ou de instrumentos de coerção (exército, polícia), capital econômico, capital cultural, ou melhor, de informação, capital simbólico, concentração que, enquanto tal, constitui o Estado como detentor de uma espécie de metacapital, como poder sobre os outros tipos de capital e sobre seus detentores (BOURDIEU, 1996, p. 99)

Ainda segundo o autor (1997, p. 64), "ce processus de déféodalisation de l'État va de pair avec le développment d'un mode de reproduction spécifique, faisant une grande place à l'éducation scolaire".

Neste sentido, o Estado moderno seria criado por uma burocracia letrada, que o criou para legitimar seu monopólio sobre o poder de Estado. Ao mesmo tempo em que a escola é desenvolvida como instituição fundante da "noblesse d'Etat" é, também, encarregada de sua própria reprodução.

Assim, Bourdieu (1997) conclui, destacando que a gênese do Estado moderno e do campo burocrático lá existente são marcadas por um profundo paradoxo:

Mais le paradoxe est que la genèse, difficile, d'un ordre public va de pair avec l'aparition et l'accumulation d'un capital public, et avec l'émergence du champ bureaucratique comme champ de luttes pour le contrôle de ce capital et du pouvoir corrélatif, c'est-à-dire notamment du pouvoir sur la redistribution des ressources publiques et des profits associes (BOURDIEU, 1997, p.67).

Na verdade, Bourdieu identifica, no âmbito do Estado, o problema da ação coletiva. Ao identificar a burocracia pública como um campo de lutas, o autor ressalta o desafio do Estado, em desenvolver uma ordem pública, imbuída de um capital também público, inserido em um campo burocrático, em que os ocupantes disputam poder e recursos.

A importância do aparato institucional é também destacada por Evans (1992). Segundo o autor, abordagem institucional passa a reconhecer a importância da capacidade de ação do Estado, não apenas no sentido burocrático e tecnocrático, mas no sentido de uma estrutura institucional que seja durável e efetiva. Questionava-se o seguinte: se os mercados devem estar envolvidos por outros tipos de estruturas sociais, a fim de funcionarem, então as tentativas neo-utilitaristas de "liberar" o mercado do Estado podem terminar por destruir os apoios institucionais que possibilitam as relações de troca. Trata-se, novamente, do problema de ação coletiva.

Instituições, Ação Coletiva e Rent Seeking

Os cientistas sociais - entre eles muitos economistas - identificam as instituições como um possível instrumento de solução para o problema da ação coletiva. Arrow (1974), por exemplo, vê, nas instituições, o papel de regulação das relações econômicas nas situações em que se observam falhas do mercado. Segundo sua visão, na presença de tais falhas, os pressupostos dos mercados eficientes se fazem totalmente implausíveis, o que requer a intervenção institucional. Em outras palavras, quando os mercados se mostram ineficientes, a ação institucional evita o caos econômico.

De um ponto de vista menos econômico e mais social, Elster (1994) identifica papel semelhante para as instituições. Todavia, para ele, se as instituições representam uma solução, elas são, ao mesmo tempo, parte do problema. Seu argumento pode ser resumido no seguinte trecho:

As instituições evitam que a sociedade se desmantele, desde que haja algo para evitar que as instituições se desmantelem. Por um lado, as instituições nos protegem contra as conseqüências destrutivas da paixão e do auto-interesse, mas por outro lado, as próprias instituições correm o risco de ser minadas pelo auto-interesse, a "ferrugem das sociedades", como o chamou Tocqueville. Uma instituição apresenta como se fora duas faces. Parece agir, escolher e decidir como se fora um grande indivíduo, mas também é criada e formada por indivíduos. (ELSTER, 1994, p. 174)

Para o autor, as instituições, embora possam representar uma solução para o problema da ação coletiva, estão também sujeitas a ele. O problema, nesse caso, pode ser resumido com o breve questionamento apresentado por ele:

Quem vai guardar os guardiães? Um sistema de vigilância mútua é vulnerável ao conluio. Um indivíduo que detecta uma prática corrupta poderia lucrar mais chantageando as partes corruptas do que as denunciando. Em geral, qualquer mecanismo que seja designado a detectar e agir contra a formação de ferrugem na máquina institucional é por si mesmo sujeito à ferrugem. (ELSTER, 1994, p. 185)

Assim, se as instituições representam uma solução "problemática", qual seria a saída para o problema da ação coletiva, ou da "ferrugem social", como Elster o denomina? A própria abordagem institucional é vista como solução por alguns cientistas sociais. Evans (1992; 1998; 2004), por exemplo, considera a própria abordagem institucional uma solução, ao enfatizar o papel do desenho institucional (com uso de diferentes mecanismos, tais como o insulamento burocrático) na prevenção do problema. Elster (1994), contudo, é absolutamente cético com relação a essa solução. Para ele, a variação na "qualidade" das instituições seria explicada muito mais por fatores situados fora do âmbito institucional. Falando sobre o problema da corrupção governamental dos países, ele afirma:

Embora seja difícil provar, acredito que a variação em corrupção entre países é explicada em grande parte pelo grau de espírito público de seus funcionários, não pela inteligência do desenho institucional. A moralidade e as normas sociais parecem contar mais que o auto-interesse esclarecido. Os desejos importam mais que as oportunidades. (ELSTER, 1994, p. 185-186)

Tal afirmação remete a uma questão relevante: se os indivíduos são racionais e instrumentais, em que condições agem em prol do interesse coletivo? A partir da próxima seção, diferentes respostas teóricas são apresentadas para tal questão.

