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Apresentação

Introduction

Resumos

Este dossiê trata dos estudos sociais em ciência e tecnologia (ESCT) ou estudos em ciência, tecnologia e sociedade (CTS), em suas diversas abordagens que buscam uma unidade no esforço de compreender objetos de estudo, cada vez mais destacáveis nas sociedades contemporâneas. Movidos pelo contexto emergente dessas discussões em ambiente acadêmico no Brasil e tentando colaborar para diminuir o déficit de estudos e as reflexões nesta área em nosso País, os organizadores apresentam aos leitores sete artigos de autores nacionais e internacionais. Estes textos destacam as tendências da agenda de pesquisa nesta área de estudos, os embates teóricos ainda presentes e a diversidade de objetos de pesquisa possíveis em tão incipiente tradição acadêmica no Brasil. O que se poderá ver nesse dossiê é um apanhado de abordagens e temas de estudo que pretende formar um panorama, ainda pequeno que seja, das possibilidades de pesquisa social nessa área. As discussões e reflexões que induzem os artigos no dossiê, além das questões de interesse puramente acadêmico, circulam em torno das percepções das principais controvérsias sociais contemporâneas com forte componente científico e tecnológico, muitas delas em destaque na mídia brasileira e internacional, como, por exemplo, nas questões energéticas, das mudanças climáticas, poluição e rejeitos industriais, saúde humana, alimentos geneticamente modificados, células tronco e terapias gênicas, segurança alimentar e do uso de recursos naturais, entre outras.

Ciência; Tecnologia; Conhecimento; Sociologia da Ciência e Tecnologia; Política


This dossier examines the social studies of science and technology (SSST), or studies in science, technology and society (STS), through their different approaches in search for unity, in an effort to comprehend objects of study that are more and more distinctive in the contemporary societies. Stimulated by the emerging context of these discussions within the Brazilian academic environment, the organizers present seven articles, by national and international authors, intent on contributing to a reduction in the deficit of studies in this area in Brazil. These texts examine the trends of the research agenda in this area of studies, the remaining theoretical debates, and the diversity of potential research subjects in the incipient Brazilian academic tradition. This dossier offers a collection of approaches and topics of study whose aim is to present a panorama, which is still small, of the possibilities of social research in this area. The discussions and reflections presented in the articles in this dossier, apart from questions of purely academic interest, deal with the perceptions of the major contemporary social controversies, with a strong science and technology component, many of them highlighted in the Brazilian and international media, such as energy issues, climate changes, pollution and industrial waste, human health, genetically modified foods, stem cells and gene therapies, food security and the safe use of natural resources, among other issues.

Science; Technology; Knowledge; Sociology of Science and Technology; Politics


DOSSIÊ

Jalcione AlmeidaI; Adriano PremebidaII; Fabrício Monteiro NevesIII

IProfessor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Sociologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Pesquisador CNPq

IIPesquisador e diretor técnico-científico da Fundação Djalma Batista, Manaus

IIIProfessor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Ciências Sociais

RESUMO

Este dossiê trata dos estudos sociais em ciência e tecnologia (ESCT) ou estudos em ciência, tecnologia e sociedade (CTS), em suas diversas abordagens que buscam uma unidade no esforço de compreender objetos de estudo, cada vez mais destacáveis nas sociedades contemporâneas. Movidos pelo contexto emergente dessas discussões em ambiente acadêmico no Brasil e tentando colaborar para diminuir o déficit de estudos e as reflexões nesta área em nosso País, os organizadores apresentam aos leitores sete artigos de autores nacionais e internacionais. Estes textos destacam as tendências da agenda de pesquisa nesta área de estudos, os embates teóricos ainda presentes e a diversidade de objetos de pesquisa possíveis em tão incipiente tradição acadêmica no Brasil. O que se poderá ver nesse dossiê é um apanhado de abordagens e temas de estudo que pretende formar um panorama, ainda pequeno que seja, das possibilidades de pesquisa social nessa área. As discussões e reflexões que induzem os artigos no dossiê, além das questões de interesse puramente acadêmico, circulam em torno das percepções das principais controvérsias sociais contemporâneas com forte componente científico e tecnológico, muitas delas em destaque na mídia brasileira e internacional, como, por exemplo, nas questões energéticas, das mudanças climáticas, poluição e rejeitos industriais, saúde humana, alimentos geneticamente modificados, células tronco e terapias gênicas, segurança alimentar e do uso de recursos naturais, entre outras.

