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Modos de ruptura e padrões de fissuração de vigas pré-moldadas de concreto armado geopolimérico: Estudo de caso

Failure modes and cracking patterns of precasting geopolymer reinforced concrete beams: Case Study

RESUMO

Esse trabalho apresenta um estudo comparativo do comportamento mecânico de vigas pré-moldadas de concreto armado convencional (CCP), fabricadas por uma empresa local e de concretos geopolimérico de metacaulim (CCG) e geopolimérico com 20% de cinza volante e silicato de cinza de casca de arroz (CCG-20CVCCA), como matrizes substitucionais. Os resultados mostraram que os concretos geopoliméricos apresentaram comportamento similar ao do CCP, na mesma classe de resistência do concreto, taxa de armadura e disposição das armaduras no elemento estrutural estudado. O uso das cinzas promoveu aumento do módulo de rigidez à flexão e dos limites de deformação das vigas geopoliméricas, em especial para a CCG-20CV-CCA sob a maior taxa de armadura. Os padrões de fissuração e os modos de ruptura encontrados foram similares àqueles mostrados pelo CCP, com a conclusão, neste estudo de caso, de que as vigas pré-moldadas, como fabricadas pela empresa, foram superarmadas ao longo do bordo superior. Embora o dimensionamento da viga não tenha sido objeto deste estudo, foi mostrado que o concreto geopolimérico pode substituir plenamente o CCP, em concreto armado, abrindo oportunidade de uso dos mesmos códigos de dimensionamento desenvolvidos para este material tradicional.

Palavras-chave:
Geopolímero; Pré-moldado; Concreto armado

ABSTRACT

This work presents a comparative study of the mechanical behavior of precast concrete beams (CCP), manufactured by a local company and geopolymer concrete of metakaolin (CCG) and geopolymer concrete with 20% of fly ash and rice husk ash silicate (CCG-20CV-CCA), as substitutional matrices. The results showed that the geopolymer concretes presented similar behavior to the CCP, in the same class of concrete strength, reinforcement rate and arrangement in the structural element studied. The use of the ashes promoted an increase of the flexural stiffness modulus and the limits of deformation of the geopolymer beams, in particular for the CCG-20CV-CCA under the highest reinforcement rate. The cracking patterns and failure modes found were similar to those shown by CCP, with the conclusion, in this case study, that precast beams, as manufactured by the company were super-reinforced along the top of the beams. Although the dimensioning of the beam has not been the object of this study, it has been shown that the geopolymer concrete can completely replace the CCP in reinforced concrete, opening up the opportunity to use the same structural design codes developed for this traditional material.

