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Tenacidade ao impacto de compósitos de tecido de juta reforçando matriz de polietileno reciclado

Impact toughness of jute fabric reinforcing recycled polyethylene matrix composites

Resumos

Compósitos ambientalmente corretos fabricados com tecido de juta, retirados de sacos de aniagem, reforçando matriz de polietileno reciclado estão sendo investigados como sucedâneos de materiais convencionais para painéis de construção e mobiliário. O presente trabalho avaliou a tenacidade ao impacto destes compósitos para diferentes frações, até 40% em peso, de tecido de juta. Corpos de prova com dimensões padronizadas foram preparados por moldagem a quente e ensaiados em pêndulo de impacto Charpy. As correspondentes fraturas foram analisadas por microscopia eletrônica de varredura, MEV. Constatou-se que a energia registrada nos ensaios aumenta com a fração de tecido de juta como reforço. Observações por MEV permitiram identificar os mecanismos do efeito do reforço que o tecido de juta acarreta para o aumento da tenacidade do compósito.

Compósito ambientalmente correto; tecido de juta; polietileno reciclado; tenacidade ao impacto


Environmentally correct composites made of jute fabric, extracted from sackcloth, as reinforcement for recycled polyethylene matrix are being investigated as substitute for panels and furniture. The present work evaluated the impact toughness of theses composites with different amounts, up to 40wt%, of jute fabric. Standard specimens were fabricated by hot pressing and tested in a Charpy pendulum hammer. The corresponding specimen fractures were analyzed by scanning electron microscopy, SEM. It was found that the test registered value of the energy increased with the amount of jute fabric used as reinforcement. SEM observation allowed for the identification of the mechanisms responsible for the positive effect by the jute fabric reinforcement to the composite toughness.

Environmentally correct composite; jute fabric; recycled polyethylene; impact toughness


Tenacidade ao impacto de compósitos de tecido de juta reforçando matriz de polietileno reciclado

Impact toughness of jute fabric reinforcing recycled polyethylene matrix composites

Camerini, A.L.; Terrones, L.A.H.; Monteiro, S.N.

Laboratório de Materiais Avançados – LAMAV, Centro de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, CCT/UENF. Av. Alberto Lamego, 2000, 28015-620, Campos dos Goytacazes, RJ – Brasil e-mail: camerini@uenf.br, lucho@uenf.br, sergio.neves@pq.cnpq.br

RESUMO

Compósitos ambientalmente corretos fabricados com tecido de juta, retirados de sacos de aniagem, reforçando matriz de polietileno reciclado estão sendo investigados como sucedâneos de materiais convencionais para painéis de construção e mobiliário. O presente trabalho avaliou a tenacidade ao impacto destes compósitos para diferentes frações, até 40% em peso, de tecido de juta. Corpos de prova com dimensões padronizadas foram preparados por moldagem a quente e ensaiados em pêndulo de impacto Charpy. As correspondentes fraturas foram analisadas por microscopia eletrônica de varredura, MEV. Constatou-se que a energia registrada nos ensaios aumenta com a fração de tecido de juta como reforço. Observações por MEV permitiram identificar os mecanismos do efeito do reforço que o tecido de juta acarreta para o aumento da tenacidade do compósito.

Palavras chaves: Compósito ambientalmente correto, tecido de juta, polietileno reciclado, tenacidade ao impacto.

ABSTRACT

Environmentally correct composites made of jute fabric, extracted from sackcloth, as reinforcement for recycled polyethylene matrix are being investigated as substitute for panels and furniture. The present work evaluated the impact toughness of theses composites with different amounts, up to 40wt%, of jute fabric. Standard specimens were fabricated by hot pressing and tested in a Charpy pendulum hammer. The corresponding specimen fractures were analyzed by scanning electron microscopy, SEM. It was found that the test registered value of the energy increased with the amount of jute fabric used as reinforcement. SEM observation allowed for the identification of the mechanisms responsible for the positive effect by the jute fabric reinforcement to the composite toughness.

Keywords: Environmentally correct composite, jute fabric, recycled polyethylene, impact toughness

1 INTRODUÇÃO

O novo paradigma ambiental em nosso planeta, enfatizando a preservação e a utilização de produtos naturais, está contribuindo para priorizar o emprego de materiais renováveis e biodegradáveis como as fibras vegetais lignocelulósicas [1]. A diversidade destas fibras tem sido um estímulo a mais para a fabricação de materiais ditos ambientalmente corretos ou amigáveis. Atualmente, existe uma grande variedade de fibras lignocelulósicas como a juta, o sisal, o linho, o algodão e o cânhamo com participação relevante na economia mundial [2]. O emprego das fibras naturais estende-se desde simples objetos de baixo custo, tais como cordas e cestos, até materiais tecnologicamente modernos com alto valor agregado, como, por exemplo, componentes de automóveis. Dentre estes últimos materiais destacam-se os compósitos fabricados com matrizes poliméricas reforçadas com fibras naturais [3].

