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Kumida di tera: relações de cuidado e alimentação em Cabo Verde

Kumida di tera: food and care relationships in Cape Verde

Resumo

A reflexão proposta toma o caso de Cabo Verde para ilustrar a hipótese de que nem mesmo nas nações africanas pós-coloniais se desmantelou o racismo colonialista do quotidiano e, sobretudo, não se conseguiu demolir a antinegritude como afeto predominante na configuração do socius pós-colonial. O texto compreende três momentos analíticos, tomando como objetos: (i) comentários de internautas leitores de um importante jornal do país a respeito de um dos traços mais racializados do carnaval cabo-verdiano; (ii) reflexões de imigrantes a respeito da relação entre cabo-verdianos e os imigrantes africanos; (iii) a história de vida de um imigrante, para descortinar nela traços de antinegritude tramando as relações dos próprios imigrantes entre si.

Palavras-chave
racialização; ontologia do negro; racismo colonialista; africanidade; discursos antinegros

Abstract

This paper takes the case of Cape Verde to illustrate the hypothesis that not even in post-colonial African nations the colonialist racism of everyday life has been dismantled, and that, above all, anti-blackness has not been dismissed as the predominant affection in the configuration of the post-colonial socius. The text comprises three analytical steps, taking as objects of reflection: (ii) comments posted by readers of an important online newspaper in the country regarding one of the most racialized features of the Cape Verdean carnival; (ii) reflections of interviewed immigrants about the relationship between Cape Verdeans and African immigrants; (iii) the life story of an immigrant to uncover in it traces of anti-blackness plotting the relations of immigrants themselves with each other.

Keywords
racialization; black ontology; colonialist racism; africanity; anti-black discourses

Introdução: uma perspectiva a partir do cuidado

Os períodos de fome que marcaram a história do arquipélago de Cabo Verde, desde o início da ocupação portuguesa, em 1460, foram frequentemente associados na literatura clássica aos escassos e irregulares regimes de chuva (Carreira, 198411 CARREIRA, António. Cabo Verde: aspectos sociais, secas e fomes do século XX. Lisboa: Ulmeiro, 1984.). Apenas mais recentemente, alguns pesquisadores vêm reforçando a forte conexão entre a fome e as dinâmicas do exercício do poder colonial (Acosta-Leyva, 20191 ACOSTA-LEYVA, Pedro. Cabo Verde: Segurança Alimentar e Colonialismo. Revista África(s), v. 6, n. 12, p. 303-321, 2019.). E, mesmo que desde a independência, em 1975, não haja registros de períodos de fome semelhantes aos já enfrentados, jovens ligados a grupos de ativismo comunitário constituem narrativas marcadas pelo caráter de denúncia de que os sistemas de fornecimento de alimentos e práticas alimentares presentes na sociedade cabo-verdiana contemporânea reproduzem as lógicas coloniais. Em contraposição, esses ativistas afirmam a necessidade de reconexão com práticas e conhecimentos alimentares que consideram como expressões de resistência ao colonialismo e a seus desdobramentos contemporâneos.

Dentre essas formas de reconexão está a valorização de uma alimentação baseada na ingestão de kumida di tera (comida da terra), expressão que é comumente utilizada para se referir a ingredientes cultivados em Cabo Verde e pratos da culinária tradicional cabo-verdiana. O termo também remete a outras expressões compostas pela qualificação di terafidjus di tera (filhos da terra), panu di tera (pano de terra) – que denominam pessoas nascidas e artefatos produzidos em Cabo Verde, que foram fruto do processo de constituição da sociedade colonial. E, ainda mais recentemente, a expressão di tera foi utilizada para qualificar uma linha de produtos alimentares industrializados, feitos com sabor de frutas cultivadas ou consumidas em Cabo Verde. Contudo, no contexto do ativismo comunitário, a noção de kumida di tera é mobilizada a partir da conexão com as histórias de resistência das comunidades camponesas e com a valorização de conhecimentos ligados às tradições do continente africano.

Tomando como caso etnográfico a horta comunitária organizada por um grupo de jovens ativistas de um bairro periférico na cidade da Praia, a Associação Pilorinhu (AP), propomos uma reflexão apoiada nas elaborações de Maria Puig de la Bellacasa sobre a noção de cuidado. Tendo como referência a noção de cuidado a partir de teóricas feministas como Joan Tronto e Bernice Fischer, a autora vai defini-lo como “esses fazeres necessários para criar, manter junto e sustentar a heterogeneidade essencial da vida”1 1 No original “those doings needed to create, hold together and sustain life’s essential heterogeneity” (tradução nossa). (Bellacasa, 20125 BELLACASA, Maria P. de la. ‘Nothing comes without its world’: thinking with care. The Sociological Review, n. 60, p. 197-216, 2012. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2012.02070.x
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, p. 198). Essa compreensão nos parece ir ao encontro das considerações dos jovens ativistas, sobre kumida di tera como um alimento produzido e consumido a partir de relações de cuidados que criam e mantêm conexões específicas entre pessoas, solo, plantas e forças de resistência. Nesse sentido, mais do que uma designação que qualifica determinados tipos de alimentos, propomos considerar a expressão uma teoria etnográfica (Goldman, 200618 GOLDMAN, Marcio. Como funciona a democracia: uma teoria etnográfica da política. Rio de Janeiro: 7 letras, 2006.) da criação de relações mutuamente implicadas no cuidado com as plantas, consigo e com a comunidade.

Nossas observações partem da interlocução entre duas trajetórias de pesquisa sobre os temas aqui abordados. Uma delas focada no acompanhamento do cotidiano de cuidados com a horta, no contexto de uma pesquisa de campo desenvolvida ao longo de nove meses sobre as diferentes formas de atuação política mobilizada na AP. Nesse período, a horta comunitária foi apresentada como “uma das frentes de atuação do grupo” que se conjugava com outras, tais como: “a ocupação de espaços públicos abandonados”, o “ateliê de arte e costura”, “laboratório de mídia”, “alojamento comunitário”, “biblioteca comunitária”, além de diversas ações voltadas para a problematização dos modelos de desenvolvimento privilegiado no contexto cabo-verdiano (Velloso, 202038 VELLOSO, Natalia. O mar e a vovó tartaruga: variações políticas na luta da Associação Pilorinhu na cidade da Praia em Cabo Verde. 2019. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.). A outra realizada por via do olhar de um pesquisador cabo-verdiano que tem se dedicado ao estudo das políticas públicas implementadas pelo estado com vistas a garantir a segurança alimentar e nutricional das populações (Ferreira, 201515 FERREIRA, Vladmir A. D. S. Conflitos e participação no uso da água da Barragem de Poilão, Ilha de Santiago, Cabo Verde. 2015. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, 2015.) e das formas de resistência e adaptação dos produtores locais face aos processos de integração da agricultura aos ditames do mercado e da produção capitalista.

Ao tomarmos a noção de cuidado como aporte epistemológico, pretendemos contribuir para o debate acerca das relações de alimentação em Cabo Verde a partir de uma perspectiva que não é restrita ao tema da produção de alimentos e, nesse sentido, se contrapõe à lógica da produtividade através da qual operam as formas de conhecimento tecnocientíficas usualmente mais valorizadas como solução para a questão do fornecimento de alimentos. Igualmente, gostaríamos de evidenciar aspectos do cultivo e alimentação em Cabo Verde pensados enquanto redes de relações de interdependência que interpelam a visão antropocêntrica do solo como fonte de recursos para os humanos.

