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Efeitos da raça/cor e gênero da pesquisadora ou do pesquisador na pesquisa empírica: impactos na classificação racial de respondentes de um survey

Effects of the researcher’s race/color and gender on empirical research: impacts on the racial classification of survey respondents

Resumo

Este artigo trata dos impactos da raça/cor ou do gênero das pessoas que conduzem a pesquisa sobre a autodeclaração de raça/cor de participantes. Para analisar o fenômeno, consideramos as respostas ao survey e as percepções de pesquisadores e pesquisadoras que aplicaram o survey em 2019 como parte da pesquisa Percepções Raciais no Distrito Federal. Utilizamos, para tanto, métodos qualitativos – breves relatos das pessoas que conduziram as entrevistas – e quantitativos. Os resultados sugerem a existência de um efeito complexo tanto da raça/cor das pessoas pesquisadoras quanto de seu gênero na forma como as pessoas entrevistadas designam sua raça/cor. Apresentamos algumas hipóteses provisórias para explicação das diferenças encontradas, cuja averiguação dependerá da realização de novas pesquisas.

Palavras-chave
paridade racial; interseccionalidade; classificação racial; survey

Abstract

This article addresses the impacts of the researcher's race/color or gender on the self-declared race/color of research participants. In order to analyze the phenomenon, we consider the responses to a survey and perceptions of the researchers who applied the survey in 2019 as part of the research project Racial Perceptions in the Federal District. We employ qualitative methods – brief reports from the interviewers – and quantitative methods. The results suggest the existence of a complex effect of both the race/color of the researchers and their gender in the way the interviewees designate their race/color. We present some provisional hypotheses to explain the differences found, the investigation of which will depend on new research to studies.

Keywords
racial parity; intersectionality; racial classification; survey

Introdução

Neste artigo, investigamos os impactos gerados pela raça/cor ou o gênero da pessoa pesquisadora, ou seja, verificamos se há diferenças consistentes nos resultados obtidos por agentes entrevistadores de distintos grupos raciais e de gênero ao abordarem a questão da raça junto aos grupos raciais negro e branco. De maneira específica, buscamos compreender se e como a raça/cor da pessoa que realiza a entrevista ou seu gênero influenciaram a autoclassificação racial de participantes de um survey aplicado como parte da pesquisa Percepções Raciais no Distrito Federal,1 1 Coordenada pelos professores Joaze Bernardino-Costa e Emerson Ferreira Rocha e pela professora Bruna Cristina Jaquetto Pereira. Os dados desta pesquisa foram coletados no âmbito das disciplinas de graduação Sociologia das Relações Raciais (1º semestre/2019), Raça e Racismo no DF - I (2º semestre/2019) e Raça e Racismo no DF - II (1º semestre/2020) do Departamento de Sociologia da UnB, ministradas pelo professor Joaze Bernardino-Costa. realizada entre abril e dezembro de 2019 no Distrito Federal (DF).

O survey incluiu uma pergunta sobre a autoclassificação racial das pessoas que responderam à pesquisa e também um campo para heteroclassificação, preenchido por quem realizou a entrevista. As opções de raça/cor disponibilizadas foram as cinco categorias fechadas de raça/cor utilizadas pelo IBGE no Censo: branca, preta, parda, amarela e indígena. Neste artigo, consideramos apenas os dados referentes às categorias branca, preta e parda. A amostra contou com 344 pessoas entrevistadas, número obtido depois de descartados os casos em que a auto ou a heteroclassificação não foram registradas ou em que se utilizou uma categoria distinta de raça/cor (amarela ou indígena). O material de pesquisa considerado neste artigo foi coletado em duas frentes: pela análise qualitativa de breves relatos das pessoas que aplicaram a pesquisa sobre sua experiência em campo (suas percepções foram relatadas ao autor e à autora deste artigo) e pela análise quantitativa, que tratou das semelhanças e divergências entre auto e heterodeclaração racial de respondentes, tendo em vista, num primeiro momento, apenas a raça/cor de quem realizou a entrevista, e, em seguida, o seu gênero.

No Brasil, o debate sobre efeitos da raça/cor de quem realiza a entrevista e sobre paridade racial entre pesquisadores e participantes da pesquisa nas investigações sobre raça e racismo é bastante raro. Por outro lado, nos Estados Unidos há uma tradição de estudos sobre o tema, tanto no campo das relações raciais quanto no âmbito dos estudos dos métodos de pesquisa. Desde a década de 1940, a produção acadêmica reconhece que a raça de quem conduz a entrevista tem efeitos importantes para as respostas de respondentes (Twine, 200047 TWINE, Frances. Racial ideologies, racial methodologies, and racial fields. In: TWINE, F. W.; WARREN, J. W. (org.). Racing research, researching race: methodological dilemmas in Critical Race Studies. Nova York: New York University Press, 2000. p. 1-34.) – ainda que existam desacordos sobre quais são e quando ocorrem (West; Blom, 201650 WEST, Brady T.; BLOM, Annelies G. Explaining interviewer effects: a research synthesis. Journal of Survey Statistics and Methodology, v. 5, n. 2, p. 175-211, 2016. https://doi.org/10.1093/jssam/smw024
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). Ademais, autores e autoras estadunidenses que tratam do tema não se restringem aos grupos branco e negro, abordando também outras categorias étnico-raciais e de nacionalidade. De modo geral, os estudos indicam que os efeitos da raça de quem conduz a entrevista para as respostas de participantes da pesquisa são fortemente moderados pela raça da pessoa respondente e pela sensibilidade racial da pergunta, observando-se um esforço para fornecer respostas que, em sua visão, não ofendam quem conduz a entrevista (Liu; Wang, 201628 LIU, Mingnan; WANG, Yichen. Interviewer gender effect on acquiescent response style in 11 Asian countries and societies. Field Methods, v. 28, n. 4, p. 327-344, 2016. https://doi.org/10.1177/1525822X15623755
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; West; Blom, 201650 WEST, Brady T.; BLOM, Annelies G. Explaining interviewer effects: a research synthesis. Journal of Survey Statistics and Methodology, v. 5, n. 2, p. 175-211, 2016. https://doi.org/10.1093/jssam/smw024
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). Como consequência, parte da bibliografia defende a adoção de paridade racial entre quem entrevista e quem é entrevistado (West; Blom, 201650 WEST, Brady T.; BLOM, Annelies G. Explaining interviewer effects: a research synthesis. Journal of Survey Statistics and Methodology, v. 5, n. 2, p. 175-211, 2016. https://doi.org/10.1093/jssam/smw024
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).

