Acessibilidade / Reportar erro

Evidências da anomalia e atipicidade da Política de Ciência e Tecnologia nos discursos de gestores de Agências de Inovação

Evidence of anomaly and atypicality of Science and Technology Policy in the discourse of managers of university Technology Transfer Offices

Resumo

A comunidade de pesquisa, que abrange profissionais que se dedicam ao ensino, à pesquisa e/ou ao fomento e planejamento da Ciência e Tecnologia (C&T), tem uma participação hegemônica na conformação da Política de Ciência, Tecnologia (PCT) brasileira. Partindo dessa consideração, o objetivo deste trabalho é ilustrar como esses profissionais fazem valer seu modelo cognitivo no processo decisório dessa política. Para tanto, via entrevistas semiestruturadas, as falas de gestores de três agências de inovação de universidades públicas foram analisadas segundo a metodologia da análise de conteúdo. Ao fazê-lo, fortalecemos a afirmação de que a PCT é caracterizada e condicionada por duas dinâmicas: a anomalia genérica e a atipicidade periférica. A primeira dinâmica é evidenciada pela crença dos dirigentes no benefício infinito da tecnociência, de sua neutralidade e do seu determinismo. A segunda ressalta-se pela convicção na emulação da PCT dos países de capitalismo avançado, dos quais os gestores internalizam critérios de qualidade e relevância para a conformação de suas agendas de C&T. Essa racionalidade vai sendo reproduzida, de maneira ampliada e em escala institucional, na forma de percepções deslocalizadas da produção científica e tecnológica.

Palavras clave
agências de inovação; anomalia; atipicidade; tecnociência

Abstract

The research community – which includes professionals dedicated to teaching and research, and to the promotion and planning of Science and Technology (S&T) – bears a hegemonic role in shaping Brazil's Science and Technology Policy. Based on this observation, we aim to illustrate how these professionals make their cognitive model count in the decision-making process of this policy. To achieve our objective, we have conducted semi-structured interviews with the managers of three University Technology Transfer offices (TTO), and analyzed the data using the content analysis methodology. Our results strengthen the argument that Brazil’s S&T policy is portrayed and conditioned by two dynamics: the generic anomaly and the peripheral atypicality. The former dynamic is highlighted by the belief of these professionals on the endless benefits, neutrality and determinism of technoscience. While the latter displays the conviction to emulate S&T Policies from economically advanced countries, in which the TTO managers internalize quality and relevance criteria to shape their own S&T agendas. This rationality has been reproduced, broadly and on an institutional scale, in the form of delocalized perceptions of scientific and technological production.

Keywords
technology transfer offices; anomaly; atypicality; technoscience

Introdução1 1 Agradecemos imensamente aos pareceristas pelas contribuições e à Fapesp pelo financiamento para a condução da pesquisa.

Uma comunidade científica é formada por praticantes de uma especialidade científica, sendo que podem existir várias comunidades com um objeto de estudo próprio (Kuhn, 196238 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 1962.). A comunidade mais global é aquela composta por todos os cientistas ligados às “ciências da natureza” (Kuhn, 196238 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 1962., p. 221), responsáveis por produzir e legitimar o conhecimento científico. Essa noção kuhniana de comunidade cientifica sofreu influência do estudo de Fleck (1986)30 FLECK, Ludwik et al. La génesis y el desarrollo de un hecho científico: introducción a la teoría del estilo de pensamiento y del colectivo de pensamiento. Madrid: Alianza, 1986., sobretudo em relação a coletivos de pensamento. Em Fleck (1986, p. 90; 145)30 FLECK, Ludwik et al. La génesis y el desarrollo de un hecho científico: introducción a la teoría del estilo de pensamiento y del colectivo de pensamiento. Madrid: Alianza, 1986., “[...] a palavra ‘conhecer’ só tem significado em relação com um coletivo de pensamento”, sendo este visto como “[...] uma atividade social por excelência, que não pode localizar-se completamente dentro dos limites do indivíduo”. Logo, para o autor, um indivíduo compõe vários coletivos simultaneamente. As implicações das ideias de Fleck e Kuhn permitiram entender a ciência como uma atividade coletiva, em que seus membros compartilham objetivos comuns e falam a mesma linguagem (Ziman, 197964 ZIMAN, John. Conhecimento público. Belo Horizonte, São Paulo: Ed. Itatiaia, Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.).

Numa perspectiva pós-kuhniana, Funtowicz e Ravetz (1997)29 FUNTOWICZ, Silvio; RAVETZ, Jerry. Ciência pós-normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais. História, Ciência, Saúde-Manguinhos, v. 4, n. 2, p. 219-230, 1997. defendem a constituição de uma comunidade ampliada, dando espaço para a participação de um público não especialista na tomada de decisão sobre diversos temas, bem como em relação a aspectos éticos e outras demandas.

Embora sem adotar o conceito de coletividade científica proposto por Baumgarten (2004)6 BAUMGARTEN, Maíra. Comunidades ou coletividades? O fazer científico na era da informação. Política & Sociedade, v. 3, n. 4, p. 97-136, 2004. – como o locus de interação entre pesquisadores, empresários, mídia, organizações da sociedade civil etc. –, Dagnino (2007)16 DAGNINO, Renato; DIAS, Rafael. A política de C&T brasileira: três alternativas de explicação e orientação. Revista Brasileira de Inovação, v. 6, n. 2, p. 373-403, 2007. avança ampliando o conceito usual de comunidade científica, que, em países como o nosso, abrange os profissionais que se dedicam ao ensino e à pesquisa em universidades públicas e aqueles que atuam em institutos públicos de pesquisa e em agências dedicadas ao fomento e planejamento da C&T.

Uma ressalva colocada por Schwartzman (2001)49 SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para a ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília: MCT, 2001. vale espaço nesta discussão: o conceito de comunidade científica é, na realidade, um tipo ideal, isto é, uma construção intelectual que explicita valores, ações sociais e tensões desse grupo social. Nessa perspectiva, assim como a “ciência não é um conceito unívoco e pode significar coisas distintas para pessoas diferentes” (Schwartzman, 200149 SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para a ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília: MCT, 2001., p. 24), partimos do entendimento de que o conceito e o uso do termo comunidade científica não a caracteriza como um bloco monolítico e que podem existir diferentes visões. Portanto, para fins deste artigo, tomaremos como ponto de partida para as discussões no âmbito do tema aqui proposto os delineamentos da definição colocada por Dagnino (2007)16 DAGNINO, Renato; DIAS, Rafael. A política de C&T brasileira: três alternativas de explicação e orientação. Revista Brasileira de Inovação, v. 6, n. 2, p. 373-403, 2007..

Vários autores têm destacado a importância da comunidade científica na elaboração da PCT dos países de capitalismo avançado (ver Gibbons et al., 199431 GIBBONS, Michael et al. The new production of knowledge: dynamics of science and research in contemporary societies. Londres: Sage Publications, 1994.; Nowotny; Scott; Gibbons, 200143 NOWOTNY, Helga; SCOTT, Peter; GIBBONS, Michael. Re-thinking science: knowledge and the public in an age of uncertainty. Cambridge: Polity Press/Blackwell, 2001.; Etzkowitz, 198926 ETZKOWITZ, Henry. Entrepreneurial science in the academy: a case of the transformation of norms. Social Problems, v. 36, n. 1, p. 14-29, 1989.; Webster; Etzkowitz, 199163 WEBSTER, Andrew; ETZKOWITZ, Henry. Academic industry relations: the second academic revolution? Londres: Science Policy Support Group, 1991.). No caso brasileiro, os cientistas “têm uma participação decisiva nos rumos do fomento e na conformação da própria estrutura de C&T, não só executando a pesquisa, como também intervindo no planejamento e na gestão e coordenação do setor [...]” (Baumgarten, 20046 BAUMGARTEN, Maíra. Comunidades ou coletividades? O fazer científico na era da informação. Política & Sociedade, v. 3, n. 4, p. 97-136, 2004., p. 120).

Em função da condição periférica de nosso país, Dagnino (2007)16 DAGNINO, Renato; DIAS, Rafael. A política de C&T brasileira: três alternativas de explicação e orientação. Revista Brasileira de Inovação, v. 6, n. 2, p. 373-403, 2007. procura explicar como se efetiva essa interação e como a comunidade de pesquisa opera no sentido de defender os seus interesses. A elite dessa comunidade tem alcançado uma importância muito maior do que seus congêneres dos países de capitalismo avançado, devido à quase ausência de outros atores sociais (como empresários, trabalhadores, movimentos sociais etc.) no processo de decisão relacionado à PCT (Dagnino, 2016). Quando essa comunidade interage com atores exógenos a ela, ocorre uma predileção por aqueles que reforçam projetos privatistas na formulação das PCTs, fenômeno também verificado em outros países (Slaughter; Leslie, 199755 SLAUGHTER, Sheila; LESLIE, Larry L. Academic capitalism: politics, policies, and the entrepreneurial university. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997.; Serafim, 201150 SERAFIM, Milena P. O processo de mercantilização das instituições de educação superior: um panorama do debate nos EUA, na Europa e na América Latina. Avaliação, v. 16, n. 2, p. 241-265, 2011.; Spatti; Serafim; Dias, 201658 SPATTI, Ana C.; SERAFIM, Milena P.; DIAS, Rafael de B. Universidade e pertinência social: alguns apontamentos para reflexão. Avaliação, v. 21, n. 2, p. 341-360, 2016.).

