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Novos Materiais para Ônibus não Poluentes de Alta Tecnologia

Uma avaliação da sequência utilizada pela nossa sociedade para selecionar os combustíveis que vimos utilizando para a produção de energia[1[1] MIRANDA, P.E.V. de,"Combustíveis - materiais essenciais para prover energia à nossa sociedade", Matéria, v. 18, n. 3, 2013.] mostra uma passagem contínua e progressiva de combustíveis mais ricos em carbono, como a madeira e o carvão, para outros mais ricos em hidrogênio, tais como o petróleo e o gás natural. Isso mostra clara tendência de descarbonização dos combustíveis para atingir eventualmente uma era de predominância do hidrogênio como a principal fonte de energia. Entretanto, atualmente ainda nos baseamos fortemente nos combustíveis fósseis e nas ineficientes máquinas à combustão interna. Uma das consequências marcantes desta opção é a poluição ambiental, que afeta de forma prejudicial ao planeta e os seres vivos. Dentre os tipos de poluição conhecidos dá-se muita atenção àqueles que causam o efeito estufa, contribuindo para o aumento da temperatura terrestre e do nível dos oceanos. Entretanto, foi ressaltado recentemente[2[2] MIRANDA, P.E.V. de,"Materiais particulados: produtos ameaçadores resultantes da queima de combustíveis", Matéria, v. 18, n. 4, pp. i-iii, 2013.] que os materiais particulados, principalmente aqueles de pequenas dimensões, com diâmetro menor que 2,5 µm, que são emitidos pelos meios de transporte, podem causar muitos malefícios à humanidade.

O panorama acima mencionado chama à responsabilidade de prover as soluções de engenharia e os materiais adequados para a diminuição do impacto ambiental experimentado pelas regiões metropolitanas urbanas através do seu setor de transportes. O barulho acima de níveis aceitáveis para o conforto humano, a ineficiência energética característica das máquinas térmicas e a inefável poluição que prejudica o planeta e seus habitantes não cabem mais no discurso simplista do "menor custo" de venda dos atuais veículos comparados com tecnologia mais moderna. Para os centros urbanos onde os ônibus são utilizados de forma intensiva, como no Rio de Janeiro, em Bogotá, na Cidade do México, em Nova Deli ou em Beijing, a situação é mais desastrosa pela utilização do diesel, grande poluidor urbano. A opção por veículos com tração elétrica não é nova, considerando as experiências realizadas com sucesso no início do século XX e logo suplantadas pela oportunidade de uso dos derivados de petróleo, mas é inovadora se a ela agrega-se à pilha a combustível alimentada com hidrogênio, como gerador embarcado de eletricidade.

Tratando-se de grandes centros urbanos modernos, mais vale não considerar o incentivo ao uso de veículos pessoais, os automóveis, que entulham as ruas de tal forma que seu uso hoje confere uma mera ilusão de poder sobre a mobilidade pessoal. Torna-se conveniente, portanto, optar por transporte de massa com qualidade, o que é conseguido com o uso de ônibus híbrido-elétrico com pilha a combustível alimentada com hidrogênio. As vantagens são múltiplas, pois o veículo é muito silencioso, como é típico de veículos com tração elétrica, não polui o meio ambiente, pois seu rejeito não è mais que vapor d'água, è muito eficiente no uso de energia, quebrando o vínculo com as perdulárias máquinas térmicas e, por fim, mas não menos importante, utiliza o hidrogênio com combustível e o oxigênio do ar para gerar eletricidade. O hidrogênio, cujo uso seguro já foi bem estabelecido pela Engenharia, é um combustível inesgotável, que pode ser produzido a partir de muitas matérias primas diferentes, incluindo a água e biomassas. Isso lhe confere características renováveis e disponibilidade independente de posicionamento geográfico, contrariamente ao que ocorre com os combustíveis fósseis.

