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Efeito da cinza de casca de arroz na plasticidade e compactação de uma mistura solo-cal

Effect of rice husk ash on plasticity and compaction parameters of a soil-lime mixture

RESUMO

O artigo direciona-se à avaliação do uso potencial de cinza de casca de arroz (CCA) como pozolana, atuando juntamente com cal no processo de estabilização química de um solo residual da região de Ilha Solteira, estado de São Paulo, Brasil.

Trabalhou-se com o teor de cal de 8% e com os teores de cinza de 5% e 10% em relação ao peso de solo seco.

Na análise do comportamento de engenharia do solo e das misturas solo-cal e solo-cal-CCA, foram considerados parâmetros geotécnicos de caracterização (distribuição granulométrica, limite de liquidez (LL) e limite de plasticidade (LP)), parâmetros ótimos de compactação obtidos na energia do ensaio Proctor normal (umidade ótima (wot) e massa específica aparente seca máxima (ρdmax)), bem como foi realizada a classificação dos materiais segundo a Metodologia MCT.

Os resultados obtidos levaram à conclusão de que a adição da CCA foi responsável por: (i) aumentos nos parâmetros LL, LP e wot, bem como redução nos parâmetros IP e ρdmax do solo e de sua mistura com cal; (ii) segundo a Metodologia MCT, o solo e suas misturas foram classificados como solos arenosos lateríticos (LA′).

Palavras-chave:
solo-cal; cinza de casca de arroz; propriedades geotécnicas

ABSTRACT

This paper addresses the evaluation of the potential use of ash from rice peel as pozzolanic material acting together with hydrated lime in the chemical stabilization of a residual soil from the Ilha Solteira region, São Paulo State, Brazil.

Ash contents of 5% and 10% were added to a soil previously stabilized with 8% of hydrated lime, all contents related to soil dry weight, in order to evaluate soil and mixtures performances regarding geotechnical indexes (grain size distribution, liquid limit (LL) and plastic limit (PL)), optimum compaction parameters (optimum water content (wot) and specific apparent maximum dry mass (ρdmax)) determined at the standard proctor compaction effort, as well as classification of the soils and its admixtures following the MCT Methodology.

Data from the testing program lead to the conclusion that addition of ash generated: (i) increases in the parameters LL, PL and wot, as well as reductions in the parameters plasticity index (PI) and ρdmax of the soil and its admixtures; (ii) the soil and its admixtures were classified as lateritic sandy soils (LA′) following the MCT Methodology.

Keywords:
soil-lime; rice husk ash; geotechnical properties

1. INTRODUÇÃO

A prática da estabilização de solos é milenar [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995.], tendo sido utilizada como recurso técnico na construção civil em civilizações passadas. Modernamente, produtos como cal, cimento, asfaltos, fibras vegetais e sintéticas, dentre outros, são utilizados como agentes estabilizadores de solos, produzindo-se materiais de qualidade superior para emprego em construção civil, especialmente em rodovias.

No que se refere à estabilização dos solos argilosos com cal, a mesma se caracteriza por modificação das condições de superfície das partículas do solo através de trocas catiônicas e pela ocorrência de reações químicas que podem levar ao surgimento de compostos novos [2[2] SEGANTINI, A.A.S., ALCÂNTARA, M.A.M. “Solo-cimento e solo-cal”, In: Isaia, G.C. (ed), Materiais de construção civil e princípios básicos de ciência e engenharia de materiais, IBRACOM, v.2, n. 26, pp. 833–861, 2007.]. Na estabilização do solo com cal ocorre, primeiramente, a modificação do seu pH que provoca floculação das argilas em razão das reações de troca catiônica. Imediatamente, o material sofre decréscimo na expansibilidade e na retratilidade, com melhoria de plasticidade. Em longo prazo, destaca-se que o ataque da argila pela cal produz reações pozolânicas, com a formação de aluminatos, silicatos e aluminosilicatos de cálcio hidratado que conferem melhores características geomecânicas à mistura [3[3] GUIMARÃES, J.E.P., A cal - fundamentos e aplicações na Engenharia Civil, São Paulo, Editora Pini, 1998.]. Destaca-se que as reações pozolânicas se processam a temperatura ambiente e a uma finura do aditivo conforme os padrões normais da indústria do cimento, sendo que o solo, em função de sua constituição mineralógica, pode ter certo grau de pozolanicidade conforme a variação de seus constituintes [4[4] CINCOTTO, M.A., KAUPATEZ, R.Z. “Seleção de materiais quanto à atividade pozolânica”, In: IPT Tecnologia de Edificações, São Paulo, Editora Pini, pp. 23–26, 1988.].

