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Rastreando os territórios da aprendizagem organizacional no Brasil

Tracking the territories of organizational learning in Brazil

Resumo

O artigo pretende contribuir para o debate sobre os modos de produção do conhecimento científico no Brasil, por meio da análise dos fluxos e das mobilizações que ajudaram a constituir uma especialidade na área da Administração - a disciplina de Aprendizagem Organizacional. Como ponto de partida, a investigação assume uma coletânea de textos que sistematiza alguns dos principais investimentos empreendidos nas últimas duas décadas por especialistas brasileiros. A partir desse artefato científico, propomos seguir os fios que conectam pessoas, ideias e instituições em torno de uma rede acadêmica em expansão no país. Nesse sentido, o texto apresenta um conjunto de relações intelectuais e profissionais que favoreceram a postulação das formas legítimas e estáveis de investigação dos processos de aquisição do conhecimento como práticas corporativas situadas. Ao final, não teremos a pretensão de reconstituir a história da aprendizagem organizacional, mas de oferecer uma visão alternativa ao modo como a área tradicionalmente se identifica.

Palavras-chave:
Análise de Redes Sociais; Ciências da Administração; Estudos Organizacionais; Sociologia da Ciência; Teoria Ator-Rede

Abstract

This work contributes to the studies on modes of scientific knowledge production in Brazil by means of the examination of the flows and mobilizations that helped to constitute the Organizational Learning discipline, in the area of Administration. To this end, the present research draws on a collection of texts that seeks to systematize the main investments and perspectives of the discipline over the last decade. Based on this scientific artifact, we follow the threads connecting people, ideas and institutions around an academic network in expansion in the country. Finally, we present an alternative view on how the field is traditionally characterized.

Keywords:
Actor - Network Theory (ANT); Science and Technology Studies (STS); Organizational Learning and Knowledge Management; Organization Studies; Brazil

Apresentação

Este artigo começou a desenhar-se quase que ao acaso, em meio a um passeio pelas prateleiras eletrônicas do Google Books. Estávamos entusiasmados com o rendimento da teoria ator-rede em nossas pesquisas e queríamos descobrir se ela também estaria impactando áreas diferentes daquelas imediatamente identificadas aos “estudos científicos”1 1 Por “estudos científicos” estamos nos referindo à multiplicidade de abordagens que, em diálogo com as teorias sociais, vêm se articulando em torno da investigação dos efeitos e dos significados das ciências e das tecnologias nas sociedades contemporâneas. Uma introdução dessas diferentes abordagens pode ser encontrada nas obras de Knorr-Cetina et al. (1992), Law et al. (1999), Mackenzie et al. (1999), Cutcliffe et al. (2001), Jasanoff et al. (2004) e Johnson e Wetmore (2009). . Depois de algumas buscas frustradas, a nossa intuição nos levou à seção de Ciências da Administração. Havia muitos livros ali catalogados, mas nenhum deles parecia ser tão pertinente quanto aquele com capa preta e um título ambicioso: Aprendizagem Organizacional no Brasil, de Claudia Simone Antonello e Arilda Schmidt Godoy (20112 ANTONELLO, C. S.; GODOY, A. S. Aprendizagem Organizacional no Brasil. Porto Alegre: Bookman, 2011.), contando com a colaboração de várias outras pessoas especialistas no tema. A obra estava em sua primeira edição e oferecia vinte e cinco capítulos recheados com análises de práticas, processos, concepções e estratégias metodológicas voltadas ao estudo de empreendimentos públicos e privados no país. Não tínhamos nenhuma segurança sobre o que exatamente encontraríamos naquelas páginas - assim mesmo, fizemos uma aposta.

Desse modo, enquanto avançávamos na procura de qualquer pista relacionada à teoria ator-rede, fomos nos aproximando, mais e mais, do “coração” da obra. Percebemos que se tratava do resultado final de um esforço coletivo dedicado a inserir novos conjuntos intelectuais no interior da rede internacional dos estudos sobre organizações. Um “artefato científico” que reivindicava inclusão, mas sem abrir mão de suas particularidades locais. Isso ficou evidente logo na leitura da Apresentação, redigida por Luis Araujo, na qual estampava-se a intenção de que a coletânea fosse recebida como “um marco importante no desenvolvimento de uma abordagem à Aprendizagem Organizacional (AO) distintamente brasileira” (Araujo, 2011, p. viii). Mais do que a construção de perspectivas nacionais para o estudo dos processos de conhecimento e de aprendizagem nas diversas empresas ou instituições pelo país afora, esse primeiro contato com a coletânea nos despertou certa inquietação em compreender o modo pelo qual aqueles textos narravam o território acadêmico em que eles próprios se viam inseridos.

Então, partimos, naquele instante, para uma rápida consulta da Introdução da obra. Escrita por Miguel Pina e Cunha, o texto dava continuidade à apresentação, trazendo o seguinte subtítulo: The times they are a-changing: a sociedade organizacional à entrada do século XXI. Mesmo sem a pretensão de realizar uma rigorosa análise do discurso, a frase nos soou bastante representativa dos propósitos da obra. Primeiramente, pela sinalização da chegada de um período de mudanças que, ao menos na canção de Bob Dylan (Sony BMG, 1964), também poderia simbolizar a necessidade de ultrapassar uma tradição já estabelecida. Posteriormente, com a transição da escrita do inglês para o português, anunciando um sentido geopolítico que estaria implícito em tais mudanças. Por fim, por meio da menção a uma “sociedade organizacional” mundializada pela existência de uma dinâmica global de produção do conhecimento científico, mas também localizada linguística e nacionalmente em relação aos seus desafios futuros. Configurava-se, assim, o retrato panorâmico de uma prática de pesquisa bem delimitada.

A coletânea de fato era o resultado de um trabalho articulado que visava sistematizar a produção acadêmica oriunda de determinados grupos e centros de pesquisa em AO espalhados pelo Brasil. Uma atividade nem um pouco estranha a outras áreas do conhecimento, sobretudo aquelas mais acostumadas com intensas disputas pela constituição, manutenção e expansão de suas “sociedades epistêmicas”, mas que, ainda sim, parecia possuir certa singularidade: a obra não apenas introduzia diferentes abordagens sobre uma agenda comum de problemas de pesquisas, como também se colocava positivamente no centro desse processo, na qualidade de agente privilegiada que, de algum modo, participaria ativamente da produção intelectual deste ramo das ciências da administração. Isso mesmo: aquele livro “audacioso” chamava para si a responsabilidade de reconstituir a própria rede de estudos brasileiros que estaria se formando ao longo dos últimos vinte ou trinta anos em torno da análise e compreensão dos processos organizacionais.