Os estudos sobre os efeitos do gênero na aplicação de surveys, se praticamente inexistentes no Brasil, também recebem alguma atenção por parte da literatura estadunidense. De maneira geral, as investigações indicam que o gênero da pessoa entrevistadora influencia respostas a questões relativas a gênero – tais como comportamento sexual, violência física e sexual, feminismo e papéis de gênero –, mas não às demais (Liu; Wang, 201628 LIU, Mingnan; WANG, Yichen. Interviewer gender effect on acquiescent response style in 11 Asian countries and societies. Field Methods, v. 28, n. 4, p. 327-344, 2016. https://doi.org/10.1177/1525822X15623755
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). Além disso, as entrevistadoras tenderiam a obter resultados de melhor qualidade que os entrevistadores, pois são vistas como menos ameaçadoras; elas tenderiam a obter respostas socialmente aceitáveis em maior grau; e os entrevistadores obteriam respostas mais frequentes sobre uso de drogas (pois mais facilmente identificados como usuários) e, também, sobre doenças crônicas (já que mais facilmente associados por respondentes a profissionais da medicina) (West; Blom, 201650 WEST, Brady T.; BLOM, Annelies G. Explaining interviewer effects: a research synthesis. Journal of Survey Statistics and Methodology, v. 5, n. 2, p. 175-211, 2016. https://doi.org/10.1093/jssam/smw024
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).

Compreender os efeitos da raça/cor e do gênero de quem realiza entrevistas se faz relevante tanto para a elaboração de resultados de pesquisa mais precisos quanto para investigar aspectos psicossociais particulares das próprias relações raciais e sua combinação com gênero no Brasil, e que se mostram relevantes para o processo da pesquisa empírica. Importar os achados sobre o contexto estadunidense para a sociedade brasileira, no entanto, não nos parece ser o caminho mais adequado. Embora a desigualdade estrutural entre pessoas brancas e não brancas esteja presente em ambas as sociedades, existem contrastes marcantes na maneira como a classificação racial e o racismo se configuram nesses dois contextos, como a clássica diferenciação entre o racismo fenotípico – característico do Brasil – e o por ascendência – típico dos Estados Unidos (Gonzalez, 198817 GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, v. 92, n. 93, p. 69-82, 1988.; Nogueira, 200732 NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, v. 19, n. 1, p. 287-308, 2007. https://doi.org/10.1590/S0103-20702007000100015
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). Nesse sentido, faz-se necessário promover uma interlocução com as análises e insights desenvolvidas por estadunidenses que seja capaz de adotar o distanciamento necessário para se pautar a construção de saberes localizados sobre a formação racial (Omi; Winant, 199434 OMI, Michael; WINANT, Howard. Racial formation in the United States: from the 1960s to the 1990s. Londres: Routledge, 1994.) nacional, a fim de se evitar adotar uma visão universalista sobre raça que seja tecida a partir da generalização das particularidades do contexto dos Estados Unidos, bem como para apreender as especificidades trazidas pela colonização ibérica na invenção do Estado-nação brasileiro (Gonzalez, 198817 GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, v. 92, n. 93, p. 69-82, 1988.; Grosfoguel, 201618 GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003
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).

Na esteira da produção acadêmica contemporânea, tomamos raça como um construto social (Guimarães, 200320 GUIMARÃES, Antônio Sérgio A. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, v. 29, n. 1, p. 93-107, 2003. https://doi.org/10.1590/S1517-97022003000100008
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), afastando-nos de noções biológica ou culturalmente essencialistas do conceito. Ao longo do estudo, buscamos levar em conta seu caráter processual, contextual e relacional, sua historicidade e operacionalização no cotidiano, ao mesmo tempo em que reconhecer sua durabilidade, sua relevância para a organização das relações sociais em nível global, seus efeitos concretos no dia a dia das pessoas e seus desdobramentos para a identidade de indivíduos e grupos (Winant, 200051 WINANT, Howard. The theoretical status of the concept of race. In: BACK, L.; SOLOMOS, J. (org). Theories of race and racism: a reader. Londres: Routledge, 2000.). Por tomar raça como uma construção social e racismo como um fenômeno complexo, entendemos ser necessário repensar a abordagem a aspectos metodológicos para uma melhor compreensão desses eventos nos processos e resultados mesmos das pesquisas sobre o tema.

Tendo em vista a ausência de estudos sobre a questão, optamos por adicionar a análise dos efeitos do gênero de quem entrevista à investigação. Para tanto, partimos da perspectiva da interseccionalidade, que considera o imbricamento de gênero e raça (bem como de outros marcadores sociais) como articulador de fenômenos sociais (Choo; Ferree, 20109 CHOO, Hae Y.; FERREE, Myra M. Practicing intersectionality in sociological research: a critical analysis of inclusions, interactions, and institutions in the study of inequalities. Sociological Theory, v. 28, n. 10, p. 129-149, 2010. https://doi.org/10.1111/j.1467-9558.2010.01370.x
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; Collins; Bilge, 201610 COLLINS, Patricia H.; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.). Como observado pelas autoras que abordam o conceito, a interseccionalidade está presente inclusive na dimensão interpessoal, a qual é mobilizada na realização de pesquisas empíricas.

O presente artigo está dividido em quatro seções. Inicialmente, discorremos de modo breve sobre o sistema de classificação racial no Brasil, tendo em vista suas particularidades. Em seguida, apresentamos um levantamento bibliográfico sobre efeitos da raça, paridade e assimetria racial na produção nacional, no campo das Ciências Humanas e Sociais. Passamos então à análise dos relatos das pessoas que conduziram as entrevistas, para depois apresentar os resultados quantitativos e hipóteses provisórias sobre eles. Nas considerações finais, refletimos sobre as implicações dos achados para o campo de estudos das relações raciais e indicamos possíveis caminhos futuros de pesquisa.

O sistema de classificação racial no Brasil

O tema da classificação racial no Brasil é uma questão bastante explorada dentro do campo de estudos das relações raciais. A fluidez das classificações e a multiplicidade de termos para se descrever atributos raciais mobilizados cotidianamente seriam características marcantes do sistema brasileiro. Nota-se o privilégio do uso de cor ao invés da raça, um esfacelamento da linha de cor ou das fronteiras raciais e um acentuado grau de indefinição em torno da classificação dos grupos de aparência miscigenada (Sansone, 199639 SANSONE, Livio. Nem somente preto ou negro: o sistema de classificatório racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, v. 18, p. 165-187, 1996. https://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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, Petruccelli, 201336 PETRUCCELLI, José Luis. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação racial. In: PETRUCCELLI, J. L.; SABOIA, A. L. (org.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.; Bailey, 20162 BAILEY, Stanley. Dinâmicas raciais no Brasil contemporâneo: uma revisão empírica. Plural, v. 23, n. 1, p. 53-74, 2016. https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2016.118385
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). Tais características convivem com a hierarquização das pessoas não brancas de acordo com o tom da pele, textura do cabelo e da avaliação de proximidade dos demais traços fenotípicos do que se convencionou serem características próprias dos grupos populacionais brancos e negros (Telles; Perla, 201444 TELLES, Edward E.; PERLA. Pigmentocracies: ethnicity, race, and color in Latin America. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014.; Dixon; Telles, 201714 DIXON, Angela R.; TELLES, Edward. E. Skin color and colorism: global research, concepts, and measurement. Annual Review of Sociology, v. 43, n. 1, p. 405-424, 2017. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-060116-053315
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).