Uma primeira resposta possível: racionalidade, moralidade e formação de preferências

A racionalidade e a moralidade foram temas centrais das obras de dois dos fundadores da Sociologia. De um lado, Durkheim desenvolveu a idéia de densidade moral, sendo esta a variável determinante da capacidade de uma sociedade se manter coesa: em uma sociedade com alta densidade moral, as normas sociais são altamente eficazes como instrumentos de controle. De outro, Weber desenvolveu a mais completa teoria sociológica sobre a ação social, na qual definiu, entre outras, as ações racionais. Na obra weberiana, são encontrados dois tipos de ação racional: no primeiro, a ação é motivada por uma racionalidade que se assemelha ao conceito neoclássico, qual seja, o de uma racionalidade instrumental que guia a ação no sentido da busca da realização de fins objetivos relacionados à satisfação do interesse individual; no segundo, a ação é motivada por valores coletivamente compartilhados. Na ação racional voltada para valores, o indivíduo age buscando atender à satisfação de um valor coletivamente estabelecido.1 1 O termo "coletivamente" aqui não requer o compartilhamento de um referido valor com a sociedade ou um grupo macrossocial. Basta que dois indivíduos compartilhem um determinado valor para que ele possa ser identificado como "coletivo".

Embora a Teoria da Ação Racional, praticada pelos sociólogos e cientistas políticos contemporâneos, tenha lá suas diferenças em relação ao "imperialismo econômico" dos teóricos neoclássicos (ver GOLDTHORPE, 2000), ela se distancia sobremaneira da teoria weberiana, ao restringir o conceito de racionalidade a uma concepção apenas instrumental. Ou seja, embora reconheçam o comportamento moralmente motivado, esses cientistas sociais, de modo geral, não se ocupam dele em suas análises.

Recentemente, alguns cientistas sociais adeptos da Teoria da Ação Racional têm tentado incorporar às suas análises - utilizando instrumental da Teoria dos Jogos - o comportamento motivado por fatores morais, para a explicação de fenômenos relacionados ao comportamento político (ver, em particular, FEDDERSEN; SANDRONI, 2006). Esses autores denominam "agente ético" o ator social que decide motivado por fatores morais. Quem seria esse agente? Simplesmente um indivíduo cuja função de utilidade prevê um alto valor para o comportamento ético, moralmente motivado. Ou seja, "agentes éticos são aqueles que recebem retornos positivos por agir eticamente" (FEDDERSEN; SANDRONI, 2006, p. 1272, tradução nossa). Nessa teoria, o comportamento ético ou moral é, portanto, nada mais nada menos do que uma questão de gosto ou preferência, ou, para utilizar a expressão proposta por Elster (1994), de desejo.

Segundo Becker (1976), um dos pressupostos fundamentais da teoria econômica (neoclássica) é o de que os gostos e preferências2 2 Para Hirshman (1998), a diferença fundamental entre gosto e preferência é que o primeiro é mais efêmero, enquanto a segunda representa um padrão mais profundo de comportamento. são determinados de forma exógena e são estáveis ao longo do tempo.3 3 O que ele chama de "abordagem econômica do comportamento humano" teria três pressupostos: comportamento maximizador, equilíbrio de mercado e preferências estáveis (BECKER, 1976, p. 5). De fato, a teoria econômica neoclássica assume a exogeneidade e a estabilidade dos gostos e das preferências. De modo geral, isso significa para os economistas neoclássicos, que gostos e preferências apresentam uma distribuição estocástica em relação às variáveis causais dos processos econômicos. Uma posição mais extrema, contudo, é defendida por Stigler e Becker (1977). Para estes autores, a estabilidade das preferências não significa apenas que os indivíduos mantêm suas preferências imutáveis ao longo da vida, mas também que elas não mudam de pessoa para pessoa. Nesse sentido, a variação de padrões dos diferentes hábitos individuais - principalmente de consumo - seria explicada puramente por variações de preço e de renda. Dessa forma, de gustibus non est disputandum, ou seja, gosto não se discute, porque não haveria o que se discutir, dado que todos os indivíduos teriam essencialmente os mesmos gostos e as mesmas preferências.

Embora hegemônica na economia neoclássica, a concepção de que as preferências são determinadas de forma exógena não é consenso nas ciências sociais. Na Sociologia, há quase um consenso inverso, o de que gostos e preferências são determinados de forma endógena: eles dependem diretamente de variáveis causais de caráter socioeconômico. Mesmo entre os economistas, há os "dissidentes", que compartilham da abordagem sociológica da formação endógena dos gostos e das preferências (ver, entre outros, BOWLES; GINTIS, 2000).

Tanto para os sociólogos, quanto para alguns dos economistas "dissidentes", a escolaridade (além do estrato social) seria uma forte determinante dos gostos e das preferências. Todavia, outras variáveis podem desempenhar o mesmo papel, em situações específicas. Dessa forma, a preferência pelo interesse público, pelo comportamento moralmente motivado, pode não ser aleatoriamente distribuída; pode, sim, ter um padrão determinado por variáveis socioeconômicas. Entre as inúmeras variáveis possíveis de tal padrão de preferências, destaca-se o associativismo ou pertencimento a grupo ou organização.

Na Sociologia, há, pelo menos, duas posições teóricas, até certo ponto conflitantes, que devem ser consideradas em uma discussão a respeito da possível relação entre associativismo e interesse público. De um lado, Granovetter (1973) defende a idéia de que laços sociais de esferas diferentes não estão necessariamente associados e, algumas vezes, podem estar negativamente associados. Para ele, em comunidades nas quais se observa uma grande intensidade do que ele chama de "laços fortes" (fundamentalmente, relações sociais primárias), pode-se observar um quase total desinteresse pelos problemas mais amplos da coletividade. Portanto, se os "laços fortes" são muito intensos, os "laços fracos" podem não se desenvolver.

De outro lado, Coleman (1988), em sua análise dos efeitos do capital social sobre a formação do capital humano, defende a idéia de que, em comunidades formadas por famílias nas quais predomina um alto estoque de capital social intrafamiliar, observar-se-á também uma capacidade maior de ação coletiva. Para ele, os mesmos pais que apresentam um padrão de comportamento voltado para o interesse na formação educacional dos seus filhos são indivíduos que irão preocupar-se com a qualidade do ensino na escola pública da comunidade. Assim sendo, Coleman (1988) prevê uma relação associativa entre o que se pode chamar de uma "sociabilidade de curta distância" (relações com parentes, amigos ou vizinhos) - ou "laços fortes", para utilizar o termo de Granovetter - e associativismo (participação em ações coletivas de maior envergadura).

