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Mobilidades e etnicidade nos territórios da costura

Mobilities and ethnicity in Latin American sewing territories

Resumo

Neste artigo, abordamos a inserção boliviana no trabalho de confecção de roupas nas cidades de São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina) por meio de uma análise das redes sociais que permitem a inserção e circulação dos migrantes nessa atividade. À luz dos debates da sociologia urbana sobre as economias migrantes, indagamos se essa atividade constitui economias étnicas ou territórios circulatórios. A partir de observação participante multissituada e 50 entrevistas semiestruturadas com os trabalhadores migrantes, formulamos a hipótese de que se trata de uma formação híbrida, com forte componente étnico associado a uma intensa circulação de trabalhadores em espaços multiétnicos. Argumentamos que esse hibridismo se deve à coexistência de dois tipos de redes sociais de contratação, com lógicas diferenciadas: uma, desde os locais de origem dos migrantes, na Bolívia e, outra, nas cidades de destino da migração. Circunstâncias que permitem entrever a emergência de novos cosmopolitismos nesses territórios da costura. No entanto, esses novos cosmopolitismos associam-se de maneira ambivalente com os apelos da etnicidade, delineando um novo campo de embates políticos, interno à comunidade boliviana, em torno de seus pertencimentos identitários nas cidades de destino.

Palavras-chave
indústria de confecção; migrações internacionais; diáspora boliviana; economias étnicas; territórios circulatórios

Abstract

In this article, we address the Bolivian work in the clothing industry in the cities of São Paulo (Brazil) and Buenos Aires (Argentina) through an analysis of the social networks that allow the entry and circulation of migrants in this activity. In the light of urban sociology debate on immigrant economies, we wonder whether these activities produce ethnic economies or circulatory territories. Based on multi-site participant observation and 50 interviews with Bolivian workers, we propose the hypothesis of a hybrid economy, with a strong ethnic component associated to high mobility of workers in multiethnic contexts. We argue that this hybridity is due to the formation of two contracting network types with different logics of operation: one, from the migrant’s place of origin in Bolivia and, the other, in the migrant’s destination cities. Circumstances that allow us to see the emergence of new cosmopolitanisms in these sewing territories. However, these new cosmopolitanisms are ambivalently associated with the appeals of ethnicity, outlining a new field of political clashes, internal to the Bolivian community, around their identity belonging in the destination cities.

Keywords
clothing industry; international migrations; Bolivian diaspora; ethnic economies; circulatory territories

Introdução

Ao longo de cerca de quatro décadas, desde meados dos anos 1980, bolivianos e bolivianas têm migrado dos mais diversos locais de origem na Bolívia para as regiões metropolitanas de São Paulo, no Brasil, e Buenos Aires, na Argentina, direcionando-se para o trabalho e a moradia em oficinas de costura. Essas oficinas não são as mesmas que recebem as costureiras brasileiras e argentinas em seus respectivos países. Trata-se de oficinas de migrantes, em sua maioria formadas por compatriotas ou por migrantes de outras nacionalidades. Improvisadas nos espaços internos de casas e apartamentos, multiplicam-se por entre as áreas centrais e periféricas das cidades e regiões metropolitanas de destino. Nos espaços exíguos e multifuncionais dessas oficinas, vive-se sob condições precárias de segurança e higiene. Circunstâncias que submetem os migrantes ao risco constante de incêndio e de proliferação de doenças tais como a tuberculose.

No debate público, tanto no Brasil quanto na Argentina, essas oficinas vêm sendo sistematicamente denunciadas ao longo das últimas décadas. Adicionalmente às condições precárias de instalação e a associação entre local de trabalho e de moradia, destaca-se os intensos regimes de trabalho, com jornadas diárias de 12 horas ou mais, e o recebimento de remunerações inferiores às praticadas no mercado. Situações que, em seu conjunto, são caracterizadas como análogas à escravidão. No debate acadêmico, paralelamente às questões relativas à caracterização do vínculo laboral e das situações de exploração (Leite et al., 2017LEITE, Marcia de P.; SILVA, Sandra R. A.; GUIMARÃES, Pilar C. O trabalho na confecção em São Paulo: as novas formas da precariedade. Caderno CRH, v. 30, n. 79, p.51-68, 2017. https://doi.org/10.1590/S0103-49792017000100004
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; Bastia; McGrath, 2011BASTIA, Tanja; McGRATH, Siobhan. Temporality, migration and unfree labour: migrant garment workers. Manchester Papers in Political Economy, n. 6, p. 1-38, 2011.; Benencia, 2009BENENCIA, Roberto. El infierno del trabajo esclavo: la contracara de las “exitosas” economías étnicas. Avá, n. 15, p. 43-72, 2009.; Cacciamali; Azevedo, 2006CACCIAMALI, Maria Cristina; AZEVEDO, Flávio A. Entre o tráfico humano e a opção da mobilidade social: os imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo. Cadernos Prolam/USP, v. 1, p. 129-143, 2006. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1676-6288.prolam.2006.81803
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), adquire centralidade, de maneira direta ou indireta, a questão do papel da etnicidade como variável explicativa (Arcos; Montero, 2011ARCOS, María A.; MONTERO, Camila. Detrás de la industria de la moda: un estudio sobre talleres clandestinos. Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos (Rebela), v. 2, n.1, p. 201-220, 2011.; Freitas, 2011FREITAS, Patrícia T. Imigração boliviana para São Paulo e setor de confecção – em busca de um paradigma analítico alternativo. Informe GEPEC, n.15, p. 222-240, 2011. https://doi.org/10.48075/igepec.v15i3.6280
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, 2012FREITAS, Patrícia T. Entreprise ethnique, territorialités et filière migratoire: les migrants boliviens dans l'industrie du vêtement à São Paulo. e-Migrinter : Revue életronique, n. 8, p. 109- 111, 2012. https://doi.org/10.4000/e-migrinter.611
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, 2014FREITAS, Patrícia T. Família e Inserção laboral de jovens migrantes na indústria de confecção. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana (REMHU), n. 22, p. 231-246, 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-85852014000100014
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; Buechler, 2004BUECHLER, Simone. Sweating it in the Brazilian garment industry: Korean and Bolivian immigrants and global economic forces in São Paulo. Latin American Perspectives, v. 31, n. 3, p. 99-119, 2004. https://doi.org/10.1177/0094582X04264491
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; Côrtes, 2013CÔRTES, Tiago R. Os migrantes da costura em São Paulo: retalhos de trabalho, cidade e Estado. 2013. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. https://doi.org/10.11606/D.8.2013.tde-03022014-112419
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; Côrtes; Freire da Silva, 2014CÔRTES, Tiago R.; FREIRE DA SILVA, Carlos. Migrantes da costura em São Paulo: paraguaios, bolivianos e brasileiros na indústria de confecção. Travessia: Revista do Migrante, n. 74, p. 37-58, 2014.; Cymbalista; Xavier, 2007CYMBALISTA, Renato; XAVIER, Iara. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Cadernos Metrópole, n. 17, p. 119-133, 2007. ; Miranda, 2017MIRANDA, Bruno. “Uno ya sabe a lo que viene”: la movilidad laboral de migrantes andino-bolivianos entre talleres de costura de São Paulo explicada a la luz de la producción del consentimiento. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana (REMHU), v. 25, n. 49, p. 197-213, 2017. https://doi.org/10.1590/1980-85852503880004911
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; Rizek et al., 2010RIZEK, Cibele S.; GEORGES, Isabel; FREIRE DA SILVA, Carlos. Trabalho e imigração: uma comparação Brasil-Argentina. Lua Nova, n. 79, p.111-142, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-64452010000100006
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; Schwartzberg, 2017SCHWARTZBERG, Ismael Eduardo A. Lógicas Ch’ixi de la migración boliviana en São Paulo. 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos Culturais) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. https://doi.org/10.11606/D.100.2017.tde-01122017-112615
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; Silva, 1997SILVA, Sidney A. Costurando sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997.; Souchaud, 2012SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo. In: BAENINGER, R. (org.). Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Nepo; Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa, 2012. p. 75-92. ; Xavier, 2010XAVIER, Iara R. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Demografia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/279459
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).

Conforme questionam Souchaud (2012)SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo. In: BAENINGER, R. (org.). Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Nepo; Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa, 2012. p. 75-92. e Côrtes e Freire da Silva (2014)CÔRTES, Tiago R.; FREIRE DA SILVA, Carlos. Migrantes da costura em São Paulo: paraguaios, bolivianos e brasileiros na indústria de confecção. Travessia: Revista do Migrante, n. 74, p. 37-58, 2014.: as formas de inserção e as dinâmicas de exploração dos migrantes na costura seriam consequência das especificidades culturais ou nacionais dos bolivianos, ou responderiam às necessidades do mercado de trabalho das sociedades de destino e às dinâmicas globais da indústria de confecção? Em diálogo com a literatura internacional sobre as transformações contemporâneas no mundo do trabalho, os autores argumentam em prol da segunda alternativa, descartando, como variável explicativa, o papel da etnicidade e das dinâmicas socioespaciais experienciadas pelos migrantes em seus locais de origem na Bolívia.

Partindo de uma definição menos culturalista de etnicidade, como uma ideologia de solidariedade (Light; Gold, 2000LIGHT, Ivan; GOLD, Steven. Ethnic economies. São Diego: Academic Press, 2000.),1 1 “A etnicidade é um poderoso determinante da cooperação e da solidariedade, porque é vista como biológica em suas origens, é refletida na estratificação social, molda numerosos elementos da vida social, é geralmente institucionalizada (em práticas religiosas, na linguagem, na nacionalidade, na localização residencial, nos mitos e nas políticas governamentais) e frequentemente constitui a base da identidade pessoal (...) a etnicidade é em si mesma uma ideologia da solidariedade” (Light; Gold, 2000, p. 108, tradução da autora). propomos uma perspectiva analítica alternativa em diálogo com os estudos que passaram a focalizar as dinâmicas socioespaciais e laborais presentes na experiência dos migrantes desde os seus locais de origem na Bolívia (Freitas, 2011FREITAS, Patrícia T. Imigração boliviana para São Paulo e setor de confecção – em busca de um paradigma analítico alternativo. Informe GEPEC, n.15, p. 222-240, 2011. https://doi.org/10.48075/igepec.v15i3.6280
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, 2012, 2014; Cymbalista; Xavier, 2007CYMBALISTA, Renato; XAVIER, Iara. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Cadernos Metrópole, n. 17, p. 119-133, 2007. ; Miranda, 2017MIRANDA, Bruno. “Uno ya sabe a lo que viene”: la movilidad laboral de migrantes andino-bolivianos entre talleres de costura de São Paulo explicada a la luz de la producción del consentimiento. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana (REMHU), v. 25, n. 49, p. 197-213, 2017. https://doi.org/10.1590/1980-85852503880004911
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; Schwartzberg, 2017SCHWARTZBERG, Ismael Eduardo A. Lógicas Ch’ixi de la migración boliviana en São Paulo. 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos Culturais) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. https://doi.org/10.11606/D.100.2017.tde-01122017-112615
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; Xavier, 2010XAVIER, Iara R. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Demografia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/279459
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). Essa perspectiva não invalida a centralidade dos processos econômicos macroestruturais em curso no mundo do trabalho, em especial na indústria de confecção, mas possibilita um olhar mais matizado para esse tipo de experiência migratória associada ao trabalho em determinados nichos econômicos.