Com vistas a aplicações rodoviárias, relata-se que as reações no sistema solo-cal ocorrem com boa intensidade na estabilização de solos com fração argila montmorilonita [5[5] THOMPSON, M.R. “Lime reactivity of Illinois soils”, Journal of the Soil Mechanics and Foundation Division, ASCE, v. 92, n. 5, pp. 67–92, Sept. 1996.], embora tenham sido bem sucedidas experiências realizadas em solos do estado de São Paulo que apresentavam presença significativa de caulinita e hematita na fração argila [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995.] e [6[6] LIMA, D.C. Algumas considerações relativas a aspectos da estabilização de solos, em particular a estabilização solo-cal, Dissertação de M.Sc., EESC-USP, São Carlos, SP, Brasil, 1981.].

De modo geral, todos os solos de granulometria fina reagem com a cal, ocorrendo trocas catiônicas e floculações que afetam, beneficamente, as suas características de trabalhabilidade, plasticidade e caráter expansivo para aplicações em engenharia civil [6[6] LIMA, D.C. Algumas considerações relativas a aspectos da estabilização de solos, em particular a estabilização solo-cal, Dissertação de M.Sc., EESC-USP, São Carlos, SP, Brasil, 1981.]; contudo, as reações pozolânicas entre os solos e a cal nem sempre ocorrem, pois estas são influenciadas pelas propriedades naturais dos solos, tipos e teores de cal empregados, condições de cura e características de compactação das misturas [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995.]. Esse autor relata casos da literatura onde o NaOH (Hidróxido de Sódio) é utilizado como ativador, atuando em sinergia com a cal, bem como considera as adições ativas como as cinzas volantes, no sentido de contribuir para o aumento do teor de material pozolânico em misturas solo-cal.

Um aspecto importante é o atendimento às exigências de normas técnicas, do ponto de vista dos requisites de desempenho quando se considera o conjunto de parâmetros de resistência mecânica, absorção de água e durabilidade de misturas solo-cal para aplicações em engenharia civil [2[2] SEGANTINI, A.A.S., ALCÂNTARA, M.A.M. “Solo-cimento e solo-cal”, In: Isaia, G.C. (ed), Materiais de construção civil e princípios básicos de ciência e engenharia de materiais, IBRACOM, v.2, n. 26, pp. 833–861, 2007.]. Nesse sentido, é de interesse o uso de adições ativas à mistura, visando aumentar o seu conteúdo de material pozolânico. Dentre os materiais disponíveis para essa finalidade, a cinza de casca de arroz (CCA) se apresenta como material com bom grau de pozolanicidade, detectando-se comportamento semelhante para o caso das cinzas amorfas com relação à micro-silica ativa [4[4] CINCOTTO, M.A., KAUPATEZ, R.Z. “Seleção de materiais quanto à atividade pozolânica”, In: IPT Tecnologia de Edificações, São Paulo, Editora Pini, pp. 23–26, 1988., 7[7] TASHIMA, M.M., FIORITI, C.S., AKASAKI, J.L., et al., “Cinza de casca de arroz altamente reativa: método de produção e atividade pozolânica”, Ambiente Construído, v. 12, n. 2, pp. 151–163, Abr./Jun. 2012.].