Palavras-chave: Ciência. Tecnologia. Conhecimento. Sociologia da Ciência e Tecnologia. Política.

ABSTRACT

This dossier examines the social studies of science and technology (SSST), or studies in science, technology and society (STS), through their different approaches in search for unity, in an effort to comprehend objects of study that are more and more distinctive in the contemporary societies. Stimulated by the emerging context of these discussions within the Brazilian academic environment, the organizers present seven articles, by national and international authors, intent on contributing to a reduction in the deficit of studies in this area in Brazil. These texts examine the trends of the research agenda in this area of studies, the remaining theoretical debates, and the diversity of potential research subjects in the incipient Brazilian academic tradition. This dossier offers a collection of approaches and topics of study whose aim is to present a panorama, which is still small, of the possibilities of social research in this area. The discussions and reflections presented in the articles in this dossier, apart from questions of purely academic interest, deal with the perceptions of the major contemporary social controversies, with a strong science and technology component, many of them highlighted in the Brazilian and international media, such as energy issues, climate changes, pollution and industrial waste, human health, genetically modified foods, stem cells and gene therapies, food security and the safe use of natural resources, among other issues.

Keywords:Science. Technology. Knowledge. Sociology of Science and Technology. Politics.

Este dossiê trata dos estudos sociais em ciência e tecnologia (ESCT), ou estudos em ciência, tecnologia e sociedade (CTS), em sua multiplicidade de abordagens que buscam uma unidade no esforço de compreender objetos de estudo cada vez mais destacáveis nas sociedades contemporâneas.

Os ESCT se ramificaram em objetos de pesquisa variados, como, por exemplo: em investigações acerca dos condicionantes sociais da estruturação e autonomia do campo científico; na formação do conteúdo científico e tecnológico e sua compleição institucional, de acordo com diferenças culturais e regionais; nas relações com o complexo industrial e a caracterização do consumo contemporâneo das inovações tecnológicas; nas formas de decisão e escolhas sobre os grandes sistemas técnicos especializados que gerenciam a vida cotidiana; na relação entre peritos e leigos no contexto de produção e difusão desses conhecimentos; nos mecanismos e condições institucionais e sociais de estruturação da ciência e tecnologia por região e suas diferenças socioculturais; nos mecanismos de engajamento público em temas sociotécnicos; e nos estudos sobre os impactos socioambientais decorrentes da utilização de sistemas e artefatos tecnológicos no dia a dia.

A partir da década de 1970, começam a surgir novos programas de pesquisa em CTS que, influenciados pelo trabalho seminal de Thomas Kuhn (2003 [1962]), demarcam trabalhos clássicos de autores como Robert Merton, Derek de Solla Price, Joseph Ben-David e Warren O. Hagstrom, consolidando uma nova maneira de compreender a ciência e a tecnologia. Surgem pesquisas na área, com novos interesses, diferenciando-se das abordagens anteriores através das investigações fortemente voltadas às influências do contexto social na relativa determinação do conteúdo do conhecimento científico. Saem de cena os estudos descritivos e normativos sobre a comunidade científica e intensificam-se o que Knorr-Cetina e Mulkay (1992) apontam como as análises das atividades técnicas, julgamentos e interpretações dos cientistas, a partir de uma perspectiva sociológica muito mais abrangente e onde o conteúdo do conhecimento científico e as práticas internas da ciência passam a ser o foco de interesse dos cientistas sociais.

Atualmente, particularmente nos Estados Unidos e na Europa, os ESCT compreendem uma gama de iniciativas editoriais e institucionais influenciando pesquisas acadêmicas, debates sociais e políticas públicas. Esses estudos, caracterizados pela união de diversas abordagens e metodologias das ciências sociais, são, no entanto, ainda incipientes no Brasil. Somente nos últimos começam a surgir programas de pós-graduação, periódicos e eventos científicos especializados nessas abordagens e temas no país. Pela trajetória histórica e lugar ocupado pela ciência e tecnologia (C & T) na sociedade brasileira, tais estudos ainda são muito focados em políticas públicas de C & T e com abordagens teóricas limitadas, do ponto de vista dos resultados dos estudos empíricos.

Movidos pelo contexto emergente dessas discussões em ambiente acadêmico no Brasil e tentando colaborar para diminuir o déficit de estudos e reflexões nesse tema em nosso país, é que nós, organizadores desse dossiê, apresentamos aos leitores da revista Sociologias os artigos que seguem. O presente dossiê abriga um conjunto de textos nacionais e internacionais que destacam algumas abordagens nos ESCT; as tendências da agenda de pesquisa nesta área de estudos; os embates teóricos ainda presentes e a diversidade de objetos de pesquisa possíveis em tão incipiente tradição acadêmica no Brasil. O que se verá nos artigos desse dossiê é um apanhado de abordagens e temas de estudo que pretende formar um panorama, pequeno que seja, das possibilidades de pesquisa em tal área.