Nesse sentido, argumentamos que a compreensão das formas como a solidariedade étnica é mobilizada na reprodução dessas atividades econômicas é central para a compreensão da resiliência desse fenômeno, ao longo de décadas, a despeito de todas as denúncias e tentativas de deter sua reprodução por parte dos governos nacionais e de organizações da sociedade civil. Para contribuir nesse sentido, propomos focalizar as redes sociais que ancoram suas práticas de mobilidade, ou seja, as redes de contratação para o trabalho nas oficinas de costura, em diálogo com o debate proposto pela sociologia urbana francesa relativo às mobilidades e aos dispositivos econômicos dos migrantes (Allis et al., 2018ALLIS, Thiago; FREIRE-MEDEIROS, Bianca; TELLES, Vera. Por uma teoria social on the move. Tempo Social, v. 30, n. 2, p. 1-16, 2018. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.142654
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; Cortes; Faret, 2009CORTES, Geneviève; FARET, Laurent (org.). Les circulations transnationales: lire les turbulences migratoires contemporaines. Paris: Armand Colin, 2009.; Dureau; Hilly, 2009DUREAU, François; HILY, Marie Antoniette (org.). Les mondes de la mobilité. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2009.; Ma Mung, 1996MA MUNG, Emmanuel. Entreprise économique et appartenance ethnique. Revue Européenne des Migrations Internationales, v. 12, n. 2, p. 211-233, 1996. https://doi.org/10.3406/remi.1996.1073
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; Tarrius, 1993TARRIUS, Alain. Territoires circulatoires et espaces urbains: différentiations des groupes migrants. Les Annales de la Recherche Urbaine, n. 59-60, p. 51-60, 1993. https://doi.org/10.3406/aru.1993.1727
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, 2002TARRIUS, Alain. La mondialisation par le bas: les nouveaux nomades de l’économie souterraine. Paris: Éditions Balland, 2002., 2005TARRIUS, Alain. Le lien social fort comme préalable à la réussite économique. Initiatives des migrants entrepreneurs des économies souterraines internationales: parcours, étapes, transactions commerciales. In: MULLER, L.; TAPIA, S. (org.). Un dynamisme venu d’ailleurs: la création d’entreprises par les immigrés. Paris: L’Harmattan, 2005. p. 21 – 51.).

Partimos, especificamente, de uma caracterização da inserção reiterada de bolivianos e bolivianas nas oficinas migrantes em São Paulo e Buenos Aires, como território circulatório (Tarrius, 1993TARRIUS, Alain. Territoires circulatoires et espaces urbains: différentiations des groupes migrants. Les Annales de la Recherche Urbaine, n. 59-60, p. 51-60, 1993. https://doi.org/10.3406/aru.1993.1727
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, 2002, 2005; Freitas, 2011FREITAS, Patrícia T. Imigração boliviana para São Paulo e setor de confecção – em busca de um paradigma analítico alternativo. Informe GEPEC, n.15, p. 222-240, 2011. https://doi.org/10.48075/igepec.v15i3.6280
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, 2012), formando, portanto, o que passamos a denominar de territórios da costura. Neste artigo, indagamos: qual a natureza dos vínculos que movimentam as redes que compõem esses territórios? Tratar-se-iam de vínculos fortes associados às relações familiares e de amizade tecidas nas sociedades de origem e que perfazem as economias étnicas nas sociedades de destino, ou de vínculos fracos estabelecidos entre conhecidos ou a partir de meios mais impessoais e que perfazem as economias circulatórias?2 2 A problematização dos vínculos sociais que sustentam e movimentam as redes sociais e a centralidade dos vínculos fracos para os processos de difusão de informações foi inicialmente tematizada, no âmbito da sociologia econômica, por Granovetter (1973). No debate contemporâneo proposto pelos autores da sociologia urbana francesa supracitados, essa questão é retomada no âmbito do debate sobre as economias étnicas, conforme veremos na próxima seção.

A pesquisa empírica aponta para a hipótese de emergência de uma forma híbrida de economia migrante, ancorada na coexistência de dois tipos de redes de contratação: i) as redes que se estabelecem nos locais de origem, caracterizadas pela centralidade da identidade étnica associada ao vínculo familiar e, ii) as redes nas cidades de destino, em que as relações de camaradagem adquirem centralidade e nas quais o componente étnico associado ao vínculo familiar vai sofrendo deslocamentos sucessivos, podendo se dissipar em solidariedades baseadas em outros tipos de identificação. A coexistência dessas duas redes de contratação compõe cenários em que etnicidade e cosmopolitismo se encontram e se articulam de maneiras diversas nas experiências desses trabalhadores migrantes nos territórios da costura.

Para desenvolver este argumento, o artigo está dividido em três seções. Na primeira seção, apresentamos a especificidade do trabalho migrante na indústria de confecção e o debate teórico sobre as economias urbanas das comunidades de migrantes. Na segunda seção, apresentamos a pesquisa empírica tendo em vista abordar as especificidades dos dois tipos de redes de contratação identificados. Por fim, na última seção, são tecidas algumas considerações sobre os reflexos dessa composição híbrida das redes sociais que sustentam os territórios da costura nas dinâmicas identitárias experienciadas pelos migrantes, a partir da exposição das proposições de um coletivo de jovens costureiros bolivianos em defesa de uma identidade ch’ixi.

As economias migrantes na indústria de confecção em tempos de globalização

A presença de migrantes internacionais na indústria de confecção dos grandes centros urbanos da Europa e da América não é recente. Desde os seus primórdios, durante o século XIX e primeira metade do XX, o desenvolvimento dessa indústria em cidades como Paris (França), Nova Iorque (Estados Unidos), São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina) se confunde com a história de recepção dos migrantes internacionais. Nessas cidades, formaram-se, ao longo do tempo, os denominados distritos da costura, caracterizados por concentrar uma série de negócios ou estruturas direta ou indiretamente associados à atividade da confecção e da comercialização de roupas. Nesses distritos, em sua maioria multiétnicos, foram se estabelecendo as primeiras gerações das principais comunidades de migrantes que se dirigiram para esses centros urbanos ao longo do tempo (Green, 1998GREEN, Nancy. Du sentier à la 7e avenue: la confection et les immigrés, Paris-New York (1880-1980). Paris: Éditions du Seuil, 1998.; Truzzi, 2001TRUZZI, Oswaldo. Etnias em convívio: o bairro do Bom Retiro em São Paulo. Estudos Históricos, n. 27, p.143-166, 2001.; Mera, 2012MERA, Carolina. Los migrantes coreanos en la industria textil de la ciudad de Buenos Aires. Inserción económica e identidades urbanas. Révue Européenne des Migrations Internationales, v. 28, n. 4, p. 67-87, 2012. https://doi.org/10.4000/remi.6221
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).

Baixos custo inicial e necessidades tecnológicas para o estabelecimento das oficinas de costura e a possibilidade de montagem dessas em espaços relativamente reduzidos tornam essa atividade bastante atraente para as primeiras gerações de migrantes. Paralelamente, os arranjos flexíveis logrados pelos migrantes nessa atividade vão ao encontro de uma demanda bastante volátil em termos quantitativos e qualitativos, principalmente, na indústria da moda (Green, 1998GREEN, Nancy. Du sentier à la 7e avenue: la confection et les immigrés, Paris-New York (1880-1980). Paris: Éditions du Seuil, 1998.). No debate realizado pela sociologia urbana sobre as economias étnicas, embora as economias de bazar adquiram proeminência, a experiência de migrantes na indústria de confecção constituiu, desde os anos 1980, um de seus referenciais empíricos importantes, principalmente no contexto norte-americano (Waldinger, 1986WALDINGER, Roger. Trough the eye of the needle: immigrant and enterprise in New York garment’s trade. Nova York: New York University Press, 1986.; Bailey; Waldinger, 1991BAILEY, Thomas; WALDINGER, Roger. Primary, secondary and enclave labor markets: a training systems approach. American Sociological Review, v. 4, n. 56, p. 432-445, 1991. https://doi.org/10.2307/2096266
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; Bonacich, 1973BONACICH, Edna. A theory of middleman minorities. American Sociological Review, v. 38, n. 5, p. 583-594, 1973. http://dx.doi.org/10.2307/2094409
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, 1993BONACICH, Edna. The other side of ethnic entrepreneurship: a dialogue with Waldinger, Aldrich Ward and associates. International Migration Review, v. 27, n. 3, p. 685-692, 1993. https://doi.org/10.1177/019791839302700324
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; Light; Gold, 2000LIGHT, Ivan; GOLD, Steven. Ethnic economies. São Diego: Academic Press, 2000.; Zhou, 2004ZHOU, Min. Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, v. 38, n. 3, p. 1040-1074, 2004. https://doi.org/10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x
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). Nesses estudos norte-americanos, adquirem centralidade duas formas principais de abordagem das economias migrantes: os enclaves étnicos, por um lado, e as minorias intermediárias, por outro (Zhou, 2004ZHOU, Min. Revisiting ethnic entrepreneurship: convergencies, controversies, and conceptual advancements. International Migration Review, v. 38, n. 3, p. 1040-1074, 2004. https://doi.org/10.1111/j.1747-7379.2004.tb00228.x
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).