A queima da casca de arroz produz uma quantidade significativa de cinza com características pozolânicas, podendo esta se apresentar no estado cristalino ou amorfo, conforme o controle da temperatura na queima, sendo que a cinza amorfa é em geral mais reativa [7[7] TASHIMA, M.M., FIORITI, C.S., AKASAKI, J.L., et al., “Cinza de casca de arroz altamente reativa: método de produção e atividade pozolânica”, Ambiente Construído, v. 12, n. 2, pp. 151–163, Abr./Jun. 2012.]. Em relação a esse tópico, refere-se que a utilização da CCA arroz como material pozolânico vem sendo intensamente investigada desde a década de 70, principalmente na Índia e nos EUA, mas só a partir da década de 80, com o desenvolvimento da tecnologia do concreto de alto desempenho, a preocupação em se obter um máximo de pozolanicidade do material se tornou premente [8[8] PRUDÊNCIO Jr., L. R., SANTOS, S., DAFICO, D. A. “Cinza da casca de arroz”, In: Coletanea Habitare, Utilização de resíduos na construção habitacional, v. 4, 2003.].

No Brasil, a utilização da biomassa vegetal vem apresentando um grande potencial de reaproveitamento nas áreas de construções civil e rural, requerendo avaliações não só nos aspectos econômicos, como nos aspectos tecnológicos [9[9] MILANI, A. P. S. Avaliação físico-mecânica de tijolos de solo-cimento e de solo-cal adicionados de casca de arroz, Dissertação de M.Sc., UNICAMP, Campinas, SP, Brasil, 2005.]. Dentre as variedades de biomassa vegetal, a atividade agroindustrial de beneficiamento de arroz destaca-se pela elevada produção do resíduo de casca de arroz.

A produção de casca de arroz no Brasil em 2014 foi de 2.424.400 t, gerando o equivalente a 484.880 t de cinza [10[10] PODE, R., “Potential applications of rice husk ash waste from rice husk biomass power plant”, Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 53, pp. 1468–1485, 2016.]. Assim, de modo a se minimizar o aspecto de degradação ambiental provocada pelo não aproveitamento e disposição inadequada da CCA e considerando-se a potencialidade do seu emprego como matéria prima na formação de compostos de cimentação para aplicações rodoviárias, procurou-se adequá-la como agente auxiliar na estabilização solo-cal.

No presente trabalho, abordou-se o efeito da adição de cal e de cal mais CCA nos parâmetros de caracterização geotécnica, compactação e na classificação de um solo segundo a Metodologia MCT.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

No desenvolvimento do projeto, contou-se com a estrutura do Laboratório de Engenharia Civil (LEC) da Companhia Energética de São Paulo (CESP), que forneceu os equipamentos necessários à realização dos ensaios de caracterização geotécnica e de compactação do solo e suas misturas.

2.1 Materiais

Empregou-se um solo residual maduro, classificado no grupo A-4, conforme o sistema de classificação de solos recomendado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes [12[12] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES, Manual de Pavimentação, 3 ed., Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Instituto de Pesquisas Rodoviária (IPR), Publicação IPR-719, 2006.], e como argissolo, em obediência ao Sistema Brasileiro de Classificação de Solos [13[13] EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, Sistema brasileiro de classificação de solos – SIBCS, 3 ed., Rio de Janeiro, Embrapa Solos, 2013.]. Refere-se que esse solo foi previamente utilizado em estudo de estabilização solo-cal para fins rodoviários [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995.], com a denominação de solo Torre de Transmissão.

A cal hidratada utilizada foi do tipo CH-III, com características físicas, químicas e mecânicas que atenderam às exigências de norma [14[14] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Cal hidratada para argamassas – requisitos, NBR 7175, Rio de Janeiro, 2003.]. Em todo o experimento, trabalhou-se com água potável fornecida pela rede pública de abastecimento da cidade de Ilha Solteira, estado de São Paulo, Brasil.

Utilizou-se, também, a CCA do tipo cristalina proveniente de uma empresa beneficiadora de arroz da cidade de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

2.2 Métodos

A metodologia aplicada neste trabalho subdivide-se em atividades relativas à preparação do solo, à produção da CCA e aos procedimentos de laboratório empregados para as misturas solo-cal e solo-cal-CCA.