Enquanto nos países avançados a comunidade de pesquisa possui papel importante na elaboração da PCT, aqui, ela é o verdadeiro formulador, implementador e avaliador da PCT, constituindo-se no ator hegemônico do seu processo de elaboração (Dagnino, 200716 DAGNINO, Renato; DIAS, Rafael. A política de C&T brasileira: três alternativas de explicação e orientação. Revista Brasileira de Inovação, v. 6, n. 2, p. 373-403, 2007.; 201614 DAGNINO, Renato. A anomalia da política de C&T e sua atipicidade periférica. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, v. 11, n. 33, p. 33-63, 2016.). Uma correlação entre paradigma da ciência, hegemonia da comunidade científica e internacionalização mimética da PCT – incluindo a conformação de discurso e de comportamento/engajamento pró-mercado e uma agenda neoliberal – pode ser visualizada em diversos estudos (ver Solomon, 198957 SOLOMON, Joan. The social construction of school science. In: MILLAR, Robin (ed.). Doing science: images of science in science education. Londres, Nova York, Filadélfia: The Falmer Press, 1989. p. 126-136.; Sagasti, 198948 SAGASTI, Francisco R. Science and technology policy research for development: an overview and some priorities from a Latin American perspective. Bulletin of Science, Technology and Society, v. 9, n. 1, p. 50-60, 1989.; Bozeman, 19948 BOZEMAN, Barry. Evaluating government technology transfer: early impacts of the cooperative technology paradigm. Policy Studies Journal, v. 22, n. 3, p. 322-327, 1994.; Elzinga; Jamison, 199525 ELZINGA, Aant; JAMISON, Andrew. Changing policy agendas in science and technology. In: Jasanoff, Sheila et al. Handbook of science and technology studies. Londres: Sage, 1995. p. 572-597.; Slaughter; Leslie, 199755 SLAUGHTER, Sheila; LESLIE, Larry L. Academic capitalism: politics, policies, and the entrepreneurial university. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997.; Dagnino; Thomas, 199918 DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán. La política científica y tecnológica en América Latina. Redes, v. 12, n. 6, p. 49-74, 1999.; Slaughter; Rhoades, 200456 SLAUGHTER, Sheila; RHOADES, Gary. Academic capitalism and the new economy: markets, state and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004.; Velho, 200461 VELHO, Léa. Research capacity building for development: from old to new assumptions. Science, Technology and Society, v. 9, n. 2, p. 172-207, 2004.; 201160 VELHO, Léa. Conceitos de ciência e a política científica, tecnológica e de inovação. Sociologias, v. 13, n. 26, p. 128-153, 2011.).2 2 Atualmente, considerando o processo organizado de “anticiência” e de desmonte da ciência como um bem público e das instituições de fomento da CT&I, o papel hegemônico (ou centralidade decisória) da comunidade científica apresenta-se como importante na demarcação dos papeis nos marcos decisórios das políticas públicas.

Na busca por ampliar o impacto do ensino, da pesquisa e da extensão via fomento de ações de empreendedorismo e estabelecimento de parcerias universidade-indústria-governo, o comportamento da comunidade de pesquisa vem sendo crescentemente influenciado pela práxis das agências de inovação – Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) destinados a gerir políticas de inovação de Instituições Científicas e Tecnológicas e de Inovação (ICTs)3 3 “Órgão ou entidade [...] que inclua em sua missão institucional [...] a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.” (Brasil, cap. V, 2016). (Brasil, 20049 BRASIL. Presidência da República. Congresso Nacional. Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Brasília, 2004.). Isso pode ser evidenciado pela ênfase recente ao inovacionismo, entendido aqui como a tendência de integrar a pesquisa acadêmica ao setor empresarial,4 4 Esse fenômeno não se apresenta apenas nos países periféricos. Nos EUA, o forte engajamento da comunidade científica em prol de uma agenda neoliberal foi retratado por Slaughter e Leslie (1997) e Slaughter e Rhoades (2004). direcionando a pesquisa para a obtenção de inovações (Oliveira, 201144 OLIVEIRA, Marcos B. de. O inovacionismo em questão. Scientiae Studia, v. 9, n. 3, p. 669-675, 2011.). Essa perspectiva fortemente alinhada a uma agenda neoliberal, que se firmou no Brasil no início dos anos 2000, alude a um movimento que busca incutir uma “cultura da inovação” – o inovacionismo – por meio de três planos de ação: econômico, institucional e jurídico (Oliveira, 201144 OLIVEIRA, Marcos B. de. O inovacionismo em questão. Scientiae Studia, v. 9, n. 3, p. 669-675, 2011.).

No plano econômico, as agências de fomento e órgãos afins dos governos federal e estaduais adotaram programas de apoio à P&D e à inovação envolvendo o setor empresarial mediante convênios, empréstimos subsidiados, financiamentos a fundo perdido, bolsas etc. No plano institucional, foram criadas entidades públicas, como as agências de inovação das ICTs, e privadas, sob a forma de associações empresariais. No plano jurídico, os principais marcos desse processo se deram com a criação dos fundos setoriais, em 1999; a realização da 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), em 2001; a promulgação da Lei de Inovação, em 2004; a Lei do Bem, em 2005; e o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI), implantado em 2007 (Oliveira, 201144 OLIVEIRA, Marcos B. de. O inovacionismo em questão. Scientiae Studia, v. 9, n. 3, p. 669-675, 2011.).

Particularmente, a Lei de Inovação, promulgada em 2004, dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, estabelecendo, dentre outras determinações, que as ICTs devem dispor de um NIT, podendo ser uma estrutura própria ou associada a outras ICTs (Brasil, 20049 BRASIL. Presidência da República. Congresso Nacional. Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Brasília, 2004.). Posteriormente, no ano de 2016, com a aprovação do novo marco legal da inovação pela Lei nº 13.243/2016, os NITs tornam-se estruturas mais autônomas no âmbito das universidades (Machado; Sartori; Crubellate, 201741 MACHADO, Hilka P. V.; SARTORI, Rejane; CRUBELLATE, João M. Institucionalização de núcleos de inovação tecnológica em instituições de ciência e tecnologia da região sul do Brasil. REAd-Revista Eletrônica de Administração, v. 23, n. 3, p. 5-31, 2017.). A essas instâncias, são atribuídas as responsabilidades pela proteção do patrimônio industrial e intelectual e pelos procedimentos necessários para o registro de patentes, marcas, direitos autorais de livros, softwares, músicas etc. (Lobosco; Moraes; Macari, 201140 LOBOSCO, Antonio; MORAES, Marcela B. de; MACCARI, Emerson A. Inovação: uma análise do papel da agência USP de inovação na geração de propriedade intelectual e nos depósitos de patentes da Universidade de São Paulo. Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, v. 4, n. 3, p. 406-424, 2011.).

Nesse contexto, o artigo apoia-se em dois pressupostos: (i) a comunidade de pesquisa possui um papel hegemônico na elaboração da PCT brasileira; e (ii) os dirigentes das agências de inovação das universidades públicas, além de assumirem crescente relevância no desenho dessa política, são atores representativos das posições por ela adotadas. Logo, o entendimento do modo como esses profissionais se posicionam frente às duas características da PCT brasileira – sua anomalia genérica e sua atipicidade periférica – é um elemento essencial para informar a ação dos interessados na reorientação da PCT brasileira, no sentido de fazer com que ela assuma seu caráter de política pública, que deve atender aos interesses da maioria da população e, enquanto política-meio, alavancar outras políticas.

O artigo estrutura-se em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira, para explicar o comportamento ou o modelo cognitivo desse ator hegemônico, apresenta-se uma das ideias-força do trabalho: a de que é possível entender a PCT como sendo, em todo o mundo, anômala e, nos países periféricos como o nosso, atípica (Dagnino, 201614 DAGNINO, Renato. A anomalia da política de C&T e sua atipicidade periférica. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, v. 11, n. 33, p. 33-63, 2016.). Na segunda seção, discorremos sobre as técnicas de incursão no campo da análise do conteúdo, com fundamento especialmente em Bardin (2011)5 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.. Isso posto, na terceira seção são apresentados os resultados das entrevistas, a fim de mostrar como a práxis dos gestores dos NITs foi estabelecendo uma maneira particular de elaborar a PCT. Finalmente, mostramos com qual modelo cognitivo a comunidade de pesquisa condiciona a política. Tendo como base o marco analítico-conceitual enunciado e sua visualização nos resultados da pesquisa, indicamos a relevância do diagnóstico apresentado neste trabalho a fim de estabelecer diálogo com os gestores das agências de inovação das universidades públicas ao oferecer insumos para uma possível reorientação das agências de inovação.

A anomalia e a atipicidade da PCT latino-americana

A capacidade da comunidade de pesquisa de países periféricos de atuar como sujeito e objeto na política pública difere substancialmente daquela da comunidade de pesquisa dos países avançados (Dagnino; Thomas; Davyt, 199619 DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán; DAVYT, Amílcar. El pensamiento en Ciencia, Tecnología y Sociedad en Latinoamérica: una interpretación política de su trayectoria. Redes, n. 7, p. 13-51, 1996.). Há, nestes, uma “teia de relações” (de governança) consolidada que sujeita a comunidade a negociar objetivos, recursos e critérios com outros atores (organismos de governos, empresas, ONGs etc.). Já na América Latina, essa teia é rarefeita e incompleta.