Diversas experiências foram feitas no mundo para o desenvolvimento e a prototipação de ônibus a hidrogênio. O maior programa desta área foi implementado entre 2001 e 2006, utilizando 27 ônibus em nove cidades europeias diferentes, testando os veículos com público e todo o sistema de abastecimento, operação e manutenção, tendo sido denominado CUTE - Clean Urban Transport for Europe[3[3] SAXE, M., FOLKESSON, A., ALVFORS, P. "Energy system analysis of the fuel cell buses operated in the project: Clean Urban Transport for Europe", Energy, v. 33, n.5, pp. 689-711, 2008.]. Embora fundamental para o aprendizado de uso da nova tecnologia, o CUTE utilizou ônibus totalmente energizados por pilhas a combustível alimentadas com hidrogênio, com desempenho de 25 kg de hidrogênio por 100 km rodados. Já o novo programa europeu, CHIC - Clean Hydrogen in European Cities[4[4] CHIC PROJECT, http://chic-project.eu/category/info-centre/official-reports. Acessado em: 2014.
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], se iniciou em 2010 com prognóstico de funcionar até 2016 em 5 cidades europeias, utiliza sistema embarcado de energia elétrica, o que permitiu reduzir a potência das pilhas a combustível. Isso representou melhoria considerável de desempenho, atingindo cerca de 12 kg de hidrogênio por 100 km rodados. Outros projetos têm sido desenvolvidos no Canadá, na Coréia do Sul, no Japão e na China e eficiências de operação de cerca de 10 kg hidrogênio por 100 km rodados foram reportadas[5[5] XU, L., LI, J., OUYANG, M., et al.,"Multi-mode control strategy for fuel cell electric vehicles regarding fuel economy and durability", International Journal of Hydrogen Energy, v. 39, pp. 2374-2389, 2014.].

No Brasil, a Universidade Federal do Rio de Janeiro desenvolveu nova tecnologia de ônibus a hidrogênio, introduzindo a importante característica do hibridismo de energia. Neste caso, o veículo tem conexão à rede elétrica para recarga do seu sistema de armazenamento de energia elétrica antes de sair da garagem, possui pilha a combustível de baixa potência e se utiliza de forma muito efetiva da regeneração de energia cinética em energia elétrica em processos de desaceleração e frenagem. O projeto deu ênfase à engenharia de hibridização da energia a bordo, tendo realizado desenvolvimentos proprietários dos equipamentos utilizados nos sistemas de tração e auxiliar, todos com funcionamento dependente de energia elétrica. A drástica redução na potência da pilha a combustível em função da configuração híbrida utilizada e do seu modo de funcionamento, a ênfase na regeneração de energia cinética em energia elétrica e os avanços realizados na engenharia de hibridização da energia elétrica a bordo resultaram em ganho expressivo de desempenho, tendo-se atingido cerca de 5 kg de hidrogênio por 100 km rodados e 48,2% de eficiência energética, conforme demonstrado pelo gráfico de Sankey da Figura 1.

Figura 1
Gráfico de Sankey, que demonstra os dispêndios energéticos pelos sistemas de tração e auxiliar do ônibus e permitem determinar a parcela da energia total armazenada a bordo que é efetivamente utilizada no eixo do motor de tração, tendo atingido 48,2%.

O desenvolvimento de ônibus modernos de alta tecnologia representa um grande desafio para a área de materiais. Isso porque, além dos dispositivos recentes e inovadores que requerem novas configurações de Engenharia e novos materiais, as partes convencionais dos veículos também devem ser revistas, com o objetivo de diminuir o peso próprio para contribuir com a melhoria da eficiência energética. Assim sendo, componentes hoje fabricados em aço devem ser substituídos por ligas de alumínio, materiais compósitos e poliméricos de alta resistência mecânica. Além disso, veículos com tração elétrica exigem o uso de sistemas de armazenamento de energia, que fazem uso de metais terras raras, cujos métodos de reciclagem têm ainda que ser melhor estabelecidos. As pilhas a combustível de baixa temperatura de operação utilizadas nesta aplicação dependem do uso de metais nobres, membranas poliméricas sulfonadas condutoras iônicas e materiais carbonosos, cuja fabricação é altamente especializada e requer novos procedimentos com composições alternativas para melhoria de desempenho e diminuição de custos. Artigos sobre estes temas são muito bem vindos para publicação na revista Matéria.

BIBLIOGRAFIA

  • [1]
    MIRANDA, P.E.V. de,"Combustíveis - materiais essenciais para prover energia à nossa sociedade", Matéria, v. 18, n. 3, 2013.
  • [2]
    MIRANDA, P.E.V. de,"Materiais particulados: produtos ameaçadores resultantes da queima de combustíveis", Matéria, v. 18, n. 4, pp. i-iii, 2013.
  • [3]
    SAXE, M., FOLKESSON, A., ALVFORS, P. "Energy system analysis of the fuel cell buses operated in the project: Clean Urban Transport for Europe", Energy, v. 33, n.5, pp. 689-711, 2008.
  • [4]
    CHIC PROJECT, http://chic-project.eu/category/info-centre/official-reports. Acessado em: 2014.
    » http://chic-project.eu/category/info-centre/official-reports
  • [5]
    XU, L., LI, J., OUYANG, M., et al.,"Multi-mode control strategy for fuel cell electric vehicles regarding fuel economy and durability", International Journal of Hydrogen Energy, v. 39, pp. 2374-2389, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014
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