Configurações históricas da produção alimentar em Cabo Verde

O tema do cultivo de espécies é um ponto fundamental para compreensão da história das lutas pela garantia da autonomia alimentar da população cabo-verdiana. No campo da história colonial da alimentação, as grandes narrativas da “descoberta” e “conquista” de territórios, espécies e pessoas constituíram teorias sobre a formação de “culinárias nacionais”, entendidas como uma espécie de resultado “benéfico” do encontro de diferentes culturas, a despeito dos horrores da colonização. Contudo, sabe-se que esses processos foram consequência da subordinação, domesticação e deslocamentos forçados de pessoas, plantas e animais, com brutais consequências sociais, subjetivas e ecológicas (Mbembe, 201724 MBEMBE, Achile. A política da Inimizade. Lisboa: Antígona, 2017.). O modelo das plantations, apoiado na estrutura social escravocrata e voltado para monocultura de espécies que foram mercantilizadas, consolidou-se esmagando outras múltiplas formas de interação entre humanos, vegetais e animais que eram praticadas na África e na América (Haraway, 201620 HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. Clima Com Cultura Científica – pesquisa, jornalismo e arte, n. 5, 2016.). E, mesmo que os regimes coloniais já tenham sido superados, os modelos agrícolas que sustentam as estruturas econômicas do mundo pós-colonial, guardam diversas de suas características (Shiva, 200334 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.).

Porém, em meio à grande História Natural2 2 A referência aqui é o projeto iniciado pelo naturalista português Domingos Vandelli, A História Natural das Colônias, que, na transição dos séculos XVIII e XIX, mobilizou uma ampla rede de naturalistas e outros cientistas, a fim de classificar, pesquisar e catalogar as espécies encontradas nos territórios colonizados por Portugal (Pataca, 2016). das espécies, os povos nativos e as populações negras nos territórios colonizados se encontraram, preservaram e criaram formas de cultivo e alimentação independentes, que se contrapunham aos fins agrícolas coloniais. Nas roças voltadas para a própria alimentação, nos quintais e nos territórios daqueles que conseguiram fugir da escravização foram preservados conhecimentos e técnicas, assim como foram inventadas novas formas de interação com os elementos que lhes foram apresentados (Carney, 201710 CARNEY, Judith. O arroz africano na História do Novo Mundo. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, v. 6, n. 2, p. 182-197, 2017. https://doi.org/10.21664/2238-8869.2017v6i2.p182-197
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).

Em Cabo Verde, assim como em outros contextos coloniais, a história agrícola é marcada por cultivos voltados para a exportação, especificamente associados ao papel que o arquipélago desempenhou no comércio atlântico de pessoas escravizadas. Assim, a primeira forma de apropriação fundiária em Cabo Verde, iniciada com o achamento das ilhas em 1462, se deu por meio do Regime de Capitanias. À semelhança do ocorrido em outras colônias portuguesas, as primeiras concessões régias dataram da segunda metade do séc. XV, dispondo terras a donatários (Amaral, 19642 AMARAL, Ilídio. Santiago de Cabo Verde. A terra e os homens. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1964. (Série Memórias da Junta de Investigação do Ultramar, n. 48, série 2).). De acordo com esse modelo de organização administrativa, o donatário tinha por obrigação incrementar o povoamento das ilhas de Cabo Verde.

Apesar das grandes limitações do arquipélago em termos de disponibilidade hídrica, as ilhas tornaram-se um ponto de apoio das frotas portuguesas que contornavam a África com destino à Índia e, mais tarde, no comércio entre África, América e Europa (Silva, 199135 SILVA, Antônio L. C. e. Espaço, Ecologia e Economia interna. In: ALBUQUERQUE, L.; SANTOS, M. E. (org.). História geral de Cabo Verde, Vol. II. Lisboa: Centro de Estudos e Cartografia Antiga/Instituto de Investigação Científica Tropical; Instituto Nacional de Investigação, Promoção e Patrimônio Culturais de Cabo Verde, 1991. p. 179-236.). Dessa forma, o país colocou-se no cenário internacional como espaço importante para negociações comerciais, potencial bastante explorado nos séculos seguintes (Borba; Anjos, 20128 BORBA, Carolina dos A.; ANJOS, José Carlos dos. Questão fundiária em Cabo Verde: posse tradicional x propriedade da terra em São Salvador do mundo. Revista Conjuntura Austral, v. 3, n. 11, p. 39-57, 2012. https://doi.org/10.22456/2178-8839.25993
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; Furtado, 199317 FURTADO, Cláudio A. A transformação das estruturas agrárias numa sociedade em mudança – Santiago, Cabo Verde. Praia: Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco, 1993.).

Num ambiente insular saheliano desconhecido tanto de europeus como de africanos, a adaptação das culturas e o arranjo dos campos constituíram penoso desafio para a comunidade humana fixada na ilha. Os ciclos de secas, a erosão de solos em vertentes íngremes e a falta de água configuraram-se como fatores limitantes na produção das terras (Semedo, 201032 SEMEDO, José M. Ilha de Santiago (Cabo Verde). Paisagem natural, uso de recursos naturais e riscos de desertificação. In: MOREIRA, E.; TARGINO, I. (org.). Desertificação, desenvolvimento sustentável e agricultura familiar: recortes no Brasil, em Portugal e na África. João Pessoa: Editora Universitária, 2010. p. 29-46.). Apesar de todas essas condicionantes ambientais, Cabo Verde desempenhou um papel fundamental nos processos coloniais de transposição de espécies vegetais, funcionando como um grande “horto botânico” para adaptação de plantas e animais que foram introduzidos no Brasil e em outras colônias, a fim de atender aos objetivos da exploração e ocupação colonial (Carreira, 198411 CARREIRA, António. Cabo Verde: aspectos sociais, secas e fomes do século XX. Lisboa: Ulmeiro, 1984.).

Durante quase quatro séculos, no ambiente tropical das duas margens do Atlântico, transitaram pessoas, plantas, ritos e ritmos agrilhoados ao mesmo sistema social, contribuindo para a formação de um complexo sistema de hábitos e valores. Nesses processos biossociais de adaptação e de transculturação, o Brasil desempenhou o papel de segundo colonizador durante mais de 350 anos. Traços dessa dominação secular e das relações por ela engendradas, conformando esse sistema ecocultural comum entre o Brasil e os países africanos, podem, ainda hoje, ser encontrados, em particular os decorrentes da disseminação de plantas e do papel desempenhado pela organização da atividade agrícola e seus produtos (Sarmento, 201230 SARMENTO, Francisco. A segurança alimentar e nutricional na CPLP: trajetórias históricas na conformação de uma estratégia. In: LIMA, S. C. et al. (org.). Segurança alimentar e nutricional na comunidade dos países de língua portuguesa: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz-Fiocruz; Instituto de Higiene e Medicina Tropical-IHMT, 2012. p. 11-20.).

Além da aclimatação, foram desenvolvidos em Cabo Verde sucessivos ciclos de cultivo de espécies voltadas para a venda no comércio exterior, tais como: a cana de açúcar, vinculada à produção de grogo3 3 Aguardente cabo-verdiana. e ao comércio com a costa da Guiné, o algodão para a produção dos panos di tera,4 4 Pano da terra. e a semente de purgueira, uma planta vinda da América Central utilizada para a extração do óleo. Quase todos esses ciclos de cultivo estiveram voltados para atender as transações comerciais decorrentes do tráfico de pessoas escravizadas, que era prioridade dos interesses comerciais desenvolvidos pelos colonizadores (Acosta-Leyva, 20191 ACOSTA-LEYVA, Pedro. Cabo Verde: Segurança Alimentar e Colonialismo. Revista África(s), v. 6, n. 12, p. 303-321, 2019.).

Com o fim do tráfico de pessoas escravizadas e a abolição do regime escravagista, ocorrem profundas mudanças no modelo econômico vigente (Borba; Anjos, 20128 BORBA, Carolina dos A.; ANJOS, José Carlos dos. Questão fundiária em Cabo Verde: posse tradicional x propriedade da terra em São Salvador do mundo. Revista Conjuntura Austral, v. 3, n. 11, p. 39-57, 2012. https://doi.org/10.22456/2178-8839.25993
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). A instauração do trabalho livre deu origem a rearranjos nas relações sociais e fundiárias; os proprietários acabaram por fragmentar suas terras e arrendá-las. Foi nesse contexto que famílias não brancas passaram a ter maior participação na exploração das propriedades rurais, assumindo primeiramente a condição de rendeiros.