Keywords:
Geopolymer; Precasting; Reinforced Concrete

1. INTRODUÇÃO

O concreto pré-moldado foi desenvolvido com o propósito de reduzir o custo global das estruturas. Sabe-se que é na parcela relativa às fôrmas e ao cimbramento, normalmente de maior peso no custo do concreto armado, que a redução é mais significativa 11 AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 347R-14: Guide to formwork for concrete. 32p, 2014.,22 EL DEBS, M. K. Concreto pré-moldado: fundamentos e aplicações, 1 ed, São Carlos, S.P., EESC-USP, 2000.. O concreto apresenta tenacidade à fratura baixa em relação ao aço 33 BAZANT, Z. P., KAZEMI, M. T. “Determination of fracture energy, process zone length and brittleness number from size effect, with application to rock and concrete”, International Journal of Fracture, v. 44, n. 2, pp. 111-131, 1990.. Os diferentes conceitos de tenacidade e tenacidade à fratura costumam gerar dúvidas. A teoria clássica define tenacidade como a capacidade de um material absorver energia durante a sua deformação até a ruptura, expressa por unidade de volume. Para ZHANG et al. 44 ZHANG, S., SUN, D., FU, Y., et al. “Toughness measurement of thin films: a critical review”. Surface and Coatings Technology, v.198, pp.74 – 84, Aug. 2005. a tenacidade à fratura é definida como a capacidade de um material resistir ao crescimento de uma trinca pré-existente, sendo expressa pela energia absorvida por unidade de extensão da trinca. De acordo com essas definições, a tenacidade engloba a energia necessária para a criação e a propagação de trincas no material, que o levarão à sua ruptura, enquanto a tenacidade à fratura leva em consideração a energia necessária para a propagação de uma dada trinca, sob certo modo de propagação, que o levará à ruptura. Normalmente, para aumentar a tenacidade à fratura de matrizes frágeis, usam-se fibras (curtas ou longas) como elementos de reforço à tração, incumbindo à matriz apenas o combate aos esforços atuantes de compressão. A propensão à formação de trincas e a relativa baixa resistência à tração do concreto simples faz com que se despreze a sua contribuição para a resistência residual do concreto armado fissurado, mas, tal contribuição começa a ser levada em conta, de acordo com alguns estudos feitos por BRANSON 55 BRANSON, D. E. Instantaneous and time-dependent deflections of simple and continuous reinforced concrete beams, 1 ed., Auburrn,. HPR Publication, Alabama Highway Departament, U. S. Bureau of Publis Roads, n. 7, part 1, pp. 1-78, Aug, 1965., GHALI e FAVRE 66 GHALI, A., FAVRE, R. Concrete structures: stresses and deformations, 2 ed., London, E & FN Spon, Chapman and Hall, 1994. e BISCHOFF 77 BISCHOFF, P. H. “Rational model for calculating deflection of reinforced concrete beams and slabs”, Canadian Journal of Civil Engineering, v. 34, n. 8, pp. 992-1002, 2007..

O padrão de fissuração de vigas depende da maneira como ela foi armada, como foi carregada e das propriedades de ambos os materiais (aço e concreto). Na configuração de flexão a 3-pontos o padrão de fissuração da viga se caracteriza pela formação de uma primeira trinca iniciada no bordo inferior tracionado, aproximadamente, alinhada com a linha de ação da carga aplicada no centro do vão da peça, na seção de momento fletor máximo.

Os valores de rigidez à flexão em cada seção de concreto armado variam de acordo com a intensidade das solicitações e da fissuração. A Figura 1 apresenta a distribuição de fissuração em uma viga simplesmente apoiada, indicando que rigidezes maiores são verificadas nas seções onde não existem trincas.

Figura 1
Distribuição de fissuras no elemento fletido 88 GUARDA, M. C. C. Cálculo de deslocamentos em pavimentos de edifícios de concreto armado, Tese de D. Sc., Escola de Engenharia de São Carlos/USP. São Carlos, SP, Brasil, 2005..

Rigidezes diferentes conduzem a momentos de inércia diferentes para cada seção. BRANSON 55 BRANSON, D. E. Instantaneous and time-dependent deflections of simple and continuous reinforced concrete beams, 1 ed., Auburrn,. HPR Publication, Alabama Highway Departament, U. S. Bureau of Publis Roads, n. 7, part 1, pp. 1-78, Aug, 1965. foi o pioneiro em apresentar uma formulação semi-empírica, considerando o momento de inércia efetivo (equivalente) que é a inércia média interpolada entre o Estádio I e o Estádio II-puro, representando os estágios não-fissurado e fissurado, respectivamente. No Estádio I existe proporcionalidade entre tensão e deformação e a seção de concreto não se apresenta fissurada. A lei de Hooke é empregada, nesse estádio, devido a baixas intensidades de tensão. No Estádio II aparecem as primeiras fissuras, na região mais tracionada do concreto, e considera-se que, na seção de momento fletor máximo, a armadura começa a resistir sozinha aos esforços de tração. Existe uma parcela dos esforços de tração resistida pelo concreto, na seção transversal, porém essa parcela é desprezada. Inicialmente as fissuras se formam e posteriormente se estabilizam ou iniciam o processo de abertura. A Figura 2 mostra o diagrama momento-curvatura de um elemento em concreto fracamente armado, submetido a ensaio de flexão, mostrando a propagação de fissuras em decorrência da intensidade da solicitação 88 GUARDA, M. C. C. Cálculo de deslocamentos em pavimentos de edifícios de concreto armado, Tese de D. Sc., Escola de Engenharia de São Carlos/USP. São Carlos, SP, Brasil, 2005..