2.2.1 Procedimentos aplicados ao solo

A preparação do solo para os ensaios de caracterização e de compactação se deu conforme as recomendações de norma [15[15] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Amostras de solo - preparação para ensaios de compactação e ensaios de caracterização, NBR 6457, Rio de Janeiro, 1986.]. Após coleta na jazida de empréstimo, o solo foi peneirado, espalhado, e exposto sobre uma lona plástica para secagem ao ar, buscando o equilíbrio higroscópico com o meio. Foram retiradas amostras do solo, de modo a serem utilizadas no ensaio para determinação da umidade higroscópica, servindo-se de estufa mantida à temperatura de 105 °C. Uma vez preparado, o solo foi acondicionado em sacos plásticos até o momento de ser utilizado nos ensaios de laboratório.

Com o solo foram realizados os seguintes ensaios, segundo recomendações da ABNT: (i) determinação da massa específica dos sólidos [16[16] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Solo - determinação da massa específica, NBR 6508, Rio de Janeiro, 1984.]; (ii) análise granulométrica [17[17] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Solo - análise granulométrica, NBR 7181, Rio de Janeiro, 1984.]; (iii) determinação dos limites de liquidez [18[18] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Solo - determinação do limite de liquidez, NBR 6459, Rio de Janeiro, 1984.] e de plasticidade [19[19] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Solo - determinação do limite de plasticidade, NBR 7180, Rio de Janeiro, 1984.]; e (iv) ensaio de compactação na energia Proctor normal [20[20] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Solo - ensaio de compactação, NBR 7182, Rio de Janeiro, 1986.].

A avaliação do caráter laterítico foi feita conforme a Metodologia MCT [11[11] NOGAMI, J. S., VILLIBOR, D. F. Pavimentação de baixo custo com solos lateríticos, São Paulo, Editora Villibor, 1995.]. Destaca-se que os mesmos ensaios e procedimentos foram empregados na determinação dos parâmetros de engenharia das misturas solo-cal-CCA.

2.2.2 Procedimentos para preparo da cinza da casca do arroz

A queima da casca de arroz se processou com controle de temperatura (≈600 °C), em fornalha com grelha. O resultado da queima apresentou uma CCA cristalina de cor cinza escuro a negra, sendo ainda possível visualizar cinzas com a forma da casca, porém bastante frágeis.

Posteriormente, a cinza cristalina passou por um processo de moagem em um moinho de bolas, durante 30 minutos. A massa total das bolas do moinho foi da ordem de 52,5 kg, sendo moídos 5,5 kg de cinza a cada vez. Depois de moída, a cinza foi acondicionada em saco plástico, para posterior incorporação à mistura solo-cal, considerando-se os percentuais medidos em relação à massa seca do solo.

2.2.3 Procedimentos aplicados às misturas solo-cal e solo-cal-CCA

Em estudo prévio, definiu-se o teor ótimo de cal hidratada para a estabilização do solo Torre de Transmissão como 8% em relação à massa de solo seco [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995.], que foi adotado como referência para o presente estudo do comportamento das misturas solo-cal e solo-cal-CCA. Esse valor foi o mais adequado, no sentido de se incrementar o ganho de resistência mecânica do solo via a estabilização solo-cal, tendo-se em vista, por exemplo, a construção de camadas estabilizadas de base e sub-base de rodovias.

As porcentagens de CCA incorporadas à mistura solo-cal foram de 5% e 10%, de modo empírico, com vistas a obter diferentes níveis de respostas frente à ação da cinza. Nas misturas, adotou-se o processo de mistura manual, primeiramente adicionando-se cal, na mistura solo-cal, e cal e a CCA ao solo, nas misturas solo-cal-CCA, até se conseguir homogeneidade e mesma coloração. Por fim, adicionou-se água às misturas, realizando-se nova homogeneização das mesmas.

Trabalhou-se com as seguintes denominações: (i) Solo: solo natural; (ii) C1: solo + 8% cal; (iii) C2: solo + 8% cal + 5% CCA; e (iv) C3: solo + 8% cal + 10% CCA.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A cinza utilizada neste experimento apresentou elevada finura, com o diâmetro máximo de 20,3 micras.