Para além da aparência, outros fatores influenciam a classificação racial atribuída a si e a outras pessoas: a região geográfica (composição racial e nível de urbanização), classe social, familiaridade, idade e geração (Wagley, 195249 WAGLEY, Charles. Race and class in rural Brazil. Paris: Unesco, 1952.; Harris, 196423 HARRIS, Marvin. Racial identity in Brazil. Luso-Brazilian Review, v. 1, n. 2, p. 21-28, 1964.; Hordge-Freeman, 201525 HORDGE-FREEMAN, Elizabeth. The color of love: racial features, stigma and socialization in black Brazilian families. Austin: University of Texas Press, 2015. https://doi.org/10.7560/302385
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). Há também indícios de que a maneira como as pessoas se identificam e são identificadas racialmente é influenciada pelo gênero, com maior estigma na atribuição da categoria “preta” a mulheres e acionamento mais frequente da conotação negativa ao termo “negra” (Wood, 199152 WOOD, Charles. Categorias censitárias e classificações subjetivas de raça no Brasil. In: LOVELL, P. Desigualdade racial no Brasil contemporâneo. Belo Horizonte: MGSP Editores Ltda, 1991. p. 93-111.; Telles, 200245 TELLES, Edward E. Racial ambiguity among the Brazilian population. Ethnic and Racial Studies, v. 25, n. 3, p. 415-441, 2002. https://doi.org/10.1080/01419870252932133
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; Bastos et al., 20094 BASTOS, João L. et al. Socioeconomic differences between self- and interviewer-classification of color/race. Revista de Saúde Pública, v. 42, n. 2, p. 324-334, 2009. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000005
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). Em específico, a autoclassificação racial é influenciada por fatores como a tradição, a cultura, a origem dos antepassados, o posicionamento político, geração, região, a origem socioeconômica ou de classe (Teixeira et al., 201343 TEIXEIRA, Moema P.; BELTRÃO, Kaizô I.; SUGAHARA, Sonoê. Além do preconceito de marca e de origem: a motivação política como critério emergente para classificação racial. In: PETRUCCELLI, J. L.; SABOIA, A. L. (org.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. p. 101-123.). Além disso, tanto a hetero- quanto a autoclassificação são influenciadas pelas associações e significados racistas atribuídos à raça negra, o que resulta na tendência a adoção de categorias de cor mais claras (Sansone, 199639 SANSONE, Livio. Nem somente preto ou negro: o sistema de classificatório racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, v. 18, p. 165-187, 1996. https://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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; Telles, 200245 TELLES, Edward E. Racial ambiguity among the Brazilian population. Ethnic and Racial Studies, v. 25, n. 3, p. 415-441, 2002. https://doi.org/10.1080/01419870252932133
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) – parte daquilo que intelectuais como Lélia Gonzalez (1988)17 GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, v. 92, n. 93, p. 69-82, 1988. nomeiam de “ideologia do branqueamento” ou do embranquecimento.

Importante observar que o sistema de classificação racial, se historicamente determinado, é reconfigurado no dia a dia (Sansone, 199639 SANSONE, Livio. Nem somente preto ou negro: o sistema de classificatório racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, v. 18, p. 165-187, 1996. https://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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), e passa por mudanças desencadeadas por transformações significativas na sociedade brasileira contemporânea. Desde a década de 1990 já se notava que a atuação dos movimentos negros e a progressiva disseminação do debate sobre raça e racismo no Brasil vinham fomentando a emergência de novas e mais complexas formas de identidade negra no país (Sansone, 199639 SANSONE, Livio. Nem somente preto ou negro: o sistema de classificatório racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, v. 18, p. 165-187, 1996. https://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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). Além disso, ao longo dos governos de Fernando Henrique Cardoso e subsequentes governos petistas, o reconhecimento de existência de hierarquias e de discriminação racial desdobrou-se na implementação de políticas públicas voltadas à promoção da igualdade racial. As iniciativas buscavam consolidar direitos garantidos na Constituição de 1988 à população negra, racialmente marginalizada, e avançar no combate às fortes desigualdades sinalizadas pelas estatísticas oficiais. Alguns exemplos são a criação da SEPPIR (2003), a sanção das Leis 10.639/2003 (referente ao ensino da história e cultura africana e afro-brasileira), 11.645/2008 (referente ao ensino da história e cultura indígena) e 12.711/2012 (lei de cotas para acesso ao ensino superior). Iniciativas locais também foram observadas desde o início dos anos 2000, como a adoção de ações afirmativas (inclusive por critério racial) para acesso, por parte de instituições de ensino superior (Rodrigues, 202038 RODRIGUES, Cristiano R. Afro-latinos em movimento: protesto negro e ativismo institucional no Brasil e na Colômbia. Belo Horizonte: Appris, 2020.).

O conjunto de medidas de promoção da igualdade racial desencadeou importantes mudanças nas próprias dinâmicas das relações raciais brasileiras. Algumas dessas transformações se referem à questão da identidade e aos padrões de classificação racial. Seguindo o discurso crescentemente visível dos movimentos negros e a necessidade de delimitação de categorias raciais para acesso a políticas públicas, o modelo de classificação racial brasileiro passou a adquirir maior consistência. Como resultado, o Brasil vem se movendo em direção a um modelo bipolar de classificação racial, semelhante ao dos Estados Unidos (Daniel, 200612 DANIEL, G. Reginald. Race and multiraciality in Brazil and the United States: converging paths? State College: Pennsylvania State University Press, 2006.).

Além disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que uma maior proporção de brasileiros/as passou autodeclarar-se preta ou parda, verificando-se um aumento do grupo “negro” em decorrência de transformações culturais mais que demográficas (IBGE, 201726 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. População chega a 205,5 milhões, com menos brancos e mais pardos e pretos. Agência IBGE Notícias, 24 nov. 2017. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos
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). Dessa forma, medidas de promoção da igualdade racial parecem ter sido capazes de reverter em alguma medida a simbologia negativa associada à negritude, levando mais pessoas com traços fenotípicos associados à afrodescendência a se identificarem como “negras”. Houve, por um lado, um aumento da consciência racial e, por outro, um aumento do reconhecimento da existência de dinâmicas raciais discriminatórias, sobretudo por parte dos indivíduos não brancos (Bailey, 20162 BAILEY, Stanley. Dinâmicas raciais no Brasil contemporâneo: uma revisão empírica. Plural, v. 23, n. 1, p. 53-74, 2016. https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2016.118385
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).