Daquele momento em diante, nosso interesse inicial de rastrear a presença da teoria ator-rede nos estudos organizacionais se desfez para adquirir uma nova forma. O que aconteceria se deixássemos de perseguir a influência abstrata dessas referências metodológicas e conceituais para nos concentrarmos na própria rede de mobilizações que constitui e legitima as teorias de AO no Brasil? Agindo dessa maneira não estaríamos sendo mais justos tanto com os propósitos da obra quanto com a perspectiva dos estudos científicos? Vestígios da teoria ator-rede até estavam lá, na qualidade de investigações emergentes dedicadas às práticas de aprendizagem ou mesmo nas indicações discretas às obras de Bruno Latour, Steve Woolgar e de seus colegas de trabalho2 2 Dezoito menções à teoria ator-rede foram identificadas em seis capítulos da obra. Tais referências foram utilizadas para descrever perspectivas “emergentes” nos estudos em AO que se dedicam às investigações baseadas em práticas e ao papel dos objetos (não humanos) nos processos organizacionais de aprendizagem. . Contudo, percebemos que, no lugar de cartografar os modos de entrada de tais estudos na área da administração (Lacruz et al., 201713 LACRUZ, A. J.; AMÉRICO, B. L.; CARNIEL, F. Teoria ator-rede em estudos organizacionais: análise da produção científica no Brasil. Cad. EBAPE, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 574-96, jul./set., 2017.), aquela coletânea também oferecia a possibilidade de acessar a cadeia de relações que articulava ideias, instituições, pesquisadores e pesquisadoras e fenômenos de pesquisa na fabricação do território brasileiro das teorias de AO.

Assim, resolvemos elaborar este artigo com o desejo de contribuir com o estudo dos processos de produção do conhecimento científico no Brasil, a partir do exame dos fluxos e das mobilizações que ajudaram a constituir uma especialidade na área da administração - a disciplina de Aprendizagem Organizacional (AO), do campo de Aprendizagem Organizacional e Gestão do Conhecimento3 3 Tradicionalmente esse campo de estudos é classificado em quatro grandes eixos: Aprendizagem Organizacional (AO), Conhecimento Organizacional (CO), Organização que Aprende (OA), e Gestão do Conhecimento (GC). . Especificamente, trataremos da construção de um artefato científico específico (um livro) que veicula perspectivas para o estudo das formas e dos processos de aquisição de conhecimentos nas corporações, situando seus enunciados em uma rede de trabalho voltada ao exame das práticas de aprendizagem organizacional pelo país afora. Desse modo, propomos a utilização da noção de “inscrição literária” como uma ferramenta teórico-metodológica capaz de descrever redes de trabalho intelectual por meio das micro-operações que possibilitam a elaboração de seus conhecimentos especializados (Américo et al., 20171 AMÉRICO, B. L.; CARNIEL, F.; FANTINEL, L. D. A noção de cultura nos estudos contemporâneos de Aprendizagem Organizacional no Brasil: desvendando a rede com o uso da inscrição literária. Cad. EBAPE, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 21-39, jan./mar. 2017.). O objetivo, portanto, será o de partir do discurso fixado pela coletânea e, através dele, compreender como determinado conjunto de textos científicos, organizados para situar suas pesquisas enquanto “distintivamente nacionais”, conseguia estabelecer uma rede de associações materiais e simbólicas que contribuem para sustentar e manter uma parcela das proposições teóricas e dos investimentos empíricos da AO no país. Após essa entrada no campo de análise, seguiremos os fios que conectam pessoas, ideias e instituições em torno de uma rede de trabalho em expansão, a partir das trajetórias públicas inscritas em currículos acadêmicos formalmente elaborados. Ao final, esperamos apresentar uma visão alternativa àquela que especialistas já oferecem sobre o seu próprio trabalho.

Sentidos polissêmicos da aprendizagem organizacional

As pessoas não familiarizadas com a constelação teórica e conceitual das disciplinas que compõem o universo da administração podem ter alguma dificuldade em aceitar a correlação estabelecida muito apressadamente na apresentação deste artigo; afinal, seria tão óbvia assim a cientificidade das pesquisas em AO? A habitual divisão entre ciências sociais ditas “puras” e ciências sociais “aplicadas” indica uma partilha desigual do controle do conhecimento gerado em cada um desses ramos. Enquanto algumas áreas como as de antropologia, de ciência política e de sociologia conquistaram, ao longo do século XX, certa propriedade intelectual sobre seus objetos, conferindo-lhes amplo domínio de suas produções, outras, nesse mesmo período, foram submetidas à condição simbólica de replicadoras de raciocínios importados e “logicamente” estranhos aos seus interesses “não científicos”4 4 A ironia dessa forma de acusação, que geralmente recai sobre a suposta “influência do mercado” na constituição dos cursos e programas de administração, está na assimetria com que se avalia a atividade científica em geral – enquanto em algumas áreas o conhecimento é necessariamente político, contingente e socialmente produzido, em outras tais processos se tornam o indicativo de sua “contaminação”. . O problema desta forma de classificação é que nos obriga a acreditar na existência de um “mistério” epistemológico por detrás de todo e qualquer processo de produção do conhecimento científico5 5 Ao invés de aceitar a “eliminação das circunstâncias” que possibilitam a emergência dos fatos científicos enquanto o resultado final de uma suposta “descoberta”, Michel Serres (1977) propõe que os estudos da ciência se debrucem sobre a dimensão prática das diversas “traduções” que constituem e articulam o objeto e o contexto de investigação enquanto realidades estáveis e interdependentes. .

Uma opção mais realista para lidar com essa questão está relacionada com a tentativa de entender como, no começo do século XXI, esse “campo de batalha” pôde alterar-se no Brasil, gerando a progressiva conquista de credibilidade e autonomia para os estudos em AO. Encontramos um primeiro indício da transformação no estatuto científico da disciplina no relatório trienal publicado em 2013 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior para as áreas de Administração, Ciências Contábeis e Turismo. Depois de avaliar 121 dos 131 programas nacionais de pós-graduação - sendo 96 deles em administração - o documento observava a expansão desses mestrados e doutorados em cerca de 10% ao ano desde o início deste século. Um crescimento que seria seguido pelo aumento expressivo no número de titulações conferidas - em 2004, por exemplo, graduaram-se com mestrado 892 pessoas, 487 com mestrado profissional, e 114 com doutorado; em 2011, 1384 graduaram-se com mestrado, 572 com mestrado profissional, e 224 com doutorado. Diante desse cenário, não é difícil perceber que o aumento no volume de publicações em AO no país foi acompanhado de investimentos crescentes na ampliação material do território das ciências sociais aplicadas6 6 Takahashi e Fischer (2009) argumentam que o crescimento das publicações sobre AO e os esforços de revisão de literatura também constituem evidências de que a disciplina consolidou-se no país, assegurando estatuto científico para as pesquisas teóricas e empíricas produzidas no período. .

Precisávamos saber, entretanto, de que modo o conhecimento desenvolvido pelas pesquisas em AO estaria circulando por essa rede e conferindo legitimidade científica para quem o produz. Por sorte, os dois capítulos iniciais da coletânea organizada por Antonello e Godoy, redigidos pelas próprias pesquisadoras, foram dedicados à reconstituição histórica do que diziam ser as principais perspectivas teórico-metodológicas que influenciaram o desenvolvimento da disciplina. No primeiro deles, intitulado Aprendizagem Organizacional e as raízes de sua polissemia, fomos convidados a passear pelo legado intelectual que contribuiu com a formação de um corpo conceitual para a AO no interior do campo discursivo da administração. Tradições que, segundo as autoras, teriam emergido dos estudos administrativos europeus e norte-americanos, no início dos anos de 1960, para eclodirem em diferentes conceitualizações, duas décadas mais tarde, através do sucessivo cotejamento com áreas tão diversas quanto as da psicologia, da história, da engenharia, da economia e das ciências sociais.