Fora da Sociologia, há outras abordagens que vislumbram a possibilidade de formação de preferências relacionadas ao compromisso com o interesse coletivo. Anderson (2001), por exemplo, tomando como base o trabalho de Sen (1977), ressalta que preferências capazes de levar os indivíduos a um comprometimento coletivo podem ser formadas a partir da convivência em uma coletividade que possibilite a constituição de identidades. Musgrave (1959), por outro lado, argumenta que as preferências são formadas endogenamente e que há preferências "corretas" (relacionadas à produção de bens públicos) e preferências "erradas" (relacionadas à satisfação de interesses individuais mesquinhos): o grau de sucesso econômico de uma sociedade da hegemonia dependeria de preferências "corretas". Assim sendo, um dos principais papéis do Estado seria criar incentivos à formação de preferências "corretas".

Finalmente, uma última abordagem da formação de preferências merece ser referida. A chamada Economia Experimental tem produzido uma série de evidências contrárias aos pressupostos neoclássicos de formação exógena das preferências e de comportamento maximizador. Smith (2005), outro ganhador do Prêmio Nobel de Economia, ao comentar esses resultados - produzidos por ele e por outros pesquisadores - faz uso do conceito de "racionalidade ecológica". Tal autor ressalta que, muitas vezes, indivíduos e organizações não se comportam da forma como a teoria neoclássica prevê. Por exemplo, muitas vezes indivíduos ou empresas não agem buscando a maximização de lucro ou de qualquer outro tipo de benefício marginal, como esperam os economistas neoclássicos. Ele apresenta uma interessante provocação através do seguinte questionamento: "Se você pudesse escolher seus ancestrais, iria preferir que eles fossem sobreviventes ou maximizadores de riqueza?" (SMITH, 2005, p. 149, tradução nossa). Para ele, indivíduos e organizações que priorizam a sobrevivência escolhem, muitas vezes, estratégias de cooperação, ou seja, tendem a ter preferências por estratégias cooperativas. Esse tipo de comportamento seria guiado não pelo que ele chama de "racionalidade construtivista" - conceito que pressupõe a consciência e o planejamento humano e que predomina nas Ciências Sociais como um todo, incluindo a Economia -, mas por uma racionalidade formada a partir do ambiente e do próprio processo de evolução biológica, a "racionalidade ecológica". O comportamento cooperativo seria, portanto, absolutamente racional, resultado do processo evolutivo da humanidade, cabendo à ciência identificar e entender quando e por que ele se manifesta.

Uma segunda resposta possível: insulamento burocrático e inserção social

A sociologia weberiana, como ressalta Evans (2004), desenvolveu o conceito de burocracia e, associado a ele, a noção de que o Estado burocrático moderno tem - e precisa ter - algum grau de distanciamento da sociedade. Isso passou a ser denominado insulamento burocrático. Essa abordagem provocou reflexões até mesmo entre os pensadores marxistas, que passaram a conjeturar sobre o que eles chamaram de "autonomia relativa do Estado capitalista" (ver, POULANTZAS, 1986).

Para os weberianos, o ápice da modernidade ocidental se dá quando o capitalismo encontra a burocracia. Ela seria o modelo fundamental de organização do capitalismo ocidental, resultante do processo de racionalização, que se tornaria hegemônica tanto nas empresas capitalistas quanto no Estado. Embora Weber tenha concebido a burocracia como um modelo analítico ideal típico, há algo de normativo (certo pano de fundo normativo) em sua análise da burocracia, em particular na discussão do Estado burocrático. Para os weberianos, "a superioridade do Estado burocrático moderno está em sua habilidade de superar a lógica individualista" (EVANS, 2004, p. 59). Ainda sobre esse ponto, Weber (1978) afirma que o Estado era útil àqueles que operavam no mercado porque as ações de seus encarregados obedeciam a uma lógica completamente diferente da lógica da troca utilitarista. A capacidade do Estado ao apoiar os mercados e a acumulação capitalista dependia de a burocracia ser uma entidade corporativamente coerente, na qual os indivíduos encaram a implementação de metas corporativas como o melhor meio de maximizar seu próprio interesse individual.

A burocracia estatal seria, portanto, um antídoto para o problema da ação coletiva. Isso revela como é ingênua a imagem freqüentemente presente no senso comum de que a burocratização representa uma barreira ao desenvolvimento socioeconômico. Na maior parte dos países periféricos, observa-se que, de fato, "é a insuficiência de burocracia que prejudica o desenvolvimento, e não sua prevalência" (EVANS, 2004, p. 71).

O insulamento burocrático teria, nesse sentido, a função de preservar o Estado da pressão excessiva dos grupos de interesse - ou seja, do rent seeking - tornando-o menos poroso. Como fazer isso? De acordo com a concepção weberiana, os burocratas devem ficar isolados das demandas societárias, além de possuir um status distintivo e recompensador perante a sociedade. O Estado precisa ser dotado de uma burocracia forte e coerente que lhe garanta a autonomia necessária no seu relacionamento com o mercado e a sociedade. O insulamento burocrático se daria particularmente através da profissionalização do Estado, com a adoção de procedimentos tais como a universalização do concurso público.

Ocorre que, como bem demonstra Evans (2004), vários estudos têm revelado (AMSDEM, 1985, 1989, 1992; GERSCHENKRON, 1962; HIRSCHMAN, 1958, 1967, 1973; WADE, 1982, 1985, 1990) que dificilmente o Estado consegue realizar programas que levem ao desenvolvimento socioeconômico, sem algum tipo de parceria ou outra espécie de ligação com grupos sociais.

Resta, então, uma situação que parece paradoxal: o Estado moderno e suas organizações precisam ser insulados, porém esse mesmo insulamento pode impedi-los de atingir o interesse público. Como afirma Evans (2004, p. 72), "o problema é separar os benefícios do insulamento dos custos do isolamento".

Que custos o insulamento burocrático pode produzir? O primeiro foi referido acima e diz respeito à incapacidade de realizar programas que, de fato, atinjam o interesse público: um Estado insulado pode estar excessivamente isolado da sociedade, o que pode levá-la a não colaborar com a implementação das políticas públicas. Outro problema diz respeito ao risco do corporativismo: o insulamento burocrático pode tornar a organização pública um "ente egoísta", propiciando, aos funcionários públicos, condições de utilizar o Estado para satisfazer seus próprios interesses, e não, o interesse público. O próprio Weber identificou perigos no excesso de autonomia e profissionalização da burocracia estatal. Em particular, ele identificou que, se a política não fosse forte o suficiente para servir de contraponto à burocracia, as democracias modernas se inviabilizariam.