Os aspectos mencionados do sistema de classificação racial brasileiro se materializam no comportamento da população investigada durante o processo de pesquisa, com consequências relevantes para os resultados encontrados. Da discussão apresentada, destacamos três pontos. O primeiro deles se refere à identidade e à percepção social sobre a pessoa que aplica a pesquisa em campo, a qual se desvela não mais como uma entidade neutra e incolor que coleta os dados de forma não enviesada, conforme tradicionalmente defendido pelo paradigma cientificista (Piza, 200237 PIZA, Edith. Porta de vidro: entrada para a branquitude. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 59-90.). Pelo contrário, consideramos que a raça/cor de pesquisadores, em medida significativa, determina aquilo que ele ou ela vivencia durante o trabalho de campo, assim como os dados coletados (Hanchard, 200021 HANCHARD, Michael. G. Racism, eroticism, and the paradoxes of a U.S. black researcher in Brazil. In: TWINE, F. W.; WARREN, J. W. (org.). Racing research, researching race: methodological dilemmas in Critical Race Studies. Nova York: New York University Press, 2000. p. 165-186.; Hordge-Freeman, 201525 HORDGE-FREEMAN, Elizabeth. The color of love: racial features, stigma and socialization in black Brazilian families. Austin: University of Texas Press, 2015. https://doi.org/10.7560/302385
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; Pereira, 202035 PEREIRA, Bruna C. J. Dengos e zangas das mulheres-moringa: vivências afetivo-sexuais de mulheres negras. Pittsburgh: Latin America Research Commons, 2020. https://doi.org/10.25154/book6
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; Twine, 199848 TWINE, Frances W. Racism in a racial democracy: the maintenance of white supremacy in Brazil. Nova Brunswick: Rutgers University Press, 1998.). Nossa abordagem se alinha, assim, aos referenciais feministas, pós-coloniais e decoloniais, que destacam a inexistência de pesquisador(a) ou de conhecimento como entidade universal e neutra, uma vez que todo pensamento é localizado/situado e provinciano, sendo os sujeitos referenciados a seu contexto cultural e atravessados por seu pertencimento racial/étnico (Bernardino-Costa; Grosfoguel, 20166 BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra. Sociedade e Estado. v. 31, n. 1, p. 15-24, 2016. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100002
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) e de gênero (Collins, 200911 COLLINS, Patricia H. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. Londres: Routledge, 2009.). O segundo ponto é a influência da interação social entre quem realiza a entrevista e a pessoa entrevistada, para a autoclassificação racial dessa última. O terceiro ponto se refere à interseccionalidade de gênero e raça e seus impactos na classificação racial coletada pela pesquisa.

Efeitos da raça/cor de quem entrevista na pesquisa de campo: uma breve revisão da bibliografia brasileira sobre o tema

A fim de mapear as produções acadêmicas sobre os efeitos da raça/cor de pessoas entrevistadoras em pesquisas de campo, realizamos uma revisão de literatura em português em três bases de dados: Scielo, Banco de Teses e Dissertações (BDTD) e Google Acadêmico, considerando trabalhos nas áreas de Ciências Humanas e Sociais. Dada a escassez de produção acadêmica sobre o tema, não adotamos um recorte temporal; no entanto, restringimos o levantamento a estudos realizados no Brasil. Para guiar a busca, utilizamos os descritores “assimetria racial”, “paridade racial”, “pesquisador racial”, “pesquisadora racial”, “pesquisador branco”, “pesquisadora branca”, “pesquisador negro”, “pesquisadora negra” e “pesquisa racial”, além das combinações “entrevistador AND raça”, “metodologia AND raça/negro”, “assimetria racial AND pesquisa”, “paridade racial AND pesquisa” e “efeito AND raça”. Verificamos também as referências bibliográficas encontradas nos artigos.

Nessa varredura inicial, encontramos 20 trabalhos, incluindo artigos, capítulos de livros, teses e dissertações. Na etapa de seleção, excluímos dez trabalhos por não tratarem de forma particular ou transversal a temática. Após uma análise detalhada de seus resumos e dos textos na íntegra, somente dez trabalhos que continham a discussão sobre os efeitos da raça/cor da pessoa pesquisadora ao longo do texto foram qualificados para análise. Na Tabela 1 é possível consultar as informações acerca dessas produções.

Tabela 1
Revisão de literatura

Como é possível verificar, há uma escassa produção sobre os efeitos da raça/cor da pessoa que entrevista em estudos sobre as relações raciais no Brasil, bem como um certo lapso temporal entre os anos 2002 e 2012. Além disso, o debate tem sido travado principalmente no âmbito da Psicologia Social e, mais recentemente, da Antropologia. Nota-se, também, um aumento do interesse pelo tema a partir de 2018 – ainda que tímido.

Já na década de 1980, Alberto Guerreiro Ramos (1982/1995)19 GUERREIRO RAMOS, Alberto. Patologia racial do “branco” brasileiro. In: GUERREIRO RAMOS, A. Introdução crítica à Sociologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, [1982]1995. p. 215-240. questionou a produção socioantropológica brasileira sobre as relações raciais ao defender a existência de “imprecisões” (p. 236) no trabalho realizado por pesquisadores e pesquisadoras brancas, as quais seriam motivadas – ou, ao menos, potencializadas – pela “idealização da brancura” (p. 235), ou seja, pela resistência psicológica de muitas dessas pessoas em admitir sua ascendência negra. O autor assinalava, assim, a existência de influências da pertença racial de quem realiza a pesquisa nas observações e na pesquisa de campo, segundo o contexto socio-histórico brasileiro.

Mas foi o livro Psicologia social do racismo (2002) que, de fato, passou a refletir sobre a raça/cor do sujeito que realiza pesquisa e as suas possíveis implicações para as respostas e reações das pessoas que dela tomam parte. A obra dedicou-se pioneiramente às discussões sobre a branquitude e à abordagem do racismo enquanto problema relacional, ressaltando a necessidade de se racializar as pessoas brancas e de compreender a branquitude para o enfrentamento das desigualdades raciais. Tal produção destaca a existência de uma potencialidade dos estudos sobre os efeitos da raça/cor de quem pesquisa e sobre paridade e assimetria racial na pesquisa. Ademais, em se observando a paridade racial entre pessoas brancas, pode-se investigar o funcionamento do “pacto narcísico da branquitude” (Bento, 20025 BENTO, Maria Aparecida. Branquitude e branqueamento no Brasil. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-57), o qual se configura como um acordo tácito entre pessoas brancas em geral (e não apenas durante a pesquisa de campo) de não falar sobre racismo, visto que isso incorreria em reconhecer privilégios e possivelmente perdê-los.

A despeito do impacto do livro, foi apenas no ano de 2012 que Lia Schucman, Eliane Costa e Lourenço Cardoso retomaram as reflexões sobre o tema. Em seu artigo, indicam que tanto a paridade quanto a assimetria racial são importantes nas pesquisas sobre relações raciais no Brasil. Para as autoras e autor, não se trata de uma relação linear: a paridade pode ser um facilitador ou um obstáculo para a realização da pesquisa de campo, a depender do contexto estudado. De toda forma, o artigo defende que a pertença racial de quem conduz a pesquisa de campo pode fazer emergir questões interessantes e ainda pouco exploradas sobre racismo e branquitude.

