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O lugar de Goethe no alvorecer do socialismo

Goethe’s place at the dawn of socialism

Resumo

O artigo aborda a controversa relação entre o socialismo utópico e o Goethe tardio (1805-1832). Discute-se, na primeira parte, aspectos da história social de fins do século XVIII e primeiras três décadas do século XIX, enfatizando o socialismo nascido imediatamente das lutas da Revolução Francesa. Em seguida, a presença do ideário socialista em Goethe é ponderada a partir de exemplos extraídos do último romance do autor, Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden (1829), e em asserções goethianas colhidas de diversas fontes.* * Este artigo é fruto de uma pesquisa de pós-doutorado financiada pela FAPESP (DS-USP).

Palavras-chave:
Goethe; Romance; Socialismo utópico; Teoria social

Abstract

The paper examines the controversial relationship between utopian socialism and the late Goethe (1805-1832). In the first part, aspects of the social history of the late eighteenth century and first three decades of the nineteenth century are discussed, emphasizing the socialism born immediately from the struggles of the French Revolution. Then the presence of socialist ideas in Goethe is considered on the basis of examples drawn from the author's last novel, Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden (1829), and Goethean assertions from various sources.

Keywords:
Goethe; Drama; Utopian socialism; Social theory

Zeitgeist do Goethezeit

O período denominado Goethezeit, entre 1770 e 1830, é uma fase fértil e socialmente tumultuada da transição histórica que vai da segunda metade do século XVIII até meados do século XIX, com rápidas mudanças nas relações de propriedade, de classe e na organização social da produção. É o período da Revolução Industrial (1760-1820/1840), que abrange a Revolução Francesa (1789-1799) e marca o despertar de novos tempos para a burguesia em ascensão, processo que impactará toda a sociedade europeia. O início do século XIX decorre entre a tomada do poder com um golpe de Napoleão Bonaparte - que, aliado à alta burguesia (girondinos), assume pretensões imperialistas e, ao mesmo tempo, exclui a participação popular do poder (1799-1814) -, a Restauração da monarquia francesa entre 1814-1830 - fruto do esforço conservador em restaurar as relações políticas da velha Europa - e as Revoluções de 1830, que começam na França em julho e se alastram pela Europa, quando artesãos, estudantes, burgueses e proletários descontentes por causa da crise econômica obrigam à renúncia de Carlos X e derrubam a monarquia francesa.

Nesta época, nascem na Europa a sociologia e o socialismo. A história do socialismo, especificamente, tem origem entre duas revoluções: a Revolução Francesa (1789) e a Revolução de Fevereiro (1848) (Ramm, 1968RAMM, Thilo. Der Frühsozialismus. Quellentexte. Stuttgart: Alfred Kröne, 1968., p. XI). Os primeiros socialistas1 1 O termo alemão Frühsozialismus designa todas aquelas teorias socialistas advindas antes de 1848 (cf. Ramm, 1968, p. XII). A evolução seguinte foi o socialismo científico de Marx e Engels. Parte da história anterior do socialismo, seriam, ainda: teoricamente, a Utopia (1516) de Thomas Morus (1478-1639) e A Cidade do Sol (1613) de Tommaso Campanella (1568-1639), que não teriam sido apenas “jogos mentais” como outros do século XVIII para fugir da realidade mostrando a insatisfação com a ordem estabelecida; e, praticamente, as tentativas de colapso da ordem existente, como as revoltas italianas e francesas já nos séculos XII e XIII, ou aquela liderada por Thomas Münzer em 1525, na Alemanha, entre outras. A diferença destas últimas para a Revolução Francesa é que, nesta, uma nova ordem realmente se instaurou e as teorias políticas puderam ser e foram testadas: “A queda da sociedade feudal e os grandes conflitos na própria Revolução Francesa que refletiam as diferentes constituições numa sucessão precipitada mostraram em que medida as teorias políticas eram realizáveis e produziam com isso uma ligação não conhecida com a práxis revolucionária” (Id., p. XII). surgem imediatamente após a Revolução Francesa e, já no limiar de 1848, encontram-se em declínio, ou seja, pertencem à geração que precede Karl Marx e Friedrich Engels, iniciada com um contemporâneo de Johann Wolfgang von Goethe, François Nöel Babeuf (1760-1797) e sua Société des égaux (1795), na qual o programa de igualdade radical aliava-se à organização política (bem como a técnicas de conspiração e insurreição), podendo ser considerada um epílogo da Revolução Francesa. Voz do sans-culottisme (movimento da camada desvalida da sociedade francesa à época da Revolução), a luta de Babeuf por uma igualdade radical nasce dos ideais da Revolução Francesa que não chegaram de fato a se realizar.

Babeuf inspirou o revolucionário Filippo Buonarroti (1761-1837), o qual revive o babeufismo na Europa com a publicação de Conspiration pour l’égalité dite de Babeuf em 1828, e penetra em círculos mais amplos após a Revolução de Julho, em 1831. Suas ideias reverberam em Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1852) e no alemão Wilhelm Weitling (1808-1871). Marx denominou de comunismo rudimentar tais teorias com suas ideias primitivas de igualdade que dominaram sobretudo nas sociedades secretas dos direitos humanos e que têm Auguste Blanqui (1805-1881) como um dos fundadores. No que concerne à teoria babeufiana da tomada do poder por uma minoria e da submissão dos opositores políticos, Marx e Engels teriam ampliado largamente seu significado após a derrota da Revolução de 1848, e esta nova versão teria sido realizada por Lenin na Revolução de Outubro e na instauração da “ditadura do proletariado” (Ramm, 1968RAMM, Thilo. Der Frühsozialismus. Quellentexte. Stuttgart: Alfred Kröne, 1968., p. XVI); de modo que Babeuf é considerado também precursor do bolchevismo.

A vitalidade e a amplitude dos movimentos e ideias socialistas que foram desencadeados a partir de 1789 e reverberaram nas primeiras décadas do século XIX são parte definidora, portanto, deste Zeitgeist (conceito que por sua vez remonta ao contemporâneo e amigo de Goethe, Johann G. von Herder).

Marx e Engels, no Manifesto Comunista (2005MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Boitempo , 2005., p. 59-68), organizam a “literatura socialista e comunista” em três segmentos; este panorama nos oferece novamente um quadro da presença abrangente do socialismo no período tardio de Goethe: 1. O “Socialismo Reacionário”: a) o socialismo feudal; b) o socialismo pequeno-burguês (Sismondi); c) o socialismo alemão ou verdadeiro (Karl Grün); 2. O Socialismo Conservador ou Burguês (Proudhon); 3. O Socialismo e o Comunismo Crítico-Utópico Burguês (Saint-Simon, Fourier e Owen).

Os nomes que se tornaram emblemáticos para a história do socialismo pré-Marx e Engels são Claude-Henri de Rouvroy, mais conhecido como Conde de Saint-Simon, e os saint-simonistas (a partir de 1825), François Marie Charles Fourier e Robert Owen. Estes são os autores das principais teorias socialistas desenvolvidas e difundidas no longo período de elaboração das maiores obras do período tardio de Goethe, seu último romance Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die entsagenden [Os anos de peregrinação de Wilhelm Meister ou Os renunciantes] (1807- 1829), e a tragédia Faust II [Fausto II] (1825-1831), e representam, até aquele momento, o ápice do socialismo2 2 Obras significativas de Saint-Simon (1760-1825) foram publicadas de 1803 a 1825, as de Fourier (1772-1837) entre 1808 e 1831 e Owen (1771-1858) de 1825 a 1837. .