Tal narrativa, ainda que reconhecesse o caráter multidisciplinar das pesquisas da década de 1980, não deixou de enfatizar sua profunda identidade com o conhecimento elaborado em outras subáreas da administração, como as de organizações, estratégia, gestão e planejamento. Nesse sentido, conforme proposto pelo capítulo, para

avançar na compreensão da aprendizagem organizacional tem-se, então, como desafio manter a energia e a vitalidade que se originaram das diversas perspectivas com que o assunto tem sido abordado e, simultaneamente, delinear e discutir algumas questões e características básicas que tornam esse conceito peculiar, separando-o de outros a ele relacionados (Antonello; Godoy, 20112 ANTONELLO, C. S.; GODOY, A. S. Aprendizagem Organizacional no Brasil. Porto Alegre: Bookman, 2011., p. 32).

Era justamente essa singularidade das perspectivas teórico-metodológicas empregadas nas pesquisas que configuraria a forma “peculiar” de se construir a aprendizagem organizacional enquanto um problema distintivamente administrativo. Pesquisadores e pesquisadoras que não estariam meramente “aplicando” conceitos já estabelecidos em outras redes científicas, mas que deveriam se apropriar do legado polissêmico e multidisciplinar da AO para produzir, a cada investigação, novas conceitualizações que contribuíssem com o aumento notável de suas publicações7 7 Esforços similares já foram elaborados nos trabalhos de Antonello e Ruas (2003) e Loiola e Bastos (2003). .

Figura 01
Crescimento das publicações sobre AO na área (1960-1990).

Ao menos, essa foi a estratégia discursiva adotada pelas autoras para nos conduzir à década de 1990; um momento em que o impacto das abordagens internacionais de AO fora absorvido no Brasil e ressignificado em torno de uma agenda renovada de pesquisas nacionais. Nesse sentido, a disciplina surgiria nos programas de pós-graduação e nos grupos de pesquisa distribuídos pelo país a partir do delineamento de uma postura geral que fundamentava os estudos empíricos em torno do que elas consideravam como as “quatro dimensões” epistemológicas da aprendizagem: seu nível analítico (individual ou interpessoal); a neutralidade da investigação; sua diferença em relação à noção de mudança organizacional; e sua dimensão processual. Desse modo, os estudos brasileiros em AO puderam embarcar no movimento mundial de cientificização da disciplina por meio da constituição de uma rede interessada em criar certa marca local para a especialidade.

No capítulo seguinte, Cartografia da Aprendizagem Organizacional no Brasil: uma revisão multiparadigmática, as autoras deram sequência a essas reflexões, procurando mapear a força e a direção que a recente rede de estudos em AO adquiriu no país, particularmente, entre os anos de 2001 e 2005. A partir do levantamento de 96 artigos publicados em quatro periódicos e dois anais de congressos da área, todos classificados com o conceito A pela Capes, o texto propôs a análise panorâmica dos fenômenos estudados e das perspectivas teóricas mobilizadas nos escritos. Para isso, foi elaborado um instrumento metodológico que categorizava o “campo” e “os temas” de pesquisa por meio da formulação de um “raciocínio indutivo” que identificasse determinados “padrões, visões divergentes, contrastes e conexões” entre os artigos (Antonella; Godoy, 2011, p. 52).

Desse modo, as autoras ofereceram uma interpretação sintética do que poderíamos chamar de a “diversidade” de enunciados e a “dispersão” de referências presentes nos textos investigados. Agrupando-os em diferentes “bases teóricas”, “perspectivas sobre aprendizagem” ou “paradigmas”, elas tentam traduzir a complexidade conceitual e temática encontrada nos artigos por meio da criação de alguns critérios de classificação orientados por outros trabalhos da área. O efeito final desta interpretação, contudo, foi a polarização dos escritos sobre AO em duas posições antagônicas: de um lado, pesquisas “normativas” ou “prescritivas”; do outro, pesquisas “descritivas” ou “neutras”. Essa cisão entre dois enfoques fundantes da disciplina sugeria uma disputa para a qual aquela obra já havia assumido sua posição - uma vertente “técnica” ou “cognitiva”, que utilizaria o conceito de “Organizações que Aprendem” (OA), e outra “científica”, que consideraria o caráter processual da “Aprendizagem Organizacional” (AO).

Figura 02
Perspectivas teóricas adotadas no Brasil (2001-2005).

Embora não tivéssemos elementos suficientes para entrar nessa polêmica acerca da validade ou da cientificidade dos estudos em AO - porque não conhecíamos o conteúdo empírico que estaria sustentando tais interpretações e nem mesmo estávamos cientes das possíveis versões que concorreriam com a história dessas teorias -, foi exatamente esta “ignorância” que possibilitou a indagação de algo que permaneceu invisível ao longo da redação da obra: haveria alguma semelhança entre o conhecimento das práticas de aprendizagem e o conhecimento gerado sobre o conhecimento das práticas de aprendizagem? Independentemente da metafísica empregada na solução desse problema, a existência de uma prática administrativa que produz um processo de aprendizagem em uma empresa é diferente do conhecimento sobre essa prática administrativa que vai parar em um livro ou artigo. Porém, ambos existem e parecem manter-se em uma mesma rede de significados; uma rede sustentada pelas próprias teorias de AO. Para não oferecer a mesma resposta tautológica de epistemólogos e epistemólogas, optamos por retornar ao nosso “objeto” antes que ele fosse completamente “compreendido” pelos caminhos habituais da interpretação científica.

Portanto, no lugar de refutar ou de reafirmar perspectivas hoje hegemônicos na área, este artigo apresenta uma análise alternativa, inspirada na noção de “inscrição literária”, com a intenção de retraçar os caminhos pelos quais determinadas ideias se inscreveram no campo discursivo da AO por meio daquilo que os próprios textos (e seus contextos) podem nos informar; ou seja, seus modos de existência em redes de trabalho intelectual que articulam cientistas, instituições, objetos de pesquisa e concepções teóricas em torno da elaboração de conhecimentos especializados. Formulada originalmente por Jaques Derrida (19766 DERRIDA, J. Of grammatology. Baltimore: Johns Hopkins University, 1976.) e posteriormente mobilizada por Latour e Woolgard (199717 LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida em laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.) em sua etnografia no Instituto Salk, na Califórnia, a noção de inscrição literária aplicada à prática científica representa uma estratégia teórico-metodológica de análise de conteúdos que sinaliza tanto o caráter contingente do conhecimento especializado quanto a sua natureza relacional e polissêmica. Afinal, trata-se de compreender o “processo material lento e prático pelo qual as inscrições se superpõem e as descrições são mantidas ou refutadas” (Latour e Woolgard, 1997, p. 266). Assim, talvez seja possível perceber que a realidade abstrata dos fatos ou das teorias emerge como a consequência, e não a causa, dos procedimentos materiais e das trajetórias intelectuais que favoreceram a sua postulação.