A utilização de fibras naturais como reforço de compósitos desperta interesses tanto sociais como industriais. No primeiro caso, por garantir a fixação e subsistência humana no campo e no segundo, pela possibilidade de desenvolver produtos mais econômicos e com características moldadas de acordo com a necessidade de aplicação. Para a sociedade e a indústria é ainda uma alternativa de substituição de materiais convencionais cujo descarte possa trazer poluição ambiental, como é o caso das fibras de vidro e carbono [4].

Além das fibras naturais, consideradas separadamente, tecidos trançados com estas fibras podem também ser utilizados como reforço para compósitos [5, 6] com emprego potencial em painéis de construção e mobiliário. Uma fibra natural que vem sendo estudada na forma de tecido é a juta [7, 8]. Tecidos com malhas grossas de fibra de juta continuam sendo muito utilizados na fabricação de sacos de aniagem para armazenar e transportar produtos de largo consumo como batatas, café, algodão, carvão e muitos outros.

Juntamente com o tecido de juta, outro material que pode ser combinado para a fabricação de compósitos amigáveis é o plástico reciclado. Em todo o mundo a reciclagem de plásticos é uma prática que se tornou corrente e que oferece ganhos à população de baixa renda. A principal razão para essa prática é evitar o acúmulo de lixo que causa poluição ambiental por longo período. Dentre os plásticos reciclados, os mais facilmente encontrados e com menor preço comercial são os polietilenos. Estas vantagens os tornam economicamente viáveis para fabricação de compósitos ambientalmente corretos.

A possibilidade de se reforçar o polietileno reciclado com tecido de juta provenientes de sacos de aniagem descartados gera uma solução para dois tipos de resíduo que merece ser investigada. Entretanto, para competir com outros materiais convencionais como aqueles à base de madeira, estes compósitos devem ter suas principais propriedades, como a tenacidade, devidamente avaliadas. Assim, o presente trabalho tem como objetivo um estudo preliminar da tenacidade ao impacto de compósitos de polietileno reciclado que foram reforçados com tecido retirados de sacos novos de juta. Este estudo pretende avaliar, antes de investigar tecidos de sacos usados, o potencial que um compósito dessa natureza apresenta como material tenaz, já que o polietileno, por si só, possui tenacidade relativamente baixa.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O tecido de juta, Fig. 1, utilizado como reforço de compósitos de matriz de polietileno reciclado foi adquirido comercialmente e cortado no mesmo tamanho do molde empregado para fabricar os corpos de prova.


O polietileno que constitui a matriz dos compósitos foi obtido na forma de pequenos pedaços reciclados. Verificou-se, preliminarmente, que esses pedaços já estavam limpos e secos, além de apresentarem sinais de pouca contaminação com outros tipos de plásticos.

Placas de compósitos com aproximadamente 10 mm de espessura foram processadas por compressão a 160°C em molde fechado e sob pressão de 1,7 MPa por 1h e 15 min. A quantidade relativa de tecido de juta, acomodada em camadas entremeadas com polietileno, variou de 0 a 40% em peso. As medidas dos corpos de prova foram de 120 x 12 x 10 mm exigidas pela norma ASTM D256 para a realização do ensaio de impacto Charpy, e o entalhe foi feito utilizando-se uma fresa de aço rápido. Os corpos de prova foram ensaiados em um pêndulo Charpy da EMIC, pertencente ao Instituto de Xistoquímica da Escola de Química da UFRJ. A Figura 2 ilustra o corpo de prova preparado para ser ensaiado.


A superfície de fratura dos corpos de prova, após o ensaio, foi analisada por microscopia eletrônica de varredura, MEV, em um equipamento Jeol, mod. JSM-6460 LV do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, PEMM/COPPE/UFRJ. As amostras cortadas da região de fratura foram metalizadas com ouro e observadas a 15 e 20 kV.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 3 apresenta a variação da energia de impacto Charpy com a quantidade de tecido de juta no compósito


O gráfico da Fig. 3 revela que a incorporação de tecido de juta na matriz de polietileno aumenta consideravelmente a tenacidade ao entalhe do compósito, medida pela energia de impacto Charpy. Esperava-se este resultado, uma vez que o reforço de fibras, tanto sintéticas [4] quanto naturais [10] aumenta a energia de impacto de compósitos com matriz polimérica.