Nos últimos três anos, observa-se o ingresso da Antropologia nos debates sobre o tema, sobretudo no que tange à construção do campo na metodologia etnográfica. Tais trabalhos ressaltam a existência de dinâmicas racializadas (e racistas) que configuram a inserção do pesquisador ou pesquisadora no campo (Oliveira, 201833 OLIVEIRA, Josiane S. As influências raciais na construção do campo etnográfico: um estudo multissituado no contexto Brasil-Canadá. Organizações & Sociedade, v. 25, n. 86, p. 511-531, 2018. https://doi.org/10.1590/1984-9250868
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; Santiago, 201940 SANTIAGO, Flávio. Branquitude e creche: inquietações de um pesquisador branco. Educação em Revista, v. 35, n. 76, p. 305-330, 2019. https://doi.org/10.1590/0104-4060.66099
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; Domingues, 201915 DOMINGUES, Bruno R. C. Negro na universidade, branco no trabalho de campo: reflexões sobre representação e desigualdade racial na academia. Cadernos de Campo (São Paulo - 1991), v. 27, n. 1, p. 295-309, 2018. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v27i1p295-309
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) e o gradual (e recente) reconhecimento do valor de pessoas negras e indígenas como pesquisadoras insiders (Araújo, 20181 ARAÚJO, Patrício C. Desafios da Antropologia contemporânea: elementos para se pensar o antropólogo insider no campo da Antropologia das populações afro-brasileiras. In: CLEMENTE, C. C.; SILVA, J. C. G. (org.). Culturas negras e Ciências Sociais no século XXI: perspectivas afrocentradas. Uberlândia: EDUFU, 2018. https://doi.org/10.14393/EDUFU-978-85-7078-480-3
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). Além disso, sob influência da abordagem da epistemologia do ponto de vista (standpoint) dos estudos feministas (Harding, 199522 HARDING, Sandra. “Strong objectivity”: a response to the new objectivity question. Synthese, v. 104, n. 3, p. 331-349, set. 1995. https://doi.org/10.1007/BF01064504
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) e do feminismo negro (Collins, 200911 COLLINS, Patricia H. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. Londres: Routledge, 2009.), esses trabalhos situam a necessidade de se racializar a figura do pesquisador ou pesquisadora e de se debater a branquitude. Nesse sentido, em termos aplicados à prática de pesquisa e à própria pessoa que realiza a pesquisa, Flávio Santiago (2019, p. 325)40 SANTIAGO, Flávio. Branquitude e creche: inquietações de um pesquisador branco. Educação em Revista, v. 35, n. 76, p. 305-330, 2019. https://doi.org/10.1590/0104-4060.66099
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afirma que:

As nossas pesquisas são enraizadas em nosso local de fala; a posição social que ocupamos no mundo marca diretamente as nossas interpretações dos dados e das experiências que vivenciamos em campo, pois o percurso de construção dos trabalhos científicos está diretamente interligado à nossa subjetividade. Tudo o que dizemos é sempre “situado”, “posicionado”.

Da análise exposta, pode-se inferir que, na produção acadêmica brasileira em Ciências Humanas e Sociais, o debate está presente no âmbito da Psicologia Social, e recentemente passou a desenvolver-se também na Antropologia. O silêncio por parte da Sociologia é, no entanto, notável. Frente ao caráter incipiente da produção nacional sobre a temática, mapeamos alguns argumentos da produção estadunidense sobre o tema investigado, e que consideramos importantes para a análise dos achados da investigação realizada para este estudo.

Um argumento bastante recorrente, exemplificado no trabalho de Allyson Holbrook, Timothy Johnson e Maria Krysan (2020), é o de que a paridade racial facilita, para quem conduz a pesquisa e para quem dela participa, a entrevista ou conversa sobre raça e racismo por conta do “espelho”, ou seja, da confiança que se estabelece a partir da identificação entre pesquisador(a) e entrevistado(a). De fato, seu argumento é que a paridade racial favorece o recrutamento de participantes da pesquisa, especialmente em estudos sobre raça e racismo. De modo complementar, Patricia Hill Collins (2016)10 COLLINS, Patricia H.; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016. aponta a necessidade de se incorporar a perspectiva da intelectualidade negra às Ciências Sociais, visto que os grupos marginalizados pela produção acadêmica hegemônica enriqueceriam o discurso sociológico contemporâneo ao agregar pontos de vista historicamente excluídos dele.

Outros trabalhos, porém, assinalam que, por si só, a paridade racial não garante resultados de pesquisa mais precisos, uma vez que há outras dinâmicas e categorias sociais relevantes para a inserção de uma pessoa como pesquisadora em pesquisa de campo, tais como gênero e classe (Islam, 200027 ISLAM, Naheed. Research as an act of betrayal: researching race in an Asian community in Los Angeles. In: TWINE, F. W.; WARREN, J. W. (org.). Racing research, researching race: methodological dilemmas in Critical Race Studies. Nova York: New York University Press, 2000. p. 35-66.). Além disso, como argumentado por France Twine (2000)47 TWINE, Frances. Racial ideologies, racial methodologies, and racial fields. In: TWINE, F. W.; WARREN, J. W. (org.). Racing research, researching race: methodological dilemmas in Critical Race Studies. Nova York: New York University Press, 2000. p. 1-34., não há garantias de que pesquisadores(as) negros(as) entrevistando pessoas negras terão uma experiência pessoal menos difícil ou de que seus achados serão mais acertados. Por exemplo, sobre seu trabalho de campo no interior do Rio de Janeiro durante a década de 1990, a autora relata o desconforto em ter sido repreendida por pessoas negras ao fazer perguntas sobre raça e de ter sido lida também por elas pela lente de estereótipos racistas, como empregada doméstica ou prostituta – ao menos num primeiro momento. Além disso, Twine destaca os perigos de se romantizar a paridade racial em pesquisas sobre raça e racismo, na medida em que tal postura poderia marginalizar ainda mais os estudos sobre o tema e confinar acadêmicos e acadêmicas negras a tal área da investigação. Da mesma forma, argumenta, às pessoas brancas seriam convenientes tanto a desresponsabilização por tais discussões quanto o lucro em se manter intacta a estrutura racista de opressão.

De antemão, reconhecemos as potencialidades e limitações da paridade racial na pesquisa, evitando uma leitura essencialista e promovendo uma responsabilização dos sujeitos brancos na pesquisa sobre raça a partir de um prisma antirracista. Entendemos que a paridade ou assimetria podem revelar aspectos distintos das dinâmicas sociais, e que podem ser mais vantajosas ou desvantajosas a depender dos propósitos e do contexto de pesquisa. Nesse sentido, entendemos que tanto a “paridade como a assimetria podem ser mote para a realização de pesquisas sobre relações interraciais (e intra grupos raciais) no Brasil” (Schucman et al., 201242 SCHUCMAN, Lia V.; COSTA, Eliane S.; CARDOSO, Lourenço. Quando a identidade racial do pesquisador deve ser considerada: paridade e assimetria racial. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 4, n. 8, p. 15-29, 2012.).

Na revisão bibliográfica empreendida, duas lacunas saltam aos olhos: a inexistência de estudos quantitativos e de considerações sistematizadas sobre a interseccionalidade de gênero e raça, ou seja, do impacto do gênero na pesquisa de campo – apesar de que observações pontuais sobre esse último ponto tenham sido encontradas. O presente estudo dedica-se a explorar inicialmente ambas as questões.