O interesse de Goethe pelo novo mundo, já expresso em Wilhelm Meisters Lehrjahre [Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister] (1795-1796)3 3 Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister possui duas edições brasileiras, a primeira, de 1994, da editora Ensaio, com tradução de Nicolino Simone Neto; em 2006, a mesma tradução foi republicada pela Ed. 34. Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden aguarda ainda tradução no Brasil. , torna-se mais forte nos seus últimos anos de vida e reflete um interesse comum da sociedade à época. A difusão do socialismo como uma nova forma de organização social que se coloca como alternativa ao capitalismo surge, por sua vez, com força particular nas experiências coloniais norte-americanas. O romance utópico Virginia oder die Kolonie von Kentucky [Virgínia ou a Colônia de Kentucky], de autoria da alemã Henriette Frölich, é uma das evidências de quão vivo era já nessa época, na Alemanha, o imaginário socialista. Publicado em Berlin em 1819, descreve uma sociedade sem dinheiro e em comunidade de bens, difundindo a ideia de uma nova sociedade, sem os defeitos medievais. Mas é o diário de viagem [Reisejournal] do duque Bernhard, o segundo filho do grão-duque Karl August, grande amigo de Goethe, que teve influência comprovada sobre o entusiasmo do poeta com o novo mundo (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 115-6). Bernhard visita inclusive uma comunidade estadunidense (cujo estatuto consta em anexo ao Reisejournal) organizada segundo os princípios de Owen, isto é, fundada na desistência da propriedade individual. Neste relato, o duque trata detalhadamente da educação das crianças e comenta que os dois filhos de Owen foram educados no Instituto de Fellenberg4 4 Anneliese Klingenberg foi uma das que quiseram levantar provas de que há uma concordância entre os acontecimentos da realidade e sua reflexão em Wilhelm Meisters Wanderjahre, de modo a excluir de uma vez por todas a avaliação de que se trata de uma obra fruto das fraquezas da idade avançada - ao contrário, repousa na atenta observação do mundo. Ela mostra quão forte é o enraizamento de Goethe na realidade ao imaginar aspirações pedagógicas, artísticas e político-artísticas. Neste contexto, ela afirma: “Sem dúvida a ideia da Província Pedagógica de Goethe é marcada pelos relatos sobre o Instituto de Fellenberg. […] Em 1820 a instituição contava com aproximadamente 35 professores e 100 pupilos, sendo 17 deles filhos de príncipes de diversos países” (1972, p. 57, tradução nossa). Até mesmo a geografia do lugar (Hofwyl, na Suíça) lembra a da Província Pedagógica: vilas interligadas entre cadeias de colinas. Além do Instituto do pedagogo e agrônomo suíço Philipp Emanuel von Fellenberg (1771-1844), é possível relacionar também as propostas de Weimar para a Academia de Artes de Berlim (1972, p. 61-70). - do que se deduz facilmente que a própria comunidade oweniana New Harmony e as ideias de Owen sobre uma nova organização da sociedade não eram, portanto, desconhecidas por Goethe.

Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden dialoga diretamente com este novo e importante prisma da realidade social, com esta nova possibilidade histórica, fato que é evidenciado inclusive pela recepção do romance à época: logo após a publicação da segunda versão da obra, surgiram somente vertentes interpretativas dentro do espectro socialista, seus autores foram: Varnhagen von Ense, Karl Rosenkranz, Ferdinand Gregorovius, Karl Grün e Hermann Hettner5 5 Cujos textos são, respectivamente Im Sinne der Wanderer, 1832, de Varnhagen von Ense; Göthe und seine Werke, 1847, do velho-hegeliano Karl Rosenkranz; Ueber Göthe vom menschlichen Standpunkte, 1846, do “socialista verdadeiro” Karl Grün; Göthe’s Wilhelm Meister in seinen socialistischen Elementen entwicklet, 1849, de Ferdinand Gregorovius, e Goethe und der Socialismus, 1852, de Hermann Hettner. “Ainda que nesses intérpretes transpareça por vezes um tom religioso e apologético (Bahr, 1979, p. 218), a importância de suas leituras pode ser comprovada por um conceito central e inovador no romance, o de trabalho, que foi visto com estranheza pelos contemporâneos e somente com a interpretação de Rosenkranz, em 1847, foi apropriadamente reconhecido - portanto, quase 20 anos depois da publicação da última versão do romance. Rosenkranz acentua a tecnologia (maquinaria) e a propriedade, esta que ele vê dissolvida na emancipação política da burguesia e do ofício. Posteriormente, seu aluno Gregorovius coloca o conceito do trabalho no centro do romance, e Hettner, por fim, considera que Goethe pode ser nomeado o primeiro socialista alemão - ao ser influenciado tanto pelos socialistas utópicos quanto pelo idealismo alemão e pela economia política” (Oliveira, 2015, p. 266). . Importante salientar que, à exceção de Grün e, menos enfaticamente, Gregorovius, os intérpretes do socialismo em Wanderjahre não se assumiam socialistas (teóricos e/ou militantes), ainda que ambicionassem buscar em Goethe poderosas raízes na literatura alemã para o movimento socialista que florescia então na Europa e ainda não tinha um autêntico paralelo na vida social da Alemanha e, por extensão, nem em suas ideias. Alinham-se, por isso, perfeitamente, à primeira geração de socialistas alemães que amalgamaram socialismo francês e filosofia hegeliana6 6 A influência hegeliana sobre a interpretação de Wanderjahre, porém, reverbera para muito além desses primeiros tempos (como em Klingenberg, em alguns pontos importantes). .

O artigo de Varnhagen expressa, de modo discreto, fascinação e simpatia pela nova doutrina francesa (Gille, 1971GILLE, Klaus F. (Org.). Wilhelm Meister im Urteil der Zeitgenossen. Ein Beitrag zur Wirkungsgechichte Goethes. Assen: Van Gorcum, 1971., p. 308), tornando-se o “fundador” da interpretação socialista de Wanderjahre7 7 Sagave (1953) vê Heinrich Gustav Hotho (1802-1873) como o fundador, mas isso é falso, já que para Hotho, ilustre discípulo de Hegel, o problema em primeira linha é poético, além de faltar em sua análise qualquer alusão ao socialismo utópico. . O poeta é visto como prenunciador da história, especialmente nas relações entre Wanderjahre e o saint-simonismo. O ponto alto da interpretação socialista é alcançado no dito de Karl Grün: “Wilhelm Meister é comunista” (1846GRÜN, Karl. Ueber Göthe vom menschlichen Standpunkte. Darmstadt: Leske, 1846., p. 254). Outro adendo importante é que esses intérpretes surgem num contexto de defesa do romance contra a crítica do movimento literário Jovem Alemanha, que alegava um suposto atraso no pensamento social e político goethiano. Nesse sentido, a oposição que fazem ao Junges Deutschland é extrema, uma vez que imputam a Wanderjahre, ainda que exageradamente, o mérito da antecipação profética das ideias socialistas.

É comprovado que a doutrina saint-simonista foi estudada por Goethe a partir de três fontes: pela recepção de Varnhagen (apesar de não ser muito minuciosa em estabelecer relações entre o saint-simonismo e o romance); pela leitura de Globe, “órgão liberal que constitui uma fonte de informação desde 1826 para a análise crítica das ideias saint-simonianas expostas em Le Producteur, jornal saint-simoniano” (Sagave, 1957SAGAVE, Pierre-Paul. Goethe et les économistes français. Goethe et l’esprit français. Actes du colloque international de Strasbourg, 1957. , p. 95, tradução nossa); e pela Exposition de la Doctrine de Saint-Simon8 8 A publicação dividiu-se em duas partes: a primeira expôs a parte científica e os traços fundamentais de uma nova ordem social, e a segunda tratou do sistema religioso. publicada em 1829 e 1830 por seus discípulos, que Goethe menciona ter começado a ler, segundo consta no seu diário, em 21 de maio de 1831. Pelas datas, esta última fonte já não conta como influência sobre Wanderjahre, entretanto, pode-se sustentar que a posição face aos saint-simonistas foi elaborada ao longo dos anos anteriores, culminando em fundamentações detalhadas de Goethe a respeito, como as expostas nas cartas a Carl Friedrich Zelter de junho de 1831.