Um aumento relativamente maior na energia ocorre quando a porcentagem de tecido varia de 20 para 30%, passando a energia de 138,5 para 272,0 J/m. Esse aumento na tenacidade ao entalhe pode ser explicado devido à grande energia despendida em se dobrar as fibras que não conseguem ser rompidas dentro dos procedimentos do ensaio Charpy. Esse mesmo aumento de 10% no teor de tecido de juta não acarretou uma elevação tão significativa quando a porcentagem de tecido variou de 30 para 40%, fazendo a energia aumentar somente de 272,0 para 273,0 J/m.

A Figura 4 mostra o aspecto dos corpos de prova, com diferentes frações em peso do tecido de juta, logo após o ensaio por impacto Charpy.


Nota-se que somente o corpo de prova com 0% de juta, resina poliéster pura, rompeu-se completamente após ser ensaiado. O mesmo não ocorreu com os outros corpos de prova porque o tecido de juta "segura" a matriz de polietileno, impedindo que o compósito se rompa totalmente. Outro aspecto que pode ser observado nos corpos de prova reforçados com tecido de juta é que eles não se romperam de maneira totalmente transversal com o impacto do martelo Charpy. Os corpos de prova compósitos contendo fibra sofreram uma delaminação longitudinal e as fibras não se romperam, apenas se dobraram, tomando um formato em U.

As análises da superfície de fratura dos corpos de prova submetidos ao ensaio de impacto Charpy, permitiram a obtenção de informações do desempenho dos compósitos de polietileno reciclado reforçados com tecido de juta. Na Figura 5 pode ser vista a região de fratura de um corpo de prova com 0% de tecido de juta, ou seja, polietileno puro.


Nos corpos de prova constituídos inteiramente de polietileno reciclado, Fig. 5, podem ser observadas marcas características do processo de ruptura esperado para este polímero. Na parte superior da Fig. 5 tem-se uma região que corresponde ao entalhe feito pela ferramenta especial. A parte inferior, composta por regiões claras e escuras, corresponde à superfície de fratura do polietileno após o ensaio de impacto.

O aspecto da região de fratura de corpos de prova com 30 e 40% de tecido de juta é apresentado nas Fig. 6 (a) e (b), respectivamente. Estas fraturas ocorreram predominantemente por delaminação, isto é, separando o tecido da matriz longitudinalmente ao eixo associado ao comprimento do corpo de prova. Este fato é decorrente da propagação de trincas no impacto seguir o plano dos tecidos, possivelmente devido à baixa tensão cisalhante da interface tecido/matriz.


Observa-se também nas Fig. 6 (a) e (b) uma marcante participação das fibras no processo de ruptura do compósito. Pode-se perceber que o tecido de juta contribui de maneira efetiva no aumento da resistência do compósito e, conseqüentemente, no aumento na energia de impacto Charpy. O entrelaçamento das fibras ajuda a prender a matriz relativamente macia de polietileno. Conseqüentemente, quanto maior for a quantidade de tecido de juta adicionado à matriz de polietileno, maior será a energia de impacto absorvida pelo compósito. Resultados similares foram obtidos em ensaios de impacto Charpy de compósitos reforçados com fibras de piaçava [8].

Finalmente, é importante ressaltar que o maior reforço acarretado pelo tecido deve-se ao fato de a juta ser uma das mais resistentes fibras lignocelulósicas, com propriedades que a torna, potencialmente, a melhor fibra natural para reforço de compósitos poliméricos [11, 12].

4 CONCLUSÕES

Compósitos de matriz polimérica de polietileno reciclado reforçados com tecido de juta apresentam um aumento na tenacidade ao entalhe, medida pela energia de impacto Charpy.

Houve um aumento brusco na energia de impacto quando a porcentagem de tecido passou de 20 para 30%, sendo que a energia quase não se alterou quando a porcentagem de tecido passou de 30 para 40%. Este fato foi atribuído à baixa energia interfacial entre o tecido e a matriz.

Todos os corpos de prova com tecido de juta sofreram uma delaminação e não se romperam totalmente, pois, o tecido segura a matriz impedindo a ruptura total no impacto.

5 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPERJ, CNPq, Capes e FENORTE/TECNORTE. É também motivo de agradecimento a permissão para uso do equipamento de impacto, por parte da Profª. Regina Sandra Veiga Nascimento do Instituto de Química da UFRJ, bem como do MEV do PEMM/COPPE/UFRJ.

6 BIBLIOGRAFIA

Data de envio: 11/09/07 Data de aceite: 10/11/07

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2008

Histórico

  • Aceito
    10 Nov 2007
  • Recebido
    11 Set 2007
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