Noções socialmente construídas de certo e errado, bem e mal, justo e injusto orientam a vida dos indivíduos, dando sentido às suas escolhas e ações, e refletem-se nos grupos sociais, especialmente nos valores e normas que informam e orientam suas relações, atividades e modos de organização. Isso significa que a compreensão do mundo social faz-se necessariamente em termos morais. Por essa razão, a Moral foi sempre central para a sociologia, desde os seus primórdios, embora o tema tenha permanecido adormecido durante metade do século 20, ressurgindo apenas a partir dos anos 2000 como foco de interesse das pesquisas.
Em sua trigésima nona edição, Sociologias traz aos seus leitores importantes contribuições para a reflexão teórica sobre a moral e para a construção de uma sociologia da moral contemporânea, renovada, e capaz de dialogar com outras disciplinas do campo das ciências sociais e humanas bem como com outros campos de saber. O dossiê "Sociologia e Moral" organizado por Raquel Weiss e Massimo Rosati busca oferecer um leque amplo e plural de perspectivas teóricas sobre o tema da moral, visando informar sobre alguns dos principais debates desenvolvidos em torno da mesma, e introduzir um diálogo sobre essa temática com outras áreas de conhecimento. A pluralidade se reflete também nas diferentes nacionalidades dos autores que compõem o dossiê: EUA, Brasil, Itália, Reino Unido, França e Alemanha. Massimo Rosati, co-organizador do dossiê, infelizmente não viu seu resultado final, pois partiu precocemente em janeiro de 2014. Esta publicação é, portanto, também uma homenagem póstuma a esse pesquisador dedicado aos estudos sociológicos da religião e da moral, que buscava reinterpretar e atualizar a obra também inacabada de Durkheim sobre o tema.
Na seção de artigos, a presente edição oferece três interessantes trabalhos de pesquisa com enfoque empírico e teórico. No primeiro, "Imigrantes brasileiros no Québec: entre integração e mobilidade", Márcio de Oliveira e Fernando Kulaitis analisam o comportamento e as expectativas de imigrantes brasileiros na província do Québec, Canadá, frente às políticas de imigração daquela região que enfatizam a adesão ao fait français e uma integração intercultural voltada a visibilizar as minorias como comunidades culturais. No segundo artigo, "Soberania alimentar: uma perspectiva cética", Henri Bernstein discute a questão da soberania alimentar como um programa político portador de postulados, expectativas e prescrições, buscando identificar e problematizar os diversos elementos que a estruturam. Entre esses elementos, o autor destaca a oposição à agricultura industrial e suas consequências ecológicas, no contexto da globalização; a promoção do "modo camponês" de produção como base de um sistema alimentar sustentável e socialmente justo; e um programa de ação para a concretização desses objetivos. Manifestando-se cético especialmente em relação ao último ponto, o autor mobiliza uma vasta literatura para discutir conceitos e postulados envolvendo a questão e justificar sua perspectiva. O terceiro artigo, "O projeto de transparência do Senado Federal: entre a accountability e a propaganda política", de Antonio Teixeira de Barros, analisa o contexto de implantação do projeto de transparência no Senado Federal, bem como as relações entre os enunciados políticos, suas lógicas de ação e de justificação. As análises comparativas dos discursos dos atores envolvidos revelam que o projeto de transparência tem servido a dois propósitos - o de prestação de contas, determinado pela Lei de Acesso à Informação e o de propaganda política, especialmente por parte do presidente daquela casa legislativa.
Na seção Interfaces, Rosangela Schulz e Maria Lúcia Moritz apresentam um estudo sobre a participação das mulheres nos processos eleitorais, tomando como objeto as eleições de 2010 para a Assembleia Legislativa do RS. Em "Mulheres vitoriosas na política: estudo comparativo entre as candidaturas ao cargo de deputado estadual no RS em 2010", as autoras traçam um quadro comparativo entre os capitais políticos necessários a mulheres e a homens para alcançar um mandato no legislativo estadual, destacando a enorme disparidade ainda existente, apesar da política de cotas, e as maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres para reunir o capital adequado para competir com possibilidades de vitória.
Por fim, na seção de Resenhas, Francisco Thiago Vasconcelos contribui com uma resenha comentada do livro L'invention de la violence: des peurs, des chiffres, des faits, do sociólogo francês Laurent Mucchielli, que aborda as questões da violência e da segurança no contexto da sociedade francesa, a partir da perspectiva histórica das representações sobre a violência e da crítica à construção política dessas representações em suas interfaces com outras questões sociais.
Temas densos e provocativos compõem esta edição que, esperamos, inspirem a reflexão e novos debates entre nossos leitores e possam contribuir para o aprofundamento de temas fundamentais à nossa disciplina e a ao indispensável diálogo interdisciplinar.
Boa leitura!
Antonio David CattaniMaíra Baumgarten
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Ago 2015