Para Furtado (1993)17 FURTADO, Cláudio A. A transformação das estruturas agrárias numa sociedade em mudança – Santiago, Cabo Verde. Praia: Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco, 1993., um dos obstáculos ao desenvolvimento da agricultura foi a estrutura agrária montada pelos colonizadores no arquipélago, bem como a ausência de uma política agrícola por parte do governo português. Nos limiares do século XX, a ilha de Santiago, a principal ilha agrícola, registrava uma grande população de pessoas sem terra, na maioria composta de escravizados libertos e de camponeses pobres que, empurrados pelas circunstâncias, aceitaram cultivar terras dos morgados em condições próximas das da escravatura (Semedo, 201032 SEMEDO, José M. Ilha de Santiago (Cabo Verde). Paisagem natural, uso de recursos naturais e riscos de desertificação. In: MOREIRA, E.; TARGINO, I. (org.). Desertificação, desenvolvimento sustentável e agricultura familiar: recortes no Brasil, em Portugal e na África. João Pessoa: Editora Universitária, 2010. p. 29-46.).

Os contratos eram baseados em acordos verbais e frequentemente eram alterados em favor dos proprietários. Ainda assim, os rendeiros deviam pagar pelo uso da terra e pelos custos com a produção. Independentemente das condições climáticas e de quaisquer outros fatores que pudessem ocasionar dificuldade na produção agrícola, os valores eram cobrados. Além disso, as terras que apresentavam melhores condições de plantio permaneciam em poder dos morgados. A consequência foram os diversos períodos de fome e a insurreição dos camponeses (Borba, 20137 BORBA, Carolina dos A. Terras negras dos dois lados do Atlântico: quem são os proprietários? Estudo comparado Cabo Verde e Brasil. 2013. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.). Nesse contexto de injustiça, ocorreram três grandes revoltas dos rendeiros entre a primeira metade do século XIX e início do século XX no interior da Ilha de Santiago: as revoltas dos Engenhos de 1822, de Achada Falcão de 1841 e de Ribeirão Manuel de 1910 (Pereira, 201027 PEREIRA, Eduardo A. C. Política e cultura. As revoltas dos Engenhos (1822), de Achada Falcão (1841) e de Ribeirão Manuel (1910). Praia: Imprensa Nacional, 2010.).

Assim, por mais que a ocupação das terras fosse descentralizada e feita por famílias que não pertenciam à elite colonial branca, na prática era nas mãos destas que a propriedade da terra estava concentrada (Borba, 20137 BORBA, Carolina dos A. Terras negras dos dois lados do Atlântico: quem são os proprietários? Estudo comparado Cabo Verde e Brasil. 2013. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.). Tal configuração evidencia como, historicamente, o acesso à alimentação e os períodos de fome que marcam a história de Cabo Verde desde os primórdios da colonização sempre tiveram como determinantes componentes sociais e políticos, e não apenas as condicionantes naturais.

O escritor e jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes (2021)23 LOPES, José Vicente. Cabo Verde: um corpo que se recusa a morrer – 70 anos de fome, 1949-2019. Praia: Spleen Edições, 2021. apresentou em sua recente obra Cabo Verde: um corpo que se recusa a morrer – 70 anos de fome, 1949-2019. Uma importante análise sobre como a questão da fome era compreendida desde o período colonial até 1949 e nos dias de hoje. Segundo esse autor, até 1949, ano do desastre da assistência,5 5 O Desastre da Assistência aconteceu a 20 de fevereiro de 1949 quando a parede dos Serviços Cabo-verdianos da Assistência ruiu, matando 232 pessoas, sobretudo mulheres e crianças que aguardavam pela distribuição de refeições quentes. as crises de fome em Cabo Verde eram encaradas quase como normalidade. Mas a partir de 1949, com as pressões de visões críticas ao colonialismo, que posteriormente resultariam no movimento pela independência de Cabo Verde e Guiné (Cabral, [1949] 2015), e suas articulações com órgãos internacionais, como a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), Portugal despertou para o problema da fome em Cabo Verde. Ficou, então, evidente que os alarmantes números de mortes por fome dos períodos do século XX,6 6 A estimativa é de que entre 1903 e 1948, tenham morrido 82.523 pessoas por fome em Cabo Verde (Carreira, 1984). mas que existiram desde o início da ocupação colonial, estavam associados à falta da vontade política e incúria administrativa.

Entretanto, a estrutura fundiária colonial que vigorou durante todo o século XIX só veio a sofrer algumas transformações na segunda metade do século XX, nos primeiros anos pós-independência. Nesse período, as áreas rurais concentravam cerca de 63% da população economicamente ativa do país e a população ocupada no setor agrícola representava cerca de 29% do emprego total. Nesse contexto, optou-se pelo incentivo ao desenvolvimento através da consolidação das organizações cooperativas agropecuárias existentes, apoio a cooperativas agrícolas e de consumo e a novas iniciativas coletivas (Rodrigues, 201029 RODRIGUES, Nelida. Políticas públicas e desenvolvimento da agricultura na Ilha de Santiago – Cabo Verde. 2010. Dissertação (Mestrado em Administração e Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2010.).

Devido ao contexto político internacional, na década de 1990, o governo deu início ao processo de democratização do país e adotou oficialmente uma política de transição para o pluripartidarismo. Nesse novo momento político, o modelo de cooperativas foi abandonado e, simultaneamente, o movimento associativo ganhou maior força, tornando-se um interlocutor privilegiado na relação entre o Estado e as comunidades locais e assumindo uma posição de relevo na construção da sociedade civil cabo-verdiana. As associações foram situadas no quadro da nova filosofia de gestão para o desenvolvimento local em áreas como o desenvolvimento comunitário.

Contudo, observa-se que, embora as associações locais de agricultores sejam fundamentais na aquisição de financiamentos para a promoção da agricultura, elas permanecem em um cenário de vulnerabilidade por sua alta dependência de investimentos estrangeiros. Outro fator de fragilidade de seu funcionamento é a falta de efetivas formas de participação da população na elaboração de políticas voltadas para a segurança alimentar, frente ao modelo de desenvolvimento estabelecido (Simões et al., 201936 SIMÕES, Elsa B.; FERREIRA, Vladmir A. D. S.; BASCH, Gottlieb. Segurança Alimentar em Cabo Verde: objetivos das políticas públicas e resultados alcançados. Segurança Alimentar e Nutricional, SP, v. 27, p. 01-09, 2019. https://doi.org/10.20396/san.v27i0.8651211.
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O modelo privilegiado nos programas de desenvolvimento está calcado em uma lógica “modernizante” e “economicista” que valoriza a mecanização da produção, a criação de pequenas empresas agrícolas, a produção voltada para o abastecimento do setor do turismo, além do uso de defensivos e agrotóxicos. A adoção dessas práticas é vista com bons olhos pela administração pública, baseada em uma crença convicta de que a modernização da agricultura é a chave para a superação da pobreza, e de que as práticas tradicionais de agricultura familiar constituem estruturas arcaicas que devem ser superadas (Simões et al., 201936 SIMÕES, Elsa B.; FERREIRA, Vladmir A. D. S.; BASCH, Gottlieb. Segurança Alimentar em Cabo Verde: objetivos das políticas públicas e resultados alcançados. Segurança Alimentar e Nutricional, SP, v. 27, p. 01-09, 2019. https://doi.org/10.20396/san.v27i0.8651211.
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).

Contudo, embora de formas distintas daquelas que caracterizaram o período colonial, observa-se que na contemporaneidade esses modelos dominantes de cultivo são desafiados por formas insurgentes de práticas agrícolas. No contexto rural, há casos de uso coletivo de terra que guardam conhecimentos tradicionais de plantio e criação de animais, tais como uso de remédios naturais para pragas e doenças, ou estratégias de combinação de espécies para melhor aproveitamento do solo (Gonçalves; Sentís, 202019 GONÇALVES, Guilherme; SENTÍS, Alberto. Catálogo de boas práticas agroecológicas nas áreas protegidas de Santo Antão, Santiago e São Nicolau. Porto: Orgal impressões, 2020.), além de formas inventivas de aproveitamento de espaços, como no caso dos campos de futebol que, no período da chuva, são utilizados para cultivo (Ferreira, 201614 FERREIRA, Vladmir A. D. S. Agricultura e Futebol: resistências e ajustamentos no uso do território na aldeia de Renque Purga, Ilha De Santiago, Cabo Verde. Iluminuras, n. 41, p. 30-43, 2016. https://doi.org/10.22456/1984-1191.64558
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).