Num Estado moderno necessária e inevitavelmente a burocracia realmente governa, pois o poder não é exercido por discursos parlamentares nem por proclamações monárquicas, mas através da rotina da administração. Isto é exato tanto com referência ao funcionalismo militar quanto ao civil. (WEBER, 1974, p. 22)

Weber temia o crescente poder da burocracia. Para ele e para seus seguidores, "à medida que aumenta a burocratização, tende a aumentar o poder dos burocratas" (WRIGHT, 1981, p. 164). O antídoto para esse mal está na valorização da política e na identificação de talentos políticos, o que, por sua vez, depende do fortalecimento do Parlamento:

só um parlamento ativo e não um parlamento onde apenas se pronunciam arengas pode proporcionar o terreno para o crescimento e ascensão seletivas de líderes genuínos e não meros talentos demagógicos. Um parlamento ativo, entretanto, é um parlamento que supervisiona a administração participando continuamente do trabalho desta. (WEBER, 1974, p. 44, grifo nosso)

Portanto, para Weber, a burocracia pública precisa estar sob o controle da política. Ele constatava com pesar que, no período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial, isso não se observava na Alemanha, onde um membro do Parlamento percebia um burocrata do Estado como um "amador vê um virtuoso". Isso porque,

Desde a renúncia do príncipe Bismarck, a Alemanha tem sido governada por 'burocratas', resultado de sua eliminação de todo talento político. A Alemanha continuou a manter uma burocracia militar e civil superior a todas as outras no mundo em termos de integridade, educação, escrupulosidade e inteligência. Os militares, e também de maneira geral a atuação interna durante a guerra, provaram o que estes meios podem atingir. Mas o que dizer sobre a direção da política alemã (nacional e externa) durante as décadas recentes? O que de mais benévolo se dizia a esse respeito era que 'as vitórias dos exércitos alemães compensavam as derrotas de tal política'. Faremos silêncio a respeito dos sacrifícios implícitos e indagaremos, em vez disso, sobre as razões destes fracassos. (WEBER, 1974, p. 33)

Tem-se, então, uma solução para o paradoxo do insulamento burocrático: burocracias protegidas da sociedade, porém submetidas ao poder político através do exercício parlamentar.

Evans (2004, p. 72) propõe outro mecanismo de solução para esse paradoxo. Para ele, "assim como na realidade os mercados só funcionam se estiverem 'inseridos' em outras formas de relações sociais, tudo indica que os Estados também devem estar 'inseridos' para serem eficientes".

Para Hirschman (1973), o que falta em países em desenvolvimento não é capital, mas iniciativa empresarial, no sentido da disposição de arriscar os excedentes disponíveis no investimento em atividades produtivas. O Estado deve propiciar incentivos desequilibradores para induzir os capitalistas privados a investir e, ao mesmo tempo, estar pronto para aliviar gargalos que estejam criando desincentivos ao investimento.

Trata-se, na verdade, de uma visão de longo prazo: a corrupção na relação Estado-Sociedade continua a existir, porém, no fim das contas, as conseqüências da ação estatal mais promovem do que impedem o ajuste econômico e a transformação industrial. O Estado se coloca em relação à ação na sociedade, versus sua autonomia perante ela (capacidade versus insulamento). A posição do Estado e das organizações públicas oscilam entre a possibilidade de atuar na sociedade e de manter sua autonomia perante ela (capacidade versus insulamento). Para os neomarxistas, há uma relação positiva entre capacidade e autonomia: quanto maior for a autonomia do Estado, maior será sua capacidade de ação. Já para alguns neoweberianos (em particular, EVANS, 2004), o Estado deve estar mais inserido na sociedade do que insulado (a eficiência estatal exige inteligência acurada, inventividade, repartições ágeis e respostas elaboradas a uma realidade econômica mutável).

Duas ressalvas, porém, devem ser feitas, como adverte Evans (1998). Primeiro, não se trata de erigir uma defesa irrestrita do Estado no que diz respeito ao seu papel no desenvolvimento econômico. Segundo, os Estados serão sempre instrumentos imperfeitos. Também não faz sentido desconsiderar os aspectos relevantes da teoria neo-utilitarista (ou neoclássica), no que ela oferece de contribuição para a compreensão do Estado, especialmente no que diz respeito à crítica contundente à teoria da crença em um Estado benevolente e competente (o que, paradoxalmente, segundo o autor, obriga todos a olharem com mais cuidado para o que os Estados fazem e por que o fazem).

O debate acerca da relação Estado-Sociedade nos leva à análise da qualidade da intervenção do Estado na sociedade e não mais àquela referente à quantidade da intervenção (neo-utilitarismo). Essa inserção poderia acontecer de diferentes maneiras. O controle parlamentar sobre a burocracia talvez seja uma delas. Todavia, outras formas de inserção social podem propiciar condições para o bom desempenho das organizações públicas e para o sucesso das políticas públicas. Como Evans (2004) bem demonstra, entre os chamados Tigres Asiáticos - em particular, a Coréia do Sul - observou-se um ciclo virtuoso de desenvolvimento, decorrente de um processo que congregou, de um lado, a formação de uma burocracia estatal com alto nível de profissionalização e autonomia e, de outro, uma classe empresarial extremamente dinâmica e empreendedora. Nesse caso, a associação entre a burocracia estatal e a classe empresarial levou a um processo de desenvolvimento econômico dos mais impressionantes da história humana. Ou seja, no caso dos Tigres Asiáticos, a inserção social do Estado burocrático e das organizações públicas se deram através de suas vinculações com a emergente classe empresarial.