A abordagem dos enclaves étnicos propõe a formação de um terceiro tipo de mercado de trabalho que articula as características dos mercados primário e secundário (Bailey; Waldinger, 1991BAILEY, Thomas; WALDINGER, Roger. Primary, secondary and enclave labor markets: a training systems approach. American Sociological Review, v. 4, n. 56, p. 432-445, 1991. https://doi.org/10.2307/2096266
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).3 3 O conceito de enclave étnico nessa definição refere-se a um debate em voga durante os anos 1970, nos Estados Unidos, sobre o desenvolvimento, nos grandes centros urbanos, de uma economia dual, com dois tipos de mercados de trabalho urbano: um setor primário, relativo ao trabalho qualificado e bem remunerado e, um setor secundário, relativo às atividades de baixa qualificação e baixa remuneração. Nesse sentido, os autores argumentam que, apesar de se formarem em ramos de atividades próprios do setor secundário, como é o caso da indústria de confecção, os enclaves étnicos podem apresentar dinâmicas virtuosas (com benefícios mútuos para patrões e empregados) típicas do setor primário. Esse “efeito enclave” é produzido pela associação entre as solidariedades étnicas dos migrantes e a sua capacidade de estabelecimento de uma integração (horizontal e/ou vertical) das atividades econômicas. Circunstâncias capazes de conferir expressiva autonomia competitiva aos seus negócios, gerando diferenciações importantes entre a experiência do trabalhador comum e a do trabalhador imigrante do enclave.

Em nosso próprio estudo de caso sobre as redes de contratação e o trabalho nas oficinas de costura bolivianas, independentemente de sua classificação como uma economia de enclave, é possível distinguir com bastante facilidade as singularidades da experiência dos trabalhadores migrantes relativamente às costureiras brasileiras e argentinas que trabalham por conta própria. No entanto, segue controversa a questão dos benefícios dessa forma de organização da atividade econômica para os trabalhadores migrantes. Nesse sentido, destaca-se a crítica contundente de Bonacich a partir de seu conceito de minorias intermediárias (midleman minorities) (Bonacich, 1973BONACICH, Edna. A theory of middleman minorities. American Sociological Review, v. 38, n. 5, p. 583-594, 1973. http://dx.doi.org/10.2307/2094409
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, 1993). Essas minorias intermediárias referem-se mais diretamente aos donos ou responsáveis pelos negócios étnicos que se encontram em uma posição intermediária entre os trabalhadores migrantes e a sociedade local, ou seja, os pequenos empresários imigrantes como, por exemplo, os responsáveis pelas oficinas de costura (oficinistas), o dono de um pequeno comércio ou restaurante etc.

O típico negócio das minorias intermediárias é uma loja familiar baseando-se fortemente no uso de trabalho familiar não pago. E, se a contratação é necessária, os membros da família estendida ou de suas regiões de origem são preferidos e são tratados como parentes, às vezes, vivendo junto com a família atrás da loja. Os trabalhadores trabalham excessivamente por longas horas e são leais aos seus empregadores. Em troca, eles são suscetíveis a se transformar em sócios ou receberem ajuda ou treinamento para montarem os seus próprios negócios. As firmas dos intermediários são baseadas em trabalho intensivo, mas com a possibilidade de cortarem os custos drasticamente por meio de um paternalismo baseado na etnicidade e na poupança

(Bonacich, 1973BONACICH, Edna. A theory of middleman minorities. American Sociological Review, v. 38, n. 5, p. 583-594, 1973. http://dx.doi.org/10.2307/2094409
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, p. 586, tradução da autora).

De maneira geral, em ambas as perspectivas sobre os empreendimentos econômicos dos migrantes (seja como enclaves, seja como minorias intermediárias), os autores propõem explicações funcionalistas baseadas na consideração de três variáveis explicativas principais, cujos pesos e articulações variam dependendo do modelo analítico: as estruturas de oportunidades presentes nas sociedades de destino, as características dos coletivos de migrantes envolvidos e as estratégias étnicas mobilizadas. No entanto, enquanto, no caso dos enclaves étnicos, considera-se os efeitos virtuosos das estratégias étnicas, no caso das minorias intermediárias, destaca-se os efeitos perversos dos arranjos étnicos ou pluriétnicos que acabam ofuscando as relações de classe entre os donos dos empreendimentos econômicos e os migrantes contratados.

No debate contemporâneo da sociologia urbana francesa, assistimos a emergência de uma abordagem alternativa das economias migrantes, baseada em uma perspectiva fenomenológica e interacionista do mundo social (Ma Mung, 2009MA MUNG, Emmanuel. Le point de vue de l’autonomie dans l’étude des migrations internationales : penser de l’intérieur les phénomènes de mobilité. In: DUREAU, F.; HILY, M. A. (org.). Les mondes de la mobilité. Rennes: Presses Universitaire de Rennes, 2009. p. 25-38., 1996MA MUNG, Emmanuel. Entreprise économique et appartenance ethnique. Revue Européenne des Migrations Internationales, v. 12, n. 2, p. 211-233, 1996. https://doi.org/10.3406/remi.1996.1073
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; Morokvasic-Muller, 1999MOROKVASIC-MULLER, Mirjana. La mobilité transnationale comme ressource : le cas des migrants de l’Europe de l’Est. Cultures & Conflits, n. 33-34, p. 1-13, 1999. https://doi.org/10.4000/conflits.263
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; Tarrius, 1993TARRIUS, Alain. Territoires circulatoires et espaces urbains: différentiations des groupes migrants. Les Annales de la Recherche Urbaine, n. 59-60, p. 51-60, 1993. https://doi.org/10.3406/aru.1993.1727
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, 2002TARRIUS, Alain. La mondialisation par le bas: les nouveaux nomades de l’économie souterraine. Paris: Éditions Balland, 2002., 2005TARRIUS, Alain. Le lien social fort comme préalable à la réussite économique. Initiatives des migrants entrepreneurs des économies souterraines internationales: parcours, étapes, transactions commerciales. In: MULLER, L.; TAPIA, S. (org.). Un dynamisme venu d’ailleurs: la création d’entreprises par les immigrés. Paris: L’Harmattan, 2005. p. 21 – 51.). Ao invés de buscar as funções das solidariedades étnicas para as atividades econômicas dos migrantes nas sociedades de destino, os autores partem das perspectivas e criações dos próprios migrantes – o ponto de vista da autonomia, conforme propõe Ma Mung (2009)MA MUNG, Emmanuel. Le point de vue de l’autonomie dans l’étude des migrations internationales : penser de l’intérieur les phénomènes de mobilité. In: DUREAU, F.; HILY, M. A. (org.). Les mondes de la mobilité. Rennes: Presses Universitaire de Rennes, 2009. p. 25-38.. Nessa abordagem, as oportunidades, as estratégias e as identidades dos coletivos de migrantes não são dados de antemão, mas são tecidos a partir dos diálogos e negociações entre os próprios migrantes e os vários outros com os quais passam a conviver ao longo de suas trajetórias migratórias. Dessa forma, os negócios étnicos encontram-se intimamente associados à experiência migratória dos coletivos de migrantes. Fazem parte de sua criação migratória nas sociedades de destino e entre origens e destinos. Nessa abordagem, as identidades, em especial as identidades étnicas assumidas pelos migrantes, não são dadas de antemão, mas refletem uma construção social em constante recomposição pelos sujeitos em suas interações sociais à medida que se põem em movimento.4 4 A centralidade da dimensão identitária na análise dessas construções sociais tem como referência os estudos culturais (Hall, 2011; Silva, 2014). Paralelamente, destaque-se que os contextos migratórios constituem circunstâncias bastante propícias para a própria construção de identidades étnicas. É justamente a partir do contato com aquele que se percebe como outro que surge a necessidade de uma delimitação mais clara do que somos nessa relação. Alguns entrevistados relataram, por exemplo, que, enquanto na Bolívia, se percebiam primordialmente como “cholos” ou provenientes de um departamento específico do país (pacenõs, cochabambinos etc.); foi na migração que passaram a se reconhecer como “bolivianos”. Circunstâncias semelhantes àquelas amplamente debatidas pela historiografia acerca da migração italiana para o Brasil do final do século XIX (Fausto, 1991). Provenientes de um estado nacional ainda em processo de unificação, a identidade italiana torna-se uma construção do processo migratório.

Essas criações migratórias, quando reiteradas em dinâmicas circulares entre duas ou mais localidades não contíguas, podem assumir a forma de territórios circulatórios, tal como propõe o sociólogo Alain Tarrius. Diferentemente das definições clássicas de território, que pressupõem controle exclusivo de espaços delimitados, os territórios circulatórios propostos por Tarrius são o produto de processos de autoprodução social ou, ainda, dos fatos de mobilidade de coletivos minoritários. Trata-se, portanto, de territórios alternativos, sobrepostos aos territórios do planejamento urbano, local e nacional, com dinâmicas e formas de funcionamento próprias, estranhas à legislação e aos regulamentos estatais, e que passam a articular, de maneiras imprevistas, o lá e o cá dos coletivos que se põem em movimento. O conceito de território circulatório, de maneira ampla, faz referência, portanto, a uma territorialidade necessariamente mais fluída, invisível, constituída por coletivos/grupos que se reconhecem enquanto tais na medida em que compartilham as mesmas situações de mobilidade e que se sobrepõem e se opõem às territorialidades constituídas pelo planejamento técnico e estatal. Nesse sentido, o autor define esses territórios como sendo a “condição e expressão [espacial] do vínculo social” estabelecido por meio do compartilhamento de uma memória coletiva das negociações entre a população concernida (coletivos minoritários) e os que a rodeiam, para a instituição de uma forma particular de apropriação do espaço.5 5 “No mínimo, diremos que o território é uma construção concomitante à emergência e, depois, à visibilidade social de um grupo, de uma comunidade ou de outros tipos de coletivo em que os membros podem utilizar um “nós” identificador. Ele é condição e expressão do vínculo social. Ele se constitui como momento de uma negociação, entre a população concernida e os que a rodeiam, que instaura continuidades nas trocas generalizadas. O território é memória. É marcação espacial da consciência histórica de estar junto” (Tarrius, 2005, p. 34, tradução da autora).