Mesmo se hoje em dia as pessoas não convivem com o terror dos períodos de fome que marcaram o regime colonial, a insegurança alimentar não é um risco que tenha ficado no passado da sociedade cabo-verdiana (Ferreira, 201913 FERREIRA, Nuno Andrade. Silencia-se a fome, mesmo que esteja a acontecer. Expresso das Ilhas, 30 nov. 2019. Disponível em: https://expressodasilhas.cv/pais/2019/11/30/silencia-se-a-fome-mesmo-que-esteja-a-acontecer/66871#:~:text.
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). Uma das expressões estruturais dessa questão é a dependência do fornecimento de alimentos estrangeiros e, também, a dificuldade em acessar alimentos frescos e não-processados por grande parte da população. Por isso a preocupação em comer alimentos de boa qualidade é expressa por diferentes segmentos sociais. No contexto do ativismo social o tema é relacionado à reivindicação da possibilidade de acesso a alimentos independentemente das lógicas do mercado e à preocupação com o consumo de alimentos saudáveis.

Muitos desses grupos de ativistas surgem a partir da década de 2010, a maioria ligada a bairros de periféricos em contextos urbanos e formada por jovens – em geral homens, mas não só – que vinculam sua atuação a temas como combate à violência urbana, enfrentamento de desigualdades sociais, afirmação de uma postura de contestação através do hip-hop e valorização da africanidade (Bordonaro, 20129 BORDONARO, Lorenzo. Masculinidade, violência e espaço público: notas etnográficas sobre o bairro Brasil da Praia (Cabo Verde). Revista Tomo, n. 21, p. 101-136, 2012. http://dx.doi.org/10.21669/tomo.v0i21.898
https://doi.org/10.21669/tomo.v0i21.898...
; Lima, 201422 LIMA, Redy W. Jovens e processos de afirmação na cidade da Praia, Cabo Verde. P@x-Boletim da Linha de Estudos para a Paz, n. 25, p. 16-17, 2014, 202021 LIMA, Redy W. Jovens, processos identitários e sociedades em movimento: um olhar sócio-antropológico sobre a emergência dos movimentos juvenis identitários na cidade da Praia, Cabo Verde. Africa Development, v. XLV, n. 3, p. 97-120, 2020.). Dentre os posicionamentos levantados por alguns desses grupos, encontra-se a denúncia de que as práticas colonialistas seguem sendo implementadas contemporaneamente, através de novos modelos.

Aqui, partimos do contexto de um desses bairros e da atuação de um grupo de jovens ativistas, justamente porque expressam como a proximidade física com equipamentos e fontes de alimentos não representa necessariamente uma equidade no acesso à alimentação. São, apesar disso, as redes e práticas de cuidado desenvolvidas nesse território que mobilizam alternativas no acesso ao alimento e, mesmo quando não são capazes de garantir a seguridade alimentar, possibilitam refletir a partir de outras perspectivas sobre proposições de uma alimentação saudável e de qualidade.

Experiências alimentares em Achada Grande Frente

A Associação Pilorinhu e a horta comunitária construída na sede do grupo estão localizadas em um dos bairros mais antigos da cidade da Praia, a Achada Grande Frente (AGF). As famílias que moram ali há mais tempo vieram do interior da ilha de Santiago, ou de outras regiões rurais do país para viverem mais próximas da capital. Desde então, diferentes ondas de migração marcaram as configurações socioespaciais do bairro, que é atualmente subdividido em pelo menos duas partes. Uma caracterizada pela presença de famílias com maior poder aquisitivo e outra onde vivem algumas famílias em condições mais precarizadas e onde está a sede da AP.

Os moradores dessa região muitas vezes são alvo de visões estigmatizantes, marcadas por uma oposição aos modos de sociabilidade ali presentes e por valores propagados como mais adequados ao contexto urbano. Dentre esses estigmas estão a crítica à manutenção de hábitos associados à vida rural, tais como a criação de animais nos terraços das casas. Bem como considerações pejorativas que qualificam peixeiros e peixeiras – principais ocupações de muitas pessoas dessa parte do bairro – como pessoas sem conhecimento.

As duas formas tradicionais de cultura alimentar – a criação de animais e a pesca – passaram a ser ainda mais tensionadas com o processo de reestruturação do bairro, a partir da década de 1990, através da instalação de diversos armazéns de empresas de importação de alimentos. A escolha da AGF como o local para a construção desses armazéns se deu pelo fato de o bairro estar localizado próximo a equipamentos de infraestrutura diretamente relacionados aos sistemas de abastecimento de Cabo Verde, o aeroporto internacional e o porto da Praia.

Nesse período mais recente de transformações, desde o início dos anos 2000, o bairro passou a ser associado com episódios de conflitos entre grupos de jovens que se vinculavam a determinados territórios dentro da própria AGF, ou de outros bairros. Tais conflitos deram ao bairro a fama de um local “perigoso”, que passou a ser associado na imprensa com casos de assaltos e mortes. A imagem negativa, e criminalizada, da vida no bairro motivou iniciativas de instituições públicas, ONGs e associações comunitárias a realizarem projetos a fim de desmobilizar a situação conflituosa entre os jovens e de dar visibilidade aos aspectos positivos da comunidade.

Foi nesse contexto que, em 2013, um grupo de jovens moradores da AGF se organiza em um movimento de ativismo e posteriormente se institucionaliza, dando origem à Associação Pilorinhu com objetivo de oferecer formação para outros jovens e crianças do bairro. O nome da associação se deve ao fato de que uma de suas primeiras atividades foi a ocupação e limpeza de um antigo prédio abandonado que havia sido construído para abrigar um mercado – que em Cabo Verde é denominado de pilorinhu – para ser a sede do grupo, onde são realizadas diversas atividades dentre elas, uma biblioteca, aulas de reforço escolar, aulas de capoeira, ateliê de carpintaria e costura e a horta comunitária.

A AP, assim como outros grupos de ativismo comunitário, é marcada por contínuas variações em sua composição em relação àqueles que estão mais mobilizados na realização das atividades. A maioria dos integrantes do grupo são homens jovens, que moram no bairro da AGF. Muitos deles de fato vivem no espaço da sede e aqueles que moram no entorno, ou mesmo em outros bairros, costumam frequentar o espaço diariamente. Nessa dinâmica, é diária também a necessidade de realização de tarefas de cuidados com o espaço, como limpeza, organização das atividades e alimentação.

A refeições coletivas são preparadas pelos jovens que integram o grupo e delas participam aqueles que vivem no espaço ou o frequentam com regularidade. No entanto, não é incomum notar que pessoas que estão passando por situações mais agudas de insegurança alimentar, buscam estar presentes ali como forma de realizar uma refeição. As pessoas responsáveis pelo preparo costumam ser as mesmas que servem os pratos e apenas depois de todos comerem é possível avaliar a disponibilidade de repetir. A maioria dessas refeições acontece em uma grande mesa redonda localizada na parte central do salão e, quando possível, são utilizados alimentos provenientes da horta. Contudo, em muitos momentos, para dar conta da demanda de alimentação cotidiana, os integrantes do grupo organizam “campanhas de recolha alimentar”, que consistem em arrecadar alimentos em supermercados da cidade e nos armazéns existentes no bairro.

Durante as recolhas era comum que integrantes da AP fizessem comentários enfatizando a contradição entre a presença dos armazéns de importadoras de alimentos e a realidade de famílias vivendo em situações de insegurança alimentar. Situação que era ainda mais agravada em casos de recusa das doações. Quando isso acontecia, costumavam falar que era necessário que cada um pudesse ter como produzir a própria comida, pois não podiam contar com as empresas para ter o “pão de cada dia”.