A literatura consultada indica que tomar a pessoa pesquisadora como alguém racializado implica reconhecer que sua raça/cor influencia tanto sua inserção no campo como a sua própria experiência da pesquisa. Por si só, tais observações sugerem a existência de efeitos significativos para os resultados dos estudos, sobretudo dos que tratam de raça e racismo. Afinal, raça é tomada como um aspecto que impacta as interações sociais. Ao mesmo tempo, notando o aspecto histórico, contextual e processual da raça, destacamos que a maior inserção de estudantes negros nas universidades brasileiras e o crescimento do discurso antirracista no Brasil possivelmente afetam a forma como pesquisadores e pesquisadoras vêm percebendo sua inserção em campo. A seguir, nos dedicamos a analisar as impressões de pesquisadores(as) que participaram da aplicação da pesquisa Percepções Raciais no Distrito Federal.

Percepções a partir da inserção em campo

No momento da aplicação do survey, as 19 pessoas responsáveis pela aplicação da pesquisa eram estudantes de graduação da Universidade de Brasília. Mapeamos suas percepções sobre sua inserção em campo, levando em conta sua raça/cor. Para tanto, solicitamos que nos fornecessem sua autodeclaração racial e um breve relato sobre a experiência em campo, incluindo percepções sobre facilidade e dificuldade de adesão de participantes à pesquisa e sobre as concordâncias e discrepâncias entre auto e heteroclassificação racial das pessoas entrevistadas. Importante notar que, embora os e as estudantes tenham sido instruídos a tomar nota de sua experiência durante a pesquisa campo, tendo em vista a possibilidade de que surgissem dinâmicas relevantes para os resultados da pesquisa, essa não foi uma exigência, de modo que seus relatos aqui mencionados não constituem produto de um caderno de campo propriamente dito. Nos dois casos em que a pessoa pesquisadora não forneceu sua autoidentificação racial, seu perfil foi definido por heteroclassificação. Reconhecemos que a solução encontrada é apenas paliativa, tendo em vista a possível discrepância entre auto e heteroclassificação racial. Ao adotar a solução, levamos em conta o elevado grau de consistência entre auto e heterodeclaração (Petruccelli, 201336 PETRUCCELLI, José Luis. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação racial. In: PETRUCCELLI, J. L.; SABOIA, A. L. (org.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.), bem como a necessidade de se investigar uma temática ainda pouco explorada no Brasil. A partir desse levantamento, chegamos ao seguinte perfil racial das pessoas que conduziram as entrevistas: sete brancas, sete pardas e cinco pretas.

Observamos que, em geral, as impressões coletadas convergiram por grupos de raça/cor das pessoas que conduziram as entrevistas. De maneira quase unânime, pessoas pretas e pardas afirmaram que a paridade racial foi um fator facilitador para aproximação e condução da entrevista; por outro lado, sentiram um maior desconforto por parte das pessoas brancas que abordaram. O achado aproxima-se dos relatados por Holbrook et al. (2020)24 HOLBROOK, Allyson. L.; JOHNSON, Timothy P.; KRYSAN, Maria. Race- and ethnicity-of-interviewer effects. In: LAVRAKAS, Paul J. et al. (orgs.). Experimental Methods in Survey Research: Techniques that Combine Random Sampling with Random Assignment. New Jersey: Willey, 2020. p. 197-224. https://doi.org/10.1002/9781119083771.ch11
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.

Também o grupo de pesquisadoras e pesquisadores brancos notou maior abertura das pessoas interpeladas para realizar a entrevista quando havia paridade racial. Além disso, tais pesquisadores(as) afirmaram que as pessoas entrevistadas pareciam esperar a concordância por parte de quem conduzia a entrevista, ou seja, uma validação ou aprovação de suas respostas, a partir de um pressuposto de afinidade derivada da pertença racial comum. Também Schucman (2014)41 SCHUCMAN, Lia. V. Sim, nós somos racistas: estudo psicossocial da branquitude paulistana. Psicologia & Sociedade, v. 26, n. 1, p. 83-94, 2014. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100010
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observou que diversas pessoas entrevistadoras brancas perceberam que a paridade racial facilitou a algumas pessoas participantes brancas expressar ideias sobre a superioridade branca.

Já as pessoas pretas e pardas que conduziram a pesquisa notaram um comportamento de esquiva por parte de pessoas brancas entrevistadas: estas apresentaram receio de responder e pareciam ponderar suas falas a partir da tentativa de se aproximar de discursos socialmente desejáveis, tentando assim se afastar do rótulo de “racista”. Apesar dessa tendência à autovigilância, essas mesmas pessoas não se furtaram a exprimir ideias de superioridade branca. Embora pareçam contraditórios, a atitude de recriminar o discurso abertamente racista ao mesmo tempo que se mantém e propaga ideias racistas já foi documentada por pesquisas anteriores sobre as relações raciais brasileiras.2 2 Citamos, nesse sentido, a constatação de Florestan Fernandes (1965) de que as pessoas no Brasil têm “preconceito de ter preconceito”, bem como as pesquisas do Datafolha (Turra; Venturi, 1995; Datafolha, 2008), que indicam o amplo reconhecimento da existência do racismo no Brasil, mas a falta de reconhecimento do próprio preconceito racial.

Pessoas entrevistadoras brancas e pardas também perceberam uma notável discrepância entre hetero- e autoclassificação das pessoas entrevistadas, com a preferência pela categoria de raça/cor “parda” e tentativa de se evitar os extremos “branca” e “preta”. Tal achado se assemelha aos encontrados por Ellis Monk (2013)30 MONK Jr., Ellis P. Color, bodily capital, and ethnoracial division in the U.S. and Brazil. Oakland: University of California, 2013. no estado de Goiás – assim como o DF, localizado na região Centro-Oeste. O autor destaca a existência de lógicas classificatórias que divergem entre as regiões brasileiras, derivadas de particularidades contextuais e históricas. Com isso, observa que a probabilidade de uso da categoria de cor “parda” em Goiás seria maior do que no Rio de Janeiro, por exemplo, ou nos estados da região Sul.

O que revelam os números

O quadro de pessoas que conduziram a pesquisa apresentou o seguinte perfil quanto a raça/cor e gênero: das 19, sete eram brancas, sete pardas e cinco pretas, sendo sete homens e 12 mulheres. Nosso objetivo inicial era desagregar o quadro de pessoas pesquisadoras simultaneamente por gênero e raça. Contudo, teríamos apenas um entrevistador branco, número insuficiente para derivar conclusões generalizantes. Decidimos, portanto, realizar a desagregação apenas por raça/cor ou por gênero.3 3 Deixamos aqui a sugestão para que futuros estudos utilizem o recorte simultâneo por gênero e raça. Importante ainda mencionar que o número de entrevistas conduzidas por cada pessoa não foi o mesmo, e, de fato, apresentou grande variação.