Relação de Wanderjahre com as ideias socialistas e os princípios filosóficos de Goethe

Saint-Simon esteve, até o fim da sua vida, sob a impressão da completa libertação, pela Revolução Francesa, do indivíduo e da produtividade dos grilhões feudais (Hamm, 1987HAMM, Heinz. Goethe und Claude-Henri de Saint-Simon. In: LANGE, Erhard (Org.). Philosophie und Kunst. Kultur und Ästhetik im Denken der deutschen Klassik. Weimar: Böhlau, 1987.). Nas primeiras duas décadas do século XIX estão também presentes na obra madura de Goethe aquelas ambições da burguesia - liberdade para o capital e para o indivíduo -, as quais ainda não tinham se mostrado impossíveis na prática. Há uma harmonia/concordância, para Goethe, entre as vantagens egoístas e altruístas, embora ele encarasse o altruísmo de Saint-Simon e sua crença otimista numa sociedade perfeita com ceticismo.

Goethe formou sua postura fundamental de visão de mundo nos anos entre a volta da sua viagem à Itália (1788) e a Revolução Francesa. Sobre uma base histórica, de entendimento do estágio atual da sociedade de seu tempo, funda-se posteriormente sua polêmica, evidenciada no terceiro caderno de Kunst und Altertum do ano 1821, contra a subjetividade e isolamento dos alemães, a falsa direção dos jovens artistas, seus produtos fracos e doentios. Sobretudo em comparação com os franceses, cujo progresso na situação social alcançada por meio da Revolução Francesa Goethe reconhece como a causa do despontar da burguesia, autoconsciente e consciente de sua classe, em ciência, arte e política.

A constatação da falência prematura dos ideais burgueses não impediu, muito ao contrário, possibilitou que se colocasse a questão do que era possível vislumbrar em termos utópicos e/ou revolucionários até 1829 (isto é, da perspectiva burguesa, mas sem aquele posterior cinismo que Marx apontava na economia política pós-ricardiana). É neste contexto que as ideias dos socialistas utópicos, dos saint-simonistas e de Goethe em Wanderjahre devem ser investigadas.

A história da redação e publicação de Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden é complexa. A obra teve duas versões, publicadas em 1821 e 1829. A comparação entre elas permite entrever que o romance foi aumentado, mantendo-se parte substancial do conteúdo da primeira elaboração, porém, transformado em uma versão completamente nova (analogamente ao que acontecera na transformação de Wilhelm Meisters theatralischen Sendung [A missão teatral de Wilhelm Meister] em Wilhelm Meisters Lehrjahre). Isso é devido, em parte, a uma característica significativa: as ideias econômicas de Goethe foram substancialmente detalhadas na segunda versão do romance, embora a linha fundamental do desenvolvimento - a capitalização da propriedade imóvel [Grundbesitz] - já esteja dada na primeira versão com o discurso do personagem Lenardo. Quem dá voz a essa teoria da condução econômica é o personagem do tio [Oheim]. O princípio social que domina na primeira versão são as grandes relações móveis de homens ativos e hábeis de todas as classes, o mero e contínuo caminhar [wandern] em torno da Europa, porque o mundo é igualmente condicionado, independente do lugar em que se está, e há sempre o risco de o imigrante [Einwander] se decepcionar em sua esperança de uma situação melhor. Na segunda versão, a organização da nova sociedade não é determinada por um princípio próprio, mas pelo lugar de estabelecimento, o Ansiedlungsort. Os dois grandes projetos de migração relacionam-se à situação de miséria à qual foi lançada a indústria doméstica após a Revolução Francesa, quando o mundo burguês se universalizava progressivamente, fazendo com que grandes contingentes de pessoas perdessem seus meios de vida9 9 “Sob a liderança de Lenardo é fundado o empreendimento de emigração, o qual, liberto das obrigações feudais que ainda pesavam sobre a sociedade europeia, planeja assentamentos grandiosos no novo mundo, a construção de um canal e parques industriais. E um príncipe alemão também possibilita um projeto de colonização em uma província remota (Goethe alude aqui aos assentamentos planejados nas terras de Maria Teresa e Frederico, o Grande). Ambos os projetos repercutem os estudos econômicos e agrários de Goethe, que o ocuparam até a idade avançada.” (Borchmeyer, 1998, p. 528, tradução nossa). .

Se Goethe foi confessadamente um conservador e isso parece impedir a confluência entre Wanderjahre e socialismo utópico, a ponderação de Marx e Engels contida no Manifesto Comunista, de 1848, elucida este aparente paradoxo:

os sistemas socialistas e comunistas propriamente ditos, os de Saint-Simon, Fourier, Owen etc., aparecem no primeiro período da luta entre o proletariado e a burguesia […] Os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das classes, assim como a ação dos elementos dissolventes na própria sociedade dominante. Mas não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica, nenhum movimento político que lhes seja peculiar. Como o desenvolvimento dos antagonismos de classes acompanha o desenvolvimento da indústria, não distinguem tampouco as condições materiais da emancipação do proletariado e põem-se à procura de uma ciência social, de leis sociais que permitem criar essas condições. […] não cessam de apelar indistintamente à sociedade inteira, e de preferência à classe dominante. Bastaria compreender seu sistema para reconhecê-lo como o melhor plano possível para a melhor sociedade possível. Rejeitam, portanto, toda ação política e, sobretudo, toda ação revolucionária; procuram atingir seu objetivo por meios pacíficos e tentam abrir um caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, com experiências em pequena escala e que naturalmente sempre fracassam” (2005MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Boitempo , 2005., p. 66-7).

A certeza e o desejo comuns aos ícones do socialismo utópico - Saint-Simon, Fourier e Owen - e aos saint-simonistas eram de que o curso da história realizaria suas ideias. Assim também esteve convencido Goethe até o final de sua vida, apresentando-as “simbolicamente na comunidade dos ‘renunciantes’ e, através desta, esperou e desejou uma ‘interferência prática’ no desenvolvimento da humanidade” (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 121). Também para Odoardo, personagem de Wanderjahre, o “século viria em sua ajuda” para provar que seus princípios sobre a realidade social eram praticáveis. Goethe quis, bem de acordo com sua época e a partir dos desafios que ela impunha, projetar sua visão do desenvolvimento social e de possíveis e desejáveis desdobramentos futuros.

Entre 1820 e 1830, a ideia de associação em escala europeia e global estava “no ar” (Sagave, 1957SAGAVE, Pierre-Paul. Goethe et les économistes français. Goethe et l’esprit français. Actes du colloque international de Strasbourg, 1957. ). A concepção de economia mundial que domina o terceiro livro do Wanderjahre está muito presente, por exemplo, em Le Globe, periódico francês lido por Goethe assiduamente na década de 1820. Na tentativa de encontrar as fontes que teriam influenciado Wanderjahre, mesmo quando se tentou buscar outras referências para além do socialismo utópico, elas levaram de novo a ele. Assim, por exemplo, se assumimos que, entre 1825 e 1830, Goethe “estava disposto a acolher favoravelmente as ideias particulares de Dupin sobre certas questões econômicas que o preocupavam durante a redação do terceiro livro de Wanderjahre” (Sagave 1957SAGAVE, Pierre-Paul. Goethe et les économistes français. Goethe et l’esprit français. Actes du colloque international de Strasbourg, 1957. , p. 93, tradução nossa)10 10 Para o autor, “há similitudes surpreendentes entres certos capítulos do romance e o projeto econômico de um autor cujos trabalhos são objeto de elogio em Le Globe. Trata-se do barão Charles Dupin (1784-1873)” (Idem, p. 92). Do ponto de vista de Goethe, Dupin era um liberal moderado, que é como o próprio Goethe se define à época, vislumbrando a eliminação paulatina dos problemas da vida social, “avançando de maneira prudente”, como diz a Eckermann (apud Id., p. 93). , somos também obrigados a constatar que o pensamento econômico da época tinha um slogan no termo “industrialismo”, cunhado por Saint-Simon e adotado por Dupin. Nele estariam resumidos o consumo dos produtos industriais, a automação dos métodos agrícolas e a formação de numerosos agrônomos, mesmo problema que permeia (segundo o próprio Sagave) todo Wanderjahre.