Nos países de capitalismo avançado, como resultado da ação dessa teia de relações, os processos de governança em C&T vêm sendo forçados a ampliar o espaço decisório, mediante a inclusão de atores (stakeholders) externos à comunidade de pesquisa e o compartilhamento das informações e riscos (Hagendijk; Irwin, 200634 HAGENDIJK, Rob; IRWIN, Alan. Public deliberation and governance: engaging with science and technology in contemporary Europe. Minerva, n. 44, p. 167-184, 2006.). No caso brasileiro, a PCT estrutura-se em um processo de governança discricionário, no qual o engajamento de outros atores sociais – quando e se ocorrer – é simbólico (Serafim, 201651 SERAFIM, Milena P. Perceptions of stakeholders about Brazil’s National STI Conference. In: 4S/EASSTE Conference. Anais... Barcelona, 2016.). Essa afirmação tem como base o estudo desenvolvido por Serafim (2016)51 SERAFIM, Milena P. Perceptions of stakeholders about Brazil’s National STI Conference. In: 4S/EASSTE Conference. Anais... Barcelona, 2016., o qual analisa a governança das Conferências Nacionais de CTI (CNCTI), em comparação com outras 82 conferências realizadas a partir de 2003, buscando identificar o modo de funcionamento, composição e perfil dos atores participantes e suas principais características. Foram analisadas as conferências que ocorreram em 2001, 2005 e 20105 5 A reunião de 1985, conhecida por alguns autores como conferência nacional, não é considerada neste estudo, por suas características distintas de uma conferência nacional estabelecida nos ordenamentos jurídicos nacionais. Depois de 2010, não houve nenhuma outra Conferência Nacional de CTI. . Em relação à constituição do comitê organizador e dos participantes, observa-se que o sistema de escolha se deu por indicação ministerial e não pela garantia da representatividade por região e por grupos de stakeholders (acadêmicos, técnicos da administração pública especializados, empresas e sociedade civil organizada), aspectos tão valorizados e promovidos pelas outras conferências nacionais. Em relação ao perfil dos participantes das três CNCTI, observa-se que, enquanto a predominância de participantes da comunidade de pesquisa era de cerca de 70%, a participação de representantes de empresas e sociedade civil organizada era de cerca de 8%, e os outros participantes eram técnicos da administração pública.

As CNCTI, ao contrário das outras conferências que possuem uma pauta constituída com diferentes atores e entes federativos, possuem uma organização rígida, centralizada e fechada a grupos específicos de convidados. Além disso, as discussões se organizam a partir de position papers (explicitando a forte centralidade da comunidade de pesquisa), assemelhando-se a congressos e eventos científicos. A despeito da pequena parcela de participação de outros atores como empresas e terceiro setor, o formato da organização e do debate nas CNCTI levam a uma participação simbólica desses atores, assim como dos representantes da administração pública, já que não há margem de fato para uma participação qualificada desde a preparação da conferência até a sua realização. Logo, um processo de governança discricionário, hegemonizado pela comunidade de pesquisa, fragiliza o processo de democratização da ciência, pois não promove, efetivamente, o tensionamento de diferentes pontos de vista (Bensaude-Vincent, 20137 BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. As vertigens da tecnociência: moldar o mundo átomo por átomo. São Paulo: Ideias e Letras, 2013.).

Nesse contexto, enquanto outras políticas públicas decorrem de um processo no qual agendas decorrentes dos projetos políticos de diversos atores são confrontadas (conforme pode ser observado nas outras conferências nacionais), na PCT, como se pode observar na CNCTI, não há margem para dissensos, incertezas e aprendizagens coletivas. Esse diagnóstico, apoiado na incursão nos campos da Análise de Políticas Públicas e da Filosofia da Tecnologia, reforça a ideia de que a PCT é uma política anômala (Dagnino, 201614 DAGNINO, Renato. A anomalia da política de C&T e sua atipicidade periférica. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, v. 11, n. 33, p. 33-63, 2016.).

Resumidamente, essa anomalia deriva da manutenção dos mitos da neutralidade e do determinismo da tecnociência.6 6 A expressão tecnociência é explorada por diversos autores/as, como Bruno Latour, Dominique Pestre, Robert John Ackerman, Bernadette Bensaude-Vincent. Para este trabalho, assumimos que “tecnociência” parte da concepção de que a ciência tende hoje a ser tool-driven e de que a tecnologia, enquanto motor da ciência, estrutura-se no axioma da tecnociência capitalista que busca o progresso econômico. O primeiro apoia-se na crença de que o desenvolvimento técnico-científico é “uma variável independente e universal [...]” (Dagnino, 200815 DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Unicamp, 2008., p. 86). O segundo mito, o determinismo tecnocientífico, parte da “hipótese de que as tecnologias têm uma lógica funcional autônoma que pode ser explicada sem referência à sociedade” (Dagnino, 200815 DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Unicamp, 2008., p. 81). Ambas as crenças obscurecem a existência de projetos políticos distintos, operacionalizando, assim, os imperativos da razão neoliberal, em especial na desmobilização do social (Brown, 201911 BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.). Essa desmobilização, reafirmada por Brown dentro do contexto de um neoliberalismo realmente existente na contemporaneidade, ocorre até o ponto de anular a influência de distintos projetos políticos no processo decisório constituinte da PCT.

Dessa forma, os mitos da neutralidade e do determinismo da tecnociência fazem com que os projetos políticos de outros atores envolvidos com a PCT, como terceiro setor, burocracias estatais, setor produtivo, dentre outros, não se expressem em suas agendas particulares e, consequentemente, suas demandas não aparecem na agenda decisória que origina a PCT. Esses mitos, portanto, fortalecem a tal ponto a influência da comunidade de pesquisa que as agendas particulares dos outros atores se confundem com a do ator hegemônico. A anomalia é, portanto, um fenômeno que emerge no momento de formulação da PCT.

A segunda dinâmica não é, como a primeira, genérica, abarcativa ou intrínseca à PCT. Ela ocorre em países que, tal como o Brasil, caracterizam-se por sua condição periférica. Refere-se ao fato de que os atores envolvidos na implementação dessa política, em função do contexto socioeconômico e político em que se inserem, manifestam comportamentos atípicos; isto é, sistematicamente divergentes daqueles observados nos países capitalistas avançados.

Com base nos autores clássicos do Pensamento Latino-americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS) (Dagnino; Thomas; Davyt, 199619 DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán; DAVYT, Amílcar. El pensamiento en Ciencia, Tecnología y Sociedad en Latinoamérica: una interpretación política de su trayectoria. Redes, n. 7, p. 13-51, 1996.), Dagnino (2016)14 DAGNINO, Renato. A anomalia da política de C&T e sua atipicidade periférica. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, v. 11, n. 33, p. 33-63, 2016. considerou a PCT latino-americana como, além de anômala (como o são as PCTs em todo o mundo), atípica. Sua baixa propensão à inovação tem condicionantes externos e internos. Os primeiros foram evidenciados pelo PLACTS. O baixo estímulo à demanda por conhecimento científico e tecnológico e, por extensão, à inovação pode ser explicado, em parte, por nosso modelo de desenvolvimento: sistema primário-exportador seguido por industrialização via substituição de importações. Tal estratégia desenvolvimentista, dissociada de um “projeto nacional”, priorizava a implantação de atividades produtivas miméticas (Dagnino, 200815 DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Unicamp, 2008.). Conforme enfatiza Herrera (1995)35 HERRERA, Amílcar. Los determinantes sociales de la política científica en América Latina. Política científica explícita y política científica implícita. Redes, v. 2, n. 5, p. 115-125, 1995., o atraso científico na América Latina não é resultado de uma carência de capacidade científica, mas sim consequência de sua estrutura econômica, social e, especialmente, de seu processo histórico de industrialização. Como resultado, o Brasil apresenta uma estrutura de P&D majoritariamente financiada pelo governo, característica de países em desenvolvimento (muito visível na experiência de outros países latino-americanos também, como no caso da Argentina e do México).

A esses condicionantes, Dagnino (2008)15 DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Unicamp, 2008. adicionou especificidades internas, relativas ao ambiente de produção de bens e serviços. Segundo o autor, países periféricos produzem mercadorias periféricas. As empresas não visam à maximização do lucro pela via da extração da mais-valia relativa proporcionada pela introdução da tecnologia no processo de produção. Nesses casos, a maximização do lucro pela via da extração da mais-valia prescinde da inovação, fenômeno característico do modelo produtivo capitalista, que foi potencializado com a nova divisão internacional do trabalho a partir da década de 1970. Tal fenômeno é agravado em contextos periféricos, com baixa produtividade tecnológica e que, atualmente, passam por uma onda de desindustrialização.

Dentro dessa perspectiva, o Estado brasileiro, a partir da década de 1990, por meio de um conjunto de estratégias, buscou atuar no intuito de reduzir as falhas de mercado, já que estas determinariam o comportamento das empresas no sentido de não investirem recursos próprios em inovação. Buscando induzir as empresas, o Estado implementou instrumentos como Lei da Inovação (Lei nº 10.973/04), Lei do Bem (Lei n° 11.196/05), fundos setoriais e tantos outros (Dias; Serafim, 201424 DIAS, Rafael de B.; SERAFIM, Milena P. A política científica e tecnológica brasileira nos anos 2000 e a “agenda da empresa”: um novo rumo? In: CAMPOS, Cristina et al. (orgs.). Abordagens em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Belo Horizonte: Fino Traço, 2014. p. 141-164.; Bagattolli; Dagnino, 20133 BAGATTOLLI, Carolina; DAGNINO, Renato P. Política de estímulo às patentes no Brasil: avançando na contramão? Revista Economia & Tecnologia, v. 9, n. 3, p. 73-86, 2013.).