A Figura 1 apresenta a curva granulométrica do solo em estudo [21[21] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Terminologia – rochas e solos, NBR 6502, Rio de Janeiro, 1995.], e na Tabela 1 tem-se a síntese dos resultados dos ensaios de granulometria realizados no solo e as respectivas misturas, considerando-se a porcentagem do material que passa na peneira 200 (abertura nominal de 0,075 mm), que é de interesse para o projeto e construção de rodovias, pois agrega as frações silte e argila no que se denomina a fração fina do solo, segundo a escala granulométrica adotada pelo DNIT [12[12] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES, Manual de Pavimentação, 3 ed., Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Instituto de Pesquisas Rodoviária (IPR), Publicação IPR-719, 2006.].

Figura 1
Curva granulométrica do solo, segundo a escala preconizada pela ABNT [21[21] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Terminologia – rochas e solos, NBR 6502, Rio de Janeiro, 1995.].
Tabela 1
Composições de misturas e porcentagens que passam na # 200.

Na Tabela 1, observa-se que a adição de 5% de CCA à mistura solo-cal ocasionou pequena redução na quantidade de material que passa na # 200, de 58% para 56,8%, enquanto que a inclusão de 10% de CCA produziu aumento neste quantitativo, de 58% para 61%. A isto se atribui uma possível floculação do solo em decorrência do aumento do seu complexo de troca catiônica pela presença da CCA, para o caso de adição de 5% de CCA, para que se diminuísse a porcentagem que passa na # 200. Com o aumento do teor de CCA para 10% e com após a ocorrência da satisfação das cargas do complexo de trocas, mesmo com a floculação, houve disponibilidade de uma parte de CCA que passou na # 200, elevando este teor para 61%.

Na Tabela 2, são apresentados os valores dos limites de Atterberg do solo e respectivas misturas, destacando-se a opção de se apresentarem os resultados com valores decimais, para fins comparativos.

Tabela 2
Limites de Atterberg do solo e suas respectivas misturas.

Segundo os dados da Tabela 2, nota-se que a adição de cal foi responsável por variações nos limites de liquidez e de plasticidade do solo, embora de pequena grandeza, mas de forma coerente com resultados apresentados na literatura técnica [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995., 6[6] LIMA, D.C. Algumas considerações relativas a aspectos da estabilização de solos, em particular a estabilização solo-cal, Dissertação de M.Sc., EESC-USP, São Carlos, SP, Brasil, 1981., 22[22] HERRIN, M.; MITCHELL, H. “Soil lime mixtures”, Washington D. C., Highway Research Board, Bulletin HRR 304, pp. 99–138, 1961., 23[23] PINTO, C. S. “Estabilização de pavimentos com cal”, In: Associação Brasileira de Produtores de Cal, Boletim 14, São Paulo, pp. 79–112, 1985.]. Observa-se que a adição de cal hidratada ao solo ocasionou uma queda no seu IP, sendo o LL mais influenciado do que o LP, aumentando percentualmente de 15,6% para 17,3%. Já, a adição de cal juntamente com cinza, levou à redução do IP, mas em menor grau, verificando-se novamente que o LL foi o parâmetro mais influenciado, aumentando percentualmente de 15,6% para 18,6%, no teor de 10% de CCA.

Considerando-se o significado físico das variações produzidas com a adição de CCA às misturas, conforme os dados da Tabela 2, para o caso do LL as variações ocorreram, provavelmente, em decorrência da ação de finos como formadores de pasta, consequência do aumento da superfície específica e da capacidade de troca catiônica; já para o caso do aumento do LP, este se deu provavelmente em decorrência do material fino incorporado à mistura e do aumento da coesão interna do solo, principalmente considerando-se que, nesta umidade, o mesmo pode estar sujeito à ação de forças capilares, com o consequente aumento de sua tensão efetiva.

A Tabela 3 apresenta os resultados dos ensaios de compactação realizados no solo e nas misturas, na energia de compactação do ensaio Proctor normal.

Tabela 3
Umidade ótima (wot) e massa específica aparente seca máxima (ρdmax) do solo e respectivas misturas.