Essa perspectiva dos eventos de mobilidade capazes de sedimentar territorialidades paralelas parte de uma compreensão dos deslocamentos espaciais como eventos espaço-temporais que possuem, portanto, uma duração – expressa nos processos, ritmos e sequências – balizada por momentos de negociação de identidades e fronteiras que se sedimentam na memória coletiva dos que se põem em movimento. Esses momentos de negociação organizam os lugares e espaços (suportes dos deslocamentos) e exprimem a forma das transações. Nesse sentido, diferentemente das noções de percursos ou rotas migratórias, em que o foco recai na forma e características dos deslocamentos espaciais performados por migrantes que não necessariamente se percebem como parte de um processo coletivo mais amplo, a perspectiva analítica dos territórios circulatórios focaliza um tipo de experiência social caracterizada pela circulação reiterada, por espaços não contíguos, de determinados coletivos que se reconhecem como parte dessa construção social. Nessa circulação reiterada, no caso dos territórios da costura, em torno de uma mesma atividade econômica, consolidam-se códigos, normas e linguagens que, enquanto, por um lado, facilitam a circulação dos que fazem parte desses territórios, por outro, impõem barreiras mais ou menos porosas aos percebidos como outsiders (Elias; Scotson, 2000ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.).6 6 Essas distinções entre o “nós” e os “outros”, que encetam relações de poder, abordadas por Norbert Elias em um clássico da literatura sociológica, são fundamentais na definição dos territórios circulatórios, diferenciando esse conceito daqueles mais puramente geográficos no debate sobre a experiência migratória contemporânea. Dessa forma, o acesso analítico a esses territórios não ocorre por meio do compêndio dos espaços geográficos percorridos e da quantificação dos deslocamentos espaciais realizados, mas por meio das redes sociais que os sustentam e das normas, códigos e representações identitárias que movimentam essas redes.

Nos territórios circulatórios pesquisados por Tarrius, formados a partir da circulação de migrantes provenientes dos países que fazem parte da região do Magreb, no norte do continente africano, em torno de atividades comerciais nos países do sul da Europa, no lugar das redes sociais baseadas em vínculos fortes, destacou-se a emergência de uma ética social intermediária entre as populações migrantes7 7 Conforme propõe Granovetter (1973), a força de um vínculo pode ser medida a partir da combinação entre o tempo despendido na relação interpessoal, a intensidade emocional, a intimidade e a reciprocidade. Nesse sentido, consideramos que vínculos entre familiares e amigos íntimos cujos laços se estabeleceram nos locais de origem podem ser considerados vínculos fortes. . Para Tarrius, essa ética intermediária, tecida nos momentos de negociação entre os próprios migrantes e em suas relações com outros coletivos de migrantes e com as populações locais, para sua circulação e realização das atividades econômicas, possibilita a emergência de novos cosmopolitismos, em que as marcações étnicas e aquelas relativas às redes de sociabilidade primárias perdem a centralidade nas negociações que permitem a reprodução desses territórios. As referências, costumes e tradições dos locais de origem não se dissipam necessariamente, mas passam a conviver com essa ética social intermediária. No lugar da experiência de “não ser nem daqui, nem de lá”, proposta nos debates sobre os processos de integração dos migrantes, nesses territórios estudados pelo autor, os migrantes passam a experimentar “ser daqui e de lá ao mesmo tempo”.

Primeiro aspecto do fenômeno: a aparição de novos tipos de territórios que cortam doravante os Estados-nação de maneira transversal. É o que chamamos precisamente de “redes”. Em sua espessura vivida e concreta, essas redes se manifestam primeiramente pelo seu caráter civilizador: os acordos de palavra trocados entre as pessoas promovem uma diminuição das diferenças étnicas e culturais, abrindo, assim, perspectivas de desenvolvimento inéditas. Os novos cosmopolitismos emergem: as hierarquias identitárias locais não fazem mais nenhum sentido para essas famílias que estabelecem fortes vínculos sociais. Mais precisamente, as precedências identitárias se medem, doravante, em termos de um “saber circular”. Saber atravessar universos regidos por regras e normas contrastantes, esse é o critério. O lugar de origem permanece único, mas o antigo percurso da alteridade à integração – com o longo tempo em que o indivíduo não era nem daqui e nem de lá – tornou-se obsoleto: desenvolvem-se preferencialmente capacidades mestiças, frequentemente momentâneas, que possibilitam numerosas entradas e saídas

(Tarrius, 2002TARRIUS, Alain. La mondialisation par le bas: les nouveaux nomades de l’économie souterraine. Paris: Éditions Balland, 2002., p. 17-18, tradução da autora).

Nesses territórios, o desafio é justamente o de ser capaz de transitar por entre espaços que constituem universos de normas diferenciados. O desenvolvimento das competências necessárias para essas travessias, aprendido à medida que os migrantes se põem em movimento, fomenta a formação de novas identidades, mais fluidas, capazes de permitir, por meio dos mais variados tipos de encontros, a realização de atividades econômicas informais e/ou ilegais, bem como numerosas entradas e saídas. No interior desses territórios, a experiência identitária deixa de ser uma experiência unívoca e coesa e se fraciona em múltiplos atributos.8 8 “(...) nessas reconfigurações de posição e que exprimem as competências para atravessar universos de normas diferenciados: nessas novas proximidades, passageiras e parciais em sua gênese, que permitem aos indivíduos ultrapassar, por exemplo, as atribuições étnicas, forjar sólidas alianças em torno de uma única troca de palavras, provenientes de uma diversidade de crenças, de convicções, de costumes, a identidade se fraciona em múltiplos atributos” (Tarrius, 2005, p. 29, tradução da autora).

A partir desse debate, indagamos se as redes sociais que sustentam os territórios da costura em foco neste artigo se reproduzem por meio de vínculos fortes associados às solidariedades étnicas tecidas nas redes de sociabilidade primárias ou se dependem de vínculos mais fracos associados a uma ética social intermediária tal como encontrado nos estudos empíricos de Tarrius. Nas próximas seções, apresentamos a pesquisa empírica sobre os territórios da costura que embasa a hipótese de se tratar de uma formação híbrida.

O papel do étnico no trabalho boliviano na costura: um olhar a partir das redes de contratação9 9 Essa seção é baseada em pesquisa empírica realizada durante o doutorado, entre 2009 e 2014 com financiamento da FAPESP. A pesquisa foi composta por: i) etnografia multissituada (São Paulo, no Brasil, Buenos Aires e Córdoba, na Argentina e nas cidades de Cochabamba, La Paz, El Alto e no município rural de Escoma, na Bolívia) e; ii) 50 entrevistas com bolivianos e bolivianas que, em algum momento de suas vidas, se inseriram na atividade da costura em São Paulo e/ou Buenos Aires. Sendo 33 realizadas na Bolívia e 17 em São Paulo. Em São Paulo, as entrevistas foram realizadas nos locais de sociabilidade dos bolivianos e bolivianas aos finais de semana depois de longos períodos de observação participante e conversas informais com os comerciantes e líderes comunitários. Na Bolívia, foi utilizada a metodologia de “bola de neve”, a partir de contatos iniciais com três informantes, empregadas domésticas com parentes na costura em São Paulo e Buenos Aires, indicadas pelos pesquisadores que me receberam em Cochabamba e em La Paz. Nas entrevistas, foram utilizados dois instrumentos de pesquisa: i) roteiro semi-estruturado, sobre os percursos residenciais e laborais dos entrevistados antes e depois de sua inserção na costura e; ii) formulário sobre todas as oficinas de costura nas quais o entrevistado trabalhou (no Brasil e na Argentina) – forma de entrada, características dos oficinistas e dos outros costureiros, tipo de peça costurada, tamanho da oficina (em termos de quantidade e qualidade das máquinas), tempo de permanência, acordo de trabalho, motivos da saída etc. Para organizar essas informações, montamos um banco de dados, por meio do programa PSPP, tendo como unidade a “oficina de costura”. A maior parte das informações utilizadas neste artigo referem-se a esse banco de dados e aos trechos das entrevistas. Note-se que a quantificação das informações não visa à insinuação de generalizações sobre os dados, mas apenas sua sumarização. Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar a sua privacidade. Durante o trabalho de campo na Bolívia, foi realizado um pequeno documentário disponível em: (1) Projeto Costura – YouTube, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YCVpstgJTu4&t=2s.

Donde yo vivía era un edificio de cinco ó seis pisos. En ahí vivían todos bolivianos. En cada planta vivían, puros talleres, puro bolivianos vivían. Cada planta una oficina. Parecía ratonera. Ratonera parecía porque cuando salíamos, puros bolivianos salíamos de ahí. Harta gente. Parece que más de 120 vivíamos ahí, puro bolivianos

[Elias].

Con coreanos y con chinos, con argentinos, con paraguayos, trabajé. (...) Mayormente con gente ajena se trabaja porque gente boliviana no te paga bien. De esa manera, algunos bolivianos dicen: ‘con bolivianos no hay que trabajar porque nos esclavizan, más trabajo y poco pagan’. (...). Entre paisanos mismos nos esclavizamos allá. Por ejemplo, todos los paceños son allá, son abusivos. Cochabambino, orureño más o menos. Pero paceño ni te da ni agua. Ni refresco no te da

[Teodomiro].

Elias e Teodomiro são bolivianos moradores de El Alto, no departamento de La Paz, na Bolívia. No momento das entrevistas, ambas realizadas em El Alto, Elias tinha 34 anos, era casado, com 4 filhos e possuía uma oficina de confecção de sapatos em sua casa e Teodomiro tinha 52 anos, era solteiro, com 1 filho e possuía uma oficina de costura de roupas domiciliar. Nos trechos das entrevistas citados acima, Elias se refere ao seu primeiro e único trabalho na costura em São Paulo, no Brasil, e Teodomiro se refere aos oficinistas com os quais trabalhou em sua ampla experiência na costura em Buenos Aires, na Argentina. Embora, em ambos os casos, a dimensão étnica (nacional/local) seja central na caracterização da experiência na costura nas metrópoles dos países vizinhos, o caráter multiétnico e a mobilidade entrevistos na descrição de Teodomiro contrastam com a descrição de Elias, que nos remete aos guetos e enclaves étnicos.

Ambas as percepções revelam nuances importantes e concomitantemente presentes no trabalho dos bolivianos e bolivianas nos territórios da costura. Para abordar essas ambivalências, propomos uma análise das redes de contratação que permitem o acesso a esses territórios e o contínuo funcionamento de suas oficinas de costura. Nessas redes, estão em jogo negociações bastante complexas. Em linhas gerais, contratar para o trabalho na costura é propor uma mudança de local de moradia (a oficina de costura é o local de moradia). Quando a contratação ocorre na Bolívia, antes da migração, essas redes se confundem com as redes migratórias e, quando a contratação ocorre nas cidades de acolhida, essas redes se tornam o principal meio de circulação dos migrantes no espaço urbano (Freitas, 2014FREITAS, Patrícia T. Família e Inserção laboral de jovens migrantes na indústria de confecção. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana (REMHU), n. 22, p. 231-246, 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-85852014000100014
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).