Além das questões de interesse puramente acadêmico, as principais controvérsias contemporâneas têm um forte componente científico e tecnológico, por exemplo, ligadas às questões energética, das mudanças climáticas, poluição e rejeitos industriais, saúde humana, alimentos geneticamente modificados, células-tronco e terapias gênicas, segurança alimentar e uso de recursos naturais, para citar apenas alguns temas. Como apontado por Mark Brown (2009), em ambientes democráticos, essas questões precisam ultrapassar o corriqueiro mecanismo de polarização política. Para isso, os estudos em ciência e tecnologia podem contribuir com a contextualização das variadas forças e atores envolvidos nos sistemas e controvérsias sociotécnicas, proporcionando, através de ferramentas conceituais, metodológicas e até institucionais, uma melhor compreensão das relações entre ciência, tecnologia e política.

O dossiê está organizado em sete artigos. De forma introdutória e abreviada, os organizadores tratam de alguns elementos teóricos e metodológicos dessa grande área de estudo, no sentido de dar suporte aos textos que formam o dossiê. Os autores, no artigo intitulado "Estudos sociais em ciência e tecnologia e suas distintas abordagens", buscam fornecer um painel das disputas no interior e no exterior do campo dos ESCT entre as distintas perspectivas que atualmente ocupam sociólogos, antropólogos e cientistas políticos, na composição desse rico cenário de pesquisa social. A argumentação dos autores pretende mostrar a prática científica como uma ação para além da pura contemplação humana na apreensão do mundo em seu caráter material e abstrato, algo muito diferente do que aparece em muitos livros-texto. Para isso, partem do pressuposto de que a ciência envolve uma socialização, uma execução rotineira de aprendizado formal e informal, exprimindo uma ativa diligência sobre substâncias, seres vivos, moléculas, proteínas, compostos químicos e artefatos técnicos, não apenas em um reflexo da realidade tal como ela é, mas construindo-a com a ajuda de máquinas e equipamentos de análise e organização de dados.

Na sequência, Ian Jarvie e Joseph Agassi, em seu provocador artigo "Por uma sociologia crítica da ciência", defendem que a sociologia da ciência, como está estabelecida, "é distorcida por uma suposta filosofia idealista que estimula uma atitude acrítica em relação ao que se supõe serem fatos". Para os autores, uma concepção fusionada, amalgamada de ciência e tecnologia deve ser considerada com mais cuidado, pois podem partir de análises e julgamentos pouco condizentes com os objetivos, organização social e estrutura institucional inerentes à ciência e à tecnologia e que causam sua diferenciação. Propõem uma sociologia crítica da ciência que faça a distinção entre ciência, ciência aplicada e tecnologia, que enfoque a falibilidade da ciência e da sua sociologia e que desconstrua toda pretensão de autoridade. De forma construtiva, os autores esboçam uma sociologia da ciência "que envolve as formas elementares da vida científica, bem como a ciência 'normal' contemporânea, burocratizada e militarizada".

Como justificar o surgimento de controvérsias públicas no campo da saúde ambiental? Que processos permitem compreender a evolução dessas controvérsias? Qual o papel dos cidadãos sobre esse tipo de questões? Tendo como base essas interrogações, Yannick Barthe, Madeleine Akrich e Catherine Rémy, no artigo "As investigações 'leigas' e a dinâmica das controvérsias em saúde ambiental", propõem um quadro de análise para captar a dinâmica geral das controvérsias em saúde ambiental e, em particular, o papel que os "leigos" assumem, nessa questão, nas sociedades democráticas. O artigo ressalta a importância inédita que o trabalho de investigação, feito por não-especialistas ocupa nessas mobilizações para tornar tangível a existência de um problema sanitário ligado a seu meio ambiente.