Com o propósito de ilustrar a pertinência das duas respostas acima discutidas na análise da gestão de organizações públicas no Brasil, este artigo, na próxima seção, apresenta o Programa Bolsa Família, destacando o papel que a Caixa Econômica Federal e as Prefeituras têm tido em sua execução e operacionalização. Tenta-se argumentar, na próxima seção, que o relativo sucesso do Programa pode ser explicado a partir da identificação de padrões e processos organizacionais. Afinal, o elevado nível de focalização do programa (SOARES et al, 2006; SOARES et al, 2007) indica que:

a) Ele tem baixo nível de vazamento, ou seja, poucas famílias não elegíveis ao programa encontram-se entre as beneficiárias.

b) Ele tem baixo nível de ineficiência, ou seja, a grande maioria das famílias elegíveis ao programa encontra-se entre as beneficiárias.

Não se acredita, contudo, que a primeira resposta aqui apresentada ao problema de ação coletiva - racionalidade, moralidade e formação de preferências - seja a que melhor explique os bons resultados do Bolsa Família, em especial, e a gestão das organizações públicas no Brasil em geral. Este artigo não crê que o sucesso de tal Programa, por exemplo, possa ser explicado por questões individuais (agência), pois, se a formação de preferências cooperativas e públicas está presente no Programa Bolsa Família, deveria também estar presente em outros casos de política e gestão pública no Brasil, o que não parece ocorrer. Por outro lado, se a explicação está no desenho institucional, como tendemos a acreditar, é possível que haja algo específico nesse programa que o torne um caso diferenciado.

Acredita-se que tal especificidade, bem como os resultados4 4 Para uma descrição minuciosa dos critérios de avaliação de políticas públicas ver Fernandes e Pazello (2001). eficientes do Programa sejam decorrentes, em parte, do fato de, por um lado, a Caixa Econômica Federal (CEF) ser a responsável pela efetivação dos pagamentos e, por outro, as Prefeituras serem as responsáveis pelos cadastramentos. Tal dinâmica e argumento são explicados mais detalhadamente na próxima seção.

Determinantes organizacionais do relativo sucesso do Programa Bolsa Família

O trabalho desenvolvido por Cardoso et al. (2006) traz uma excelente pista para o entendimento de parte do processo organizacional que pode estar levando ao relativo sucesso de implementação do Programa Bolsa Família. Ao estudarem o funcionamento do programa nos municípios fluminenses de Duque de Caxias e Cabo Frio, os autores concluem que:

Além dos recursos disponíveis e da cobrança da sociedade civil, a atuação conjunta com a Caixa Econômica Federal é determinante. Sendo um parceiro com um modelo de gestão burocrático/hierarquizado, a CEF constitui-se em referencial para as demais instituições locais. Este papel de referencial influencia a adoção de mudanças no modus operandi de administrar a Secretaria de Ação Social. Tais mudanças têm como objetivo permitir que as operações de cadastramento, inclusão, exclusão e gestão de cadastros sejam feitas em sintonia com os demais parceiros, entre eles, a CEF. (CARDOSO et. al., 2006, p. 15)

O texto acima define corretamente a CEF como uma organização burocrática. É possível aprofundar essa definição, acrescentando que a CEF é, hoje, uma típica burocracia profissional. Seus funcionários são concursados e apresentam elevado grau de qualificação e profissionalização,5 5 Em recente reunião com a diretoria de uma autarquia municipal de uma cidade interiorana da região central do estado de Minas Gerais, formada por técnicos altamente qualificados - o que é raro encontrar em municípios de menor porte -, ouvimos um dos diretores relatar um caso, ocorrido na primeira metade dos anos 1990, que só reforça essa classificação da CEF como uma típica burocracia profissional. O então presidente da CEF agendara com o prefeito de um determinado município mineiro um encontro em Brasília para a entrega de um projeto de saneamento do município e lhe prometera que o projeto seria encaminhado de forma prioritária. Durante a reunião em Brasília, o presidente da CEF, incumbiu a secretária de encaminhar o projeto ao departamento de engenharia com a recomendação de que fosse dado a ele tratamento especial. Antes que a reunião se encerrasse, a secretária retornou à sala do presidente com um recado do chefe do departamento de engenharia de que não seria possível atender à demanda apresentada, pois as normas da CEF exigiam que o projeto fosse apresentado primeiro à Superintendência Regional, em Belo Horizonte. Mais interessante ainda foi o comentário final do diretor que relatava o acontecido: "Ora, aquele era um funcionário concursado, ele não tinha por que temer a recusa de um pedido da presidência da CEF, visto que tal pedido era contrário às normas estabelecidas". o que faz dela uma organização com alto grau de insulamento. Seus funcionários estão relativamente imunes a pressões de grupos de interesse locais. Isso faz com que a CEF possa exercer um rigoroso controle sobre o trabalho realizado pelas secretarias municipais. Evidencia-se, assim, o primeiro elemento organizacional relevante para o entendimento do relativo sucesso da implementação do Programa Bolsa Família, qual seja, o caráter de insulamento burocrático da CEF.6 6 É curioso ressaltar que, em países em desenvolvimento, análises sobre o papel do insulamento burocrático nas políticas públicas se concentram nas pesquisas sobre políticas de desenvolvimento econômico (em particular, industrial) ou sobre a estruturação de organizações estatais. Para estudos sobre um dos dois tipos citados, ver Adler (1988); Juarez (1993); Oliveira (2003). Estudos sobre o papel do insulamento burocrático nas políticas sociais - como é o caso do presente artigo - são mais comuns em países desenvolvidos - ver Garza, Graves e Setzler (1999).

Outro elemento organizacional que deve ser mencionado está relacionado ao mecanismo de "isomorfismo organizacional ou institucional", definido como um processo restritivo que força uma unidade, numa população, a parecer com as outras unidades, que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais e normativas (DIMAGGIO e POWELL, 1983). Segundo esses autores, o isomorfismo institucional produz conformidade através de três mecanismos: (1) o isomorfismo coercitivo, derivado de pressões formais e informais; (2) o isomorfismo mimético, baseado na imitação e resultante de respostas às incertezas; e (3) o isomorfismo normativo, decorrente da profissionalização dos gerentes e especialistas.