Caminhos bifurcados

Ao longo da leitura que realizamos da coletânea Aprendizagem Organizacional no Brasil, constatamos a coexistência de diferentes estratégias retóricas que sustentavam e organizavam o conteúdo de seus capítulos. Em princípio, elas não diferem do que se pratica em outros ramos da atividade científica. Dividida em duas partes - Aspectos teóricos: possibilidades e impossibilidades a partir da teoria e Aprendizagem Organizacional: possibilidades e impossibilidades a partir dos estudos desenvolvidos - a obra construía e articulava conjuntos empíricos e conceituais declaradamente representativos dos estudos brasileiros em AO. Na primeira parte, composta por oito capítulos, sete autores e autoras apresentavam algumas das “grandes narrativas” teóricas que estariam disputando hegemonia na interpretação dos fenômenos estudados. Tratava-se de uma tentativa de cartografar as principais vertentes analíticas e tendências conceituais empregadas pela disciplina na última década. Considerando as principais influências disciplinares e níveis de análise mobilizados nos estudos em AO, procuramos sistematizar, na figura abaixo, as referências teórico-conceituais oferecidas pelas próprias autoras para situar o campo discursivo no qual a obra pretendeu se inserir (Antonello; Godoy, 20112 ANTONELLO, C. S.; GODOY, A. S. Aprendizagem Organizacional no Brasil. Porto Alegre: Bookman, 2011., p. 42).

Figura 03
Campo discursivo das teorias de AO no Brasil (2001-2005).

Essa figura, um tanto estática, das principais categorias e perspectivas oferecidas pela coletânea, não deve sugerir que o trabalho de construção e de ordenação das ferramentas de análise empregadas na disciplina dependa exclusivamente de seu potencial em “revelar” lógicas sociais ou cognitivas das organizações brasileiras. Se aceitarmos o caráter socialmente construído dos conhecimentos científicos, talvez possamos considerar que a facticidade daqueles postulados também precisa ser encarada como a causa e não a consequência do universo empírico que, paradoxalmente, afirmam representar. Isso porque, ao reorganizar seus problemas e seus objetos pesquisados em uma linguagem suficientemente persuasiva para a área, as categorias empregadas por autores e autoras acabavam se afastando das inúmeras controvérsias que teriam permitido a sua postulação para se estabelecer enquanto realidades “seguras”; ou ainda, como fatos “estáveis” que fundamentariam a organização de toda uma rede de pesquisas. A seguir, tentamos materializar esse movimento a partir da exposição dos objetos explorados pelos dezoito estudos empíricos distribuídos nos capítulos da segunda parte da coletânea.

Figura 04
Contextos e fenômenos empíricos abordados pela obra.

Com base em uma estruturação teórico-conceitual prévia do espectro de possibilidades de análise, como se pode perceber na relação entre as Figuras 03 e 04, a obra recriou o sentido e a direção das pesquisas empíricas por ela reunidas para oferecer uma visão panorâmica das investigações contemporâneas da área - confirmando, assim, a própria validade do sistema de classificação utilizado. Em outras palavras, a organização dos textos em duas sessões (teórica e empírica) procurava persuadir leitores e leitoras de que o referencial mobilizado, ao mesmo tempo em que representava uma espécie de síntese dos esforços realizados por algumas gerações de estudos na disciplina, também operava como o fundamento dos novos estudos demonstrados pela coletânea. Portanto, era como se, uma vez estabelecidos enquanto fatos validados por uma rede de trabalho, as categorias utilizadas na investigação dos fenômenos empíricos se cindissem em duas entidades distintas. Por um lado, seguiam sendo uma sequência de palavras que comunicariam algo provável a respeito de um objeto particular; por outro, esses mesmos enunciados se transformavam em fenômenos independentes dos fenômenos anteriormente estudados, ativando uma gramática já consolidada pelo estudo de outras problemáticas correlatas.

Figura 5
Sobre a ambivalência dos enunciados científicos.

Essas operações, por meio das quais fenômeno e interpretação do fenômeno se reforçam mutuamente, abundavam na coletânea analisada. Em um dos capítulos da parte empírica, por exemplo, Éder Henriqson e Juliana Kurek (20118 HENRIQSON, E.; KUREK, J. As interconexões do conhecimento tácito e explícito em nível individual e coletivo: o treinamento de gerenciamento de recursos de equipes na aviação. In: ANTONELLO, C. S.; GODOY, A. S. Aprendizagem Organizacional no Brasil. Porto Alegre: Bookman, 2011.) procuraram compreender o modo como determinados pilotos de empresas aéreas brasileiras estariam significando os conceitos de Crew Resource Management (CRM), recentemente fixados pela Agência Nacional de Aviação (Anac). Os resultados dessa pesquisa permitiram que Henriqson e Kurek afirmassem algo além da existência de diferentes caminhos no processo de aprendizagem organizacional do CRM por parte dos pilotos entrevistados. Seu texto pôde, igualmente, confirmar que as categorias descritas pela literatura especializada (“conhecimento tácito” e “conhecimento explícito”) operariam nos níveis “individuais” e “coletivos” e concorreriam com as “práticas de reflexão na ação” para geração de novos conhecimentos - indicando a necessidade dos estudos em AO adotarem uma perspectiva de aprendizagem baseada em práticas.

O que pretendemos reter nesse caso é o que Latour e Woolgar (199717 LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida em laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997., p. 194) já chamaram de um processo de “cisão e inversão” nos significados dos enunciados científicos - uma estratégia discursiva que atribui objetividade e realidade à atividade de pesquisa. No capítulo mencionado anteriormente, a narrativa iniciava-se com a construção de um objeto de estudo que pretendia dizer algo a respeito da implementação de novas medidas de segurança na aviação comercial brasileira. Tal construção, entretanto, apenas conquistaria credibilidade na medida em que conseguisse traduzir esse fenômeno particular a partir de um conjunto de categorias e perspectivas de análise que, por sua vez, permitiriam a fabricação de ferramentas e procedimentos para a coleta e análise das entrevistas8 8 A noção de “credibilidade” é utilizada por Latour e Woolgar (1997) para designar os “custos” despendidos para que as fabricações da ciência tenham “crédito”, considerando os investimentos financeiros, profissionais e epistemológicos envolvidos no processo. . Uma vez produzido todo esse arcabouço teórico-metodológico, Henriqson e Kurek puderam, então, criar certa correspondência entre a interpretação das percepções dos pilotos a respeito do CRM e as próprias percepções que suas interpretações revelavam.

Contudo, para não serem acusados de erro, fantasia ou falsidade, Henriqson e Kurek precisavam que suas interpretações “sobre a” realidade e a realidade “por ela mesma” se entrelaçassem, mas não se confundissem. Com esse intuito, uma operação retórica deveria fazer com que o discurso a respeito dos significados do CRM na aviação começasse a se distinguir do discurso sobre o discurso a respeito dos significados do CRM. A implicação imediata dessa cisão não era apenas a separação entre fenômeno e interpretação, mas principalmente a inversão na ordem de seus significados. De construto intelectual produzido por Henriqson e Kurek, as percepções dos pilotos passavam a ser descritas tautologicamente por intermédio da reformulação ou reenunciação das próprias narrativas que as haviam gerado. E era justamente essa inversão na qualidade das enunciações que criava a “ilusão” de que, ao escreverem sobre os significados do CRM na aviação brasileira, também estariam escrevendo sobre um fato “real” e “independente”: as percepções dos pilotos, como elas “realmente” seriam9 9 Trata-se de uma “ilusão” necessária ao trabalho científico, sem a qual o custo a tornaria irrealizável. Nesse caso, no lugar de opor “ilusão” a “realidade”, Latour e Woolgar (1997, p. 278) propõem que se compreenda a realidade científica como o resultado de um processo de construção “que não pode ser mudado à vontade”. .