É possível apontar em Wanderjahre diversos pontos em comum com Saint-Simon: a abstração da luta de classes, isto é, do antagonismo social estrutural; a hierarquia social fundada sobre as “capacidades” (industriais, sábios, técnicos); a exaltação do papel do trabalho, deixando de lado o papel do “poder” e dos governantes; o julgamento dos homens pela destinação social, instituindo as classes segundo a capacidade e as obras - visto que, no romance, todos partem das mesmas condições; a preservação da propriedade individual, desde que sirva como meio da prosperidade geral, como um instrumento do trabalho social e não como fonte de rendimento individual; a concorrência oposta à coordenação econômica e as pessoas divididas em trabalhadoras e ociosas (abelhas e vespas); a ideia de associação econômica em escala mundial11 11 Todavia, Sagave (1957, p. 96) insiste em minorar a importância dessas similitudes. Para ele, essas ideias já estavam em Le Globe em sua anterior fase liberal e em Dupin - o qual mostrou ter sido, ele próprio, influenciado por Saint-Simon. Já em Fausto II, Sagave considera a influência de Saint-Simon mais específica, por exemplo, sobre o tema dos “trabalhos úteis à humanidade” [“travaux utiles à l’humanité”]. .

Pode-se afirmar que Goethe aceitou os princípios fundamentais da doutrina econômica e social dos saint-simonistas (ainda que depreciasse a religião saint-simoniana12 12 Tendo em vista os últimos escritos de Saint-Simon (como Cathéchism des industriels, 1823, ou Nouveau christianisme, 1825), cujo modelo de uma sociedade futura é entendido como uma forma secularizada do cristianismo, Goethe denomina pejorativamente o saint-simonismo de seita e religião. ):

Nesta aceitação das ideias econômicas saint-simonistas, deve-se, por um lado, distinguir um paralelismo de pensamentos, uma similitude de visões que resulta de uma comparação entre a Doutrina e Wanderjahre, e por outro lado, uma real influência da Doutrina sobre Goethe, que se destaca em um exame do segundo Fausto. Na redação de Wanderjahre, Goethe exprimiu um pensamento que estava no ar (Sagave, 1957SAGAVE, Pierre-Paul. Goethe et les économistes français. Goethe et l’esprit français. Actes du colloque international de Strasbourg, 1957. , p. 96, tradução nossa).

Em Wanderjahre e em Fausto II, ambas obras de maturidade, os homens têm de ser expulsos de sua própria terra no interesse de um processo de dissolução da propriedade imóvel tal como ele se realiza. Seus métodos violentos, o poeta tenta, contudo, provar como evitáveis. Os termos “fixo” [fest] e “móvel” [beweglich] remetem, na teoria econômica da época, de Smith a Marx, respectivamente a atributos da nobreza e da burguesia; desse modo são compreendidos por Goethe, que os entende dentro de um processo histórico necessário e racional. Contudo, a situação social é diferente em ambas as obras: “enquanto no drama, terminado por volta de dois anos após a conclusão do romance, o processo configura-se revolucionário e realista, a solução épica é evolucionária e utópica” (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 73, tradução nossa). Esta afirmação leva em conta, por exemplo, a paciência do Oheim em receber uma dívida (W13 13 Doravante abreviação para Wilhelm Meisters Wanderjahre. , p. 394) de um arrendatário ( um empreendedor capitalista, portanto14 14 Quinze anos mais tarde, nos Manuscrito Parisiense de 1844, Marx apresenta este processo de modo totalmente congruente a Goethe, quando diz que o proprietário de terra tornou-se, na figura do arrendatário, essencialmente um capitalista comum. ) amado por sua religiosidade e bondade, mas que era fraco como mantenedor da casa, não esperto e ativo. Lenardo, o cobrador da dívida e mensageiro da ordem de expulsar o homem e sua família da terra, sentiu culpa ao olhar para o rosto dele. Em Fausto II há também um episódio de expulsão de um arrendatário, mas de um modo conflituoso, em que há recusa do mesmo e não submissão à ordem. No romance, domina o amplo poder da razão - sob a qual muitas são as formas de instruir sem derramamento de sangue e injustiça. Em Wanderjahre, ninguém questiona a necessidade da expulsão, já que a terra é considerada mercadoria. Essa visão é plenamente sustentada pela teoria goethiana do materialismo orgânico: natureza, indivíduo e sociedade se organizam pelo mesmo princípio, por meio de uma polaridade do desenvolvimento ascensional. Isso significa que o ser humano não apenas reconhece as leis do mundo material e espiritual, mas pode igualar-se a elas ao conformar-se às mesmas. O indivíduo reconhece o princípio de desenvolvimento que rege tudo e é capaz de se pôr de acordo com ele - individualmente, “aceita” tanto as suas próprias aspirações contraditórias quanto o capitalismo. Resigna-se ao reconhecer o princípio superior que rege tudo e ao qual se submete também a educação15 15 Entre as ideias da burguesia alemã da época pré-Revolução Francesa está a de Lessing (A educação do gênero humano): “educação não dá ao homem nada além do que ele poderia ter por si mesmo: ela dá a ele o que ele poderia ter por si mesmo, apenas mais rápido e mais facilmente” (apudKlingenberg 1972, p. 95). . A solução da configuração artística épica, por sua vez, favoreceu particularmente bem esta atitude não revolucionária perante a história de seu tempo.

A concordância com a análise saint-simonista da sociedade verifica-se especialmente a respeito da luta concorrencial sem piedade, que amplia e aprofunda a pobreza de amplos círculos da população trabalhadora; o mesmo em relação ao papel da tecnização e industrialização em uma sociedade futura - ainda que com avaliações diferentes. Mas sempre que se trata dos passos práticos, de como seriam essas modificações, Goethe nega decididamente o saint-simonismo e sua ambição de tomada radical do poder sobre as relações de propriedade existentes. Ele problematiza as questões que surgem com os saint-simonistas, mas não pode, em última instância, concordar com o princípio de abolição da propriedade. A principal crítica goethiana se relaciona à atribuição dos meios de produção pelos “diretores”. Numa carta a Zelter, de junho de 1831, diz Goethe (apudJohn, 1998JOHN, Johannes. Saint-Simonismus. In: DAHNKE, H., OTTO, R. (Orgs.). Goethe-Handbuch. Stuttgart: J.B. Metzler, 1998., p. 935, tradução nossa):

eles [os saint-simonistas em Paris] conhecem com precisão as falhas de nosso tempo e também compreendem como apresentar o desejável; como, porém, eles querem deixar de lado o inessencial e promover o desejável, daí eles erram completamente. Os parvos imaginam prever muito racionalmente e asseguram que cada um deve ser recompensado pelo seu serviço se, de corpo e alma, a ele se liga e com ele se une integralmente.

Numa conversa com Frédéric Jean Soret (1795-1865), em 1830, Goethe coloca-se contra o princípio de utilidade dos saint-simonistas concentrando-se na relação entre indivíduo e sociedade:

não sei por que sacrificar o interesse dos indivíduos ao das massas. […] Assim, dizer que cada um deve se sacrificar para o bem de todos me parece um falso princípio; cada um deve se sacrificar à própria convicção (Goethe apudJohn, 1998JOHN, Johannes. Saint-Simonismus. In: DAHNKE, H., OTTO, R. (Orgs.). Goethe-Handbuch. Stuttgart: J.B. Metzler, 1998., p. 935, tradução nossa).

Por extensão, não é correto dizer, como pode parecer a princípio, que a renúncia em Goethe seria este sacrifício do interesse do indivíduo em prol da sociedade - ao contrário, a unilateralidade como forma de inserção útil na sociedade é o sacrifício do indivíduo em prol de si mesmo, e só por esse caminho tornam-se viáveis indivíduos autorrealizados, delimitados pelas próprias (in)capacidades; só desta forma é que a sociedade se organiza de modo sensato e próspero para o conjunto dos indivíduos.