Machado-da-Silva e Gonçalves completam o entendimento sobre esse assunto:

O peso específico de cada mecanismo (isomórfico) depende do contexto de cada sociedade. Em sociedades com forte tradição democrática e com alto nível de competição na oferta de bens e serviços, por exemplo, a tendência é que predominem os mecanismos miméticos e normativos de pressão para a estabilidade e a mudança organizacional. No caso da sociedade brasileira, a forte tradição patrimonialista associada aos longos períodos autoritários durante o seu processo de formação sociocultural têm conferido especial destaque aos mecanismos coercitivos de manutenção e de transformação social. (MACHADO-DA-SILVA ; GONÇALVES, 1999, p. 226)

Os três tipos de mecanismos podem ser analiticamente úteis para entendermos o caso do relativo sucesso na implementação do Programa Bolsa Família. O isomorfismo coercitivo é o mais adequado para o caso em análise. Primeiramente, porque o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) criou toda uma normatização - a chamada Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) - que age no sentido de padronizar as ações e procedimentos dos municípios, o que funciona como um mecanismo de controle burocrático. Em segundo lugar, fica claro, a partir da citação apresentada de Cardoso et al. (2006), que a própria CEF termina forçando as secretarias municipais a se adequarem ao seu padrão de funcionamento. Em terceiro, porque, como se depreende de Machado-da-Silva e Gonçalves (1999), a tradição autoritária e centralizadora da sociedade brasileira força a existência de tais mecanismos coercitivos.

Quanto ao isomorfismo mimético, DiMaggio e Powell (1983) identificam sua ocorrência em situações de incerteza: quando os membros de uma organização estão confusos sobre como agir em uma situação, eles tendem a copiar o que outras organizações fizeram. Como fica claro também pela citação de Cardoso et al. (2006), a CEF torna-se referência para as organizações locais, que terminam por imitá-la.

Finalmente, o isomorfismo normativo se observa pelo impacto, em termos de profissionalização, que a gestão do Programa Bolsa Família causa nas administrações municipais. É possível verificar, na NOB/SUAS, quinze referências normativas relativas à exigência de profissionalização.7 7 Trata-se de exigências de que determinadas funções sejam exercidas por profissionais de nível superior; em boa parte das quinze referências, a exigência diz respeito à necessidade de que determinadas funções sejam de responsabilidade de assistentes sociais. Como bem demonstram DiMaggio e Powell (1983), a cultura profissional leva ao isomorfismo normativo, pois os profissionais tendem a seguir padrões de conduta (normas) bastante semelhantes. Ainda sobre o mecanismo normativo, os autores ressaltam que o grau de profissionalização é provavelmente o elemento normativo mais importante, podendo ser resultante da educação formal ou da formação e manutenção das redes de trabalho. Como se sabe, o Programa Bolsa Família tem sido implementado por meio de uma profícua parceria entre a CEF e as Prefeituras. A rede formada entre esses atores possivelmente tem estimulado a divulgação de tais padrões profissionais, resultando, possivelmente, em similaridades nas ações e procedimentos do Programa.

Convém destacar que tais condutas semelhantes, no caso do Programa Bolsa Família, são desenvolvidas uma vez que "a similitude facilita as transações interorganizacionais ao favorecer seu funcionamento por meio da incorporação de regras socialmente aceitas" (MACHADO-DA-SILVA ; FONSECA, 1993, p. 44).

Nos parágrafos acima, relatou-se como o padrão burocrático da CEF e da NOB/SUAS produz o elemento relativo ao insulamento burocrático necessário ao sucesso de uma política pública. Falta, porém, entender o elemento relativo à inserção social necessária ao sucesso do Programa Bolsa Família. Bem, acredita-se que o insulamento burocrático propiciado pela participação da CEF e pela normatização da NOB/SUAS é, em muito, responsável pelo baixo vazamento do Programa. Todavia, ele não explica a baixa ineficiência que também se observa. Acredita-se que esta última pode ser explicada pela participação das Prefeituras. Uma organização altamente burocratizada, rígida e com uma distribuição geográfica relativamente concentrada como a CEF dificilmente teria condições de chegar à quase totalidade das famílias elegíveis, como se tem observado atualmente. Portanto, é possível imaginar que a baixa ineficiência do programa seja conseqüência da capilaridade das Prefeituras, o que propicia o elemento de inserção social necessário ao sucesso de implementação de uma política pública como essa. Além disso, o elemento de descentralização presente na participação das Prefeituras facilita o controle da sociedade civil - como fica evidente, mais uma vez, a partir da citação de Cardoso et al. (2006), apresentada anteriormente.

Acredita-se, portanto, que o desenho institucional do Programa Bolsa Família - embora conseqüência, talvez, não-intencional de decisões tomadas - é, em muito, responsável pelo relativo sucesso de sua implementação. A singular combinação de insulamento burocrático e inserção social nele observada propiciou os elementos necessários ao seu sucesso.

Conclusão

O contexto social e cultural do Brasil faz com que o Estado e suas organizações estejam fortemente influenciados pela ação de grupos de interesse. Tal contexto faz com que aqueles que atuam na esfera pública se deparem constantemente com o dilema da ação coletiva, bem observado nas reflexões de Bourdieu (1997). Acredita-se que, embora outras respostas plausíveis ao dilema possam ser sugeridas, as duas aqui propostas devem ser levadas em consideração, se não por outras razões, no mínimo porque estão fortemente embasadas em uma discussão teórica, com forte fundamentação em diferentes abordagens presentes nas Ciências Sociais. Em particular, a segunda resposta - embasada nas teorias sociológicas e organizacionais - apresenta-se, a nosso ver, como mais promissora.

Ao contrário do Chile e do México8 8 O programa chileno é denominado "Chile Solidário", e o programa mexicano é atualmente denominado de "Oportunidade". (SOARES et al., 2006; SOARES et al., 2007), no Brasil, a implementação do Programa Bolsa Família não se baseou na criação de uma grande organização burocrática em nível federal (ou central). Enquanto naqueles países o programa é totalmente administrado de forma centralizada, no Brasil há uma gestão que conjuga uma agência federal (a CEF) e organizações de âmbito local (as Prefeituras). Esta combinação permite a presença dos dois elementos identificados aqui como necessários ao sucesso da gestão pública, quais sejam, o insulamento burocrático e a inserção social. Ressalte-se ainda que o modelo brasileiro apresenta resultados de implementação e focalização semelhantes - se não melhores - que os do Chile e do México, porém com um custo operacional bem mais baixo, pois faz uso de uma organização burocrática em nível federal já existente (a CEF) e das organizações públicas em nível local que também já existiam (as Prefeituras). Conclui-se, assim, que a melhor relação custo/benefício do programa brasileiro o torna o caso mais eficiente entre os três grandes programas latino-americanos.