Certamente, nada disso irá garantir que determinados enunciados conseguirão se estabelecer no universo da AO, sobretudo porque outros trabalhos podem sustentar perspectivas divergentes e contestar sua credibilidade10 10 Por meio daquilo que Michael Foucault já definiu como a “economia política da verdade”, os escritos de AO, a exemplo do que ocorre com os textos científicos em geral, oferecem pontos de vista que adquirem credibilidade na medida em que conseguem produzir certo “efeito de realidade” sobre suas pesquisas. . No entanto, uma vez estabilizados e aceitos pela área, como parecia ser o caso do trabalho de Henriqson e Kurek, eles poderiam adquirir certa independência em relação aos seus objetos de estudo e sofrer uma nova transformação: fazendo com que aquilo que era a mera “constatação” de uma realidade particular (fato) se transformasse no indício de algo “mais profundo” (episteme). Ao menos, foi esse o modo como uma pesquisa que interpretava os significados do CRM na aviação conseguiu tornar-se um texto dedicado às relações entre o “conhecimento explícito” e o “conhecimento tácito” na aprendizagem organizacional - um raciocínio que apenas se revelaria com o exame das práticas de aprendizagem nas organizações. Ou seja, por intermédio de um processo de dedução e generalização, a interpretação conseguia desprender-se do contexto da pesquisa para conquistar uma existência relativamente autônoma e, com algum sucesso, fundamentar a construção (teórico-conceitual) de diversas outras realidades particulares.

Figura 6
Caminhos bifurcados na produção do conhecimento.

Ao observar o movimento de transformação no estatuto dos enunciados formulados por Henriqson e Kurek, não estávamos preocupados em descobrir como eles resolviam seus debates ou mesmo se seus postulados assumiam esta ou aquela posição. O que realmente nos interessava era compreender o processo de construção da realidade na AO, a partir da estabilização de um fato. Isso porque tais fatos serviam como pontos de partida seguros e estáveis para a produção de novos trabalhos. Consequentemente, também serviam para a criação de toda uma rede de pesquisas devidamente organizada em torno de determinados conceitos e perspectivas de análise. Com isso, nossa intenção não é negar a ideia de que a realidade possa existir independentemente da atividade científica. Pelo contrário, afirmamos apenas que a existência objetiva dos objetos científicos é a consequência e não a causa do trabalho de pesquisa. Afinal, como indicam Latour e Woolgar,

A natureza paradoxal dos fatos não tem nada de particularmente misterioso. Os fatos são construídos de modo a que, uma vez resolvida a controvérsia, eles sejam tomados como fatos adquiridos (...) a coisa e o enunciado são correspondentes pela simples razão de que têm a mesma origem. Sua separação é apenas a etapa final do processo de sua construção (Latour; Woolgar, 199717 LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida em laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997., p. 2002).

Aprendendo a lidar com “caixas-pretas”

A proposta de estudar o que cientistas fazem ou afirmam fazer não é nova nas ciências sociais. Para ficar apenas no cânone moderno, é possível elencar um enorme contingente de autores e autoras e de teorias dedicadas ao assunto - da perspectiva renovadora de Thomas Kuhn ao programa forte da sociologia da ciência de David Bloor, passando pelos conceitos de Pierre Bourdieu e pelos trabalhos etnográficos de Karin Knorr-Cetina, provavelmente encontraremos algumas das obras mais lidas no meio acadêmico brasileiro. E o exame da produção científica sobre AO no país poderia mesmo render instigantes problematizações em decorrência de cada uma dessas abordagens. O que motivou a realização deste artigo, no entanto, não foi a análise sistemática dos processos epistemológicos e sociais que favoreceram a constituição de uma disciplina recente na área da administração. Nosso objetivo era bem mais modesto. Pretendíamos partir do discurso fixado pela coletânea e, através dele, compreender como determinado conjunto de textos científicos nacionais conseguia estabelecer uma rede de associações materiais e simbólicas que contribuem para sustentar e manter uma parcela das proposições teóricas e dos investimentos empíricos da AO no país.

Portanto, decidimos levar a sério alguns insights teórico-metodológicos de Bruno Latour e ver até onde eles poderiam conduzir nossa investigação da rede brasileira de estudos em AO. Nessa direção, passamos a ocupar-nos com o modo pelo qual a coletânea Aprendizagem Organizacional no Brasil estaria acoplada ao que usualmente se chama de “comunidade científica”. Em outras palavras, começamos a perguntar-nos pelas conexões que ligavam o complexo de ideias, autorias e teorizações presentes em cada capítulo a outros coletivos que também constituiriam o território das ciências da administração. Isso porque parecia plausível seguir os fios dessas conexões para ver que tipo de “coisas” estariam atadas ao trabalho intelectual, político e retórico proposto pela obra11 11 Tim Ingold (2012, p. 29) recupera a noção heideggeriana de “coisa”, em oposição a de objeto, por entender que ela “tem o caráter não de uma entidade fechada para o exterior, que se situa no e contra o mundo, mas de um nó cujos fios constituintes, longe de estarem nele contidos, deixam rastros e são capturados por outros fios noutros nós. Numa palavra, as coisas vazam, sempre transbordando das superfícies que se formam temporariamente em torno delas”. . A expectativa era esbarrar em prováveis vínculos com novas instituições, instrumentos, práticas, pessoas e muitos mais livros. Evidentemente, não se tratava de uma tarefa simples, pois não havia como retroagir no tempo para seguir essas atividades científicas “em ação”. De qualquer maneira, entendendo que “as ideias e os conhecimentos podem estender-se em todas as direções no espaço e no tempo” (Latour, 1994, p. 116), aquela coletânea poderia converter-se em um ponto de partida instigante para refazer tal cadeia de associações.

Por isso, apostamos na ideia de que o livro não precisava ser considerado como um mero objeto inerte, já lacrado pelo trabalho de “purificação” realizado nos centros de pesquisa em AO. Pelo contrário, se assumíssemos que se tratava do resultado de um processo dinâmico de acirramento e estabilização de inúmeras controvérsias, então seria possível tomá-lo como mais um agente capaz de interferir no jogo político e intelectual da administração. Nesse caso, entretanto, era necessário ultrapassar a própria dicotomia criada por Latour (200015 LATOUR, B. A Ciência em Ação: Como Seguir Cientistas e Engenheiros Sociedade a Fora. São Paulo: UNESP, 2000.), particularmente no que o autor define como sendo a sua “primeira regra metodológica”, e começar a considerar aquela obra um artefato cultural complexo, simultaneamente “aberto” e “fechado”, “meio” e “fim”, “produtor” e “produto” do conhecimento gerado pelas teorias brasileiras de AO. Afinal, o que é uma “caixa-preta” senão a materialização de um conjunto de atividades que conectam pessoas, lugares e coisas através de diferentes modalidades de termos, enunciados e estratégias de pesquisa?