Em suma, a solução da relação entre indivíduo e sociedade não pode se dar por um caminho que a todo instante coloca os interesses da estabilidade econômica à frente do julgamento idôneo das capacidades individuais; e, além disso, resta a questão de como seriam julgadas tais capacidades.

Tal qual os Frühsozialisten, Goethe considera que a industrialização pode - e deve - ser implementada sem que se deem as consequências inumanas advindas da contradição entre a produção social e a apropriação privada16 16 Veja-se a este respeito a crítica de Marx a Proudhon em Miséria da Filosofia. , não critica a propriedade privada.

o que quer dizer dar posses e bens aos pobres? É mais louvável proceder para eles como administrador. Este é o sentido da expressão posse e bem comum; o capital não deve agredir ninguém, de todo modo, no curso do mundo os interesses já pertencem a cada qual (W, p. 329).

Estando a organização social assentada sobre o bem geral, não há razão para se falar em revolução, a luta de classes não vem ao caso, e a polícia só é necessária para alguns casos de desajustes menores, como roubo de lenha ou vadiagem. Este é um ponto de contato muito significativo entre o Oheim e os principais Frühsozialisten, a saber: não defendiam a revolução e não compreendiam como centro do conflito a luta de classes. Com Saint-Simon e Fourier, pode-se ainda descobrir em Lehrjahre e Wanderjahre uma tentativa de conceber um mesmo status entre os sexos, em outras palavras, de elevar a posição e a importância da mulher ao nível das dos homens. Mas o romance e o pensamento de Goethe como um todo estão sem dúvida muito distantes da “libertação das paixões” fourieriana; e a diferença de classe, que se mantém nos falanstérios (redundante dizer que se mantém igualmente a propriedade privada), é totalmente secundada na Província Pedagógica e na Associação dos Viajantes. Não obstante, no Wanderjahre de 1829, em que foram literalmente projetadas utopias sociais globalizantes, Goethe recebe estímulos da New Harmony de Owen para delinear a orientação da associação dos emigrantes (Saße, 2010SAßE, Günter. Auswandern in die Moderne. Tradition und Innovation in Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre. Berlim: Walter de Gruyter, 2010., p. 174).

A ação/o fazer é central na imagem de mundo goethiana, em sua atitude perante à vida. Contudo, não é uma prática revolucionária, mas somente no sentido da tendência dominante, no caso, a burguesa - justamente essa pequenez filisteia foi duramente criticada por Engels em sua recensão do livro de Grün. Goethe negava a necessidade de revoluções na natureza e na sociedade. Ante as alternativas de aceitar um desenvolvimento dominante e regularmente evolucionário ou um desdobramento em saltos abruptos, ele fica com a primeira. A Província Pedagógica é o legado dessa visão de mundo que Goethe queria transmitir.

A história da humanidade, assim como a do indivíduo, deixa-se compreender, portanto, como sucessivos encadeamentos condicionados pelo desenvolvimento - e, com isso, racionais e necessários - para uma determinada época. Aqui, Goethe encontra-se com Hegel. Objetivo desse desenvolvimento dialético ascensional é a sociedade humana racionalmente organizada (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 152, tradução nossa).

Cabe referir aqui, de passagem, a célebre reflexão de Marx:

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles que escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram (2011MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo , 2011., p. 25).

Em Marx, esse desenvolvimento histórico corresponde às relações estranhadas estabelecidas pela propriedade privada. O móvel da história social não é, portanto, algo determinado abstratamente por categorias como elevação e polaridade, onipresentes em tudo que é, dissipadas como leis físicas. A apreensão goethiana da história humana, ainda que dialética, é submetida a leis ontológicas fixas (ainda que em constante e lenta evolução histórica), e os indivíduos devem resignar-se a elas. Em outras palavras, para Goethe, e também para Herder, Lessing e Winckelmann “não é por maldade ou desconhecimento que o homem e o estado não podem se colocar no caminho do desenvolvimento natural” (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 82). Trata-se, simplesmente, do tempo de maturação dos acontecimentos históricos, e querer forçá-lo revolucionariamente não é razoável nem efetivo, ao contrário, pode ser catastrófico. Para Marx, todavia, o trabalho é intrinsecamente revolucionário do próprio homem e de suas condições de existência. A propriedade privada é fruto do desenvolvimento “natural” do trabalho e, nesse sentido, Marx afirmava que ainda não havia se iniciado de fato a história humana: esta só começaria quando os homens tomassem as rédeas sobre as relações sociais, as coisas e todos os seus desdobramentos inumanos.

Se havia para Goethe uma teleologia no ser humano, ela resumiu-se a ser ativo, criar, agir. Cada membro individual da sociedade estaria marcado por talentos naturais especiais. Isso é o mesmo que sublinhou Engels em Fourier, quando este se referiu às inclinações próprias de cada um como único caminho para que o trabalho fosse prazeroso como devia ser (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 87). Para alguns intérpretes, em Wanderjahre, o autor corrigiu seu ideal de formação tal como expresso em Lehrjahre: enquanto aqui o objetivo era uma formação harmônica e multilateral da personalidade, lá tornou-se, com o reconhecimento pela economia política da divisão do trabalho como um progresso histórico da sociedade, um arranjo para que o indivíduo descobrisse e desenvolvesse alguma habilidade/capacidade especial que o colocasse em condição de servir ao conjunto do processo de trabalho capitalista. Essa constatação não significa que Goethe aceitou as consequências negativas da divisão capitalista do trabalho e nem que de algum modo concordou, portanto, com o atrofiamento do homem ativo.

Ao admitir em sua imagem de mundo um segundo momento da industrialização incipiente, a socialização da produção, ele encontra um corretivo (utópico, não realizável sob relações de propriedade capitalistas, mas já projetado para além delas) do desenvolvimento: a complementação do indivíduo, unilateralmente formado, por meio da sociedade consonante com ele (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 52).

Enquanto para Marx a atividade guarda o atributo revolucionário da realidade humana e, por isso, a protoforma de todas as categorias ontológicas do ser social, em Goethe, a atividade é um contínuo movimento das coisas e o homem ocupa seu lugar nesse cosmos. O homem apenas reproduz, no sentido progressivo de algo que já predomina, as relações sociais de seu tempo, no caso da Alemanha, a ascensão tardia da burguesia conciliada com a nobreza. O reconhecimento da atividade, em Marx e em Goethe, fundamenta práticas e visões de mundo que só não são diametralmente opostas porque a premissa da atividade conflui com a do humanismo ao tentar unir, sempre, as aspirações e inclinações do indivíduo às frequentemente divergentes exigências das relações sociais.

As personagens de Wanderjahre cujas práticas são as mais exemplares não possuem, no sentido mais elementar, conflito ideológico. Ao contrário, elas não apenas se colocam a serviço do progresso capitalista como o lideram. As lideranças no romance - Lothario, Montan (Jarno), Lenardo e outros - tentam demonstrar sua ampla visão de conjunto da sociedade, de modo a sempre oferecer um plano para que todos os membros tenham as melhores condições de desenvolvimento, dentro das regras e do que é “necessário”. Este, por sua vez, é sempre uma demanda social que pode frequentemente chegar ao ponto do sacrifício do indivíduo.

Assim, enquanto Susanne passa um tempo com Makarie, sua propriedade é transformada em fábrica (e antes disso, no Bund [associação], ela já havia percebido tanto a necessidade histórica do desenvolvimento econômico quanto que poderia dirigi-la para o uso dos participantes). Dos habitantes da montanha não se fala mais que estão pobres e desprovidos, mas sim que eles serão ocupados de um modo livre dos “abusos” (expressão da Aufklärung) da industrialização, de um “outro modo, mais vívido” (W, p. 731). Trata-se de conduzir (pelos conhecimentos dos renunciantes) o progresso industrial de modo humano - a visita de Lenardo aos fiadores e tecelões das montanhas é consciente e planejada, tendo em vista o desenvolvimento de toda região [Land].