Figura 2
Diagrama momento-curvatura de um elemento estrutural submetido à flexão simples 88 GUARDA, M. C. C. Cálculo de deslocamentos em pavimentos de edifícios de concreto armado, Tese de D. Sc., Escola de Engenharia de São Carlos/USP. São Carlos, SP, Brasil, 2005..

No Estádio III, considerado fase de colapso, as tensões máximas de compressão do concreto tornam-se plásticas ao longo da seção transversal e a ruína ocorre por esmagamento do concreto na fibra mais comprimida. Observa-se que a região tracionada do concreto é desprezada, quando a viga entra no Estádio II, porém essa consideração é conservadora, já que entre duas fissuras consecutivas existe concreto íntegro, que resiste às solicitações de tração mantidas pela aderência entre o aço e o concreto. Na realidade, essas regiões contribuem com a rigidez do elemento estrutural, conforme apontado por BRANSON 55 BRANSON, D. E. Instantaneous and time-dependent deflections of simple and continuous reinforced concrete beams, 1 ed., Auburrn,. HPR Publication, Alabama Highway Departament, U. S. Bureau of Publis Roads, n. 7, part 1, pp. 1-78, Aug, 1965. e melhor explorado recentemente por BISCHOFF 77 BISCHOFF, P. H. “Rational model for calculating deflection of reinforced concrete beams and slabs”, Canadian Journal of Civil Engineering, v. 34, n. 8, pp. 992-1002, 2007. e pela ABNT NBR 6118:2014 99 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – procedimento. Rio de Janeiro, 2014. 238 p..

Neste artigo são apresentados os resultados comparativos do comportamento mecânico de vigas prémoldadas de concreto de cimento geopolimérico 1010 SILVA, F. J., OLIVEIRA, M. C., MACHADO, M. V. S., et al., “Cimentos geopoliméricos”, Revista Matéria (UFRJ), v. 7, pp. 14-28, 2002., CCG, e de sua variação de composição pelo emprego de cinza de volante, CV, e de cinza de casca de arroz, CCA, com respeito aos modos de ruptura e padrões de fissuração. O estudo visou também fazer uma análise comparativa com o cimento Portland e contribuir de forma pioneira para a viabilização técnica e econômica do emprego dos geopolímeros em concreto armado, possibilitando a transferência desta nova tecnologia no âmbito da indústria de pré-fabricados no Brasil. O elemento estrutural adotado foi um produto comercial adquirido pronto, tendo sido reproduzido fac-símile, com as duas diferentes matrizes substitucionais. Portanto, os autores não intervieram no dimensionamento da peça com base nos domínios clássicos de deformação na ruína. Sendo assim, o objetivo do estudo foi apenas caracterizar o comportamento mecânico das peças e realizar a análise comparativa do desempenho entre as matrizes empregadas.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A viga pré-moldada de concreto armado de cimento Portland faz parte do kit de elementos estruturais prémoldados para construção de casas pré-fabricadas, de até três pavimentos, oferecido pela empresa Itambi Prémoldados Ltda, localizada no município de Itaboraí-RJ.

As vigas pré-moldadas foram confeccionadas com seção transversal trapezoidal, com pequena variação da espessura da alma (pseudo-T). A largura do topo (mesa) foi de 14 cm e a largura da base (alma) foi de 10 cm. O comprimento total da viga foi de 235 cm, para operar sobre um vão de 214 cm. Segundo a empresa, o dimensionamento da viga foi realizado como seção subarmada (εs > εyd) conforme a ABNT NBR 6118:2014 99 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – procedimento. Rio de Janeiro, 2014. 238 p. em relação à armadura inferior, para que não houvesse ruptura por cisalhamento. Contudo, como a peça precisa ser desmoldada de ponta-cabeça e é transportada e içada nesta disposição, também deve resistir aos esforços de tração na flexão gerados no bordo superior, mas a empresa optou como padrão o uso da mesma taxa geométrica de armadura que aquela usada no bordo inferior da viga. Daí, todas as vigas foram armadas longitudinalmente com duas barras de aço CA 50 de diâmetros 8,0 mm ou 12,5 mm no bordo inferior e duas barras de mesma bitola no bordo superior, configurando taxas geométricas totais de armadura de 0,57% ou 1,40%, respectivamente. Os detalhes da viga são mostrados na Figura 3.