Apesar da abertura comercial desse período e das tentativas estatais em propor mecanismos de indução à inovação, esta sempre foi restrita, especialmente em função das características das empresas brasileiras e do contexto de periferia nacional. O tímido dinamismo tecnológico pode ser visualizado na baixa propensão das empresas a realizar atividades de P&D (Bagattolli, 20162 BAGATTOLLI, Carolina. Política científica e tecnológica e dinâmica inovativa no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2016.). Entre 1998 e 2000, 34% das empresas industriais que realizaram algum tipo de inovação no Brasil consideraram atividades internas de P&D como sendo de alta ou média importância. Já no período de 2009-2011, este indicador reduziu-se para 16% (Bagattolli, 2016). Além disso, segundo a Pesquisa de Inovação – Pintec 2017, a intensidade do dispêndio no total das atividades inovativas da indústria registrou 1,65% no triênio 2015-2017, o menor valor desde as últimas três edições da Pintec (IBGE, 2020).7 7 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE realiza desde 2000 a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), a qual busca produzir indicadores setoriais, nacionais e regionais das atividades de inovação nas empresas do setor de indústria, eletricidade e gás e de serviços selecionados (IBGE, 2020). Em relação aos períodos anteriores, a porcentagem de empresas inovadoras, a participação das empresas que inovaram apenas em processo e o percentual de empresas que inovaram em produto e processo também sofreram redução (IBGE, 2020). Esse cenário decorre do nosso contexto periférico, marcado pelo padrão mimético e atípico que condiciona o desenho da PCT brasileira.

Logo, com essas considerações, partimos da ideia de que nossa PCT é caracterizada pela anomalia e atipicidade. A contribuição deste trabalho é avançar no entendimento de como essa política se formula a partir da influência da comunidade de pesquisa. Em outras palavras, buscamos responder como o modelo cognitivo desse ator [re]produz essas duas características.

Delineamentos metodológicos: a análise de conteúdo

As escolhas metodológicas deste trabalho nortearam-se pelos estudos de Bardin (2011)5 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., especificamente na técnica da análise de conteúdo, em que se busca a “análise dos ‘significados’" (Bardin, 20115 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., p. 41), a “reconstrução dos significados” (Silva; Gobbi; Simão, 200552 SILVA, Cristiane R.; GOBBI, Beatriz C.; SIMÃO, Ana A. O uso da análise de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do método. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005.) e a reinterpretação das mensagens (Moraes, 199942 MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.). Isso porque nossa tentativa é dupla: além de compreender o sentido da comunicação em si (leitura “ao pé da letra”), procura-se “ultrapassar as ‘aparências’” (Rocha; Deusdará, 200547 ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re) construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, 2005.), desvelar as relações que se estabelecem para além das falas em si (Cavalcante; Calixto; Pinheiro, 201413 CAVALCANTE, Ricardo B.; CALIXTO, Pedro.; PINHEIRO, Marta M. K. Análise de conteúdo: considerações gerais, relações com a pergunta de pesquisa, possibilidades e limitações do método. Informação & Sociedade: Estudos, v. 24, n. 1, p. 13-18, 2014.). Ou seja, inferir, a partir dos níveis mais superficiais do texto, o que a mensagem figura em um segundo plano, por exemplo, nos campos de natureza subjetiva, ideológica, histórica, política e sociológica (Bardin, 20115 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.; Moraes, 199942 MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.).

Logo, nosso interesse transcende a descrição dos conteúdos, pois analisa o que eles podem transmitir depois de sistematizados, promovendo uma articulação entre as características da “superfície” do texto e os fatores que as determinam (Bardin, 20115 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.). É nesse sentido que a análise de conteúdo tem uma dimensão descritiva, e outra interpretativa (Guerra, 200633 GUERRA, Isabel C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Estoril: Princípia, 2006.) que busca desvelar mensagens subjacentes (Rocha; Deusdará, 200547 ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re) construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, 2005.) ou latentes (Silva; Gobbi; Simão, 200552 SILVA, Cristiane R.; GOBBI, Beatriz C.; SIMÃO, Ana A. O uso da análise de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do método. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005.) sobre uma determinada realidade e compreender a construção do significado que os atores sociais exteriorizam no discurso (Silva; Gobbi; Simão, 200552 SILVA, Cristiane R.; GOBBI, Beatriz C.; SIMÃO, Ana A. O uso da análise de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do método. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005.).

Portanto, a análise de conteúdo permite, de um lado, apreender uma realidade que já é visível e, de outro, uma invisível, que se manifesta de forma implícita nas falas (Cavalcante; Calixto; Pinheiro, 201413 CAVALCANTE, Ricardo B.; CALIXTO, Pedro.; PINHEIRO, Marta M. K. Análise de conteúdo: considerações gerais, relações com a pergunta de pesquisa, possibilidades e limitações do método. Informação & Sociedade: Estudos, v. 24, n. 1, p. 13-18, 2014.; Oliveira, 200844 OLIVEIRA, Marcos B. de. O inovacionismo em questão. Scientiae Studia, v. 9, n. 3, p. 669-675, 2011.). Esses esforços vão no sentido de revelar o que Rocha e Deusdará (2005)47 ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re) construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, 2005. chamam de “verdadeiro” significado das mensagens. Nas palavras de Bardin (2011, p. 47)5 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., “[...] o que se procura estabelecer quando se realiza uma análise [...] é uma correspondência entre as estruturas semânticas ou linguísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas [...] dos enunciados.” Sendo assim, a partir da técnica da análise de conteúdo, pretendemos explicitar o conteúdo das mensagens a fim de efetuar deduções sobre as condições de produção das mesmas.

Segundo Bardin (2011)5 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., a análise de conteúdo tem duas funções: uma heurística e a outra de administração de prova. Enquanto a primeira tem um caráter exploratório, no sentido de promover descobertas, a segunda parte de afirmações provisórias ou de hipóteses que, via análises sistemáticas, serão confirmadas. É dessa segunda função da análise de conteúdo que o artigo se serve, já que, sabendo que outros artigos já abordaram características da PCT brasileira, a hipótese que pretendemos testar é a seguinte: o modelo cognitivo (ilustrado pelas falas/discursos) dos gestores das agências de inovação pesquisadas, membros da comunidade de pesquisa, alinha-se às ideias caracterizadas e condicionadas pelas dinâmicas da anomalia genérica e da atipicidade periférica.

O percurso teórico-argumentativo deste artigo baseia-se, primeiramente, no entendimento das visões, valores e fundamentos – o que denominamos de modelo cognitivo – que a comunidade de pesquisa (em seu sentido mais amplo) emprega para elaboração da PCT. O corpus da pesquisa baseia-se na transcrição das entrevistas semiestruturadas realizadas com diretores de agências de inovação de três universidades públicas.8 8 As universidades não serão identificadas a fim de respeitar e assegurar o sigilo e os direitos previstos nos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aplicados aos entrevistados. As perguntas abordam questões sobre a conformação da produção de conhecimento e a institucionalização da relação universidade-empresa. O material foi classificado em categorias analíticas, a fim de auxiliar na compreensão do que está por trás dos discursos, conforme proposto por Silva, Fossá (2015)53 SILVA, Andressa H.; FOSSÁ, Maria I. T. Análise de conteúdo: exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas Revista Eletrônica, v. 16, n. 1, s/p, 2015. e Bardin (2011)5 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.. Esse processo de organização dos dados em categorias permite descobrir elementos que eram invisíveis ao nível dos dados brutos (Bardin, 20115 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.).

Neste artigo, as categorias foram definidas a priori, a partir de um aporte teórico, configurando um modelo do tipo fechado (Laville; Dionne, 199939 LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber. Belo Horizonte: UFMG, 1999.) ou por “caixas” (Bardin. 20115 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.). O quadro categorial foi composto por duas dimensões de análise: anomalia e atipicidade. Tomou-se como fundamento analítico-conceitual as discussões em Dagnino (200815 DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Unicamp, 2008.; 2016)14 DAGNINO, Renato. A anomalia da política de C&T e sua atipicidade periférica. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, v. 11, n. 33, p. 33-63, 2016., de forma que foram criados os seguintes critérios para os agrupamentos:

  1. Falas que indicam uma percepção associada ao conceito de anomalia: aquelas que decorrem do fato de que os atores que participam do processo decisório da PCT não materializam o seu projeto político nas suas agendas particulares (como ocorre nas políticas “normais”). E que, em função disso, adotam o modelo cognitivo da comunidade de pesquisa, que tem por fundamento a concepção da neutralidade e do determinismo. Em consequência, foram consideradas declarações que denunciam anomalia aquelas que remetem à concepção da neutralidade e do determinismo tecnocientífico;

  2. Falas que denotam atipicidade: discursos dos gestores que desvelam a busca por emular práticas existentes nos países avançados e/ou que apontam para a ideia de “criar interesse” na comunidade acadêmica quanto à inovação e ao empreendedorismo. Tais construções lógicas denunciam o entendimento de que não haveria no país um ambiente/clima propício à inovação, sugerindo que os empresários locais seriam “atrasados” ou que, segundo o marco analítico-conceitual que adotamos, teriam um comportamento atípico.