Ao contrário das visões estigmatizantes que condenam as práticas de criação de animais ou inferiorizam famílias que vivem da pesca, os ativistas falavam de propostas que iam no sentido de “ruralizar” a vida nas cidades. Na ocasião de instalação de grama sintética no campo de futebol do bairro, um dos integrantes do grupo comentou que o melhor seria que em cada bairro os campos fossem utilizados para plantio – como é feito em alguns locais no contexto rural – para garantir alimentação às famílias da comunidade. Foi com a perspectiva de buscar maior autonomia em relação à aquisição de alimentos, e de inspirar outras iniciativas semelhantes, que a horta comunitária começou a ser construída ainda em 2013, na parte lateral da sede do grupo.

Em 2016, a horta do Pilorinhu, era, e ainda é, um espaço muito valorizado pelos participantes da associação. Sempre que havia uma visita de representantes de outros grupos e instituições à AP a horta era apresentada como um dos locais mais relevantes do espaço. Sendo também um dos principais temas de postagens do grupo em redes sociais de internet, com imagens que mostram etapas de plantio, rega e colheita. Apesar de ser um espaço caracterizado por cambiantes composições, pode-se dizer que a horta é composta por duas partes: uma na qual é realizado o cultivo de árvores frutíferas, raízes, leguminosas e cana-de-açúcar, e outra área circular onde foi implementado o projeto PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável), ao qual retomaremos mais adiante, em que são cultivadas hortaliças e ervas aromáticas.

A principal aspiração do grupo, como foi dito, é de que aquilo que é produzido na horta seja utilizado para a alimentação daqueles que realizam atividades no espaço, e, quando possível, para o fornecimento a famílias que encontram mais dificuldade em adquirir alimentos. Tal desejo é baseado em uma ideia de “autonomia”, continuamente mobilizada nas conversas sobre a horta. É nesse sentido que afirmam não quererem depender de comidas importadas e industrializadas, que chamam de “comida de lata”, e afirmam a horta como um local de cultivo de kumida di tera. Não apenas porque lá são plantados ingredientes característicos da culinária tradicional cabo-verdiana, como milho, feijão, manga e outros, mas, principalmente, porque buscam estabelecer e manter conexões entre o cultivo desses alimentos e forças de resistência ao colonialismo que foram negligenciadas e perseguidas.

Assim, não é apenas pela lógica daquilo que é produzido que os integrantes da AP consideram a horta um espaço relevante. Uma compreensão expressa na afirmação algumas vezes enunciada por eles quando alguém pergunta sobre o estado da horta: “se a horta está bem, o Pilorinhu está bem”. Para além da evidente conclusão de que essa compreensão expressa que os cuidados com a horta são também formas de cuidado com o grupo, podemos dizer que ela se conecta com aquilo que Bellacasa (2017)3 BELLACASA, Maria P. de la. Matters of care: speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017. afirma como o potencial disruptivo das práticas de cuidado, no sentido dos fazeres necessários à manutenção de redes de interdependência mútua.

Ao utilizar a noção de cuidado para refletir sobre a relação entre humanos e o solo Bellacasa (2015)4 BELLACASA, Maria P. de la. Making time for soil: technoscientific futurity and the pace of care. Social Studies of Science, n. 45, p. 691-716, 2015. https://doi.org/10.1177/0306312715599851
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explica que essa perspectiva se contrapõe à compreensão focada tanto na lógica produtivista quanto na centralidade humana, que trata o solo apenas como um provedor de recursos. Tais aspectos, como se sabe, são caros aos segmentos econômicos voltados para a produção agrícola e marcaram toda história moderna do mundo ocidental, desde as plantations até às monoculturas de transgênicos. A autora salienta que as práticas de cuidado com o solo estão atravessadas pela compreensão de que humanos são parte, não o centro ou o topo, de uma rede de relações múltiplas de seres e outros elementos.

Porém, é fundamental salientar, como faz Bellacasa (2015)4 BELLACASA, Maria P. de la. Making time for soil: technoscientific futurity and the pace of care. Social Studies of Science, n. 45, p. 691-716, 2015. https://doi.org/10.1177/0306312715599851
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, que as práticas de cuidado não devem ser romantizadas. Cuidar da Horta Comunitária dá trabalho, envolve atividades de limpeza, plantio, remanejamento de plantas, revolver a terra, reorganizar estruturas que não funcionaram como o esperado, mobilizar e administrar a quantidade de água necessária para rega, evitar furtos, e muitas outras. Todas essas tarefas envolvem tempo de cuidado, tempo esse que, muitas vezes, entra em contradição com demandas de tarefas que poderiam gerar rentabilidade, segundo a lógica da produtividade do mercado. Além disso, como enfatiza a autora, apesar de as práticas de cuidado não serem sinônimo de obrigações morais, elas são necessárias e, nesse sentido, envolvem obrigações e responsabilidade (Bellacasa, 20173 BELLACASA, Maria P. de la. Matters of care: speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017.). Assim, se não há uma forma de organização coletiva no grupo capaz de garantir pessoas disponíveis para cuidar da horta, ela não vai bem e o grupo também não.

A proposição de olhar para a horta desde a perspectiva do cuidado não significa, no entanto, negligenciar o tema da produção de alimentos, uma vez que é fundamental ao princípio de autonomia alimentar reiterado pelo grupo. Contudo, consideramos que o tema pode ser abordado levando em conta a complexidade dessas relações. A fim de refletir desde essa perspectiva, propomos observar as relações de cuidado presentes na horta comunitária a partir de três dimensões que são também interligadas entre si: o cuidado com as plantas, o cuidado consigo mesmo e o cuidado com a comunidade.

Figura 1
Integrantes da Associação Pilorinhu nos cuidados da horta

Cuidar das plantas

No início do período em que foram recolhidos os dados que compõem nossa reflexão, as atividades de cuidado com a horta do Pilorinhu estavam concentradas na manutenção do já referido protótipo do sistema PAIS, voltado para cultivo de hortaliças e ervas aromáticas. Havia um esforço de plantio de diferentes espécies a fim de saberem quais se adequariam melhor às condições do terreno e do modelo de plantio. Desse processo ocorreram algumas colheitas de couve, repolho, coentro, cebolinha e manjericão. Posteriormente, a área cultivada se ampliou e foram também plantadas mandioca, milho, feijão e diferentes tipos de árvores frutíferas.

Tanto na construção do sistema PAIS e na ampliação da horta como em momentos de plantio e colheita eram realizados esforços de trabalho coletivo na horta, com a participação de integrantes do grupo e, eventualmente, moradores do bairro. Porém, no cotidiano de manutenção, o mais comum era que uma ou poucas pessoas, ficassem responsáveis pelos cuidados com a horta. Nesse período, o então vice-presidente do grupo era quem estava mais à frente da tarefa. Dentre as razões que ele apontava para ter decidido se dedicar à horta estava a de ser um espaço de reconexão com seu passado, uma vez que havia nascido no interior da ilha de Santiago.

A consideração do vice-presidente ia ao encontro de uma compreensão compartilhada por outros integrantes do grupo, de que as tarefas realizadas na horta não se limitam aos aspectos materiais. Essa compreensão estava associada à percepção de que os lugares são também atravessados por forças que se modulam, fortalecendo-se, ou se enfraquecendo, a partir de seus usos e principalmente das conexões que são estabelecidas. Uma percepção que está presente também em outras esferas de atuação do grupo, como a ocupação de edifícios abandonados, protestos contra a construção de empreendimentos turísticos e nas considerações sobre os impactos da degradação do ambiente no contexto urbano (Velloso, 202137 VELLOSO, Natalia. Volta Djéu: algumas considerações sobre cidade e política na cidade da Praia. In: MARINHO, S. C., PEREIRA, M. de J. F.; GONÇALVES, M. de L. S. (org.). Diálogos do Sul Atlântico: crítica e interpretação do contemporâneo em Cabo Verde e Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras. 2021.).

Dentre as formas de enfraquecer as forças de um lugar que eram mencionadas, talvez a que consideravam mais característica de processos associados à lógica do “desenvolvimento” criticada pelo grupo é a do apagamento de sua história, isto é, destituí-lo de suas conexões com o passado, para torná-lo um espaço sem memória. Assim, os integrantes da AP consideram que cuidar da horta é também cuidar dessas forças, através de uma reconexão com uma memória de relações com o solo, plantas e alimentos, que associam a formas de resistência ao colonialismo e, portanto, à luta contra os modelos contemporâneos de exploração.