Inicialmente, essa associação entre local de trabalho e de moradia inscrita nos territórios da costura foi considerada um importante indício de uma tendência à invisibilidade e ao enclausuramento dos migrantes (Cymbalista; Xavier, 2007CYMBALISTA, Renato; XAVIER, Iara. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Cadernos Metrópole, n. 17, p. 119-133, 2007. ). Considerava-se que, após a migração, os bolivianos e bolivianas seriam confinados, por longos períodos, nas mesmas oficinas de costura, em regimes de trabalho semelhantes ao trabalho escravo, sem a possibilidade de sair daquela situação (seja por medo, seja por serem mantidos à força).

No entanto, contrariamente ao esperado, durante a pesquisa empírica, encontramos uma importante circulação desses migrantes, tanto entre oficinas diferentes nas cidades de São Paulo e Buenos Aires, quanto entre a Bolívia e essas duas cidades. Os 50 entrevistados relataram ter trabalhado em 182 oficinas de costura (137 em São Paulo e 45 em Buenos Aires), perfazendo uma média de quase quatro oficinas por entrevistado. Desses, 26 entrevistados relataram ter voltado para a Bolívia depois de uma primeira experiência e, após um período curto, decidiram retornar ao trabalho na costura, em São Paulo ou Buenos Aires, em outra oficina de costura. E, cerca de um terço dos entrevistados, trabalhou na costura tanto em São Paulo, quanto em Buenos Aires. Os dados encontrados não negam a existência de experiências de confinamento, com pessoas que seguem décadas vivendo apenas junto aos compatriotas com quem migraram, tampouco a existência de uma superexploração do trabalho, mas indicam um fenômeno mais complexo, em que essas experiências de confinamento se articulam a uma intensa circulação no interior dos territórios da costura.

Para a compreensão dessas dinâmicas, consideramos importante a diferenciação entre dois tipos de redes sociais associadas ao trabalho nos territórios da costura, mobilizadas pelos migrantes para a sua inserção nas oficinas: as redes que se constituem nas cidades de origem, na Bolívia, a partir das quais foram mobilizadas 85 oficinas e as redes que se constituem nas cidades de destino (São Paulo ou Buenos Aires), a partir das quais foram mobilizadas 97 oficinas. Para a análise dessas redes de contratação, realizamos uma classificação do tipo de vínculo estabelecido entre os bolivianos e os mobilizadores dessas redes. Esses vínculos podem ser do tipo: i) familiar (da família nuclear ou estendida); ii) de amizade (amigos próximos) e; iii) impessoal (por meio de anúncios ou conhecidos).10 10 Os itens (i) e (ii) relacionam-se aos vínculos fortes e o item (iii) aos vínculos fracos. A partir do cruzamento dessas informações, constatamos que as redes de contratação desde as origens caracterizaram-se por serem predominantemente familiares (vínculos fortes), enquanto as redes de contratação nas cidades de destino caracterizaram-se pela predominância dos vínculos impessoais entre compatriotas (vínculos fracos).

Nos próximos dois itens desta seção, abordaremos as dinâmicas de funcionamento dessas redes sociais de contratação a partir das narrativas dos migrantes entrevistados.

A entrada na costura desde os locais de origem: o direito de piso e as solidariedades étnicas

As redes de contratação que se estabeleceram desde os locais de origem, na Bolívia, foram responsáveis, em grande medida, pela entrada inicial dos bolivianos e bolivianas entrevistados nas oficinas de costura, nas cidades de São Paulo e Buenos Aires. A partir da mobilização dessas redes, conforme pudemos constatar, é possível obter recursos para a realização total ou parcial do percurso migratório. Nesse sentido, para 40 dos 50 entrevistados, a migração para a inserção na primeira oficina de costura foi financiada, parcial ou completamente, com recursos mobilizados por essas redes. Paralelamente, as redes dos locais de origem podem ser mobilizadas nas reinserções dos migrantes no trabalho na costura naquelas cidades. Dessa forma, além dos primeiros 50 percursos migratórios para o trabalho em oficinas de costura realizados pelos entrevistados, parte deles voltou para a Bolívia e, depois, buscou se inserir novamente nessa atividade. Totalizando 35 reinserções por meio da mobilização de novas redes de contratação na Bolívia.11 11 Nessas reinserções não foram contabilizados os retornos dos bolivianos e bolivianas para mesmas oficinas de costura depois de pequenas ou mesmo longas viagens para a Bolívia porque, nesses casos, não houve nova mobilização das redes de contratação. Enquanto nos primeiros acessos os vínculos fortes eram predominantes, nas reinserções, os vínculos fracos foram predominantes.

Os acordos de palavra que selam as negociações de entrada nos territórios da costura desde a Bolívia incluem: a definição das formas de pagamento do empréstimo concedido para a realização do percurso migratório, o salário a ser recebido pelos costureiros e o compromisso, por parte do costureiro, de permanência mínima (de um a dois anos) na oficina para a qual foi contratado. Os compromissos de permanência mínima e de lealdade ao oficinista que financiou ou proporcionou a entrada nos territórios da costura repõem, em outros termos, práticas andinas de reciprocidade diferida, denominadas no debate boliviano de derecho de piso.12 12 Miranda (2017) também aborda o derecho de piso como uma categoria importante para a compreensão das dinâmicas de sociabilidade presentes entre os migrantes bolivianos nas oficinas de costura da cidade de São Paulo. A questão principal para o autor é a produção do consentimento que permite a reprodução de relações de intensa exploração laboral no interior das oficinas de costura migrantes. Nesse sentido, o autor argumenta que o derecho de piso conjuntamente com o sistema de cama caliente (em que se vive e trabalha em um mesmo lugar) e a prática de adiantamento do salário por meio dos vales constituem os pilares institucionais que produzem esse consentimento estabelecendo os “limites da escravidão”, o que é ou não aceitável nessas relações de trabalho nas oficinas de costura.

As práticas associadas ao derecho de piso organizam, desde uma perspectiva normativa, na Bolívia, as relações de reciprocidade que se estabelecem no interior de uma mesma família e entre famílias que possuem laços de amizade duradouros, incluindo-se as relações entre as famílias de ascendência indígena e as famílias de ascendência hispânica. Uma dessas práticas comumente relatadas pelos entrevistados relaciona-se com as migrações internas, em geral, das zonas rurais para os centros urbanos ou de pequenas municipalidades ou zonas mineiras para os grandes centros urbanos do país.13 13 Quarenta entrevistados (de um total de 50) migraram internamente antes da migração internacional para o trabalho na costura. A família que recebe o migrante interno em sua casa é retribuída com trabalho não pago – seja na limpeza da casa, no cuidado de crianças, no trabalho no empreendimento econômico da família receptora etc. Conforme argumenta a antropóloga boliviana Sylvia Cusicansqui, o derecho de piso é um mecanismo geracional de reciprocidade diferida que permite produzir uma coesão comunitária.

El joven cuando empieza a caminar por la vida tiene que comenzar por abajo. Y en estas culturas, q’ara es el que hereda una riqueza que no ha producido y por eso tiene un piso de entrada a la sociedad que está cimentado por el trabajo de otros que han sido explotados. Ese primer escalón del piso siempre involucra un alto nivel de sacrificio. (…) Diferido en el tiempo, se trata de un circuito de devolución: este fue explotado, ahora le toca explotar

(Cusicansqui apud Colectivo Simbiosis; Colectivo Situaciones, 2011COLECTIVO SIMBIOSIS; COLECTIVO SITUACIONES. De chuequistas y overlockas: una discusión en torno a los talleres textiles. Buenos Aires: Tinta Limón, 2011., p. 19, 21-23).

Da perspectiva estritamente econômica, a transposição para os contextos migratórios dessa estrutura normativa que orienta as relações de reciprocidade na Bolívia aporta diferenciais competitivos à inserção dos oficinistas e costureiros bolivianos e bolivianas nos territórios da costura. Para os oficinistas, trata-se de buscar garantir a contratação de uma força de trabalho mais barata e mais leal do que aquela que poderiam conseguir se contratassem trabalhadores diretamente nos países de acolhida. Quando o trabalhador já se encontra no país de acolhida tem muito mais informações para negociar o valor e as condições de trabalho. Para os trabalhadores, a própria possibilidade de realização do percurso migratório e da instalação em outro país depende, na maioria das vezes, desse auxílio inicial. Nessas circunstâncias, a legitimidade do derecho de piso se ancora, justamente, em uma supervalorização dessa oportunidade migratória aberta pelo oficinista, conforme podemos vislumbrar no depoimento de Eliete, entrevistada em La Paz aos 59 anos, após alguns dias do retorno de São Paulo:

Porque yo la he pasado, yo he vivido eso. Yo pensé yéndome allá a Brasil, el primer mes ya, como todo se sufre ¿no? (…) Yo decía sí, estoy pagando derecho de piso porque venir a una ciudad tan grande y de la noche a la mañana tener un buen trabajo es difícil. (…) El derecho de piso es que, bueno, para mi modo de entender, es lo que hemos sufrido, lo hemos pagado, cómo te puedo decir, con el sufrimiento. Hemos pagado a que nos acepten a nosotros como somos, así como obreros o como trabajadores, hemos pagado sufriendo. No hemos ido, como para decirte, ir al Brasil decir ya trabajo, yo soy, por decirte, modista, ya, listo, ven. No, nos han hecho sufrir, nos han hecho pedir agua como se dice. Yo a eso lo llamo derecho de piso. Es como, quizás en otras ciudades son así ¿no? No sé, pero ha sido mi primera experiencia

[Eliete]

Embora as relações de reciprocidade baseadas no derecho de piso não se restrinjam às redes familiares, foi justamente no interior dessas redes que encontramos as situações mais dramáticas de engano e exploração laboral nos contextos migratórios (Freitas, 2014FREITAS, Patrícia T. Família e Inserção laboral de jovens migrantes na indústria de confecção. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana (REMHU), n. 22, p. 231-246, 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-85852014000100014
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). Em alguns casos, até mesmo cobrar a efetivação do acordo inicial pode ser interpretado como um insulto. E, a depender das circunstâncias, mesmo se sentindo explorados, os costureiros preferem permanecer em silêncio nas oficinas de seus familiares a romper relações para buscar novas oportunidades de trabalho. No interior dessas redes de contratação, romper relações em São Paulo ou Buenos Aires pode significar romper relações nas cidades de origem na Bolívia. Esse é o caso, por exemplo, de Elias (apresentado no início desta seção).