Como se depreende dos resultados dos ensaios de compactação realizados, conforme a Tabela 3 ocorreu aumento da wot e redução da ρdmax das misturas em relação ao solo natural, variando, respectivamente, de +10,5% a +16,2% e de -2,1% a -6,1%. Atribui-se esse comportamento à maior wot para a obtenção de ρdmax das misturas, bem como ao fato de que as partículas de cal e cinza terem massas específicas, respectivamente, de 2,3 g/cm3 e 2,1 g/cm3, substituindo uma parcela dos grãos do solo de massa específica de 2,72 g/cm3. Cabe, também, salientar, que a cal hidratada e a CCA são ávidas por água e possuem capacidade de retenção relativamente elevada.

Outra constatação oriunda da análise dos resultados da Tabela 3, é que após a adição da cal ocorreram variações nos parâmetros ótimos de compactação do solo de forma coerente com o que se relata na literatura [1[1] ALCÂNTARA, M. A. M., Estabilização Química dos Solos para Fins Rodoviários: Técnicas Disponíveis e Estudo de Caso Dirigido à Estabilização Solo-Cal de Três Solos de Ilha Solteira – SP, Dissertação de M.Sc., UFV, Viçosa, MG, Brasil, 1995., 6[6] LIMA, D.C. Algumas considerações relativas a aspectos da estabilização de solos, em particular a estabilização solo-cal, Dissertação de M.Sc., EESC-USP, São Carlos, SP, Brasil, 1981., 22[22] HERRIN, M.; MITCHELL, H. “Soil lime mixtures”, Washington D. C., Highway Research Board, Bulletin HRR 304, pp. 99–138, 1961., 23[23] PINTO, C. S. “Estabilização de pavimentos com cal”, In: Associação Brasileira de Produtores de Cal, Boletim 14, São Paulo, pp. 79–112, 1985.], observando-se aumento na wot e diminuição na ρdmax. Podem-se explicar essas ocorrências através da floculação causada pelas trocas iônicas, a partir da diminuição da espessura da dupla camada difusa do solo, devido à presença de íons bivalentes Ca++ da cal, os quais substituíram íons monovalentes do solo, em geral, o sódio e o hidrogênio. Para o caso de uma mistura solo-cal como a estudada, uma vez adicionada a CCA no teor de 5%, não se observou variação sensível no valor da wot, mas ligeiro decréscimo no valor da ρdmax, provavelmente em decorrência do aumento do material fino incorporado ao solo. Para o caso da elevação do teor de CCA adicionada para 10%, aparentemente, este contribuiu para uma nova condição de floculação do solo, possivelmente pelo aumento do complexo de troca catiônica do solo em comparação com aquele produzido pela adição de 5% de CCA.

Analisando-se conjuntamente os resultados dos ensaios de compactação e de limites de Atterberg, Tabelas 2 e 3, verifica-se que o valor da wot, quando da transição do solo para os estados de maior LP, aumentou com a presença da cal e com a adição da CCA. Destaca-se que o aumento que ocorreu no LP está em acordo com a diminuição observada no ρdmax da mistura compactada. Para o caso da elevação do teor de CCA para 10%, observa-se que, aparentemente, se intensificou a ocorrência do mecanismo de floculação do solo pela adição da cal e pelo aumento do complexo de trocas do solo, pela adição de CCA. Acredita-se que esse fenômeno ocorreu, também, para o caso da adição de 5% de CCA, mas em menor magnitude.

Outro aspecto de interesse é que a presença da cal e a adição crescente de CCA produziram, simultaneamente, aumentos no LL e no LP, bem como aumento na wot e redução no ρdmax. Esses efeitos podem ter origem em fenômenos de natureza físico-química, causados pela floculação do solo por intervenção na sua dupla camada difusa, coesão de solos causada por ações de natureza capilar ou, ainda, pela formação da pasta pelos solos finos e a consequente absorção de água.

Na Figura 2, tem-se o gráfico da classificação MCT, com a locação dos pontos que representam o solo e as misturas em estudo [11[11] NOGAMI, J. S., VILLIBOR, D. F. Pavimentação de baixo custo com solos lateríticos, São Paulo, Editora Villibor, 1995.].