Os resultados das entrevistas passaram por um processo de diferenciação e, em seguida, de reagrupamento segundo esses critérios previamente definidos. Para os casos em que as falas dos entrevistados refletiam ambas as características, optou-se por desmembrar sua narrativa. Isso porque, na prática, a atipicidade e a anomalia sobrepõem-se, mas a determinação desses limites permite refletir sobre estratégias para reorientar a PCT.

Uma vez categorizadas as mensagens, foram geradas inferências para entender o que levou os gestores a determinado enunciado, isto é, diz respeito às causas ou antecedentes da mensagem. Para tanto, fizemos uso do processo de decifração estrutural, que teve como ponto de partida as seguintes perguntas, propostas por Bardin (2011)5 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.: o que está dizendo esta pessoa realmente? O que poderia ter dito de diferente? O que ela não diz, mas está implícito? Qual é a lógica discursiva?

Resultados e discussão

A sistematização das entrevistas com os três gestores de agências de inovação está disposta em dois quadros sinópticos, a partir de elementos que permitem inferir traços de anomalia (Quadro 1) e de atipicidade (Quadro 2) da PCT.

Quadro 1
Anomalia: apresentando discursos
Quadro 2
Atipicidade: apresentando discursos

Os trechos 01, 02 e 03 indicam que os gestores creem no benefício infinito da ciência e da tecnologia e na concepção de linearidade de desenvolvimento tecnológico advindo de mais ciência e ciência básica. Acreditar na neutralidade da ciência (“boa ciência”, “ciência de excelência” – trecho 01; “Conhecimento de alto nível” – trecho 02; “excelência de ciência” – trecho 04) e, sobretudo, no determinismo (“boa ciência gera boa tecnologia” – trecho 01) pressupõe que a tecnologia de amanhã será melhor que a de hoje. Além disso, um dos entrevistados julga que o avanço do “conhecimento”, materializado em tecnologias (“conhecimento de alto nível [é aquele] que gera tecnologia” – trecho 02), determinaria o desenvolvimento do país. Semelhantemente, no trecho 06, enfatiza-se que o conhecimento é “útil” quando “redirecionado” (palavras do entrevistado), o que sinaliza exploração comercial e transferência de tecnologias.

Há, portanto, uma lógica linear de pensamento em que o gasto em tecnologias e setores considerados pelos entrevistados como “estratégicos” (entendidos como as hard sciences) reverterá, quase que automaticamente, em benefícios para o país. Essa ideia de que o avanço da ciência e da tecnologia necessariamente leva ao progresso social permeia nossa PCT (Dias, 200523 DIAS, Rafael de B. A política científica e tecnológica latino-americana: relações entre enfoques teóricos e projetos políticos. Campinas: Unicamp, 2005.; 200922 DIAS, Rafael de B. A trajetória da política cientifica e tecnológica brasileira: um olhar a partir da análise de política. 2009. Tese (doutorado), Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, SP.) e está entremeada em falas como a do trecho 04: “a excelência de ciência não pode ser substituída”, que alimentam a crença de um determinismo tecnológico orientado em um único sentido, numa metáfora de “flecha do progresso” (Bensaude-Vincent, 20137 BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. As vertigens da tecnociência: moldar o mundo átomo por átomo. São Paulo: Ideias e Letras, 2013., p. 221).

Adicionalmente, fica claro no trecho 03 que o entrevistado, ao compreender que a universidade não deve assumir o papel de transformar a pesquisa em produto, reconhecendo esta atribuição como sendo da indústria, desconhece uma premissa básica do sistema nacional de inovação: aproximação e reconhecimento por parte do mundo acadêmico às demandas do setor industrial, tal como defendido por Gibbons et al. (1994)31 GIBBONS, Michael et al. The new production of knowledge: dynamics of science and research in contemporary societies. Londres: Sage Publications, 1994. e Nowotny, Scott e Gibbons (2001)43 NOWOTNY, Helga; SCOTT, Peter; GIBBONS, Michael. Re-thinking science: knowledge and the public in an age of uncertainty. Cambridge: Polity Press/Blackwell, 2001. no modo interativo de produção de conhecimento (o “Modo 2”) e por Etzkowitz e Leydesdorff (2000)27 ETZKOWITZ, Henry; LEYDESDORFF, Loet. The dynamics of innovation: from national systems and “mode 2” to a triple helix of university–industry–government relations. Research Policy, v. 29, n. 2, p. 109-123, 2000., nos pressupostos da Tripla Hélice.

Essa concepção da ciência como origem da tecnologia marcou, nos países de capitalismo avançado, o período do pós-II Guerra Mundial até o início dos anos 1960 (Velho, 201160 VELHO, Léa. Conceitos de ciência e a política científica, tecnológica e de inovação. Sociologias, v. 13, n. 26, p. 128-153, 2011.). Esse período se circunscreve em um contexto de forte investimento estatal, amparado pela estruturação do Estado de bem-estar social keynesiano e alicerçado pela aliança entre comunidade científica e indústria de defesa (Castelfranchi, 200812 CASTELFRANCHI, Juri. As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e inexorabilidade. Tese (doutorado em Sociologia), Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2008.; Dias, 201121 DIAS, Rafael de B. O que é a política científica e tecnológica? Sociologias, v. 13, n. 28, p. 316-344, 2011.). Contudo, conforme mostram nossos resultados, parece haver resquícios dessa concepção, conhecida como Modelo Linear de Inovação (MLI) (trecho 04). Seus principais pressupostos são: (i) distinção rígida entre pesquisa básica (científica) e pesquisa aplicada (tecnológica e industrial); (ii) investigação básica como prioritária e única fonte de inovação; e (iii) concepção de que o processo inovador pode ser representado como uma sequência de etapas, em que não são previstos feedbacks (Balconi et al., 20104 BALCONI, Margherita; BRUSONI, Stefano; ORSENIGO, Luigi. In defence of the linear model: an essay. Research Policy, v. 39, n. 1, p. 1-13, 2010.; Godin, 200632 GODIN, Benoît. The linear model of innovation. The historical construction of an analytical framework. Science, Technology & Human Values, v. 31, n. 6, p. 639-667, 2006.). Tal modelo relaciona-se à visão tecnocrática da inovação, pois pressupõe a inovação como um “ato de produção” e não como “um processo social contínuo envolvendo atividades como gestão, coordenação, aprendizado, negociação etc.” (Sirilli, 199854 SIRILLI, Giorgio. Conceptualising and measuring technological innovation. In: II Conference on Technology Policy and Innovation. Anais… Lisboa, 3-5 ago. 1998., p. 12, tradução nossa).

Investir recursos em P&D não significa, automaticamente, sucesso no desenvolvimento tecnológico, tampouco econômico (Sirilli, 199854 SIRILLI, Giorgio. Conceptualising and measuring technological innovation. In: II Conference on Technology Policy and Innovation. Anais… Lisboa, 3-5 ago. 1998.). Paralelamente a isso, faz-se necessário compreender a referência à “ciência de excelência” abordada – de forma explícita ou não – nos trechos 01, 02, 03 e 04. Compreende-se, pelo teor da resposta e lugar de fala em que se encontram os gestores, que essa “ciência de excelência” é aquela espelhada nos países centrais e que será capaz de gerar inovação. Apesar de uma menção referente à sociedade, as falas não abarcam discussões relativas à relevância e ao poder contributivo da tecnociência e das inovações ao desenvolvimento nacional.

Os trechos 05 e 06 apresentam a ideia de que, sendo a tecnociência “boa, verdadeira e universal”, devemos emular o que fazem os países líderes, com especial foco nas “áreas de ponta”. A fala evidencia a visão de que a tecnociência, enquanto neutra, produzida em busca da verdade e da eficiência, pode ser usada em prol da sociedade, para o “progresso da nação” (trecho 05). Logo, percebemos que as falas dos gestores entrevistados destacam aspectos que traduzem uma visão unidirecional e tecnicista do processo de inovação (conforme transparece especialmente no trecho 04), em detrimento da visão de que a tecnologia não é meramente ciência aplicada e que a inovação é um processo dinâmico, complexo e multidimensional (Pinheiro, 201546 PINHEIRO, Alessandro M. Apresentação: Stephen J. Kline, Nathan Rosenberg - an overview of innovation. Rev. Brasileira Inovação, v. 14, n. 1, p. 9-48, 2015.).

A seguir, no Quadro 2, podemos observar os discursos que manifestam uma percepção coerente com o conceito de atipicidade.