Diversos mecanismos de manutenção dessas forças são implementados nos cuidados com a horta. Durante o período acompanhado, foram realizadas diversas visitas a áreas rurais do interior da ilha de Santiago, onde consideram que as relações com a terra e com as plantas ainda guardam a memória das práticas desenvolvidas por comunidades camponesas que fugiram de imposições do regime colonial e passaram a viver isoladas nas montanhas, como o caso da comunidade dos Rabelados de Espinho Branco.7 7 Comunidade formada em meados de 1930 por um grupo de famílias insatisfeitas com as imposições coloniais na igreja católica e que decidiram se isolar nas montanhas do interior de Santiago. Estar nesses locais já é, por si só, compreendido como uma forma de reconexão, porém, em alguns casos, os integrantes da AP faziam convites a agricultores – tanto dos Rabelados como de outras comunidades rurais – para que fossem até o espaço ver a horta e compartilhar do cotidiano do grupo.

Além de pessoas vindas de regiões rurais, essa reconexão com formas tradicionais de cultivo da terra se dava também pela busca dos conselhos dos moradores mas grandis (mais velhos) do bairro. Como mencionado, muitos desses moradores vinham também de regiões rurais e alguns mantinham hábitos de criação de animais e cultivo em suas casas. Era o caso dos pais de alguns dos fundadores da AP, que iam à horta para dar orientações de plantio e recolher o mato retirado para alimentar os animais de suas casas. Assim, diferente das lógicas modernizantes para as quais esses hábitos são contraditórios com a vida nas áreas urbanas, os ativistas da AP consideravam que esses moradores guardam a memória de conhecimentos que podem reconectar tais forças ao espaço da horta e cultivá-lo com a mesma relevância que elementos físicos, como água e nutrientes no solo.

Para os integrantes do Pilorinhu, a ideia de que o cuidado com a horta envolve a reconexão com forças enfraquecidas também está relacionada à recuperação de conhecimentos considerados como conectados às tradições dos povos do continente africano e povos subalternizados no contexto colonial. Não por acaso, a horta ganhou um impulso ainda maior quando, em janeiro de 2016, foi o elemento articulador do intercâmbio com um grupo de pesquisadores brasileiros que instalaram um protótipo do PAIS no Pilorinhu. Esse sistema foi implementado em muitas comunidades quilombolas, em terras indígenas e em assentamentos da reforma agrária no Brasil. Foi desenvolvido, inicialmente, pelo engenheiro agrônomo senegalês Aly Ndiaye, que explicava8 8 Há diversas entrevistas e palestras de Aly Ndiaye disponíveis na internet explicando o funcionamento e as concepções do projeto PAIS. Aquela em que ele dá a referida declaração está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pXTFAdXoNjk. ter sido a partir da lembrança de práticas agrícolas vivenciadas ao longo de sua vida no Senegal que desenvolveu essa tecnologia de cultivo, a qual pretende ser um “sistema integrado e autossustentável” de produção de hortaliças orgânicas.

Da forma como foi apresentada na AP a estrutura do PAIS compreende círculos concêntricos de mangueiras de irrigação para plantio de hortaliças e um galinheiro no centro. A proposta é que as galinhas comam os pequenos animais que podem atrapalhar o desenvolvimento das hortaliças e o esterco sirva de adubo para o solo, criando um sistema sintrópico de plantio sem uso de defensivos químicos.

Apesar de não haver condições estruturais para produzir hortaliças em maior escala, os integrantes do Pilorinhu decidiram criar um “protótipo”, que funcionaria como “um laboratório”9 9 Os termos eram utilizados pelos integrantes da AP ao apresentarem o sistema PAIS aos visitantes da horta comunitária. para o projeto. A partir de então, o espaço também passou a ser referido como uma “sala de aula” onde se ensina aquilo que um de seus implementadores denominou de “agrosaberes”, enquanto proposta de ensino de diversas áreas do conhecimento através do cuidado com as plantas. O projeto PAIS foi uma forma de ampliar essas conexões, seja com o continente africano, seja com práticas de cultivo presentes em territórios de resistência no Brasil.

Observando o esforço de manutenção e (re)criação dessas conexões a partir da lente do cuidado, podemos pensar que os integrantes do Pilorinhu colocam em prática formas de cuidado que são sempre naturais-culturais, no sentido que Bellacasa (2017)3 BELLACASA, Maria P. de la. Matters of care: speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017. retoma a partir de Donna Haraway. São relações que não separam essas duas formas de existência, pois não hierarquizam os aspectos físicos como prioritários, subordinados à necessidade urgente da produção, frente a uma dimensão que seria dispensável ou, no mínimo acessória, da cultura.

De forma análoga, a noção de kumida di tera é mobilizada para nomear tipos específicos de plantas cultivadas na horta, como mandioca, feijão, papaia, por serem vegetais cultivados em Cabo Verde, “mas não apenas” – para usar a expressão que Marisol De la Cadena (2018)12 DE LA CADENA, Marisol. Cosmopolítica indígena nos Andes: reflexões conceituais além da “política”.Tabula Rasa, n. 33, p. 273-311, 2020. https://doi.org/10.25058/20112742.n33.10
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aprende a partir das cosmopolíticas indígenas andinas, acerca das formas de compreensão que não se restringem àquilo que é hegemonicamente entendido como natureza. Um mamão papaia que cresce na horta não é apenas uma fruta, é uma fruta e “algo mais”. A kumida di tera é sempre o alimento e “algo mais”; esse algo mais é natural-cultural, arriscamos dizer, pois está implicado na reconexão com as forças que os cuidadores da horta entendem como potencializadoras na resistência às estruturas dominantes de alimentação, herdeiras do colonialismo.

Cuidar de si

A segunda dimensão do cuidado com a horta que gostaríamos de propor corrobora a compreensão da seção anterior, de que a horta é um espaço de reconexões que ultrapassa seus aspectos estritamente materiais. Isso porque a mesma lógica de reativação de forças como cuidado com a horta é compreendida como uma forma de cuidado de si.10 10 Apesar de receber o mesmo nome, aqui a ideia de “cuidado de si” não se refere à ampla análise da história das “técnicas de si” elaborada por Foucault. Contudo, vale destacar que essa ideia está implicada em uma relação entre as pessoas e a coletividade da qual participam que é antagônica ao modelo de subjetivação, característico da sociedade capitalista enquanto “empresário de si”, tal como Foucault (2004) vai desenvolver em O nascimento da biopolítica. Optamos por essa estrutura de nomeação das seções, a fim de ressaltar a relação de indissociabilidade entre elas, enquanto diferentes dimensões de práticas de cuidado. Os integrantes do grupo se referiam à horta como um espaço para “pui kabesa friu” (esfriar a cabeça). A simples atitude de entrar na horta e descalçar os sapatos para sentir os pés na terra era referida por um deles como “terapia”.11 11 Em crioulo cabo-verdiano o termo é um jogo que aglutina as palavras “terra” e “terapia”. Uma experiência que se tornava ainda mais potente quando, além de estar na horta, alguém se dedicava às tarefas de cuidados para mantê-la. Em determinadas situações de aborrecimentos pessoais, algumas pessoas do grupo se voluntariavam para ficar à frente dos cuidados com a horta, com a perspectiva que isso atenuasse seu humor.

Eles mencionavam que os cuidados com a horta implicam uma desaceleração, uma calma, que se contrapunha às pressões da lógica de uma sociedade produtivista. Criar tempo para cuidar da horta significava colocar-se em conexão com os tempos das relações ali agenciadas, que não estão subordinadas às vontades humanas – o tempo das plantas, o tempo das chuvas. Aqui, o cuidar da horta como forma de cuidar de si está baseado em se colocar em relação com os seres e forças que povoam esse espaço, não em uma lógica utilitarista de bem-estar e temporalidade exclusivamente humana (Bellacasa, 20154 BELLACASA, Maria P. de la. Making time for soil: technoscientific futurity and the pace of care. Social Studies of Science, n. 45, p. 691-716, 2015. https://doi.org/10.1177/0306312715599851
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).