Figura 2
Classificação do solo e respectivas misturas segundo a Metodologia MCT.

Segundo a Metodologia MCT, o solo e as misturas são classificados como solo laterítico arenoso (LA′). Isto é um bom indicativo, pois, tendo em vista o caráter laterítico do mesmo, de acordo com [11[11] NOGAMI, J. S., VILLIBOR, D. F. Pavimentação de baixo custo com solos lateríticos, São Paulo, Editora Villibor, 1995.], os solos do grupo LA′ são tipicamente arenosos, conhecidos pedologicamente no Brasil por latossolos arenosos e argissolos. A importância desse grupo de solos em engenharia civil repousa no fato de que quando adequadamente compactados adquirem aumento na capacidade de suporte, baixa permeabilidade, pequena contração por perda de umidade, razoável coesão e pequena expansibilidade após imersão em água [11[11] NOGAMI, J. S., VILLIBOR, D. F. Pavimentação de baixo custo com solos lateríticos, São Paulo, Editora Villibor, 1995.].

No que tange ao presente estudo, conforme os dados da Figura 2 se têm que: (i) a classificação do solo é de comportamento laterítico, ainda que próximo da interface com a região NA′; após a dição de cal (caso C1), nota-se que o mesmo experimentou acentuação neste comportamento, provavelmente, em decorrência da floculação proporcionada pelo aditivo e pelo respectivo aumento alcançado na sua coesão; (ii) observa-se que a presença de CCA no teor de 5% em relação ao peso do solo (caso C2) não contribuiu para diminuir o seu caráter laterítico, mas, aparentemente, deslocou o ponto em direção às argilas lateríticas arenosas, LG′, coerentemente com a mudança da finura do material que ocorreu; e (iii) a adição de CCA no teor de 10% (caso C3) contribuiu para elevar o ponto dentro do espaço LA′, possivelmente, face à maior susceptibilidade de perda de material por imersão. Assim, aparentemente, a adição de CCA à mistura solo-cal contribuiu para a variação dos parâmetros que atribuem ao material o caráter laterítico, sendo, por outro lado, este ressaltado pela presença da cal.

4. CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que:

A adição de CCA como aditivo auxiliar à cal para a estabilização química de solos tende a acentuar as propriedades plásticas e de coesão interna decorrentes da adição de cal ao solo, como a redução do índice de plasticidade, o aumento da umidade ótima requerida em compactação e a diminuição da massa específica aparente seca. A importância destas modificações se situa, para cada caso, dentro do escopo tecnológico de interesse da engenharia civil. Em particular, destacam-se os seguintes aspectos:

  1. A adição da cal hidratada ao solo provocou uma diminuição do parâmetro IP, sendo que o parâmetro LP foi mais influenciado do que o LL, passando de 15,6% para 17,3%. Quando da adição da cal hidratada com a CCA, também, houve diminuição do IP, mas em menor percentual, observando-se que, novamente, que o LP foi mais influenciado do que o LL, passando o acréscimo de 15,6% para 18,6%;

  2. A presença da cal e a adição crescente de CCA produziram aumentos no parâmetro wot e diminuições no parâmetro ρdmax; e

  3. O solo e as misturas foram classificados pela metodologia MCT como solo laterítico arenoso (LA′). O mesmo solo pôde experimentar acentuação neste comportamento quando da adição da cal (caso C1), sendo que a adição de CCA no teor de 5% (C2) não contribuiu para diminuir o seu caráter laterítico, mas, aparentemente, deslocou o ponto em direção às argilas lateríticas arenosas, LG′, sendo que a adição de CCA no teor de 10% (caso C3) contribuiu para a elevação do ponto dentro do espaço LA′.

5. AGRADECIMENTOS

Agradecimentos são devidos à FAPESP, pelo apoio financeiro, aos técnicos do Laboratório de Engenharia Civil da Companhia Energética do Estado de São Paulo (CESP) e do Laboratório de Materiais de Construção da FEIS-UNESP, pelo apoio e pela colaboração na execução dos ensaios.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2016
  • Aceito
    05 Jun 2017
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