Latour problematiza a noção de caixa-preta (habitualmente utilizada nas ciências sociais como uma metáfora para o que se conhece como teoria dos sistemas) procurando recuperar seu sentido técnico, conforme operam os dispositivos que equipam aviões e locomotivas. Nesse caso, a caixa-preta deveria ser uma forma de inscrição que pode ser aberta, oferecendo a quem pesquisa pleno acesso aos seus registros. Em uma primeira mirada, um artefato, como o livro que tínhamos em mão, apenas poderia ser aberto se pudéssemos evidenciar os próprios agentes daquela inscrição de fatos científicos - em outros termos, quem o escreveu e todo o conjunto de informações que possibilitaram tais escritos. Por outro lado, o desenvolvimento dos trabalhos de Latour (2013) também nos provoca a pensar que um ator não é uma peça que já está no tabuleiro e que depois age, mas apenas um ente provisório na constituição de uma ação. O que significa que a ação também é eventual - daí o propósito de sua tão discutida expressão “ator-rede”: apagar os vestígios de origem da ação.

Assim, nos pareceu pertinente inverter a lógica da análise que vínhamos realizando: no lugar de continuar problematizando as maneiras pelas quais alguns fatos científicos foram fabricados como “estáveis” e estabelecidos enquanto “naturais”, decidimos também seguir os efeitos que aquela obra ainda estaria produzindo. Desse modo, na próxima seção, adotaremos a noção de rede para identificar e descrever os caminhos ativados pela coletânea na constituição de um quadro nacional para os estudos em AO. Para isso, apresentaremos informações a respeito das trajetórias acadêmicas e dos vínculos institucionais de autoras e autores da coletânea, disponíveis em seus currículos Lattes, para analisar o modo pelo qual o resultado de suas inscrições literárias terminou por reinscrever suas posições institucionais e suas produções intelectuais enquanto representações legítimas de uma perspectiva emergente neste campo disciplinar da administração brasileira - a aprendizagem baseada em práticas. Tal enquadramento analítico certamente limitou nosso estudo à rede de associações desencadeada por este artefato específico. O que acabou conferindo uma posição artificialmente central para a coletânea na distribuição simbólica das posições de poder na área de AO. Por outro lado, ao converter nossa “caixa-preta” em um ponto de partida para a análise, pudemos deslocar a primazia que o conteúdo dos textos escritos parece ter assumido nos estudos científicos, recuperando a dimensão material da obra e das “coisas” que a acompanham na constituição de uma rede determinada.

Tecendo alguns fios da rede

Lançada em 2011 pela editora Bookman nos formatos impresso e eletrônico, a obra Aprendizagem Organizacional no Brasil representou um esforço considerável na direção de estabelecer certo “estado da arte” da disciplina de AO no Brasil - sua consistência e abrangência rendeu-lhe, inclusive, o primeiro lugar na categoria Economia, Administração e Negócios, do 54º Prêmio Jabuti. A autoria dos capítulos incluía nomes de destaque no campo discursivo da administração nacional como os de Marcelo Milano Falcão Vieira, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e Joel Souza Dutra, diretor geral do Departamento de Recursos Humanos da Universidade de São Paulo (USP)12 12 O professor Vieira faleceu no final de 2011. Contudo, sua produção acadêmica sobre a influência das relações de poder nas organizações segue exercendo grande impacto na administração contemporânea. Dutra, por sua vez, também era uma referência importante na área quando redigiu o capítulo “Carreira e aprendizagem organizacional” – um de seus livros (Dutra, 2002), por exemplo, foi citado por mais de 600 outros trabalhos, conforme informou o sistema de busca do Google Scholar em novembro de 2015. . Algum crédito adicional também fora conferido pela presença, na Apresentação e na Introdução, de intelectuais reconhecidos no cenário internacional, como Luis Araujo, professor da Lancaster University Management School (LANCASTER), e Miguel Pina e Cunha, professor da School of Business & Economics da Universidade Nova de Lisboa (UNL)13 13 A presença destes dois pesquisadores conferia visibilidade à coletânea. Ademais do impacto das obras de Araújo e Cunha na comunidade científica internacional da Administração, ambos possuíam em seus currículos vínculos de trabalho e produção com figuras que participaram do processo de consolidação da AO, como Mark Easterby-Smith, Robert Chia, Stewart Clegg, Mary Crossan. .

Todavia, o grosso dos capítulos, 14 dos 25 reunidos na coletânea, foi redigido por pesquisadores e pesquisadoras pertencentes à rede de contatos das organizadoras Claudia Simone Antonello e Arilda Schmidt Godoy. Professora da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Antonello acessou alguns colegas do estado para elaborarem dois ensaios teóricos. O primeiro deles, de Marco Vinício Zimmer, professor da Associação Internacional de Educação Continuada (AIEC), e Rodrigo Pinto Leis, então professor visitante na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), intitulava-se Gestão do conhecimento no Brasil: o que está sendo produzido e para onde caminha a área. O segundo, Descaminhos: aprendizagem e conhecimento organizacional versus organizações que aprendem e gestão do conhecimento, veio de uma parceria entre Antonello e Luiz Henrique Boff, na época professor da AIEC e do Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios (IBGEN) e gerente na LHB Soluções em Informática e Métodos (LHB) e no Banco do Brasil (BB).

Além desses colegas, Antonello também convidou sete pessoas vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRGS ou egressas do mesmo. Entre aquelas que ela mesma havia orientado e dividido a autoria dos capítulos, estavam: Lisiane Quadrados Closs, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e do IBGEN, que investigou a dimensão teórica da educação gerencial; Debora Costa de Azevedo, professora da UNISINOS, que analisou a perspectiva cultural dos estudos baseados em práticas; Leonardo Flach, professor recém-concursado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que discutiu a noção de improviso nos processos de aprendizagem; e Patrícia Kinast De Camillis, que atuava como tutora na UFRGS e problematizou a aprendizagem de pessoas que não exercem papéis gerenciais. Completavam a lista três pesquisas sobre aquisição de conhecimentos em grupos e entre grupos organizacionais: Douglas Wegner, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Éder Henriqson (que escrevera conjuntamente com a engenheira Juliana Kurek), professor colaborador da UFRGS; e Luciano Mendes, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Godoy, por sua vez, possibilitou a entrada de um conjunto diferente de jovens pesquisadores e pesquisadoras que se graduaram pelo Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (MACKENZIE). Isabel Cristina Badanais Vieira Leite era professora na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuarias e Financeiras (FIPECAFI) e superintendente de auditoria no Banco ABN Amro Real (ABN AMRO); Daniel Gomes dos Reis trabalhava na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP); Marcia D’Amelio atuava na Companhia de Saneamento Básico do estado de São Paulo (SABESP); e Lucimara Amorim da Costa, então pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Formação em Administração da MACKENZIE. Todas essas pessoas haviam sido orientadas por Godoy durante o curso de mestrado e transformaram suas dissertações em capítulos empíricos para a coletânea, abordando questões relacionadas com o papel da experiência, da reflexão, da competência e do ambiente na aprendizagem da posição gerencial. O único que produziu seu capítulo em coautoria com Godoy foi Diego Bonaldo Coelho - procurando interpretar o processo organizativo em empreendimentos solidários -, que naquele ano tinha ingressado no curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Administração da USP e atuava como professor na PUC/SP e na própria MACKENZIE.