Conforme apresentado nos trechos 07 e 11, existe a visão de que a produção de conhecimento atual toma sentido maior quando há aplicabilidade (ou seja, quando é capaz de interessar às empresas), sendo a preocupação com o patenteamento uma constante presente nos discursos e uma medida de comparação e sucesso das agências e da universidade como um todo. O patenteamento tem sido considerado como a forma mais indicada para a apropriação do conhecimento pelo assim chamado setor produtivo (as empresas). Esse comportamento revela um viés à “dureza”, que se traduz na preferência pela investigação em determinadas áreas de conhecimento da C&T, com foco, primariamente, nas ciências “duras” (particularmente a física e as engenharias), em detrimento, sobretudo, das ciências humanas e sociais (Spiegel-Rösing, 197759 SPIEGEL-RÖSING, Ina. The study of science, technology and society (SSTS): recent trends and future challenges. In: SPIEGEL-RÖSING, Ina; SOLLA PRICE, Derek de (eds.). Science, technology and society. A cross-disciplinary perspective. Beverly Hills: Sage Publications, 1977. p. 7-42.). Como resultado, pautado por um processo de inovação subordinado aos valores de troca em detrimento da utilidade do produto do trabalho (Ferraz, 201928 FERRAZ, Janaynna de M. Para além da inovação e do empreendedorismo no capitalismo brasileiro (manuscrito). Tese (doutorado), Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Ciências Econômicas, 2019.), o desenvolvimento de pesquisas com temas “menos competitivos” adquire um grau de menor importância.

Essa visão pró-patente (Arundel, 20011 ARUNDEL, Anthony. The relative effectiveness of patents and secrecy for appropriation. Research Policy, v. 30, n. 4, p. 611-624, 2001.) tem sido crescentemente incorporada nas políticas de fomento à ciência e à tecnologia (Bagattolli; Dagnino, 20133 BAGATTOLLI, Carolina; DAGNINO, Renato P. Política de estímulo às patentes no Brasil: avançando na contramão? Revista Economia & Tecnologia, v. 9, n. 3, p. 73-86, 2013.). O estímulo ao acúmulo de ativos de propriedade intelectual vem associado à criação de invenções que não se convertem em novos produtos, processos, aplicações, materiais e serviços (Kipper; Grunevald; Neu, 201137 KIPPER, Liane M; GRUNEVALD Isabel; NEU, Diane F. P. Manual de propriedade intelectual. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011.).

A corrida pelo patenteamento pode potencializar a produção de pesquisas com baixo potencial mercadológico e sem relevância econômica e/ou social, fazendo, inclusive, com que as universidades tenham que implementar iniciativas de descontinuidade (abandono) da manutenção de patentes junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), dados os custos (financeiros e de gestão) inerentes ao processo.

Consequentemente, a PCT – que, como qualquer outra política pública, visa a induzir no âmbito dos atores envolvidos comportamentos considerados coerentes com o interesse público – acaba por privilegiar temas de pesquisa com potencial de proteção e transferência tecnológica e, assim, promover o aumento da lucratividade das empresas. São então relegadas linhas de pesquisas que poderiam produzir resultados apropriáveis por arranjos econômico-produtivos autônomos, não baseados na propriedade privada dos meios de produção, como iniciativas de economia solidária e/ou tecnologias sociais.

É uma estratégia que vai na “contramão” do benefício à sociedade (Bagattolli; Dagnino, 20133 BAGATTOLLI, Carolina; DAGNINO, Renato P. Política de estímulo às patentes no Brasil: avançando na contramão? Revista Economia & Tecnologia, v. 9, n. 3, p. 73-86, 2013.). Isso se evidencia ao considerar-se que o depósito de patentes cresceu ao longo dos anos (Bagattolli; Dagnino, 20133 BAGATTOLLI, Carolina; DAGNINO, Renato P. Política de estímulo às patentes no Brasil: avançando na contramão? Revista Economia & Tecnologia, v. 9, n. 3, p. 73-86, 2013.; Brito; Fausto, 201510 BRITO, Eduardo V.; FAUSTO, Daiane A. Critérios utilizados por universidades públicas para o abandono de patentes e de pedidos de patentes não licenciados. Revista iPecege, v. 1, n. 2, p. 147-168, 2015.), mas a materialização do conhecimento em inovações tecnológicas pelas empresas não acompanhou esse ritmo (Bagattolli; Dagnino, 20133 BAGATTOLLI, Carolina; DAGNINO, Renato P. Política de estímulo às patentes no Brasil: avançando na contramão? Revista Economia & Tecnologia, v. 9, n. 3, p. 73-86, 2013.). Brito e Fausto (2015)10 BRITO, Eduardo V.; FAUSTO, Daiane A. Critérios utilizados por universidades públicas para o abandono de patentes e de pedidos de patentes não licenciados. Revista iPecege, v. 1, n. 2, p. 147-168, 2015. realizaram uma pesquisa com universidades públicas brasileiras e identificaram que, apesar da somatória dos pedidos de patentes das universidades entrevistadas ter mais do que dobrado nos dez anos precedentes à pesquisa, o número de licenciamentos permaneceu praticamente o mesmo. Em outras palavras, os autores evidenciaram que o aumento de pedidos depositados não necessariamente resulta em aumento no número de transferências tecnológicas (Brito, Fausto, 201510 BRITO, Eduardo V.; FAUSTO, Daiane A. Critérios utilizados por universidades públicas para o abandono de patentes e de pedidos de patentes não licenciados. Revista iPecege, v. 1, n. 2, p. 147-168, 2015.).

Os entrevistados correspondentes aos trechos 11, 12 e 13 relacionam a baixa propensão a inovar a fatores predominantemente culturais do nosso contexto periférico. Essa percepção, de que “a gente não tem essa cultura [de inovação]” (trecho 12) e de que é preciso “criar essa cultura” (trechos 11 e 13), permeia, implícita ou explicitamente, várias retóricas. No trecho 03, por exemplo, o entrevistado afirma que há um “problema” de ordem cultural, que dificulta ao pesquisador perceber o potencial da pesquisa em transformar-se em bens ou serviços. Entende, portanto, que é necessário criar uma cultura de inovação, convencendo empresários e a comunidade acadêmica da importância de iniciativas inovadoras. Isso se evidencia quando o entrevistado referente ao trecho 11 afirma: “buscamos criar a cultura de inovação dentro da própria universidade”.

A referência à “cultura” vem, em geral, associada à valorização da emulação de práticas dos países capitalistas avançados. Nas falas, não se percebe a consideração de um processo crítico de adaptação dessas práticas ao contexto da universidade e/ou do país. Corroborando essa percepção descolada de antecedentes e consequentes sociais, os trechos 10 e 12 denotam que o entrevistado considera que a solidez de sua agência se deve à emulação de modelos provenientes dos países avançados. Conforme destacado por Dagnino e Thomas (2001, p. 210)17 DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán. Planejamento e políticas públicas de inovação: em direção a um marco de referência latino-americano. Planejamento e Políticas Públicas, n. 23, p. 205-231, 2001., “no plano do processo de elaboração de políticas, é usual um desejo de emulação dos resultados positivos de um elemento de PCT estrangeiro em seu meio local.” Entretanto, esse movimento tende “a reforçar e, no limite, a gerar a ‘condição periférica’”.

Esta percepção nos coloca um potencial desafio: cuidar para que a universidade não se torne uma instituição de inovações tecnológicas e de processos sem utilidade produtiva, em que se pede “à ciência que ‘produza’ conhecimentos e ela passa cada vez mais a parecer uma atividade de administração, enquanto a gestão das empresas ou da saúde pública tornam-se cada vez mais um assunto científico” (Bensaude-Vincent, 20137 BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. As vertigens da tecnociência: moldar o mundo átomo por átomo. São Paulo: Ideias e Letras, 2013., p. 221). Incentivar docentes e pesquisadores passa por discutir a própria pesquisa na universidade e a antecipar, portanto, um possível deslocamento entre pesquisa/inovação e necessidades da sociedade (incluindo aqui o setor produtivo), o que já foi amplamente debatido pelos autores da corrente do PLACTS. Um exemplo dessa realidade pode ser visualizado na relação entre a quantidade de patentes depositadas e o número de licenciamentos firmados.

Para além das falas dos gestores, é importante evidenciarmos o quanto a obsessão pelo patenteamento e inovacionismo por parte das instituições públicas de pesquisa no Brasil situa-se no domínio das transformações de caráter mais amplo associadas ao fortalecimento do pensamento neoliberal (Spatti; Serafim; Dias, 201658 SPATTI, Ana C.; SERAFIM, Milena P.; DIAS, Rafael de B. Universidade e pertinência social: alguns apontamentos para reflexão. Avaliação, v. 21, n. 2, p. 341-360, 2016.), assim como contamina a conduta do ser humano (definição foucaultiana), das relações sociais (definição bourdieusiana) e das racionalidades (definição weberiana). O neoliberalismo enquanto estratégia política visa, dentre outras medidas, transferir os ativos do domínio público e popular aos domínios privados. Essa condução privatista, ancorada na teoria liberal de Hayek, pode ser visualizada na privatização e mercadorização dos benefícios sociais, das instituições públicas (universidades, laboratórios de pesquisa), das formas culturais (turismo e música), dos bens comuns ambientais globais (terra, ar e água) e, do que nos concerne neste trabalho, dos direitos de propriedade intelectual (Wacquant, 201262 WACQUANT, Loïc. Three steps to a historical anthropology of actually existing neoliberalism. Social Anthropology, v. 20, n. 1, p. 66-79, 2012.).

A lógica do mercado e da moral é vista pelos neoliberais como a verdadeira natureza da justiça. Assim, o neoliberalismo promove a ideia de autogoverno dos indivíduos de modo que eles tendem a conformar-se e naturalizar certas normas e condutas (Dardot; Laval, 200920 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, [2009] 2016.), como incorporação dos ideais de alocação eficiente de recursos e recompensas em todas as dinâmicas da sociedade.