A propriedade do Oheim (Tio) foi administrada segundo a harmonia entre interesses individuais e sociais. O Oheim tem um ganho apropriado por meio das plantações de fruta e legumes para o uso de toda região, arrendatários e camponeses proveem suas necessidades adquirindo os produtos por um preço reduzido. O personagem do alto funcionário da administração, que desempenha também funções de justiça [Amtmann], coloca o palácio de seu domínio à disposição da sociedade dos viajantes e faz isso no intuito de receber algo útil em troca (W, p. 738). O plano de Odoardo, da colonização de abelhas, também parte da vantagem que se abrirá a todos os empreendimentos participantes, que se revela como a conduzida emancipação da propriedade fundiária (W, p. 691).

Mesmo com a ambição pela posse e ganho material, o comportamento humano não está jamais submetido ao lucro. Ao contrário, a conduta humana se realiza na ambição pelas próprias vantagens - úteis a todos. A ressalva de Marx em relação aos socialistas utópicos pode ser aplicada a Goethe: para o poeta ancorado no ideal de humanidade do classicismo alemão, permanecem ocultas a luta hostil entre capitalista e trabalhador e as consequências da divisão do trabalho, esta que torna o indivíduo mais e mais unilateral e gera o estranhamento do homem pelo homem - pois, com a valorização [Verwertung] do mundo das coisas, como diz Marx, há uma correspondente desvalorização [Entwertung] do mundo humano.

Tematiza-se, neste contexto, a relação entre o necessário, o natural e a legalidade17 17 A legalidade neste contexto refere-se a um modus operandi que tem suas leis próprias. do mundo (natural e social) frente às aspirações do indivíduo. Se o querer está de acordo com a legalidade do desenvolvimento, usa-se como critério a prática. Na associação dos viajantes, trata-se seriamente de reunir forças e agir.

- Mas, então, de que depende tudo? - pergunta Wilhelm apressadamente. - Isto é logo dito - replica aquele [Montan]: ‘Pensar e fazer, fazer e pensar, esta é a soma de toda sabedoria, há muito reconhecida, há muito exercitada, não compreendida por todos. Ambos precisam, como expirar e inspirar, movimentar-se eternamente para lá e para cá; como pergunta e resposta não deveriam encontrar-se uma sem a outra’ (W, p. 535-6).

Cada indivíduo só tem lugar na sociedade se trocar seu trabalho por outro e, por isso, esse trabalho tem de ser útil, isto é, cumprir uma necessidade vital da sociedade. “Todos os homens úteis têm de se colocar em relação uns aos outros, como o dono da obra de acordo com o arquiteto, e este de acordo com o pedreiro e o carpinteiro” (W, p. 672)18 18 Para Lottmann (2011) as “Betrachtungen im Sinne der Wanderer” estabelecem o que determina a ação e as personagens, na seguinte passagem: “Se eu sei com o que você se ocupa, sei o que pode vir a ser de você” (W, p. 560, tradução nossa). Lottmann contrapõe o ideal de formação, ideal da personalidade e de atividade de Lehrjahre ao simples Arbeit - a Beschäftigung não se fundamenta mais pelos princípios clássicos humanistas relativos ao homem inteiro (2011, p. 13). O trabalho vem a primeiro plano, e pode ser tanto o que foi incumbido quanto o que foi decidido pelo próprio indivíduo. .

[...] não vemos ninguém entre nós que a todo momento não tenha podido exercer sua atividade, que não estivesse assegurado de que em toda parte para onde acaso, inclinação e até paixão o pudesse conduzir, se encontraria sempre bem recomendado, aceito e estimulado, até mesmo restabelecido de infelicidades o mais rápido possível (W, p. 672).

Mas não apenas o reconhecimento da divisão do trabalho como pressuposto do crescimento da produção é fundamento para a maestria unilateral19 19 No contexto da formação integral da individualidade em sua relação com as necessidades sociais, a maestria unilateral refere-se ao exercício de apenas um rol de habilidades específicas. : é tarefa da educação descobrir tendências individuais específicas. Assim, o modo de produção capitalista, isto é, as respectivas relações sociais que o constroem, não está em contradição com as aspirações, capacidades e desenvolvimento individuais. Na verdade, eles promovem-se mutuamente.

Cada um corretamente educado - isto é, segundo os princípios da Província Pedagógica - com base em suas habilidades, está sempre em condição de nutrir-se a si e aos outros [...] Dominar perfeitamente uma profissão útil e exercitá-la aplicadamente é a condição única, bem como a única possibilidade de bem-estar material (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 86).

Em Wanderjahre, Goethe aceita como fato a divisão do trabalho enquanto fundamento prático de seu tempo. Vê que a luta por uma personalidade em si, multilateralmente formada só poderia ser um objetivo temporário da luta burguesa. Assim, quem participa da comunidade ativamente e como mestre de seu ofício está longe de despedaçar sua personalidade, ao contrário, desdobra-se somente no trabalho para e com a comunidade. Em Wanderjahre, não advém da divisão do trabalho o empobrecimento espiritual do indivíduo, pois o coletivo vem suprir sua incompletude.

A tese de Goethe é a da harmonia [Übereinstimmung] do uso [Nutzen] individual, conquistado por intermédio da posse privada com uso social. Desse modo, é construída uma comunidade que funciona racionalmente e é regulada com facilidade, nos âmbitos moral e econômico, de acordo com dois princípios: “esforce-se cada um, em toda parte, por ser útil a si a aos outros!” (W, p. 667) e “ninguém deve ser desagradável ao outro” (W, p. 688). Comunidade que,

trazida pela história dos pressupostos utópicos, é, em seus anseios - dominar a natureza para o uso de todos e regular o convívio humano humanamente - a expressão poética mais elevada das exigências possíveis dessa época (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 79, grifo nosso).

Considerações finais

Como procuramos demonstrar, Goethe absorveu de alguma forma as ideias socialistas surgidas e desenvolvidas nas três primeiras décadas do século XIX. Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden, romance elaborado neste mesmo período, é uma de suas obras que traz vestígios explícitos dessas ideias que ganhavam força na sociedade e na política europeias da época.

Ao longo do século XX, a predominante omissão ou negação desta ligação pela crítica se deu tanto por parte dos que quiseram afastar Goethe do fantasma do socialismo real quanto pelos próprios comunistas que fizeram questão de impor uma clara separação entre sua concepção e a do filisteu alemão. Se foi por desconhecimento que a história da sociologia não registrou Goethe entre os difusores das ideias políticas e dos elementos da teoria social que, já em meados do século XIX, culminariam no socialismo de Marx e Engels, a pesquisa em Goethe (a chamada Goethe-Forschung) procurou, no século XX, consciente e majoritariamente, afastar qualquer conexão de Wanderjahre com o socialismo e o fez sobretudo por meio de um argumento filológico. A busca de rastros na documentação (cartas, diários, registros de bibliotecas, diálogos etc.) do contato de Goethe com o socialismo não levou ao encontro de provas consistentes e, assim, esta perspectiva acreditou estar definitivamente esclarecido que Goethe não se ocupou do socialismo e que, portanto, seria quase um disparate procurar estabelecer conexões de Wanderjahre com concepções socialistas. Todavia, à parte outras reservas que poderiam ser feitas, a crítica filológica parece desconsiderar sua própria incompletude filológica, uma vez que grande parte do material redacional ligado à obra é ainda inédita. A crítica filológica não é resolutiva, por isso não impõe um bloqueio a esta relação; por outro lado, não parece razoável supor que Goethe não tenha tomado conhecimento dos socialistas de seu tempo, mas sim que, filologicamente, verifica-se até o momento que ele não se ocupou efetivamente desses teóricos antes da publicação de Wanderjahre.

Este artigo não pretendeu, evidentemente, suprir esta lacuna. Em vez disso, procurou discutir a plausibilidade da associação entre Goethe e o socialismo com base no solo histórico de onde brotou a obra, em indícios que o próprio romance apresenta e nos estudos a respeito do assunto.