Había posibilidades [de ir trabalhar em outra oficina]. Mis amigos me decían: ‘Elías vamos a trabajar a otro taller, ahí vas a ganar más’. Pero yo también no podía. Como he ido a su taller de mi prima no podía salirme e irme a otro taller. Iba a quedar mal. Ese era mi pensamiento, pero sentía que me estaban explotando

[Elias].

Apesar das inúmeras situações de exploração e engano narradas pelos migrantes, ao longo do trabalho de campo nos deparamos também com narrativas de trajetórias bem-sucedidas, em que os acordos realizados na Bolívia são cumpridos. Em alguns casos, inclusive, o costureiro é auxiliado pelo oficinista que o contratou desde a Bolívia, seja para a montagem de uma oficina de costura própria na cidade de destino, seja para a realização de outros objetivos que o levaram a realizar a migração, como, por exemplo, a quitação de uma dívida ou a compra de um terreno na Bolívia para a construção de uma casa. A trajetória de Pablo é um caso, entre outros, em que esse acordo de reciprocidade diferida, na maioria das vezes tácito, funcionou. Ele foi entrevistado, aos 35 anos, em Cochabamba, onde residia com sua esposa e dois filhos e mantinha uma oficina de costura.

El 96! Había un aviso en la radio que se buscaba costureros para el Brasil, sin pensar dos veces, “me voy” (...) yo me he ido con una persona buena y he trabajado bien y bien me pagaba. Y, luego, he tenido mi oficina en allá [São Paulo] y también me ha ayudado para prestarme para las maquinas porque, al principio, no tenía. Ellos [os donos da primeira oficina] me dieron un lugar para tres meses nomas y me ayudaron. Y yo no podía creer, pues ellos se prestaron dineros de los bancos. Y, entonces, ellos me han ayudado y bien, ahora es un buen amigo, es como un pariente

[Pablo].

A existência dessas formas de solidariedade entre costureiros e oficinistas é central para compreendermos a resiliência desses territórios da costura. No entanto, conforme vimos, nessas redes sociais em que se mesclam o auxílio para a migração e a contratação para o trabalho na costura predominam dinâmicas ambivalentes. De todo modo, na maioria dos casos, os acordos e combinados de acesso a essas redes desde a Bolívia são, mais cedo ou mais tarde, rompidos. E esses rompimentos costumam ser narrados com bastante dramaticidade pelos migrantes, mesmo quando o oficinista não é uma pessoa que faz parte das suas redes de sociabilidade primárias. Essa dramaticidade se baseia no pressuposto moral de que havia uma relação de auxílio mútuo entre compatriotas de gerações diferentes (os costureiros costumam ser muito mais jovens que o oficinista). A diferença geracional é, inclusive, bastante citada pelos oficinistas para legitimar as suas arbitrariedades em relação ao combinado inicial. Esse é o caso da narrativa de João que, no momento da entrevista, tinha 25 anos, era solteiro e possuía uma pequena oficina de costura em sua casa, na periferia sul de Cochabamba.

Era bien difícil salir, en la discusión, adentro nos hemos entrado, solamente en el pasillo nomas, y ya no nos quería soltar. Yo le dije ‘págame lo que me debes porque ajustaremos’. Pero él se ha enojado grave ‘¿Cómo me van a dejar? Yo les he traído y todo eso’. Pero el dinero se lo hemos devuelto, no es que no se lo hemos devuelto (…) al final nos fuimos y no le hemos visto más a esa persona

[João].

Os rompimentos inauguram, para os que decidem permanecer nas cidades de destino, um novo momento em sua experiência no interior dos territórios da costura, conforme veremos no próximo item.

O saber circular na viração das cidades de destino

As rupturas com as redes sociais que possibilitaram o percurso migratório e, ao mesmo tempo, a inserção inicial nos territórios da costura, lançam os migrantes, em um primeiro momento, à busca de novos acessos – seja como costureiros, seja como trabalhadores dos estabelecimentos que compõem esses territórios14 14 Os espaços urbanos que compõem os territórios da costura nas cidades de destino (nos quais se desenvolvem atividades ligadas, direta ou indiretamente, às oficinas de costura migrantes) incluem as lojas de conserto, de compra e venda de máquinas de costura e seus insumos, os locais de sociabilidade da comunidade boliviana que trabalha na costura, aos finais de semana e em suas festas, os restaurantes, bares, mercados, salões de beleza e outros estabelecimentos dos próprios migrantes, que prestam serviços “de boliviano para boliviano”, bem como os pontos de chegada e de partida de ônibus clandestinos que fazem cotidianamente o percurso entre as cidades de destino (no Brasil e na Argentina) e as periferias urbanas do altiplano andino (Freitas, 2011). . Essa busca constitui um segundo momento de um processo de aprendizagem e avaliação, iniciado com o percurso migratório, sobre as condições de vida e de trabalho nos territórios da costura, em que se mesclam as percepções dos próprios migrantes com as dos vários outros com os quais passam a conviver a partir do momento em que se colocam em movimento.

O saber circular resultante desse processo interativo de aprendizagem costuma envolver, dentro dos limites dados por um contexto de precariedade e de superexploração, avaliações e percepções sobre as condições de trabalho consideradas justas ou injustas, aceitáveis ou inaceitáveis, bem como uma racionalização das próprias relações de trabalho. Podemos vislumbrar esse saber circular, por exemplo, na narrativa de Ronald, morador de uma oficina de costura na cidade de São Paulo, que foi entrevistado aos 22 anos, na cidade de Cochabamba, quando passava férias na Bolívia. A sua primeira inserção nos territórios da costura havia sido em Buenos Aires, aos 16 anos, na oficina de sua prima. Após essa primeira experiência em que se sentiu bastante explorado, retornou à Bolívia e, depois de alguns meses, decidiu tentar a vida na costura em São Paulo. O oficinista com quem entrou em contato desde a Bolívia era um amigo de seu tio e o combinado era o de que ele lhe adiantaria parte do dinheiro necessário para a migração e, em troca, Ronald permaneceria naquela oficina por um ano. Entretanto, logo no primeiro mês, conforme relata, começou a se sentir explorado. E, diferentemente de sua reação quanto à sua prima na Argentina – que também não o pagava corretamente e que o fazia realizar uma série de tarefas extras – Ronald reclamou. Não sendo atendido, simplesmente saiu da oficina após pagar o que devia da passagem.

Bueno, el día que llego mi mes, yo quería cobrar las prendas que he trabajado, mis horas extras. Y me dijo “no, no, no te voy a pagar porque estábamos atrasados”. Y le dije (…) no es la primera vez que vengo a trabajar en la costura, ni la primera vez que voy a otro país a trabajar. Yo sé trabajar, fui a Argentina, sé cómo es el trabajo”. De ahí dije “yo no puedo estar así, si me pagas bien, me voy a quedar, si no, ¡no!” Bueno “por su capricho que no te voy a pagar” me dijo. Bueno, esperé el fin de semana y dije “me voy”

[Ronald, grifos da autora].

Na maioria das vezes, os encontros que franquearão aos migrantes os novos acessos aos territórios da costura ocorrem a partir de sua circulação na cidade. Os vínculos por meio dos quais as informações sobre as novas oportunidades de trabalho circulam caracterizam-se por serem, em sua maioria, vínculos fracos – entre pessoas que acabaram de se conhecer ou que, mesmo que já se conhecessem de antemão, não se encontram, necessariamente, atadas a relações mais densas. Essa plasticidade dos vínculos se reflete, inclusive, nos sentidos dados às entradas e saídas das oficinas de costura a partir de então: as entradas são fortuitas e as saídas perdem a dramaticidade das primeiras rupturas, embora se refiram invariavelmente a uma mudança de residência. Nos trechos abaixo, das entrevistas realizadas com Javier e Teodomiro encontramos narrativas que nos permitem entrever, de maneira concreta, como ocorre essa circulação de informações sobre as oportunidades de trabalho. Javier, entrevistado aos 27 anos, em sua casa, em Cochabamba, refere-se à experiência nos territórios da costura, na cidade de São Paulo, entre 2009 e 2012 e Teodomiro, apresentado no início da segunda seção, à experiência em Buenos Aires, marcada por inúmeras idas e vindas, entre 1992 e 2008.

A mi amigo lo conocí caminando, siempre con los bolivianos te dicen “hola, ¿Como estas?” No caminan todos callados. Él era paceño y le gustaba lo que me gusta a mí. Nos pusimos a hablar de grupos [de cumbia boliviana] (…). Entonces ahí me dijo “donde yo estoy trabajando necesitan, piensa-lo bien”. Entonces me fui donde él estaba trabajando que era en Brás. (…) Era más cómodo (…) Como éramos desconocidos me he tenido que acostumbrar a las costumbres que ellos tenían de La Paz

[Javier]

Por mi propia cuenta, así como por amigos también. Me comentaron que en otro taller pagan bien. “Porque no te vas ahí”, me dicen. O si no, vamos a Avenida Collon, donde buscamos trabajo, todo boliviano busca en esa avenida, entonces también fui allí, a ese lugar. Entonces de esa manera encontrava trabajo

[Teodomiro]

Embora, na maioria das vezes, os novos vínculos que passam a ser tecidos nos territórios da costura sejam estabelecidos entre compatriotas, as relações desses migrantes com o trabalho e com as suas identidades nacionais pode sofrer deslocamentos importantes na viração urbana15 15 Utiliza-se o termo viração em referência à uma experiência laboral dos trabalhadores de baixa qualificação, marcada pela informalidade, precariedade e flexibilidade, mobilizada no debate brasileiro sobre as transformações do mundo do trabalho contemporâneo (Abílio, 2019; Telles, 2006). . Diferentemente da experiência na Bolívia, em que mesmo com as migrações internas, em geral de curta distância, convivia-se predominantemente com compatriotas dos mesmos departamentos, nos territórios da costura, quando iniciam sua busca por novos acessos nas cidades de destino, os bolivianos e bolivianas passam a conviver com compatriotas provenientes de outros departamentos, gerando, em muitos, estranhamentos sempre comentados nas entrevistas.