O neoliberalismo produz uma homogeneização da visão de mundo na qual se sacramenta a responsabilização individual e promoção de indivíduos empreendedores de si mesmos, levando-os a processos cada vez mais alienantes, já que a coletividade se desfaz. O estado neoliberal tem de ser enxuto, não soberano e milimetricamente focado na legislação e nas garantias/condicionantes de mercado, não podendo atender as demandas de massas, produzidas pelo social (Brown, 201911 BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.). Nesse sentido, a noção de bem público se esvai com o tempo, conforme a primazia do privado se fortalece e, por conseguinte, as instituições públicas iniciam seu processo de desconstrução.

Os dirigentes das agências de inovação não evidenciam em suas falas reconhecerem que o contexto em que nos encontramos é bastante peculiar, configurando-se a partir do encontro de condicionantes externos – força neoliberal (com toque antidemocrático e conservador), financeirização do mercado global e nova divisão internacional do trabalho – com condicionantes internos – baixa produtividade tecnológica, desindustrialização, acomodação na vertente exportadora primária e baixa propensão por parte dos empresários a inovar.

Considerações finais: sobre a relevância deste diagnóstico para a reorientação da PCT brasileira

As retóricas predominantes na comunidade de pesquisa condicionam o processo decisório da PCT brasileira a apresentar traços de anomalia e atipicidade. Isso pode ser evidenciado pelo entendimento dos elementos que estruturam o modelo cognitivo desse ator – representado aqui pelos dirigentes de agências de inovação de universidades públicas – e que influenciam a política: (i) ênfase em instrumentos e estratégias de atuação que impulsionem e/ou criem o que se denomina “cultura de inovação”; (ii) ímpeto pelo inovacionismo e pela geração de patentes; (iii) crença de que há temas e áreas do conhecimento mais importantes (os que potencialmente interessariam às empresas e gerariam impactos sociais intermediados pela lucratividade empresarial; o que explica a ênfase nas ciências duras); (iv) discurso da emulação dos casos de sucesso, em especial daqueles implementados pelo eixo EUA-Europa; (v) perspectiva do benefício infinito da tecnociência, de sua neutralidade e do seu determinismo; e (vi) concepção de linearidade do desenvolvimento tecnocientífico.

Os gestores das agências de inovação analisadas internalizam critérios de qualidade e relevância baseados em agendas científicas e tecnológicas de países de capitalismo avançado, os quais, em sua percepção, produzem uma ciência de excelência. Essa visão de mundo, condicionada por processos de socialização que envolvem visões gerencialistas, deve ser entendida como parte do projeto de sociedade neoliberal, cujos condicionantes são fundamentais para compreender subjetividades, posições adotadas ou modelos cognitivos constitutivos da comunidade de pesquisa que hegemoniza o processo de elaboração da PCT.

O ímpeto inovacionista explicitado suplanta o poder contributivo da tecnociência e de outras formas de arranjos produtivos ao desenvolvimento nacional. Essa racionalidade vai sendo reproduzida, de maneira ampliada e à escala institucional, na forma de percepções deslocalizadas da tecnociência e de sua política. Com efeito, considerando que a PCT é uma construção social, condicionada, portanto, pelos posicionamentos de seus atores, e que a elite da comunidade de pesquisa tem sido hegemônica em sua elaboração, o processo de negociação entre diferentes atores sociais não acontece, coibindo tensionamentos entre projetos políticos alternativos.

Isso posto, um redirecionamento da PCT no sentido de atender o interesse da sociedade só será possível quando ocorrerem duas condições: a primeira é que os mitos da neutralidade e do determinismo da tecnociência sejam questionados pelos líderes da comunidade de pesquisa; a segunda condição será satisfeita quando eles entenderem que os empresários locais, longe de serem atrasados ou destituídos de uma cultura empreendedora e/ou de inovação, possuem um comportamento que, apesar de atípico, é perfeitamente racional do ponto de vista socioeconômico (e que em todo o mundo pauta a sua conduta) e coerente com nossa condição periférica (a qual, é evidente, não será desconstruída pela via da PCT).

Diagnósticos explicativos, como o que esse trabalho conduz, ao explicitar (e explicar) nossas idiossincrasias, cumprem um papel social no sentido de repensar e reorientar a prática das agências de inovação à promoção do conhecimento e a reforçar o papel da universidade na posição de instituição capaz de produzir conhecimento socialmente pertinente e comprometido com a noção de bem público. Entretanto, faz-se necessário reconhecer os limites desse diagnóstico, já que o desenho da pesquisa considera apenas entrevistas com gestores de três instituições públicas de excelência em ensino, pesquisa e extensão. Compreendemos que a comunidade de pesquisa brasileira não é um bloco monolítico e não pode ser reduzida à interpretação desses acadêmicos entrevistados. Por outro lado, os elementos apresentados nesse artigo demonstram que eles compartilham e reforçam – por meio de sua atuação acadêmica e institucional – a visão de mundo da elite da comunidade de pesquisa, que é influenciada por (ao passo que também influencia) outros fatores de poder e de dominação, tanto de ordem política quanto econômica.

  • 1
    Agradecemos imensamente aos pareceristas pelas contribuições e à Fapesp pelo financiamento para a condução da pesquisa.
  • 2
    Atualmente, considerando o processo organizado de “anticiência” e de desmonte da ciência como um bem público e das instituições de fomento da CT&I, o papel hegemônico (ou centralidade decisória) da comunidade científica apresenta-se como importante na demarcação dos papeis nos marcos decisórios das políticas públicas.
  • 3
    “Órgão ou entidade [...] que inclua em sua missão institucional [...] a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.” (Brasil, cap. V, 2016).
  • 4
    Esse fenômeno não se apresenta apenas nos países periféricos. Nos EUA, o forte engajamento da comunidade científica em prol de uma agenda neoliberal foi retratado por Slaughter e Leslie (1997)55 SLAUGHTER, Sheila; LESLIE, Larry L. Academic capitalism: politics, policies, and the entrepreneurial university. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997. e Slaughter e Rhoades (2004)56 SLAUGHTER, Sheila; RHOADES, Gary. Academic capitalism and the new economy: markets, state and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004..
  • 5
    A reunião de 1985, conhecida por alguns autores como conferência nacional, não é considerada neste estudo, por suas características distintas de uma conferência nacional estabelecida nos ordenamentos jurídicos nacionais. Depois de 2010, não houve nenhuma outra Conferência Nacional de CTI.
  • 6
    A expressão tecnociência é explorada por diversos autores/as, como Bruno Latour, Dominique Pestre45 PESTRE. Dominique. Ciências e participação das populações nas escolhas técnico-científicas. Disputas, economia e formas de governo. Revista de Direito Sanitário, v. 19, n. 1, p. 75-116, 2018., Robert John Ackerman, Bernadette Bensaude-Vincent. Para este trabalho, assumimos que “tecnociência” parte da concepção de que a ciência tende hoje a ser tool-driven e de que a tecnologia, enquanto motor da ciência, estrutura-se no axioma da tecnociência capitalista que busca o progresso econômico.
  • 7
    O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE realiza desde 2000 a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), a qual busca produzir indicadores setoriais, nacionais e regionais das atividades de inovação nas empresas do setor de indústria, eletricidade e gás e de serviços selecionados (IBGE, 202036 IBGE. Pesquisa de Inovação 2017. Informativo. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Serviços e Comércio, Pesquisa de Inovação, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101706_informativo.pdf
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ).
  • 8
    As universidades não serão identificadas a fim de respeitar e assegurar o sigilo e os direitos previstos nos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aplicados aos entrevistados.