É possível que o engenhoso desenho institucional do Programa Bolsa Família seja conseqüência apenas da sorte. Todavia, é importante que se busque (tanto por parte dos pesquisadores quanto dos gestores públicos) aprender com experiência tão exitosa, pois assim será possível compreender as reais causas do sucesso revelado e, dessa forma, replicar o êxito em outras políticas públicas.

Neste artigo, apresentou-se uma tentativa de identificar - a partir das teorias sociológicas e organizacionais - soluções ao dilema da ação coletiva, no âmbito da gestão das organizações públicas. Acredita-se, porém, que a explicação sugerida deva ser tratada como apenas uma hipótese a ser confrontada com resultados de pesquisas futuras.

Recebido: 29/08/2008

Aceite final: 03/11/2008

  • ADLER, Emanuel. O papel das elites políticas e intelectuais e das instituições no desenvolvimento da informática e da energia nuclear no Brasil e na Argentina. Dados, v. 31, n. 3, p. 373-403, 1988.
  • AMSDEN, Alice. The State and Taiwans's economic development. In: EVANS, Peter; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Org.). Bringing the State back in Nova York: Cambridge University Press, 1985, p. 78-106.
  • ______. Asia's Next Giant: South Korea and late industrialization. Nova York: Oxford University Press, 1989.
  • ______. A theory of government intervention in late industrialization. In: PUTTERMAN, Louis; RUESCHMEYER, Dietrich (Org.). State and market in development: synergy or rivalry. Boulder-CO: Lynne Rienner, p. 53-84, 1992.
  • ANDERSON, Elizabeth. Unstrapping the straitjacket of 'preference': a comment on Amartya Sen's contributions to Philosophy and Economics. Economics and Philosophy, v. 17, p. 21-38, 2001.
  • ARROW, Keneth. The limits of organization Nova York: W.W. Norton & Co., 1974.
  • BECKER, Gary. The economic approach to human behavior. In: BECKER, Gary. The economic approach to human behavior. Chicago-IL: The University of Chicago Press, 1976, p. 3-14.
  • BOYER, Robert. A Teoria da Regulação: uma análise crítica. São Paulo: Nobel, 1990.
  • BOWLS, Samuel; GINTIS, Herbert. Does schooling raise earnings by making people smarter. In: ARROW, K.; BOWLES, S.; DURLAUF, S. (Org.). Meritocracy and economic equality. Princeton-NJ: Princeton University Press, p. 118-137, 2000.
  • BOURDIEU, Pierre. Espíritos de Estado: gênese e estrutura do campo burocrático. In: BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
  • ______. De la maison du roi à la raison d'État. Actes de la Recherche en Sciences Sociales. v. 118, n. 1, p. 55-68, 1997.
  • CARDOSO, Fábio et al Modelando o Programa Bolsa Família: estudo comparativo entre os municípios de Duque de Caxias e Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro. Anais... 30ş Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração, Salvador-BA, 2006.
  • COLEMAN, J. Social capital in the creation of human capital. American Journal of Sociology, v. 94 (supplement), p. 95-120, 1988.
  • DIMAGGIO, Paul; POWELL, Walter. The Iron Cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, p. 147-160, 1983.
  • ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das Ciências Sociais Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
  • EVANS, Peter. The State as problem and solution: predation, embedded autonomy, and structural change. In: HAGGARD, Stephan; KAUFMAN, Robert (Org.). The Politics of Economic Adjustment Princeton: Princeton University Press, p. 139-181, 1992.
  • ______. Análise do Estado no mundo neoliberal: uma abordagem institucional comparativa. Revista de Economia Contemporânea, v. 4, p. 127-163, 1998.
  • ______. Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
  • FERNANDES, Reynaldo; PAZELLO, Elaine. Avaliação de políticas sociais: incentivos adversos, focalização e impacto. In: LISBOA, Marcos; MENEZES-FILHO, Naércio (Org.). Microeconomia e sociedade no Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2001, p. 151-172.
  • FEDDERSEN, Timothy; SANDRONI, Álvaro. A theory of participation in elections. The American Economic Review, v. 96, n. 4, p. 1271-1307, 2006.
  • GARUD, R.; HARDY, C.; MAGUIRE, S. Institutional Entrepreneurship as Embedded Agency: An Introduction to the Special Issue. Organization Studies, v.28, n.07, July 2007, pp. 957-969.
  • GARZA, Rodolfo; GRAVES, Scott; SETZLER, Mark. Alive and kicking: municipal affirmative action policies in Texas Cities, 1980s-1990s. Policy Studies Journal, v. 27, n. 1, p. 45-63, 1999.
  • GERSCHENKRON, Alexander. Economic backwardness in historical perspective. Cambridge-MA: Belknap, 1962.
  • GOLDTHORPE, John. Rational action theory for Sociology. In: GOLDTHORPE, John. On Sociology: numbers, narratives, and the integration of research and theory. Oxford: Oxford University Press, p. 115-136, 2000.
  • GRANOVETTER, Mark. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, 1973.
  • HIRSCHMAN, Albert. The strategy of economic development. Nova Haven-CT: Yale University Press, 1958.
  • ______. Development projects observed. Washington-DC: The Brookings Institution, 1967.
  • ______. Journey toward progress: studies of economic policy making in Latin America. Nova York: W. W. Norton, 1973.
  • ______. Against parsimony: three ways of complicating some categories of economic discourse. In: PRYCHITKO, D. (Org.). Why economist disagree: an introduction to the alternative schools of thought. Albany-NY: Suny Press, p. 333-344, 1998.
  • JUAREZ, C. Trade and development policies in Colombia: export promotion and outward orientation, 1967-1992. Studies in comparative international development, v. 28, n. 3, p. 67-93, 1993.
  • MACHADO-DA-SILVA, C.; FONSECA, V. Estruturação da estrutura organizacional: o caso de uma empresa familiar. Organizações & Sociedade, v. 1, n. 1, p. 42-71, 1993.
  • MACHADO-DA-SILVA, C.; FONSECA, V.; CRUBELLATE, J. M. Estrutura, Agência e Interpretação: Elementos para uma Abordagem Recursiva do Processo de Institucionalização. RAC - Revista de Administração Contemporânea, ANPAD, 1a, ed. especial, p. 09-39, 2005.
  • MACHADO-DA-SILVA, C.; GONÇALVES, S. Nota técnica: a teoria institucional. In: CLEGG, Stewart; HARDY, Cynthia; NORD, Walter. (Org.). Handbook de estudos organizacionais v. 1. São Paulo: Atlas, p. 211-242, 1999.
  • MUSGRAVE, Richard. The theory of public finance Nova York: Mcgraw-Hill, 1959.
  • OLIVEIRA, Rezilda. Ascensão e declínio de um padrão institucional: estudo de caso da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF). In: VIEIRA, Marcelo; CARVALHO, Cristina (Org.). Organizações, instituições e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 227-270, 2003.
  • POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
  • SEN, Amartya. Rational fools: a critique of the behavioral foundations of Economic Theory. Philosophy and Public Affairs, v. 6, p. 317-344, 1977.
  • SMITH, Vernon. Behavioral economic research and the foundations of Economics. The Journal of Socio-Economics, v. 34, p. 135-150, 2005.
  • SOARES, Fábio et al Cash transfer programmes in Brazil: impacts on inequality and poverty. International Poverty Centre Working Paper, n. 21, 2006.
  • SOARES, Sergei et al Conditional cash transfers in Brazil, Chile and Mexico: impacts upon inequality. International Poverty Centre Working Paper, n. 35, 2007.
  • STIGLER, George; BECKER, Gary. De gustibus non est disputandum. American Economic Review, v. 67, p. 76-90, 1977.
  • WADE, Robert. Irrigation and agricultural politics in South Korea. Boulder-CO: Westview Press, 1982.
  • ______. The market for public office: why the Indian State is not better at development. World Development, v. 1, n. 3, p. 467-497, 1985.
  • ______. Governing the market: economic theory and the role of government in Taiwan's industrialization. Princeton-NJ: Princeton University Press, 1990.
  • WEBER, Max. Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. In: WEBER, Max. Ensaios de Sociologia e outros escritos São Paulo: Editora Abril, p. 7-92, 1974. (Coleção Os Pensadores).
  • ______. Economy and society Los Angeles: UCLA Press, 1978.
  • WRIGHT, Eric. Classe, crise e o Estado Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
  • Burocracia e inserção social: uma proposta para entender a gestão das organizações públicas no Brasil