Nesse sentido, Teodomiro desenvolve, ao longo de sua experiência em Buenos Aires, um sistema de classificação dos oficinistas bolivianos de acordo com os seus departamentos de origem na Bolívia. Nessa classificação, os paceños, provenientes de seu próprio departamento de origem (La Paz), são avaliados como os mais mesquinhos e exploradores, conforme vimos no primeiro trecho de sua narrativa, transcrito na abertura da segunda seção. Javier, por sua vez, pondera, no trecho supracitado, depois de reconhecer a identidade nacional comum que o aproximou de seu novo amigo – seja pelo cumprimento que os identificou, seja pelo gosto musical – que ambos possuíam costumes diferentes, em relação aos quais teve de se adaptar: ele, de Cochabamba, e seu novo amigo e os compatriotas da nova oficina, de La Paz.

De maneira contraintuitiva, ao invés de gerar dificuldades na celebração informal de novos acordos de trabalho, esses estranhamentos parecem contribuir para a sua fluidez. Durante o trabalho de campo, era recorrente a percepção dos entrevistados de que quanto mais distante fosse o oficinista (em termos relacionais e de origens) melhores seriam as condições de trabalho. Teodomiro, no primeiro trecho supracitado, faz essa ponderação em relação à nacionalidade dos oficinistas, dizendo preferir trabalhar com oficinistas de outras nacionalidades ou, ao menos, de outros departamentos – “mayormente con gente ajena se trabaja porque gente boliviana no te paga bien”. E no trecho abaixo, relativo à narrativa de Ronald, cuja primeira experiência foi na oficina de sua tia, a expressão “gente ajena” refere-se a pessoas que não façam parte de suas relações de sociabilidade primárias.

Es mucho mejor trabajar con gente ajena que familiar porque hay familias que te quieren humillar o que te tratan mal y, a veces por eso, todo tienes que aguantarte, todo, no sabes cómo reaccionar y vos mismo te estas oprimiendo. Ahí, si es otro, dices todo. Pero con familiar, tienes que callarte, porque si vas a querer un apoyo de esa persona y te va a decir “si tu me has hecho así no es cierto”. Por eso es preferible trabajar con gente ajena

[Ronald, grifos da autora].

A busca por relações de trabalho e de sociabilidade com “gente ajena” expressa um processo mais amplo de recomposição, na viração das cidades de destino, das redes sociais que vão dar sustentação à vida cotidiana dos migrantes. Essas novas redes sociais, entre compatriotas, que se constituem a partir dos vínculos fracos podem encetar, ao longo do tempo, vínculos fortes expressos na formação de novas amizades, novos amores e novas famílias. Paralelamente, essas novas experiências reconfiguram, em outros termos, os vínculos identitários: de uma vinculação estrita com locais de origem específicos a uma vinculação com a nacionalidade boliviana de maneira geral, depois, com a língua espanhola de outros grupos de migrantes, com migrantes que falam outras línguas e, para os que permanecem mais tempo nessa atividade, com os nacionais (brasileiros ou argentinos) com os quais passam a se encontrar no cotidiano urbano. No entanto, essas novas vinculações não significam, nas narrativas que pudemos acompanhar, um distanciamento da identificação étnica original, mas uma recomposição. Na próxima seção, aborda-se brevemente uma tradução política desse processo.

Ser daqui e de lá ao mesmo tempo: as recomposições das redes sociais nos territórios da costura

Quienes explotan el sistema del taller textil quieren recrear acá una pequeña Bolivia, para evitar que te mezcles, que conozcas otras músicas, otra gente. Las radios que se escuchan en los talleres, las organizaciones que reivindican “lo boliviano” y los talleristas (y los discursos argentinos que promueven este modo de plantear las cosas) y que se justifican con la tradición andina te confinan a una identidad prefabricada de lo boliviano. (…). Para muchos de nosotros es más fuerte ser habitante de una villa o de un barrio como Villa Celina, donde crecimos y nos criamos desde chicos, que ser bolivianos. A eso le llamamos cultura ch’ixi, a tener esa capacidad de poder mezclarte, sin diluir lo que somos y lo que queremos (…) No hablamos como bolivianos/as. Tampoco como argentinos/as. (…) Estamos hablando desde una experiencia. (…) Más que nacionalidades, tenemos trayectorias. Algunas incluyen atravesar una frontera

(Colectivo Simbiosis Cultural; Colectivo Situaciones, 2011, p. 12-13).

Neste trecho, de um livro produzido a partir da parceria de dois coletivos culturais de jovens bolivianos que possuem, entre seus integrantes, costureiros e costureiras que vivem em Buenos Aires, vislumbramos uma tradução, no debate político, dos deslocamentos identitários vividos durante a viração urbana nos territórios da costura. No lugar do discurso da bolivianidade promovido, entre outros atores, pelos oficinistas que buscam legitimar relações de reciprocidade baseadas nos princípios morais do derecho de piso, esses jovens reivindicam uma cultura ou identidade ch’ixi em que consideram ser possível ser daqui e de lá ao mesmo tempo. Para esses jovens, não se trata de negar a cultura boliviana e suas origens indígenas em nome de uma assimilação ou, ainda, de uma integração às estruturas socioculturais e laborais dos países de recepção. Inclusive, para uma parte deles, não se trata tampouco de sair dos territórios da costura. Trata-se de propor um deslocamento quanto às posições de autoridade inscritas no dispositivo étnico que sustenta um determinado tipo de relações de exploração no interior das oficinas de costura. Relações de exploração que, em nome das solidariedades étnicas, por um lado, e do medo do outro (das autoridades nacionais e dos outros grupos migrantes), por outro, confinam os costureiros e costureiras em dinâmicas de subserviência que extrapolam os limites da racionalidade capitalista.

Esse deslocamento, presente no Manifesto Ch’ixi e na prática política cotidiana desses jovens, é um dos resultados possíveis do saber circular aprendido a partir de sua experiência nos territórios da costura. Inicialmente, conforme relatam ao longo do texto supracitado, não percebiam a moralidade perversa inscrita nas ideologias da bolivianidade difundidas a partir das redes de contratação dos locais de origem na Bolívia, tampouco vislumbravam possibilidades alternativas de ser, estar e trabalhar nesses territórios. Nesse sentido, os contatos e diálogos com compatriotas e com outros trabalhadores com quem passaram a conviver nos territórios da costura associados à intensificação das situações de exploração laboral vividas nas oficinas de costura provocaram estranhamentos e desnaturalizações relativas aos compromissos morais tecidos na Bolívia. Nos contextos urbanos de destino, na Argentina e no Brasil, à medida que desenvolviam novas habilidades relativas aos encontros e mesclas com os vários outros que passavam a compor o seu cotidiano, esses jovens começaram a colocar em xeque a sua forma de viver a identidade boliviana. As trajetórias de vida, coletivas e individuais, passaram a ser mais determinantes das relações de solidariedade do que a identidade nacional.

Embora as possibilidades concretas de elaboração coletiva de experiências de exploração e de caminhos de ação sejam ainda bastante incipientes e localizadas no interior dos territórios da costura, os novos cosmopolitismos ch’ixi latino-americanos, emergentes nesses espaços, podem conformar uma resposta mais eficaz ao discurso político ocidental em nome da proteção dos direitos humanos e contra o trabalho escravo das populações vulneráveis. Não se trata, para esses jovens costureiros, de uma negação aos discursos de defesa de direitos, mas de uma abertura, um caminho alternativo, para vozes que, desde a sua condição de subalternidade, buscam suas próprias expressões e representações para essas situações de exploração vividas cotidianamente.

Ao longo deste artigo, abordamos a experiência migratória no interior de um nicho econômico, a partir de uma perspectiva analítica ancorada na fenomenologia e no interacionismo simbólico, com o intuito de trazer para o primeiro plano as dinâmicas socioespaciais e identitárias que perfazem esse tipo de experiência na contemporaneidade. Nesse sentido, propusemos um deslocamento no interior do debate brasileiro sobre a migração boliviana associada ao trabalho na costura. Ao invés da oposição entre nicho ou enclave econômico, por um lado, e étnico, por outro, partimos de uma indagação sobre a construção social que esses migrantes vêm produzindo em sua circulação entre São Paulo, Buenos Aires e uma miríade de locais de origem na Bolívia, ao longo dos últimos quarenta anos. Denominamos essa construção social de territórios da costura em referência aos territórios circulatórios, propostos por Alain Tarrius, em suas pesquisas sobre as experiências de mobilidade migratória e urbana de coletivos minoritários no contexto europeu atual.

Nesses territórios da costura, possíveis, na atualidade, graças à globalização e aos processos de reestruturação produtiva em curso na indústria de confecção, as identidades étnicas que aí se constituem, em referência às dinâmicas de reciprocidade presentes nos contextos bolivianos de origem, mesclam-se com formas identitárias mais cosmopolitas e menos atávicas, produzidas a partir dos novos encontros e experiências vividos pelos migrantes em sua circulação nas cidades de destino. O saber circular aprendido na viração urbana não pressupõe o abandono das tradições culturais bolivianas, mas possibilita a emergência de éticas sociais intermediárias que, conforme propõe Tarrius em sua análise dos territórios circulatórios, inauguram novos modos de ser “daqui e de lá ao mesmo tempo”.