Referências

  • 1
    ARUNDEL, Anthony. The relative effectiveness of patents and secrecy for appropriation. Research Policy, v. 30, n. 4, p. 611-624, 2001.
  • 2
    BAGATTOLLI, Carolina. Política científica e tecnológica e dinâmica inovativa no Brasil Campinas: Editora da Unicamp, 2016.
  • 3
    BAGATTOLLI, Carolina; DAGNINO, Renato P. Política de estímulo às patentes no Brasil: avançando na contramão? Revista Economia & Tecnologia, v. 9, n. 3, p. 73-86, 2013.
  • 4
    BALCONI, Margherita; BRUSONI, Stefano; ORSENIGO, Luigi. In defence of the linear model: an essay. Research Policy, v. 39, n. 1, p. 1-13, 2010.
  • 5
    BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo São Paulo: Edições 70, 2011.
  • 6
    BAUMGARTEN, Maíra. Comunidades ou coletividades? O fazer científico na era da informação. Política & Sociedade, v. 3, n. 4, p. 97-136, 2004.
  • 7
    BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. As vertigens da tecnociência: moldar o mundo átomo por átomo. São Paulo: Ideias e Letras, 2013.
  • 8
    BOZEMAN, Barry. Evaluating government technology transfer: early impacts of the cooperative technology paradigm. Policy Studies Journal, v. 22, n. 3, p. 322-327, 1994.
  • 9
    BRASIL. Presidência da República. Congresso Nacional. Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Brasília, 2004.
  • 10
    BRITO, Eduardo V.; FAUSTO, Daiane A. Critérios utilizados por universidades públicas para o abandono de patentes e de pedidos de patentes não licenciados. Revista iPecege, v. 1, n. 2, p. 147-168, 2015.
  • 11
    BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.
  • 12
    CASTELFRANCHI, Juri. As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e inexorabilidade. Tese (doutorado em Sociologia), Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2008.
  • 13
    CAVALCANTE, Ricardo B.; CALIXTO, Pedro.; PINHEIRO, Marta M. K. Análise de conteúdo: considerações gerais, relações com a pergunta de pesquisa, possibilidades e limitações do método. Informação & Sociedade: Estudos, v. 24, n. 1, p. 13-18, 2014.
  • 14
    DAGNINO, Renato. A anomalia da política de C&T e sua atipicidade periférica. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, v. 11, n. 33, p. 33-63, 2016.
  • 15
    DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Unicamp, 2008.
  • 16
    DAGNINO, Renato; DIAS, Rafael. A política de C&T brasileira: três alternativas de explicação e orientação. Revista Brasileira de Inovação, v. 6, n. 2, p. 373-403, 2007.
  • 17
    DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán. Planejamento e políticas públicas de inovação: em direção a um marco de referência latino-americano. Planejamento e Políticas Públicas, n. 23, p. 205-231, 2001.
  • 18
    DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán. La política científica y tecnológica en América Latina. Redes, v. 12, n. 6, p. 49-74, 1999.
  • 19
    DAGNINO, Renato; THOMAS, Hernán; DAVYT, Amílcar. El pensamiento en Ciencia, Tecnología y Sociedad en Latinoamérica: una interpretación política de su trayectoria. Redes, n. 7, p. 13-51, 1996.
  • 20
    DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, [2009] 2016.
  • 21
    DIAS, Rafael de B. O que é a política científica e tecnológica? Sociologias, v. 13, n. 28, p. 316-344, 2011.
  • 22
    DIAS, Rafael de B. A trajetória da política cientifica e tecnológica brasileira: um olhar a partir da análise de política. 2009. Tese (doutorado), Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, SP.
  • 23
    DIAS, Rafael de B. A política científica e tecnológica latino-americana: relações entre enfoques teóricos e projetos políticos. Campinas: Unicamp, 2005.
  • 24
    DIAS, Rafael de B.; SERAFIM, Milena P. A política científica e tecnológica brasileira nos anos 2000 e a “agenda da empresa”: um novo rumo? In: CAMPOS, Cristina et al (orgs.). Abordagens em Ciência, Tecnologia e Sociedade Belo Horizonte: Fino Traço, 2014. p. 141-164.
  • 25
    ELZINGA, Aant; JAMISON, Andrew. Changing policy agendas in science and technology. In: Jasanoff, Sheila et al Handbook of science and technology studies Londres: Sage, 1995. p. 572-597.
  • 26
    ETZKOWITZ, Henry. Entrepreneurial science in the academy: a case of the transformation of norms. Social Problems, v. 36, n. 1, p. 14-29, 1989.
  • 27
    ETZKOWITZ, Henry; LEYDESDORFF, Loet. The dynamics of innovation: from national systems and “mode 2” to a triple helix of university–industry–government relations. Research Policy, v. 29, n. 2, p. 109-123, 2000.
  • 28
    FERRAZ, Janaynna de M. Para além da inovação e do empreendedorismo no capitalismo brasileiro (manuscrito) Tese (doutorado), Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Ciências Econômicas, 2019.
  • 29
    FUNTOWICZ, Silvio; RAVETZ, Jerry. Ciência pós-normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais. História, Ciência, Saúde-Manguinhos, v. 4, n. 2, p. 219-230, 1997.
  • 30
    FLECK, Ludwik et al La génesis y el desarrollo de un hecho científico: introducción a la teoría del estilo de pensamiento y del colectivo de pensamiento. Madrid: Alianza, 1986.
  • 31
    GIBBONS, Michael et al The new production of knowledge: dynamics of science and research in contemporary societies. Londres: Sage Publications, 1994.
  • 32
    GODIN, Benoît. The linear model of innovation. The historical construction of an analytical framework. Science, Technology & Human Values, v. 31, n. 6, p. 639-667, 2006.
  • 33
    GUERRA, Isabel C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Estoril: Princípia, 2006.
  • 34
    HAGENDIJK, Rob; IRWIN, Alan. Public deliberation and governance: engaging with science and technology in contemporary Europe. Minerva, n. 44, p. 167-184, 2006.
  • 35
    HERRERA, Amílcar. Los determinantes sociales de la política científica en América Latina. Política científica explícita y política científica implícita. Redes, v. 2, n. 5, p. 115-125, 1995.
  • 36
    IBGE. Pesquisa de Inovação 2017 Informativo. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Serviços e Comércio, Pesquisa de Inovação, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101706_informativo.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101706_informativo.pdf
  • 37
    KIPPER, Liane M; GRUNEVALD Isabel; NEU, Diane F. P. Manual de propriedade intelectual Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011.
  • 38
    KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas 5. ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 1962.
  • 39
    LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber Belo Horizonte: UFMG, 1999.
  • 40
    LOBOSCO, Antonio; MORAES, Marcela B. de; MACCARI, Emerson A. Inovação: uma análise do papel da agência USP de inovação na geração de propriedade intelectual e nos depósitos de patentes da Universidade de São Paulo. Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, v. 4, n. 3, p. 406-424, 2011.
  • 41
    MACHADO, Hilka P. V.; SARTORI, Rejane; CRUBELLATE, João M. Institucionalização de núcleos de inovação tecnológica em instituições de ciência e tecnologia da região sul do Brasil. REAd-Revista Eletrônica de Administração, v. 23, n. 3, p. 5-31, 2017.
  • 42
    MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.
  • 43
    NOWOTNY, Helga; SCOTT, Peter; GIBBONS, Michael. Re-thinking science: knowledge and the public in an age of uncertainty. Cambridge: Polity Press/Blackwell, 2001.
  • 44
    OLIVEIRA, Marcos B. de. O inovacionismo em questão. Scientiae Studia, v. 9, n. 3, p. 669-675, 2011.
  • 45
    PESTRE. Dominique. Ciências e participação das populações nas escolhas técnico-científicas. Disputas, economia e formas de governo. Revista de Direito Sanitário, v. 19, n. 1, p. 75-116, 2018.
  • 46
    PINHEIRO, Alessandro M. Apresentação: Stephen J. Kline, Nathan Rosenberg - an overview of innovation. Rev. Brasileira Inovação, v. 14, n. 1, p. 9-48, 2015.
  • 47
    ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re) construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, 2005.
  • 48
    SAGASTI, Francisco R. Science and technology policy research for development: an overview and some priorities from a Latin American perspective. Bulletin of Science, Technology and Society, v. 9, n. 1, p. 50-60, 1989.
  • 49
    SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para a ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília: MCT, 2001.
  • 50
    SERAFIM, Milena P. O processo de mercantilização das instituições de educação superior: um panorama do debate nos EUA, na Europa e na América Latina. Avaliação, v. 16, n. 2, p. 241-265, 2011.
  • 51
    SERAFIM, Milena P. Perceptions of stakeholders about Brazil’s National STI Conference. In: 4S/EASSTE Conference. Anais.. Barcelona, 2016.
  • 52
    SILVA, Cristiane R.; GOBBI, Beatriz C.; SIMÃO, Ana A. O uso da análise de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do método. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005.
  • 53
    SILVA, Andressa H.; FOSSÁ, Maria I. T. Análise de conteúdo: exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas Revista Eletrônica, v. 16, n. 1, s/p, 2015.
  • 54
    SIRILLI, Giorgio. Conceptualising and measuring technological innovation. In: II Conference on Technology Policy and Innovation. Anais… Lisboa, 3-5 ago. 1998.
  • 55
    SLAUGHTER, Sheila; LESLIE, Larry L. Academic capitalism: politics, policies, and the entrepreneurial university. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997.
  • 56
    SLAUGHTER, Sheila; RHOADES, Gary. Academic capitalism and the new economy: markets, state and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004.
  • 57
    SOLOMON, Joan. The social construction of school science. In: MILLAR, Robin (ed.). Doing science: images of science in science education. Londres, Nova York, Filadélfia: The Falmer Press, 1989. p. 126-136.
  • 58
    SPATTI, Ana C.; SERAFIM, Milena P.; DIAS, Rafael de B. Universidade e pertinência social: alguns apontamentos para reflexão. Avaliação, v. 21, n. 2, p. 341-360, 2016.
  • 59
    SPIEGEL-RÖSING, Ina. The study of science, technology and society (SSTS): recent trends and future challenges. In: SPIEGEL-RÖSING, Ina; SOLLA PRICE, Derek de (eds.). Science, technology and society A cross-disciplinary perspective. Beverly Hills: Sage Publications, 1977. p. 7-42.
  • 60
    VELHO, Léa. Conceitos de ciência e a política científica, tecnológica e de inovação. Sociologias, v. 13, n. 26, p. 128-153, 2011.
  • 61
    VELHO, Léa. Research capacity building for development: from old to new assumptions. Science, Technology and Society, v. 9, n. 2, p. 172-207, 2004.
  • 62
    WACQUANT, Loïc. Three steps to a historical anthropology of actually existing neoliberalism. Social Anthropology, v. 20, n. 1, p. 66-79, 2012.
  • 63
    WEBSTER, Andrew; ETZKOWITZ, Henry. Academic industry relations: the second academic revolution? Londres: Science Policy Support Group, 1991.
  • 64
    ZIMAN, John. Conhecimento público Belo Horizonte, São Paulo: Ed. Itatiaia, Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2020
  • Aceito
    08 Jul 2020
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revsoc@ufrgs.br