    Bureaucracy and social inclusion: a proposal for understanding the management of public organizations in Brazil
  • 1
    O termo "coletivamente" aqui não requer o compartilhamento de um referido valor com a sociedade ou um grupo macrossocial. Basta que dois indivíduos compartilhem um determinado valor para que ele possa ser identificado como "coletivo".
  • 2
    Para Hirshman (1998), a diferença fundamental entre gosto e preferência é que o primeiro é mais efêmero, enquanto a segunda representa um padrão mais profundo de comportamento.
  • 3
    O que ele chama de "abordagem econômica do comportamento humano" teria três pressupostos: comportamento maximizador, equilíbrio de mercado e preferências estáveis (BECKER, 1976, p. 5).
  • 4
    Para uma descrição minuciosa dos critérios de avaliação de políticas públicas ver Fernandes e Pazello (2001).
  • 5
    Em recente reunião com a diretoria de uma autarquia municipal de uma cidade interiorana da região central do estado de Minas Gerais, formada por técnicos altamente qualificados - o que é raro encontrar em municípios de menor porte -, ouvimos um dos diretores relatar um caso, ocorrido na primeira metade dos anos 1990, que só reforça essa classificação da CEF como uma típica burocracia profissional. O então presidente da CEF agendara com o prefeito de um determinado município mineiro um encontro em Brasília para a entrega de um projeto de saneamento do município e lhe prometera que o projeto seria encaminhado de forma prioritária. Durante a reunião em Brasília, o presidente da CEF, incumbiu a secretária de encaminhar o projeto ao departamento de engenharia com a recomendação de que fosse dado a ele tratamento especial. Antes que a reunião se encerrasse, a secretária retornou à sala do presidente com um recado do chefe do departamento de engenharia de que não seria possível atender à demanda apresentada, pois as normas da CEF exigiam que o projeto fosse apresentado primeiro à Superintendência Regional, em Belo Horizonte. Mais interessante ainda foi o comentário final do diretor que relatava o acontecido: "Ora, aquele era um funcionário concursado, ele não tinha por que temer a recusa de um pedido da presidência da CEF, visto que tal pedido era contrário às normas estabelecidas".
  • 6
    É curioso ressaltar que, em países em desenvolvimento, análises sobre o papel do insulamento burocrático nas políticas públicas se concentram nas pesquisas sobre políticas de desenvolvimento econômico (em particular, industrial) ou sobre a estruturação de organizações estatais. Para estudos sobre um dos dois tipos citados, ver Adler (1988); Juarez (1993); Oliveira (2003). Estudos sobre o papel do insulamento burocrático nas políticas sociais - como é o caso do presente artigo - são mais comuns em países desenvolvidos - ver Garza, Graves e Setzler (1999).
  • 7
    Trata-se de exigências de que determinadas funções sejam exercidas por profissionais de nível superior; em boa parte das quinze referências, a exigência diz respeito à necessidade de que determinadas funções sejam de responsabilidade de assistentes sociais.
  • 8
    O programa chileno é denominado "Chile Solidário", e o programa mexicano é atualmente denominado de "Oportunidade".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Ago 2008
    • Aceito
      03 Nov 2008
    Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: revsoc@ufrgs.br