A relevância em ressuscitar esta ligação, contudo, pode ser ancorada ainda em outro argumento. Se consideramos o nascimento do gênero romance no século XVII, advindo da integração da novelística ao romance épico, por meio da integração das histórias verdadeiras, imitadas da realidade, com a arte da poética e da ficção, outra questão que se coloca é a seguinte: como foi possível que Goethe, numa realidade atrasada, refletisse uma realidade mais avançada (questionamento que vale tanto para Lehrjahre, romance que se torna um paradigma europeu, quanto para o retrato das relações sociais reais e possíveis em Wanderjahre)? No fato de que o desenvolvimento econômico e social da Alemanha não estava alinhado ao da França e, especialmente, ao da Inglaterra - e por isso o reflexo teórico e artístico desses desdobramentos era produto importado - deve-se considerar, como observa Lukács, que “somente no último período do Iluminismo o problema do espelhamento artístico de épocas passadas emerge como uma questão central da literatura. Isso ocorreu na Alemanha” (2011, posição 344), com Lessing e Winckelmann (ainda que ambos se mantivessem essencialmente na linha do Iluminismo francês e inglês - Lessing chegou a dizer que a História seria apenas um “repertório de nomes” para o dramaturgo). A expressão teórica dessa “ascensão consciente do historicismo” foi levada a cabo por Herder. No Sturm und Drang,

o domínio da história pelo escritor já emerge como um problema consciente. O drama Götz von Berlichingen, de Goethe, não apenas traz consigo um reflorescimento do drama histórico, mas também exerce uma influência forte e direta na formação do romance histórico em Walter Scott (Lukács, 2011LUKÁCS, György. O romance histórico [1936-37]. São Paulo: Boitempo, 2011. Livro eletrônico., posição 348),

o qual, aliás, traduz o referido drama goethiano para o inglês. O maior romancista do gênero histórico, um escocês do avançado Reino Unido, foi, portanto, influenciado por Goethe, poeta do atrasado Sacro Império Romano-Germânico. Por quê?

A forma das contradições gerais que estão na base de toda a ideologia do Iluminismo aparece [na Alemanha] de modo mais agudo que na França, como também a oposição específica entre essas ideias e a realidade alemã são alçadas energicamente ao primeiro plano (Lukács, 2011LUKÁCS, György. O romance histórico [1936-37]. São Paulo: Boitempo, 2011. Livro eletrônico., posição 352).

Deste modo, a apreensão da história foi particularmente significativa na Alemanha, exatamente porque a discrepância do desenvolvimento econômico e social era explícita em comparação com França e Inglaterra. Assim, se já o drama histórico de juventude de Goethe inspirou aquele que foi considerado como o maior romancista histórico de todos os tempos, certamente teríamos em Wanderjahre, o último romance do maior autor alemão, obra maturada durante décadas, um panorama definidor de seu tempo, tratando de modo complexo e expressivo o desenvolvimento social, em suas dimensões teórica, prática e projetiva, pelo qual a Europa passava naquele momento histórico determinante.

Isso incluiu não somente o socialismo, que resulta da evolução das lutas sociais que eclodiram na Revolução Francesa, mas também uma reelaboração de tradições europeias anteriores. Veja-se, a este respeito, por exemplo, o escrito de Adalbert Bartholomäus Kayßler, intitulado Fragment aus Platons und Göthes Pädagogik [Fragmento a partir da pedagogia de Platão e Goethe], de 1821, que integra a recepção da publicação da primeira versão de Wanderjahre. O autor “empreende a tentativa de unir o projeto pedagógico de Goethe à longa tradição daquelas utopias europeias que remontam à teoria social de Platão” (Neumann; Dewitz, 1989NEUMANN, Gehard; DEWITZ, Hans-Georg. Kommentar. In: GOETHE, Johann W. Wilhelm Meisters Wanderjahre. Frankfurt: Deutsher Klassiker Verlag , 1989., p. 902). Este estudo de Kayßler, ao lado de poucos outros, foi merecedor da atenção e do elogio público de Goethe, que se ligava conscientemente à tradição antiga. O parâmetro de Goethe está na Antiguidade, por isso, além das obras de Platão e Aristóteles, o universo de pensamento que trouxe as maiores e mais decisivas consequências para Goethe foi a bíblia (Cf. Böhme, 1991BÖHME, Günter. Naturwissenschaft, Humanismus und Bildung. Frankfurt: Peter Lang, 1991. , p. 149-50). Doutrina cristã e antiga tradição europeia da utopia, que retornam nas imagens de sociedade ideal dos socialistas utópicos do início do século XIX tanto quanto no último romance de Goethe.

Por fim, deve-se ainda ressaltar o importante conceito de Weltliteratur20 20 Criado por Martin Wieland (1733-1813) no sentido de ser uma literatura para o “homem do mundo”, teve seu significado definitivamente reformulado por Goethe, a partir de 1827, em Kunst und Alterthum. , literatura universal, e o respectivo reflexo dos acontecimentos históricos para além das fronteiras nacionais: Goethe não visava apenas a retardatária Alemanha, mas, no seu sentido mais amplo, porém concreto, a “humanidade”. Por meio da configuração poética de um modelo social que se mostrasse eficiente aos olhos de seus contemporâneos, o “poeta foi capaz de conduzir rumo ao objetivo que o movimento histórico real ainda não lograra atingir: justamente essa comunidade humana racionalmente ordenada” (Klingenberg, 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 154).