Já Léa Velho, em seu artigo "Conceitos de ciência e a política científica, tecnológica e de inovação", sustenta o argumento de que a política científica, tecnológica e de inovação (PCTI) sofre um processo de internacionalização (no que se refere às bases conceituais, à estrutura organizacional, aos instrumentos de financiamento e às formas de avaliação) e que sua evolução histórica está fortemente correlacionada com a evolução do conceito dominante de ciência. Tais similaridades, segundo a autora, são convencionalmente atribuídas a dois fatores: a) à transformação radical da percepção e da imagem que o público tem da ciência e de seus impactos, a partir do final da Segunda Guerra; e b) ao fato de que, pouco a pouco, tanto a imagem pública da ciência quanto o modelo normativo-institucional passaram a ser adotados pelos governos da maioria dos países industrializados e também pelos países em desenvolvimento, particularmente os latino-americanos. A autora busca, então, evidenciar a relação entre o conceito de ciência e a lógica da PCTI que se constitui naquilo que chama de "paradigmas da política científica e tecnológica".

O quinto artigo apresentado, "Consumo tecnológico e educação tecnológica: fundamentos filosóficos para um projeto futuro", salienta a importância de ampliar crítica e coletivamente os desafios que aparecem no caminho do desenvolvimento econômico e produtivo acelerado de nossos dias, facilitado pelo conhecimento tecnológico e suas práticas associadas. Diferentemente dos estudos centrados na explicação ou na discussão dos processos de produção tecnológica, o trabalho de Fernando Tula Molina pretende enfatizar a importância de ampliar a consciência sobre nossas práticas individuais e coletivas de consumo através da educação. O autor espera que as reflexões realizadas permitam contribuir para instalar o debate sobre a necessidade de implementar currículos de educação tecnológica que possam acompanhar e contextualizar o valor das inovações tecnológicas nos diversos ambientes sociais locais. Espera também, que uma maior consciência coletiva possibilite maior participação cidadã em temas de C & T, e redimensione o peso político, tanto da "comunidade de consumidores", como das "comunidades de afetados" sobre os diferentes caminhos e possibilidades tecnológicas abertas pelas vias da inovação.

O princípio da precaução deve redefinir a forma de gerir a incerteza científica em uma sociedade caracterizada pela indefinição das fronteiras entre atores políticos e subpolíticos. Este é o pressuposto que Sébastien Brunet, Pierre Delvenne e Geoffrey Joris assumem em seu artigo intitulado "O princípio da precaução como ferramenta estratégica para redesenhar a (sub)política: compreensão e perspectivas da ciência política de língua francesa". Os autores sustentam que, na aplicação do princípio de precaução, há uma linha de ruptura que reduz a margem de manobra decisória de determinadas entidades subpolíticas, enquanto incentiva outras a agirem. Contudo, enfatizam que, em um mundo cada vez mais globalizado e interligado, os efeitos da aplicação do princípio da precaução são temporários e locais. Ainda assim, este princípio pode contribuir para importantes debates a serem desenvolvidos em espaços institucionais, para o que os autores chamam de "uma ação reflexiva antecipatória e de apoio à decisão".

Por fim, o sétimo artigo apresentado, "Desenvolvimento sustentável 'made in Quebec': políticas de proteção ao meio ambiente e biotecnologias", de Gilles Bibeau, propõe-se a avaliar a situação das políticas ambientais governamentais, principalmente no Quebec, que adotou em abril de 2006 a lei sobre o desenvolvimento sustentável. O autor trata destes assuntos, dedicando-se ao lugar que os laços entre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e bioindústria ocupam nos trabalhos dos cientistas sociais e no pensamento da população em geral. Sob a ótica de "um novo humanismo", pretende tratar os desafios, consequências e questões que as diversas formas de intervenção estatal revelam, manifestando um nítido crescimento da presença do Estado, não somente nos setores tradicionais, mas também na bioindústria. De forma crítica, Gilles Bibeau levanta algumas questões sobre a "seriedade" do envolvimento do governo quebequense quando adotou a lei em questão, que, segundo o autor, não parece ter iniciado "uma autêntica virada na filosofia do desenvolvimento". De forma complementar, reflete sobre o porquê de os sociólogos, antropólogos e outros especialistas dos fenômenos sociais demorarem tanto para se abrirem às questões ambientais e por que é tão pequena, ainda hoje, a presença dos especialistas das ciências sociais nos debates públicos sobre os diferentes problemas relacionados ao meio ambiente, sobretudo no Quebec.

  • BROWN, Mark B. Science in Democracy: Expertise, Institutions and Representation Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2009.
  • KNORR-CETINA, Karin; MULKAY, Michael (Eds). Science Observed: Perspectives on the Social Study of Science London: Sage, 1992.
  • KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas 7Ş ed. São Paulo: Perspectiva, 2003 [1962]
  • Apresentação

    Introduction
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      2011
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