Para compreender como raça e gênero impactam a autoclassificação racial, calculamos a probabilidade de que a autodeclaração “embranquecesse”, “escurecesse” ou “convergisse” em relação à heteroclassificação quando a pessoa que conduziu a entrevista era branca, parda ou preta (Tabela 2 e Gráfico 1). Fizemos isso da seguinte forma: calculamos o número de pessoas entrevistadas que, comparando-se autodeclaração e heteroclassificação, embranqueceram, escureceram ou convergiram. Calculamos então a probabilidade de que qualquer pessoa da amostra embranquecesse, escurecesse ou convergisse. Em seguida, apuramos a frequência observada em termos de embranquecimento, escurecimento e convergência, para então considerarmos as diferenças entre o esperado e o que foi, de fato, observado. Depois, fizemos um cálculo semelhante levando em conta apenas o gênero da pessoa que conduziu a entrevista (Tabela 3 e Gráfico 2). A medida apresentada é a diferença entre o valor observado e o valor esperado (sob a hipótese de independência entre as variáveis) em uma tabela de contingência. Calculamos as frequências esperadas considerando as distribuições marginais de cada variável.

Tabela 2
Efeito da raça/cor da pessoa entrevistadora sobre a autodeclaração racial da entrevistada, por raça/cor da entrevistadora
Gráfico 1
Efeito da raça/cor da pessoa entrevistadora sobre a autodeclaração racial da entrevistada, por raça/cor da entrevistadora

Os resultados indicam que a autoclassificação racial não é necessariamente estável. Sugerimos que as variações encontradas têm raízes em dinâmicas psicossociais atreladas ao status racial privilegiado ou desprivilegiado atribuído aos grupos de cor e, também, a mudanças recentes no discurso racial na sociedade brasileira.

Na tabela 2 e no gráfico 1, observamos o efeito da raça/cor de quem conduziu a pesquisa sobre a autodeclaração de raça/cor da pessoa entrevistada. Quando a pessoa que conduziu a pesquisa era parda, houve um maior grau de embranquecimento da autoclassificação, em comparação à heteroclassificação. Ou seja, as pessoas entrevistadas por pessoas brancas e pardas tenderam a se classificar como mais claras em relação à categoria de raça/cor que lhes foi atribuída, efeito ainda mais expressivo quando quem conduziu a pesquisa era pardo. Os números para entrevistadores brancos seguiram tendência similar e muito próxima.

Tendo em vista a ideologia do embranquecimento vigente no Brasil (Gonzalez, 198817 GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, v. 92, n. 93, p. 69-82, 1988.), levantamos a hipótese de que, frente a um pesquisador ou pesquisadora branca, as pessoas entrevistadas buscam equiparar seu status racial ao status superior de quem as interpela, ou ao menos amenizar sua situação desprivilegiada, apresentando-se como mais claras. Frente a uma pessoa pesquisadora parda, a mesma dinâmica pode ocorrer; ao mesmo tempo, pode existir um esforço da parte da pessoa entrevistada para superar o status racial de quem a entrevista. Nas duas situações, sugerimos que há uma dinâmica de competição, que leva ao embranquecimento da autoclassificação racial.

Por outro lado, quando uma pessoa preta conduziu a entrevista, a autoclassificação das pessoas entrevistadas tendeu a se enegrecer em relação à categoria raça/cor que lhes foi atribuída. Ao mesmo tempo, o efeito do embranquecimento foi deveras atenuado – o efeito mais expressivo encontrado quando se considera a raça/cor de quem entrevista –, e houve um nível significativamente maior de convergências entre auto e heteroclassificação para esse grupo de entrevistadores.

Dada a preferência regional de autoclassificação pela cor parda (Monk, 201330 MONK Jr., Ellis P. Color, bodily capital, and ethnoracial division in the U.S. and Brazil. Oakland: University of California, 2013.), o grupo de cor intermediário não seria tão estigmatizado como o grupo preto, distanciando-se dele nos efeitos provocados sobre a autoclassificação das pessoas entrevistadas. Por outro lado, propomos que a presença de uma pessoa preta como entrevistadora, a quem é atribuído um status racial mais desvantajoso, suspende a lógica da competição, evitando que as pessoas entrevistadas recorram ao clareamento na autodeclaração. Assim, entrevistadores pretos facilitariam a autoidentificação de participantes da pesquisa segundo as categorias “parda” ou “preta”, tanto pelo efeito de “espelho”, que teria um sentido afirmativo, de “orgulho da raça”, quanto no sentido de que a pessoa entrevistada não veria necessidade de tentar se igualar ao status social da pessoa pesquisadora, já reduzido pela sua pertença ao grupo de cor mais estigmatizado. Entendemos que pode ainda estar vigente uma dinâmica de afinidade, que, ecoando o discurso antirracista que vem ganhando espaço na sociedade brasileira, leve a pessoa entrevistada a buscar se acercar de quem conduz a pesquisa em sua autodeclaração racial. Nessa última dinâmica, a condição relativamente prestigiosa de pesquisador (e de estudante universitário, no caso desta pesquisa) pode contribuir para o ímpeto de aproximação.

As análises quanto aos efeitos do gênero de quem realizou as entrevistas sobre a autoclassificação racial de participantes da pesquisa mostraram efeitos ainda mais significativos, como revelam a Tabela 3 e o Gráfico 2, a seguir.

Tabela 3
Efeito do gênero da pessoa entrevistadora sobre a autodeclaração racial da entrevistada, por gênero da entrevistadora
Gráfico 2
Efeito do gênero da pessoa entrevistadora sobre a autodeclaração racial da entrevistada, por gênero da entrevistadora

Tendo em vista a ausência de estudos anteriores indicando a relevância do gênero da pessoa pesquisadora para a autoclassificação racial da pessoa entrevistada, não esperávamos encontrar implicações tão expressivas, e ainda mais significativas do que as verificadas tendo em vista a raça/cor de quem conduz a entrevista. As entrevistas realizadas por pesquisadores tenderam a resultar no enegrecimento da autodeclaração racial, com redução do embranquecimento e, sobretudo, da convergência entre auto e heteroclassificação da pessoa entrevistada. Aqui, no entanto, é importante considerar uma limitação da pesquisa, tendo em vista que apenas um dos entrevistadores era branco. Nesse sentido, esse resultado em particular pode estar mais associado à raça/cor do que ao gênero; pesquisas futuras são necessárias para verificar tal hipótese. Para as entrevistadoras, a tendência foi de forte redução do enegrecimento da autodeclaração por parte de participantes da pesquisa, com pequeno aumento do embranquecimento e maior consistência entre auto e heterodeclaração racial.

As dinâmicas interpessoais de gênero aparentemente tiveram implicações para a autoclassificação racial dos indivíduos. A explicação para tal efeito não é óbvia e não foi encontrada em estudos anteriores, de modo que fica aqui a questão: por que entrevistadoras, qualquer que seja seu grupo de cor, obtiveram menor nível de escurecimento do que os entrevistadores? Posto de outra forma, por que as pessoas participantes buscam parecer ou se percebem como escuras em menor medida quando interagem com uma pesquisadora, em comparação a um pesquisador? Há variações por gênero da pessoa entrevistada? É plausível imaginar que lógicas de competição entre mulheres e de sedução, bem como uma maior saliência da associação entre tez clara e beleza (Pereira, 202035 PEREIRA, Bruna C. J. Dengos e zangas das mulheres-moringa: vivências afetivo-sexuais de mulheres negras. Pittsburgh: Latin America Research Commons, 2020. https://doi.org/10.25154/book6
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), estejam envolvidas nas tendências – resta, contudo, investigar como.