Referências

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  • SAßE, Günter. Auswandern in die Moderne. Tradition und Innovation in Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre. Berlim: Walter de Gruyter, 2010.
  • *
    Este artigo é fruto de uma pesquisa de pós-doutorado financiada pela FAPESP (DS-USP).
  • 1
    O termo alemão Frühsozialismus designa todas aquelas teorias socialistas advindas antes de 1848 (cf. Ramm, 1968RAMM, Thilo. Der Frühsozialismus. Quellentexte. Stuttgart: Alfred Kröne, 1968., p. XII). A evolução seguinte foi o socialismo científico de Marx e Engels. Parte da história anterior do socialismo, seriam, ainda: teoricamente, a Utopia (1516) de Thomas Morus (1478-1639) e A Cidade do Sol (1613) de Tommaso Campanella (1568-1639), que não teriam sido apenas “jogos mentais” como outros do século XVIII para fugir da realidade mostrando a insatisfação com a ordem estabelecida; e, praticamente, as tentativas de colapso da ordem existente, como as revoltas italianas e francesas já nos séculos XII e XIII, ou aquela liderada por Thomas Münzer em 1525, na Alemanha, entre outras. A diferença destas últimas para a Revolução Francesa é que, nesta, uma nova ordem realmente se instaurou e as teorias políticas puderam ser e foram testadas: “A queda da sociedade feudal e os grandes conflitos na própria Revolução Francesa que refletiam as diferentes constituições numa sucessão precipitada mostraram em que medida as teorias políticas eram realizáveis e produziam com isso uma ligação não conhecida com a práxis revolucionária” (Id., p. XII).
  • 2
    Obras significativas de Saint-Simon (1760-1825) foram publicadas de 1803 a 1825, as de Fourier (1772-1837) entre 1808 e 1831 e Owen (1771-1858) de 1825 a 1837.
  • 3
    Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister possui duas edições brasileiras, a primeira, de 1994, da editora Ensaio, com tradução de Nicolino Simone Neto; em 2006, a mesma tradução foi republicada pela Ed. 34. Wilhelm Meisters Wanderjahre oder Die Entsagenden aguarda ainda tradução no Brasil.
  • 4
    Anneliese Klingenberg foi uma das que quiseram levantar provas de que há uma concordância entre os acontecimentos da realidade e sua reflexão em Wilhelm Meisters Wanderjahre, de modo a excluir de uma vez por todas a avaliação de que se trata de uma obra fruto das fraquezas da idade avançada - ao contrário, repousa na atenta observação do mundo. Ela mostra quão forte é o enraizamento de Goethe na realidade ao imaginar aspirações pedagógicas, artísticas e político-artísticas. Neste contexto, ela afirma: “Sem dúvida a ideia da Província Pedagógica de Goethe é marcada pelos relatos sobre o Instituto de Fellenberg. […] Em 1820 a instituição contava com aproximadamente 35 professores e 100 pupilos, sendo 17 deles filhos de príncipes de diversos países” (1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 57, tradução nossa). Até mesmo a geografia do lugar (Hofwyl, na Suíça) lembra a da Província Pedagógica: vilas interligadas entre cadeias de colinas. Além do Instituto do pedagogo e agrônomo suíço Philipp Emanuel von Fellenberg (1771-1844), é possível relacionar também as propostas de Weimar para a Academia de Artes de Berlim (1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 61-70).
  • 5
    Cujos textos são, respectivamente Im Sinne der Wanderer, 1832, de Varnhagen von Ense; Göthe und seine Werke, 1847, do velho-hegeliano Karl Rosenkranz; Ueber Göthe vom menschlichen Standpunkte, 1846, do “socialista verdadeiro” Karl Grün; Göthe’s Wilhelm Meister in seinen socialistischen Elementen entwicklet, 1849, de Ferdinand Gregorovius, e Goethe und der Socialismus, 1852, de Hermann Hettner. “Ainda que nesses intérpretes transpareça por vezes um tom religioso e apologético (Bahr, 1979, p. 218), a importância de suas leituras pode ser comprovada por um conceito central e inovador no romance, o de trabalho, que foi visto com estranheza pelos contemporâneos e somente com a interpretação de Rosenkranz, em 1847, foi apropriadamente reconhecido - portanto, quase 20 anos depois da publicação da última versão do romance. Rosenkranz acentua a tecnologia (maquinaria) e a propriedade, esta que ele vê dissolvida na emancipação política da burguesia e do ofício. Posteriormente, seu aluno Gregorovius coloca o conceito do trabalho no centro do romance, e Hettner, por fim, considera que Goethe pode ser nomeado o primeiro socialista alemão - ao ser influenciado tanto pelos socialistas utópicos quanto pelo idealismo alemão e pela economia política” (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Manoela H. Sobre o socialismo em Os anos de peregrinação de Wilhelm Meister ou Os renunciantes. Revista Cerrados, Brasília, v. 24, p. 263-71, 2015., p. 266).
  • 6
    A influência hegeliana sobre a interpretação de Wanderjahre, porém, reverbera para muito além desses primeiros tempos (como em Klingenberg, em alguns pontos importantes).
  • 7
    Sagave (1953SAGAVE, Pierre-Paul. Les années de voyage de Wilhelm Meister“ et la critique socialiste (1830-1848). Etudes Germaniques, v. 8, p. 245-51, 1953.) vê Heinrich Gustav Hotho (1802-1873) como o fundador, mas isso é falso, já que para Hotho, ilustre discípulo de Hegel, o problema em primeira linha é poético, além de faltar em sua análise qualquer alusão ao socialismo utópico.
  • 8
    A publicação dividiu-se em duas partes: a primeira expôs a parte científica e os traços fundamentais de uma nova ordem social, e a segunda tratou do sistema religioso.
  • 9
    “Sob a liderança de Lenardo é fundado o empreendimento de emigração, o qual, liberto das obrigações feudais que ainda pesavam sobre a sociedade europeia, planeja assentamentos grandiosos no novo mundo, a construção de um canal e parques industriais. E um príncipe alemão também possibilita um projeto de colonização em uma província remota (Goethe alude aqui aos assentamentos planejados nas terras de Maria Teresa e Frederico, o Grande). Ambos os projetos repercutem os estudos econômicos e agrários de Goethe, que o ocuparam até a idade avançada.” (Borchmeyer, 1998BORCHMEYER, Dieter. Weimarer Klassik: Portrait einer Epoche. Beltz: Athenäum, 1998., p. 528, tradução nossa).
  • 10
    Para o autor, “há similitudes surpreendentes entres certos capítulos do romance e o projeto econômico de um autor cujos trabalhos são objeto de elogio em Le Globe. Trata-se do barão Charles Dupin (1784-1873)” (Idem, p. 92). Do ponto de vista de Goethe, Dupin era um liberal moderado, que é como o próprio Goethe se define à época, vislumbrando a eliminação paulatina dos problemas da vida social, “avançando de maneira prudente”, como diz a Eckermann (apud Id., p. 93).
  • 11
    Todavia, Sagave (1957SAGAVE, Pierre-Paul. Goethe et les économistes français. Goethe et l’esprit français. Actes du colloque international de Strasbourg, 1957. , p. 96) insiste em minorar a importância dessas similitudes. Para ele, essas ideias já estavam em Le Globe em sua anterior fase liberal e em Dupin - o qual mostrou ter sido, ele próprio, influenciado por Saint-Simon. Já em Fausto II, Sagave considera a influência de Saint-Simon mais específica, por exemplo, sobre o tema dos “trabalhos úteis à humanidade” [“travaux utiles à l’humanité”].
  • 12
    Tendo em vista os últimos escritos de Saint-Simon (como Cathéchism des industriels, 1823, ou Nouveau christianisme, 1825), cujo modelo de uma sociedade futura é entendido como uma forma secularizada do cristianismo, Goethe denomina pejorativamente o saint-simonismo de seita e religião.
  • 13
    Doravante abreviação para Wilhelm Meisters Wanderjahre.
  • 14
    Quinze anos mais tarde, nos Manuscrito Parisiense de 1844, Marx apresenta este processo de modo totalmente congruente a Goethe, quando diz que o proprietário de terra tornou-se, na figura do arrendatário, essencialmente um capitalista comum.
  • 15
    Entre as ideias da burguesia alemã da época pré-Revolução Francesa está a de Lessing (A educação do gênero humano): “educação não dá ao homem nada além do que ele poderia ter por si mesmo: ela dá a ele o que ele poderia ter por si mesmo, apenas mais rápido e mais facilmente” (apudKlingenberg 1972KLINGENBERG, Anneliese. Goethes Roman Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden. Berlim: Aufbau Verlag, 1972., p. 95).
  • 16
    Veja-se a este respeito a crítica de Marx a Proudhon em Miséria da Filosofia.
  • 17
    A legalidade neste contexto refere-se a um modus operandi que tem suas leis próprias.
  • 18
    Para Lottmann (2011LOTTMANN, André. Arbeitsverhältnisse. Der arbeitende Mensch in Goethes Wilhelm-Meister-Romanen und der Geschichte der Politische Ökonomie. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2011.) as “Betrachtungen im Sinne der Wanderer” estabelecem o que determina a ação e as personagens, na seguinte passagem: “Se eu sei com o que você se ocupa, sei o que pode vir a ser de você” (W, p. 560, tradução nossa). Lottmann contrapõe o ideal de formação, ideal da personalidade e de atividade de Lehrjahre ao simples Arbeit - a Beschäftigung não se fundamenta mais pelos princípios clássicos humanistas relativos ao homem inteiro (2011LOTTMANN, André. Arbeitsverhältnisse. Der arbeitende Mensch in Goethes Wilhelm-Meister-Romanen und der Geschichte der Politische Ökonomie. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2011., p. 13). O trabalho vem a primeiro plano, e pode ser tanto o que foi incumbido quanto o que foi decidido pelo próprio indivíduo.
  • 19
    No contexto da formação integral da individualidade em sua relação com as necessidades sociais, a maestria unilateral refere-se ao exercício de apenas um rol de habilidades específicas.
  • 20
    Criado por Martin Wieland (1733-1813) no sentido de ser uma literatura para o “homem do mundo”, teve seu significado definitivamente reformulado por Goethe, a partir de 1827, em Kunst und Alterthum.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019
  • Data do Fascículo
    Abr 2019

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2018
  • Aceito
    04 Ago 2018
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