Outro aspecto fundamental de aproximação entre o cuidado com a horta e cuidados de si é a compreensão de que os alimentos cultivados na horta podem funcionar como remédio para cura ou prevenção de doenças. Algumas das plantas cultivadas na horta são consideradas como contendo propriedades medicinais e referidas, segundo a expressão utilizada em Cabo Verde, rámedi di tera (remédio da terra), tais como o xalí (o capim-limão no Brasil) e a moringa, ambas utilizadas para preparos de chá consumidos em ocasiões de necessidades de cuidados. Mas, apesar de o uso de plantas para processos de cura em Cabo Verde ser um amplo campo de reflexões que merece estudos mais específicos, no que tange à horta do Pilorinhu, a ideia de cuidados consigo através de vegetais está também relacionada com a compreensão de que uma alimentação saudável é baseada na ingestão prioritária de kumida di tera.

Uma das formas em que essa compreensão aparece é em relação ao tema do vegetarianismo. No contexto do ativismo em Cabo Verde, é comum conhecer pessoas que decidiram parar de comer carne. Para alguns, essa opção era inspirada pela adesão ao rastafarianismo, ou, como no caso de um dos integrantes da AP, que afirmava que mesmo não se vendo como um “rasta propri” (um rasta mesmo), optou por não comer carne, pois considerava que sua ingestão o tornava “mais agressivo”. Contudo, o tema não era um consenso entre os integrantes do grupo. Quando o debate surgia, alguns argumentavam que a questão não estava em deixar de comer carne, mas em qual carne estava sendo ingerida. Para os partidários dessa perspectiva, as carnes importadas, assim como os alimentos de origem vegetal industrializados, é que não fazem bem, enquanto a carne de um animal criado ou um vegetal cultivado segundo modos culturalmente tradicionais em Cabo Verde não são nocivas, mas sim formas de fortalecimento do corpo. Dessa forma, os vegetais cultivados na horta eram tratados por ambos – vegetarianos e carnívoros – como alimentos benéficos à saúde e que representavam a conexão com formas de resistência ao colonialismo.

Contudo, mesmo quando compreendidas como uma forma de cuidado consigo, as relações com a horta nunca são formas de relação que privilegiam o indivíduo. Como observa Bellacasa (2015)4 BELLACASA, Maria P. de la. Making time for soil: technoscientific futurity and the pace of care. Social Studies of Science, n. 45, p. 691-716, 2015. https://doi.org/10.1177/0306312715599851
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acerca da ética do cuidado acionada através de práticas de ecoativismo na permacultura, o cuidado da horta como cuidado de si é necessariamente coletivo, pois está assentado na percepção de interdependência entre humanos, plantas e, no caso da horta do Pilorinhu, forças de resistência à lógica colonial e ao produtivismo contemporâneo. A máxima anteriormente mencionada, que correlaciona o estado da horta ao estado do grupo, opera em uma escala que também conecta o pessoal ao coletivo.

A presença de pessoas com um estado emocional em conflito, ou seja, sem uma relação benéfica de cuidados consigo mesmo, era compreendida como uma potencialmente capaz de afetar os outros elementos, humanos e não humanos, que participam dessa rede de relações. Um caso emblemático, nesse sentido, ocorreu na ocasião em que uma pessoa que havia sido chamada para realizar uma pequena obra no espaço foi mordida pelo cachorro que vivia no Pilorinhu. Apesar do porte de cão de guarda, aquela foi a primeira vez que o cão atacara alguém dentro do espaço e tanto os integrantes do grupo como o próprio rapaz que sofreu a mordida consideraram que o cachorro havia pressentido que ele estava carregando uma “energia negativa” que podia afetar a dinâmica das forças ali presentes.

Essas percepções, que muitas vezes são desqualificadas sob o registro de “crenças” frente a formas legitimadas de “conhecimento”, indicam uma compreensão muito específica de interação entre seres, forças, humanos e não humanos que está presente em cosmologias tradicionais em Cabo Verde (Rocha, 201428 ROCHA, Eufêmia Vicente. Feitiçaria e mobilidade na África Ocidental: uma etnografia da circulação de kórda, méstris e korderus. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, 2014.). É a partir dessa percepção que a ideia do cuidar de si – seja através da interação com o tempo das práticas de cuidado para manutenção da horta, seja através de uma alimentação baseada em kumida di tera – pode ser pensada como uma forma coletiva de cuidado, que se torna ainda mais complexa quando a escala é pensada a partir das relações entre a horta e a comunidade.

Cuidar da comunidade

O aspecto relacional evidenciado pela perspectiva do cuidado, no qual o cuidado pessoal está inextricavelmente vinculado ao cuidado com a terra e com o coletivo, pode ser estendido às relações que se estabelecem a partir da horta do Pilorinhu com a comunidade da AGF. A horta não apenas é frequentada por aqueles que atuam à frente das atividades da AP, mas também é um espaço de convívio onde as pessoas se reúnem para conversar, para contar histórias e, para os jovens, é referida como um lugar de “inspiração” para criação conjunta de músicas e poemas. Essa mesma potencialidade criativa trata da horta como um espaço de aprendizado para ter e dar aulas. Muitas vezes, esses momentos são realizados em conjunto com as crianças de escolas do bairro, que demonstram um imenso prazer de estar naquele local. E não só para as crianças a horta é um espaço de aprendizado, algumas atividades de estudos também ocorrem ali, como uma aula sobre pan-africanismo para os integrantes do grupo, realizada entre as mudas de verduras recém-plantadas.

Outra dimensão do engajamento coletivo entre os integrantes do grupo e a comunidade são os momentos de realização de ações coletivas para cuidados com a horta. Isso ocorreu tanto no processo de instalação do projeto PAIS, quanto na expansão da horta para cultivo de legumes e frutas, mas também em momentos em que a horta estava necessitando de cuidados urgentes, pois as plantas se encontravam em mau estado. As práticas de ações coletivas para realização de tarefas em Cabo Verde são nomeadas pela expressão em crioulo djunta mon, que pode ser literalmente traduzida para o português como “juntar mãos” e que se aproxima daquilo que no Brasil são denominados “mutirões”. No contexto da AP o djunta mon é tomado como um princípio no qual o grupo busca basear ações concretas – como ações para conserto de casas de famílias do bairro, ou atividades de limpeza e preservação dos espaços da comunidade – e compreendido como forma de cuidado coletivo que buscam cultivar.

Desde o início, a horta foi pensada como espaço para a aplicação do princípio de djunta mon na alimentação. Como afirmamos, sempre que possível, os vegetais plantados na horta são oferecidos a algumas famílias do bairro. Porém, ainda que isso nunca possa efetivamente sanar a vulnerabilidade alimentar que afeta especialmente as casas chefiadas por mulheres nesses contextos (Simões et al., 201936 SIMÕES, Elsa B.; FERREIRA, Vladmir A. D. S.; BASCH, Gottlieb. Segurança Alimentar em Cabo Verde: objetivos das políticas públicas e resultados alcançados. Segurança Alimentar e Nutricional, SP, v. 27, p. 01-09, 2019. https://doi.org/10.20396/san.v27i0.8651211.
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), essa prática da partilha é mantida como forma de valorização de tecnologias sociais de cooperação. De maneira semelhante, frequentemente associam a horta à prática de compartilhamento de alimentos existente no bairro, denominada de troka pratu (troca de pratos), que envolve a partilha de refeições entre membros de uma mesma família ou vizinhança. Em diversas ocasiões, os integrantes do grupo mencionavam que a prática de partilha de refeições era fundamental para a manutenção de relações comunitárias, não apenas por uma lógica da necessidade. Assim como lembrou uma vez um dos integrantes da AP, que todas as vezes que algum colega lhe batia, sua mãe o obrigava a levar um prato de comida na casa dele.

A troca de refeições como forma de manutenção de relações comunitárias está também emaranhada na noção de kumida di tera. Os pratos que são designados com essa qualificação como, a cacthupa, a masa de milho, o caldo de farinha de milho com louro, o arroz com sapatinha, são as comidas que usualmente são servidas nas tarefas de ação coletiva. Em cada situação de djunta mon, espera-se poder oferecer uma farta refeição de kumida di tera.