A título provisório, sugerimos que, entre pessoas entrevistadas heterossexuais, a interpelação por investigadoras se desdobraria em projeções, senão em esforços, de conquista e competição, que são gendradas. Os homens buscariam se tornar mais atraentes frente a elas, o que, em uma sociedade racista, significa buscar distanciar-se dos polos mais escuros de cor. Já as mulheres, envolvidas naquilo que Roger Bastide e Florestan Fernandes (1955/2008)3 BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo: Global, [1955] 2008. nomearam de “batalha de cores”, encarando a entrevistadora como uma rival em potencial no âmbito afetivo, buscaria também evitar as categorias de cor mais desprivilegiadas, afastando-se do enegrecimento. É possível ainda que as pesquisadoras negras, mais estigmatizadas por sua pertença racial do que os entrevistadores negros na situação particular da entrevista, devido ao peso da aparência para as mulheres (Pereira, 202035 PEREIRA, Bruna C. J. Dengos e zangas das mulheres-moringa: vivências afetivo-sexuais de mulheres negras. Pittsburgh: Latin America Research Commons, 2020. https://doi.org/10.25154/book6
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), suscitem nas pessoas entrevistadas a tentativa de afastamento do status racial desprivilegiado. Interessante ressaltar que, conquanto se verifique menor tendência ao embranquecimento quando da presença das entrevistadoras, ela não resultou em um embranquecimento significativo da autodeclaração.

Considerações finais

O estudo aqui apresentado traz duas contribuições interconectadas para o campo de estudo das relações raciais. A primeira diz respeito ao caráter contextual e variável da autoclassificação racial, que se mostrou atravessada por dinâmicas psicossociais próprias das relações interpessoais. A segunda contribuição é a constatação de que tanto a pertença racial quanto o gênero da pessoa com quem se interage provocam variações na autoclassificação racial dos indivíduos.

Nossa interpretação dos resultados considera o histórico sociocultural da raça do Brasil, tendo em vista o racismo e um de seus mecanismos de funcionamento: a ideologia do embranquecimento. Por isso, as categorias de cor mais escuras são lidas como aquelas das quais, em geral, se busca fugir. Ao mesmo tempo, levamos em conta as lentas, mas significativas transformações, recentes no discurso racial no Brasil, com o fortalecimento e valorização da identidade negra, e que vem se refletindo na maneira como as pessoas se designam racialmente.

A paridade racial emergiu na parte qualitativa deste estudo como um facilitador de aproximação entre quem conduz e quem responde à entrevista, favorecendo mesmo a adesão à pesquisa e a expressão de opiniões. As variações entre auto e heteroclassificação racial, notadas pelos pesquisadores e pesquisadoras, ganharam contornos mais nítidos a partir do uso de métodos quantitativos. Nesse sentido, o que pudemos, de fato, constatar, foi que, se se observa entre a população brasileira um enfraquecimento da tendência em se identificar com categorias de cor mais claras que a atribuída por quem conduz a pesquisa, como já indicado por outros estudos, tal inclinação não é absoluta, mas antes está condicionada e é influenciada pelo perfil (racial e de gênero) de quem aplica a pesquisa.

Se, por um lado, as percepções das pessoas entrevistadoras pretas e pardas sobre a maior facilidade em entrevistar pessoas negras se sobrepõem, por outro, os movimentos de divergência e convergência entre auto e heteroclassificação racial das pessoas entrevistadas foram bastante próximos para os conjuntos de pesquisadores e pesquisadoras branco e pardo, divergindo do grupo de pessoas entrevistadoras pretas.

Também o gênero dispôs de um efeito importante na maneira como os participantes da pesquisa se autoclassificaram, verificando-se a tendência de que a presença de pesquisadoras significativamente evitasse o escurecimento da autodeclaração em relação ao previsto, implicando maior convergência entre auto e heteroclassificação racial do que inicialmente esperado.

Supomos que a maior convergência entre auto e heteroclassificação quando a pessoa que conduz a entrevista é branca ou parda do que para quem é preta sugere que as cores “branca” e “parda” e o gênero masculino possam ser tomados como atributos “neutros” por respondentes. A combinação entre as categorias de cor mais claras e a masculinidade talvez levante menos suspeitas e instigue menor reatividade por parte de quem responde.

Essas são, no entanto, suposições, e carecem de verificação. A partir dos resultados indicados, ressaltamos a necessidade de se incorporar sistematicamente uma abordagem interseccional aos estudos sobre classificação racial, identificando como o gênero a influencia, bem como de realizar novos estudos quantitativos e qualitativos que forneçam mais elementos para que se compreendam as lógicas que orientam as diferenças observadas.

  • 1
    Coordenada pelos professores Joaze Bernardino-Costa e Emerson Ferreira Rocha e pela professora Bruna Cristina Jaquetto Pereira. Os dados desta pesquisa foram coletados no âmbito das disciplinas de graduação Sociologia das Relações Raciais (1º semestre/2019), Raça e Racismo no DF - I (2º semestre/2019) e Raça e Racismo no DF - II (1º semestre/2020) do Departamento de Sociologia da UnB, ministradas pelo professor Joaze Bernardino-Costa.
  • 2
    Citamos, nesse sentido, a constatação de Florestan Fernandes (1965)16 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Nacional, 1965. de que as pessoas no Brasil têm “preconceito de ter preconceito”, bem como as pesquisas do Datafolha (Turra; Venturi, 199546 TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo. Racismo cordial: a mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.; Datafolha, 200813 DATAFOLHA. Racismo cordial. São Paulo: Consórcio de Informações Sociais, 2008.), que indicam o amplo reconhecimento da existência do racismo no Brasil, mas a falta de reconhecimento do próprio preconceito racial.
  • 3
    Deixamos aqui a sugestão para que futuros estudos utilizem o recorte simultâneo por gênero e raça.

Agradecimentos

Agradecemos ao professor Emerson Ferreira Rocha pelo auxílio na produção dos dados estatísticos apresentados no presente artigo, e também a todas e todos os estudantes das disciplinas de graduação Sociologia das Relações Raciais (1º semestre/2019), Raça e Racismo no DF - I (2º semestre/2019) e Raça e Racismo no DF - II (1º semestre/2020) do Departamento de Sociologia da UnB, ministradas pelo prof. Joaze Bernardino-Costa, por sua contribuição para o desenvolvimento desta pesquisa. Por fim, agradecemos às pessoas que emitiram pareceres sobre o artigo por suas valiosas contribuições para a versão final do artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2021
  • Aceito
    08 Jul 2022
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