Essa extensa lista de nomes, instituições e temas de pesquisa foi levantada após detalhada análise dos currículos Lattes das pessoas envolvidas com a obra. Com ela oferecemos um ponto de vista certamente parcial sobre as posições acadêmicas ocupadas por essas pessoas, em 2011, no campo discursivo disciplina14 14 De acordo com Latour e Woolgar (1997, p. 241), a noção de posição é dinâmica e se relaciona com a capacidade de gerar (e reinvestir) credibilidade no domínio de uma especialidade; por isso, “estatuto, nível, honra, crédito e situação social, são sobretudo meios usados na batalha para obter uma informação confiável e aumentar a própria credibilidade”. . Mesmo assim, o levantamento permite visualizar os investimentos intelectuais e profissionais realizados pelo grupo durante o período em que a obra foi elaborada. O que nos possibilita compreender tal artefato científico enquanto resultado final de um processo de convergência de múltiplas trajetórias que acabaram entrelaçando ideias, textos, instituições, pessoas e fenômenos de pesquisa em uma rede de relações criada pela própria formulação de uma perspectiva “distintivamente brasileira” para a AO15 15 Se quisermos atribuir um início simbólico para esse circuito de estudos baseados em práticas na AO brasileira, talvez possamos localizá-lo em 2005, em uma rápida passagem de Antonello pelo Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da MACKENZIE – cerca de um ano antes de ela ingressar na UFRGS. Nessa época, Antonello ainda era uma pesquisadora relativamente desconhecida no cenário nacional; enquanto Godoy transitava pela área da educação com diversas publicações sobre o ensino de metodologias e técnicas de pesquisa. Juntas, desenvolveram a pesquisa “A produção brasileira em aprendizagem nas organizações: uma metatriangulação”, que durou dois anos (2006-2008) e foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A parceria, que rendeu cinco artigos, modificou suas trajetórias individuais, alçando-as a personagens proeminentes da recente disciplina de AO. Desse ponto de vista, a coletânea Aprendizagem Organizacional no Brasil pode ser encarada como o ponto de chegada de um trabalho que teria ressignificado a história de suas próprias autoras na administração brasileira. . Nos anos seguintes, como se pode verificar na figura a seguir, a dinâmica do grupo se alterou, modificando e expandindo a estrutura da rede formada em torno da postulação de uma tradição nacional de estudos baseados em práticas.

Figura 07
Rede de relações institucionais de autores e autoras (2010-2015).

As associações que reconstruímos nesta seção, a partir da análise dos contextos de produção daquela coletânea, certamente não dão conta de todas as relações subjacentes aos estudos em AO - nem mesmo chegam perto de descrever o que acontece nos 96 Programas de Pós-Graduação em Administração existentes no país. Entretanto, elas indicam a construção (acidental ou não) de um circuito material sobre o qual as ideias propaladas por um grupo de autores e autoras poderiam percorrer, adensando-se em determinados pontos para formar aquilo que esse mesmo grupo reconhece como o espaço disciplinar da AO no Brasil. Um local discursivo, sem dúvida. Permeado por tradições de pensamento, estratégias de enunciação e procedimentos de pesquisa, mas igualmente constituído por redes de relações pessoais e profissionais que abrigavam cursos, disciplinas, linhas de pesquisa, grupos de estudos, projetos financiados, empresas, fenômenos de interesse e um conjunto de pessoas persuadidas a assumir a AO enquanto uma atividade eminentemente científica (e não normativa).

Atualmente, tal rede de trabalho segue em franco processo de expansão nos territórios acadêmicos da administração brasileira, ampliando seus horizontes na mesma medida em que agrega novos elementos para perpetuar as atividades de produção e consumo do conhecimento em AO. Nada disso, entretanto, poderia ser visto ou percebido (por nós) antes que a rede de relações intelectuais montada por Antonello e Godoy se materializasse em artefatos como o que folheávamos naquela ocasião. Em outras palavras, era como se as ideias sustentadas pela coletânea se legitimassem através das conexões abstratas e materiais que a obra criou depois de ser lançada e apreciada pelo “mercado acadêmico”. Certamente, seria prematuro avaliar o êxito dos esforços empreendidos pelo grupo, sobretudo porque a sua estabilidade dependerá das dinâmicas internas e da capacidade de postular dados confiáveis que garantam a perpetuação do ciclo de credibilidade na área. Ainda assim, parece-nos plausível formular a hipótese de que o conjunto dos investimentos mobilizados na formulação e articulação de narrativas sobre a situação da AO no Brasil ajudou a tecer relações que conferem um sentido coletivo às carreiras individuais e uma direção provável à disciplina nas redes alcançadas pela obra.

Considerações finais, ou qual o valor de uma obra?

Uma das vantagens de se elaborar pesquisas a muitas mãos é a de que as diferenças de formação se evidenciam rapidamente na maneira com que cada pessoa se relaciona com o tema estudado. Como cursáramos programas de pós-graduação tão diversos quanto os de administração e de sociologia política, frequentemente rivalizamos leituras que situavam nossas interpretações “dentro” ou “fora” das tradições intelectuais que constituíram a AO enquanto uma especialidade das Ciências da Administração. Aparentemente não havia nenhum problema nesse cruzamento de pontos de vista, pois a tradição dos estudos científicos caracteriza-se pela articulação de diversas abordagens. No entanto, sabíamos que mais cedo ou mais tarde teríamos que negociar essas diferenças para realizar esta investigação - a dúvida era como evitar a “colisão”.

A tendência em assumir o discurso enunciado pelos pesquisadores e pesquisadoras que redigiram a coletânea só não foi maior do que a de sociologizar cada categoria empregada a partir de uma metalinguagem que explicasse os sentidos desenraizados de sua “aplicação”. Em qualquer um dos casos, não estaríamos dialogando com a dimensão material daquilo que folheávamos, mas com os conhecimentos acumulados em cada área de nossas formações que nos sugeriam sobre como as pesquisas em AO deveriam ser. Portanto, para contornar o problema da “familiaridade” e do “estranhamento” - ou ainda, para suspender a concorrência de leituras polarizadas entre posições “internas” ou “externas”, “aplicadas” ou “puras”, “incorretas” ou “retificadas” -, resolvemos abrir mão de nossos olhares (epistemológicos) particulares para tentar rastrear conjuntamente a força e o sentido que uma obra pode adquirir na constituição das redes de relações que sustentam as teorias de AO no Brasil.

Nesse caso, a escolha acidental da coletânea Aprendizagem Organizacional no Brasil mostrou-se particularmente interessante. Não apenas por nos colocar em contato com um conjunto relativamente abrangente de narrativas (teóricas e empíricas) sobre a situação dos estudos em AO no país e suas maneiras de problematizar os fenômenos investigados, mas especificamente por permitir certa “entrada” no campo discursivo, profissional e institucional da disciplina que, curiosamente, ainda não havia sido explorada por quem pesquisa nessa área. Estamos nos referindo à possibilidade que aqueles textos acadêmicos nos ofereciam em acessar as redes de relações abstratas e materiais que garantiam a sua própria postulação. Isso porque, além do conteúdo impresso e editorado, as inscrições literárias ativam diferentes formas de associações entre ideias, pessoas, instituições, fenômenos de pesquisa e inúmeros outros documentos que podem auxiliar a compreender os contextos de sua produção.