Contudo, a conexão entre os cuidados com a horta, os cuidados de si e com a comunidade não devem ser compreendidos como uma obrigação moral. Não se trata da coerção baseada em valores externos prescritos como a maneira correta de se relacionar com as plantas, com a alimentação e mesmo com a partilha de alimentos. Como salienta Bellacasa (2015)4 BELLACASA, Maria P. de la. Making time for soil: technoscientific futurity and the pace of care. Social Studies of Science, n. 45, p. 691-716, 2015. https://doi.org/10.1177/0306312715599851
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acerca das relações de cultivo nas quais os cuidados com a terra são compreendidos como inseparáveis do cuidado pessoal e do cuidado coletivo, “a interdependência ecológica não é um princípio moral, mas uma restrição material vivida – exigida e obrigatória” (p. 160). Tais relações de cuidado são, portanto, consequência de uma compreensão sobre cultivo e alimentação assentada na interdependência mútua entre natureza, pessoas, coletividades e as forças que às compõem.

Conclusão: Kumida di tera uma perspectiva contra-colonial das relações alimentares

Como mencionamos, na introdução deste artigo, a qualificação di tera foi implementada em Cabo Verde para distinguir pessoas nascidas e alimentos produzidos no arquipélago. Essa designação também era empregada em outros contextos coloniais, como o uso do termo “da terra” no Brasil, para se referir às espécies e alimentos nativos. Portanto, de uma perspectiva colonial, aquilo que é “da terra” remete à origem e demarca uma oposição àquilo que vem “do reino”, ou foi trazido pelos colonizadores. Essa perspectiva de contar a história dos deslocamentos de espécies, pessoas e conhecimentos é uma forma de apagar o protagonismo dos povos africanos na inserção, preservação e criação de técnicas de cultivo e preparo de alimentos (Carney, 201710 CARNEY, Judith. O arroz africano na História do Novo Mundo. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, v. 6, n. 2, p. 182-197, 2017. https://doi.org/10.21664/2238-8869.2017v6i2.p182-197
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).

Os colonizadores foram de fato responsáveis por “adestrar” as plantas para seus interesses comerciais, adaptando-as às condições distintas do ambiente de quais foram retiradas. Porém, foram as pessoas escravizadas que, através de seus conhecimentos sobre agricultura e usos das espécies, criaram novos sistemas de cultivo e preparos de alimentos. Esses sistemas, muito além de atender aos objetivos comerciais, permitiram a garantia de sua alimentação, não apenas como forma de subsistência, mas também buscando manter seus hábitos alimentares e suas formas próprias de interação com a terra, a água, o clima e as espécies animais e vegetais.

A partir das reflexões que apresentamos, pretendemos contribuir com elementos para desestabilizar a história da alimentação em Cabo Verde contada desde o ponto de vista colonial, bem como para complexificar as chaves de leitura centradas nas limitações ambientais ou na prescrição da modernização da agricultura. Nossa proposta foi refletir a partir do âmbito político, mas da política engendrada através de práticas de cuidado com cultivo e alimentação na horta comunitária da AP, uma vez que mobiliza elementos materiais e imateriais que guardam as forças de resistência ao colonialismo.

A teia de relações de cuidado engendradas na horta da AP nos inspirou a refletir sobre a noção de kumida di tera como uma teoria etnográfica que se contrapõe às compreensões produtivistas e hegemônicas de alimentação. É nesse sentido que pensamos kumida de tera como uma perspectiva contracolonial, no sentido elaborado pelo líder quilombola brasileiro Antônio Bispo dos Santos (2015)6 BISPO DOS SANTOS, Antônio. Colonização, quilombos: modos e significações. Brasília: INCTI, 2015., que enfatiza o antagonismo entre as forças dominantes que atravessam toda história do empreendimento colonial e as forças de resistência a esses processos. Pois é justamente a possibilidade de conexão com essas forças contracoloniais que faz da kumida di tera “algo mais” que comida. Nesse sentido, a noção de kumida di tera vai ao encontro das teorias que evidenciam que a alimentação não está restrita aos aspectos nutricionais (Scrinis, 201331 SCRINIS, Gyorgy. Nutritionism: the science and politics of dietary advice. Nova York: Columbia University Press, 2013.; Mol, 201225 MOL, Annemarie. Mind your plate! The ontonorms of Dutch dieting. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 379-396, 2012.). No contexto específico de Cabo Verde, ela estabelece conexões com a memória de resistência ao colonialismo e às lógicas alimentares dominantes da contemporaneidade – que do ponto de vista histórico e etnográfico aqui abordado, possuem uma íntima relação.

Ao evocarmos a noção de kumida di tera a partir das práticas de cuidado com a horta do Pilorinhu, pretendemos demonstrar que a expressão não está restrita a uma forma de qualificar determinados tipos de comida. Também, não quisemos aqui reafirmar uma lógica identitária das origens dos alimentos. Menos ainda quisemos nos aproximar dos usos da noção para estratégias de marketing na indústria alimentar. Pretendemos, assim, pensar kumida di tera como um conhecimento sobre alimentação implicada na compreensão de uma rede de relações de cuidado interdependentes entre pessoas, solos, plantas, corpos, forças que resistiram e resistem, por séculos, ao apagamento, ou negligência, dessas conexões.

  • 1
    No original “those doings needed to create, hold together and sustain life’s essential heterogeneity” (tradução nossa).
  • 2
    A referência aqui é o projeto iniciado pelo naturalista português Domingos Vandelli, A História Natural das Colônias, que, na transição dos séculos XVIII e XIX, mobilizou uma ampla rede de naturalistas e outros cientistas, a fim de classificar, pesquisar e catalogar as espécies encontradas nos territórios colonizados por Portugal (Pataca, 201626 PATACA, Ermelinda. Coleta, transporte e aclimatação de plantas no império luso-brasileiro (1777-1822). Museologia & Interdisciplinaridade, v. 9, n. 5, p. 88-108, 2016. https://doi.org/10.26512/museologia.v5i9.17247
    https://doi.org/10.26512/museologia.v5i9...
    ).
  • 3
    Aguardente cabo-verdiana.
  • 4
    Pano da terra.
  • 5
    O Desastre da Assistência aconteceu a 20 de fevereiro de 1949 quando a parede dos Serviços Cabo-verdianos da Assistência ruiu, matando 232 pessoas, sobretudo mulheres e crianças que aguardavam pela distribuição de refeições quentes.
  • 6
    A estimativa é de que entre 1903 e 1948, tenham morrido 82.523 pessoas por fome em Cabo Verde (Carreira, 198411 CARREIRA, António. Cabo Verde: aspectos sociais, secas e fomes do século XX. Lisboa: Ulmeiro, 1984.).
  • 7
    Comunidade formada em meados de 1930 por um grupo de famílias insatisfeitas com as imposições coloniais na igreja católica e que decidiram se isolar nas montanhas do interior de Santiago.
  • 8
    Há diversas entrevistas e palestras de Aly Ndiaye disponíveis na internet explicando o funcionamento e as concepções do projeto PAIS. Aquela em que ele dá a referida declaração está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pXTFAdXoNjk.
  • 9
    Os termos eram utilizados pelos integrantes da AP ao apresentarem o sistema PAIS aos visitantes da horta comunitária.
  • 10
    Apesar de receber o mesmo nome, aqui a ideia de “cuidado de si” não se refere à ampla análise da história das “técnicas de si” elaborada por Foucault. Contudo, vale destacar que essa ideia está implicada em uma relação entre as pessoas e a coletividade da qual participam que é antagônica ao modelo de subjetivação, característico da sociedade capitalista enquanto “empresário de si”, tal como Foucault (2004)16 FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2004. vai desenvolver em O nascimento da biopolítica. Optamos por essa estrutura de nomeação das seções, a fim de ressaltar a relação de indissociabilidade entre elas, enquanto diferentes dimensões de práticas de cuidado.
  • 11
    Em crioulo cabo-verdiano o termo é um jogo que aglutina as palavras “terra” e “terapia”.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2021
  • Aceito
    29 Jan 2022
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