  • 1
    “A etnicidade é um poderoso determinante da cooperação e da solidariedade, porque é vista como biológica em suas origens, é refletida na estratificação social, molda numerosos elementos da vida social, é geralmente institucionalizada (em práticas religiosas, na linguagem, na nacionalidade, na localização residencial, nos mitos e nas políticas governamentais) e frequentemente constitui a base da identidade pessoal (...) a etnicidade é em si mesma uma ideologia da solidariedade” (Light; Gold, 2000LIGHT, Ivan; GOLD, Steven. Ethnic economies. São Diego: Academic Press, 2000., p. 108, tradução da autora).
  • 2
    A problematização dos vínculos sociais que sustentam e movimentam as redes sociais e a centralidade dos vínculos fracos para os processos de difusão de informações foi inicialmente tematizada, no âmbito da sociologia econômica, por Granovetter (1973)GRANOVETTER, Mark. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 3, p. 1360-1380, 1973. https://doi.org/10.1086/225469
    https://doi.org/10.1086/225469...
    . No debate contemporâneo proposto pelos autores da sociologia urbana francesa supracitados, essa questão é retomada no âmbito do debate sobre as economias étnicas, conforme veremos na próxima seção.
  • 3
    O conceito de enclave étnico nessa definição refere-se a um debate em voga durante os anos 1970, nos Estados Unidos, sobre o desenvolvimento, nos grandes centros urbanos, de uma economia dual, com dois tipos de mercados de trabalho urbano: um setor primário, relativo ao trabalho qualificado e bem remunerado e, um setor secundário, relativo às atividades de baixa qualificação e baixa remuneração.
  • 4
    A centralidade da dimensão identitária na análise dessas construções sociais tem como referência os estudos culturais (Hall, 2011HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2011.; Silva, 2014SILVA, Tomaz T. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.). Paralelamente, destaque-se que os contextos migratórios constituem circunstâncias bastante propícias para a própria construção de identidades étnicas. É justamente a partir do contato com aquele que se percebe como outro que surge a necessidade de uma delimitação mais clara do que somos nessa relação. Alguns entrevistados relataram, por exemplo, que, enquanto na Bolívia, se percebiam primordialmente como “cholos” ou provenientes de um departamento específico do país (pacenõs, cochabambinos etc.); foi na migração que passaram a se reconhecer como “bolivianos”. Circunstâncias semelhantes àquelas amplamente debatidas pela historiografia acerca da migração italiana para o Brasil do final do século XIX (Fausto, 1991FAUSTO, Boris. Historiografia da imigração para São Paulo. São Paulo: IDESP; Editora Sumaré, 1991.). Provenientes de um estado nacional ainda em processo de unificação, a identidade italiana torna-se uma construção do processo migratório.
  • 5
    “No mínimo, diremos que o território é uma construção concomitante à emergência e, depois, à visibilidade social de um grupo, de uma comunidade ou de outros tipos de coletivo em que os membros podem utilizar um “nós” identificador. Ele é condição e expressão do vínculo social. Ele se constitui como momento de uma negociação, entre a população concernida e os que a rodeiam, que instaura continuidades nas trocas generalizadas. O território é memória. É marcação espacial da consciência histórica de estar junto” (Tarrius, 2005TARRIUS, Alain. Le lien social fort comme préalable à la réussite économique. Initiatives des migrants entrepreneurs des économies souterraines internationales: parcours, étapes, transactions commerciales. In: MULLER, L.; TAPIA, S. (org.). Un dynamisme venu d’ailleurs: la création d’entreprises par les immigrés. Paris: L’Harmattan, 2005. p. 21 – 51., p. 34, tradução da autora).
  • 6
    Essas distinções entre o “nós” e os “outros”, que encetam relações de poder, abordadas por Norbert Elias em um clássico da literatura sociológica, são fundamentais na definição dos territórios circulatórios, diferenciando esse conceito daqueles mais puramente geográficos no debate sobre a experiência migratória contemporânea.
  • 7
    Conforme propõe Granovetter (1973)GRANOVETTER, Mark. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, v. 78, n. 3, p. 1360-1380, 1973. https://doi.org/10.1086/225469
    https://doi.org/10.1086/225469...
    , a força de um vínculo pode ser medida a partir da combinação entre o tempo despendido na relação interpessoal, a intensidade emocional, a intimidade e a reciprocidade. Nesse sentido, consideramos que vínculos entre familiares e amigos íntimos cujos laços se estabeleceram nos locais de origem podem ser considerados vínculos fortes.
  • 8
    “(...) nessas reconfigurações de posição e que exprimem as competências para atravessar universos de normas diferenciados: nessas novas proximidades, passageiras e parciais em sua gênese, que permitem aos indivíduos ultrapassar, por exemplo, as atribuições étnicas, forjar sólidas alianças em torno de uma única troca de palavras, provenientes de uma diversidade de crenças, de convicções, de costumes, a identidade se fraciona em múltiplos atributos” (Tarrius, 2005TARRIUS, Alain. Le lien social fort comme préalable à la réussite économique. Initiatives des migrants entrepreneurs des économies souterraines internationales: parcours, étapes, transactions commerciales. In: MULLER, L.; TAPIA, S. (org.). Un dynamisme venu d’ailleurs: la création d’entreprises par les immigrés. Paris: L’Harmattan, 2005. p. 21 – 51., p. 29, tradução da autora).
  • 9
    Essa seção é baseada em pesquisa empírica realizada durante o doutorado, entre 2009 e 2014 com financiamento da FAPESP. A pesquisa foi composta por: i) etnografia multissituada (São Paulo, no Brasil, Buenos Aires e Córdoba, na Argentina e nas cidades de Cochabamba, La Paz, El Alto e no município rural de Escoma, na Bolívia) e; ii) 50 entrevistas com bolivianos e bolivianas que, em algum momento de suas vidas, se inseriram na atividade da costura em São Paulo e/ou Buenos Aires. Sendo 33 realizadas na Bolívia e 17 em São Paulo. Em São Paulo, as entrevistas foram realizadas nos locais de sociabilidade dos bolivianos e bolivianas aos finais de semana depois de longos períodos de observação participante e conversas informais com os comerciantes e líderes comunitários. Na Bolívia, foi utilizada a metodologia de “bola de neve”, a partir de contatos iniciais com três informantes, empregadas domésticas com parentes na costura em São Paulo e Buenos Aires, indicadas pelos pesquisadores que me receberam em Cochabamba e em La Paz. Nas entrevistas, foram utilizados dois instrumentos de pesquisa: i) roteiro semi-estruturado, sobre os percursos residenciais e laborais dos entrevistados antes e depois de sua inserção na costura e; ii) formulário sobre todas as oficinas de costura nas quais o entrevistado trabalhou (no Brasil e na Argentina) – forma de entrada, características dos oficinistas e dos outros costureiros, tipo de peça costurada, tamanho da oficina (em termos de quantidade e qualidade das máquinas), tempo de permanência, acordo de trabalho, motivos da saída etc. Para organizar essas informações, montamos um banco de dados, por meio do programa PSPP, tendo como unidade a “oficina de costura”. A maior parte das informações utilizadas neste artigo referem-se a esse banco de dados e aos trechos das entrevistas. Note-se que a quantificação das informações não visa à insinuação de generalizações sobre os dados, mas apenas sua sumarização. Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar a sua privacidade. Durante o trabalho de campo na Bolívia, foi realizado um pequeno documentário disponível em: (1) Projeto Costura – YouTube, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YCVpstgJTu4&t=2s.
  • 10
    Os itens (i) e (ii) relacionam-se aos vínculos fortes e o item (iii) aos vínculos fracos.
  • 11
    Nessas reinserções não foram contabilizados os retornos dos bolivianos e bolivianas para mesmas oficinas de costura depois de pequenas ou mesmo longas viagens para a Bolívia porque, nesses casos, não houve nova mobilização das redes de contratação. Enquanto nos primeiros acessos os vínculos fortes eram predominantes, nas reinserções, os vínculos fracos foram predominantes.
  • 12
    Miranda (2017)MIRANDA, Bruno. “Uno ya sabe a lo que viene”: la movilidad laboral de migrantes andino-bolivianos entre talleres de costura de São Paulo explicada a la luz de la producción del consentimiento. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana (REMHU), v. 25, n. 49, p. 197-213, 2017. https://doi.org/10.1590/1980-85852503880004911
    https://doi.org/10.1590/1980-85852503880...
    também aborda o derecho de piso como uma categoria importante para a compreensão das dinâmicas de sociabilidade presentes entre os migrantes bolivianos nas oficinas de costura da cidade de São Paulo. A questão principal para o autor é a produção do consentimento que permite a reprodução de relações de intensa exploração laboral no interior das oficinas de costura migrantes. Nesse sentido, o autor argumenta que o derecho de piso conjuntamente com o sistema de cama caliente (em que se vive e trabalha em um mesmo lugar) e a prática de adiantamento do salário por meio dos vales constituem os pilares institucionais que produzem esse consentimento estabelecendo os “limites da escravidão”, o que é ou não aceitável nessas relações de trabalho nas oficinas de costura.
  • 13
    Quarenta entrevistados (de um total de 50) migraram internamente antes da migração internacional para o trabalho na costura.
  • 14
    Os espaços urbanos que compõem os territórios da costura nas cidades de destino (nos quais se desenvolvem atividades ligadas, direta ou indiretamente, às oficinas de costura migrantes) incluem as lojas de conserto, de compra e venda de máquinas de costura e seus insumos, os locais de sociabilidade da comunidade boliviana que trabalha na costura, aos finais de semana e em suas festas, os restaurantes, bares, mercados, salões de beleza e outros estabelecimentos dos próprios migrantes, que prestam serviços “de boliviano para boliviano”, bem como os pontos de chegada e de partida de ônibus clandestinos que fazem cotidianamente o percurso entre as cidades de destino (no Brasil e na Argentina) e as periferias urbanas do altiplano andino (Freitas, 2011FREITAS, Patrícia T. Imigração boliviana para São Paulo e setor de confecção – em busca de um paradigma analítico alternativo. Informe GEPEC, n.15, p. 222-240, 2011. https://doi.org/10.48075/igepec.v15i3.6280
    https://doi.org/10.48075/igepec.v15i3.62...
    ).
  • 15
    Utiliza-se o termo viração em referência à uma experiência laboral dos trabalhadores de baixa qualificação, marcada pela informalidade, precariedade e flexibilidade, mobilizada no debate brasileiro sobre as transformações do mundo do trabalho contemporâneo (Abílio, 2019ABÍLIO, Ludmilla C. Uberização do trabalho: a era do nanoempreendedor de si? In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 43., 2019, Caxambu. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2019. Disponível em: http://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st42/11873-uberizacao-do-trabalho-a-era-do-nanoempreendedor-de-si/file.
    http://anpocs.com/index.php/encontros/pa...
    ; Telles, 2006TELLES, Vera. Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo Social, v. 18, n. 1, p. 173-195, 2006. https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000100010
    https://doi.org/10.1590/S0103-2070200600...
    ).

Referências

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    » http://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st42/11873-uberizacao-do-trabalho-a-era-do-nanoempreendedor-de-si/file
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2021
  • Aceito
    13 Out 2021
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