Trata-se, sem dúvida, de um ponto de partida preliminar. Por meio dele, não poderíamos ter a pretensão de alcançar a cadeia inteira de atividades que levaram à construção dos estudos de AO no país. Mesmo assim, através daquele artefato acadêmico, pudemos perseguir o modo pelo qual a coletânea organizada por Antonello e Godoy representou tal especialidade enquanto uma prática nomeadamente “científica”, bem como os laços que atam todo o trabalho abstrato com categorias, perspectivas teóricas e estratégias metodológicas, ao circuito de produção e consumo que as mantém e legitima. Um circuito que simplesmente não existiria sem a publicação da coletânea, pois era naquelas páginas, em suas variadas formas de enunciação e identificação, que as pesquisas individuais e seus modos (coletivos) de existência se associavam, produzindo, assim, um lugar próprio e relativamente autônomo para a fabricação da AO nos domínios da administração.

Referências

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  • 9
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  • 1
    Por “estudos científicos” estamos nos referindo à multiplicidade de abordagens que, em diálogo com as teorias sociais, vêm se articulando em torno da investigação dos efeitos e dos significados das ciências e das tecnologias nas sociedades contemporâneas. Uma introdução dessas diferentes abordagens pode ser encontrada nas obras de Knorr-Cetina et al. (1992), Law et al. (1999), Mackenzie et al. (1999), Cutcliffe et al. (2001), Jasanoff et al. (2004) e Johnson e Wetmore (2009).
  • 2
    Dezoito menções à teoria ator-rede foram identificadas em seis capítulos da obra. Tais referências foram utilizadas para descrever perspectivas “emergentes” nos estudos em AO que se dedicam às investigações baseadas em práticas e ao papel dos objetos (não humanos) nos processos organizacionais de aprendizagem.
  • 3
    Tradicionalmente esse campo de estudos é classificado em quatro grandes eixos: Aprendizagem Organizacional (AO), Conhecimento Organizacional (CO), Organização que Aprende (OA), e Gestão do Conhecimento (GC).
  • 4
    A ironia dessa forma de acusação, que geralmente recai sobre a suposta “influência do mercado” na constituição dos cursos e programas de administração, está na assimetria com que se avalia a atividade científica em geral – enquanto em algumas áreas o conhecimento é necessariamente político, contingente e socialmente produzido, em outras tais processos se tornam o indicativo de sua “contaminação”.
  • 5
    Ao invés de aceitar a “eliminação das circunstâncias” que possibilitam a emergência dos fatos científicos enquanto o resultado final de uma suposta “descoberta”, Michel Serres (1977) propõe que os estudos da ciência se debrucem sobre a dimensão prática das diversas “traduções” que constituem e articulam o objeto e o contexto de investigação enquanto realidades estáveis e interdependentes.
  • 6
    Takahashi e Fischer (2009) argumentam que o crescimento das publicações sobre AO e os esforços de revisão de literatura também constituem evidências de que a disciplina consolidou-se no país, assegurando estatuto científico para as pesquisas teóricas e empíricas produzidas no período.
  • 7
    Esforços similares já foram elaborados nos trabalhos de Antonello e Ruas (2003) e Loiola e Bastos (2003).
  • 8
    A noção de “credibilidade” é utilizada por Latour e Woolgar (1997) para designar os “custos” despendidos para que as fabricações da ciência tenham “crédito”, considerando os investimentos financeiros, profissionais e epistemológicos envolvidos no processo.
  • 9
    Trata-se de uma “ilusão” necessária ao trabalho científico, sem a qual o custo a tornaria irrealizável. Nesse caso, no lugar de opor “ilusão” a “realidade”, Latour e Woolgar (1997, p. 278) propõem que se compreenda a realidade científica como o resultado de um processo de construção “que não pode ser mudado à vontade”.
  • 10
    Por meio daquilo que Michael Foucault já definiu como a “economia política da verdade”, os escritos de AO, a exemplo do que ocorre com os textos científicos em geral, oferecem pontos de vista que adquirem credibilidade na medida em que conseguem produzir certo “efeito de realidade” sobre suas pesquisas.
  • 11
    Tim Ingold (2012, p. 29) recupera a noção heideggeriana de “coisa”, em oposição a de objeto, por entender que ela “tem o caráter não de uma entidade fechada para o exterior, que se situa no e contra o mundo, mas de um nó cujos fios constituintes, longe de estarem nele contidos, deixam rastros e são capturados por outros fios noutros nós. Numa palavra, as coisas vazam, sempre transbordando das superfícies que se formam temporariamente em torno delas”.
  • 12
    O professor Vieira faleceu no final de 2011. Contudo, sua produção acadêmica sobre a influência das relações de poder nas organizações segue exercendo grande impacto na administração contemporânea. Dutra, por sua vez, também era uma referência importante na área quando redigiu o capítulo “Carreira e aprendizagem organizacional” – um de seus livros (Dutra, 2002), por exemplo, foi citado por mais de 600 outros trabalhos, conforme informou o sistema de busca do Google Scholar em novembro de 2015.
  • 13
    A presença destes dois pesquisadores conferia visibilidade à coletânea. Ademais do impacto das obras de Araújo e Cunha na comunidade científica internacional da Administração, ambos possuíam em seus currículos vínculos de trabalho e produção com figuras que participaram do processo de consolidação da AO, como Mark Easterby-Smith, Robert Chia, Stewart Clegg, Mary Crossan.
  • 14
    De acordo com Latour e Woolgar (1997, p. 241), a noção de posição é dinâmica e se relaciona com a capacidade de gerar (e reinvestir) credibilidade no domínio de uma especialidade; por isso, “estatuto, nível, honra, crédito e situação social, são sobretudo meios usados na batalha para obter uma informação confiável e aumentar a própria credibilidade”.
  • 15
    Se quisermos atribuir um início simbólico para esse circuito de estudos baseados em práticas na AO brasileira, talvez possamos localizá-lo em 2005, em uma rápida passagem de Antonello pelo Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da MACKENZIE – cerca de um ano antes de ela ingressar na UFRGS. Nessa época, Antonello ainda era uma pesquisadora relativamente desconhecida no cenário nacional; enquanto Godoy transitava pela área da educação com diversas publicações sobre o ensino de metodologias e técnicas de pesquisa. Juntas, desenvolveram a pesquisa “A produção brasileira em aprendizagem nas organizações: uma metatriangulação”, que durou dois anos (2006-2008) e foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A parceria, que rendeu cinco artigos, modificou suas trajetórias individuais, alçando-as a personagens proeminentes da recente disciplina de AO. Desse ponto de vista, a coletânea Aprendizagem Organizacional no Brasil pode ser encarada como o ponto de chegada de um trabalho que teria ressignificado a história de suas próprias autoras na administração brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2016
  • Aceito
    17 Jul 2017
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