Figura 3
Detalhamento da seção transversal da viga pré-moldada e respectivas fôrmas para moldagem. Notar na foto as vigas dispostas de ponta-cabeça após a desforma.

Como se trata de elemento pré-moldado, também foram consideradas as prescrições da ABNT NBR 9062:2006 1414 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9062: Projeto e execução de estruturas de concreto pré-moldado. Rio de Janeiro, 2006. 42 p., estabelecendo como uma das variáveis estudadas, a classe resistência à compressão do concreto. As demais variáveis, assim como as matrizes e proporções em massa entre os constituintes do concreto, para ambas as classes de resistência e as taxas geométricas de armadura empregadas são mostradas na Tabela 1

Tabela 1
Descrição das variáveis estudadas.

A armadura transversal foi composta por estribos de aço CA 60 com 4,2 mm de diâmetro, dispostos verticalmente e espaçados em 15 cm. Todas as barras de aço foram de fabricação da Gerdau S.A. As características mecânicas dos aços da armadura longitudinal e dos estribos são mostradas na Tabela 2.

Tabela 2
Características mecânicas dos aços.

O cimento Portland empregado na confecção do concreto de referência foi o CPIIF-32, fabricado pela Lafarge/Mauá S.A. e adquirido no mercado local. A areia utilizada foi natural de rio, lavada, com módulo de finura 2,66 e Dmáx de 2,34 mm. A brita foi de origem gnáissica, com módulo de finura 5,73 e Dmáx de 9,5 mm. O cimento geopolimérico empregado na confecção dos concretos, foi fornecido pela Wincret Designer Concrete Products Ltda, com sede em São Paulo/SP, chamado comercialmente de Cimento Geo-Pol®, com relação SiO2/Al2O3 igual a 5,35 e (Na2O+K2O)/SiO2 igual a 0,209. Uma modificação especial também foi estudada, com 20% de cinza volante e um ativador alcalino: silicato de sódio alternativo, feito a partir da cinza da casca de arroz (CCG-20CV-CCA), com base nos trabalhos de HABEEB e MAHMUD 1111 HABEEB, G. A., MAHMUD, H. B. “Study on properties of rice husk ash and its use as cement replacement material”, Materials Research, v 13, n 2, pp 185-190, 2010., BIGNO 1212 BIGNO, I. C. Geopolímeros à base de resíduos agrícolas e agroindustriais. Tese de D. Sc, IME, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2008. e VARGAS 1313 VARGAS, A. S. Cinzas volantes álcali-ativadas para obtenção de aglomerantes especiais, Tese de D. Sc., UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, 2006..

Para o cobrimento das armaduras, foi adotada a espessura de 2,5 cm, considerando exposição a ambientes não-agressivos, Classe I, da ABNT NBR 6118:2014 99 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – procedimento. Rio de Janeiro, 2014. 238 p.. A Figura 4 mostra a configuração de ensaio das vigas, sob flexão a 3-pontos.

Figura 4
(a, b) Configuração do ensaio de flexão a 3-pontos das vigas pré-moldadas de concreto armado.

Todas as vigas pré-moldadas de concreto armado também foram ensaiadas sob flexão a 3-pontos, com carga concentrada no meio do vão, sob taxa de carregamento monotônico de 0,5 kN ± 0,1 kN/s. Seus valores, assim como os das reações de apoio, foram obtidos individualmente a partir de transdutores de pressão, marca Druken, com capacidade para 500 kN e sensibilidade de 1 kN. Além da carga aplicada, também foram monitoradas as extensões instantâneas das trincas nas faces laterais das vigas e as deflexões instantâneas no meio do vão. A extensão instantânea da trinca foi determinada por meio de acompanhamento de sua ponta visível, localizada por inspeção ótica com câmera digital dotada de lente 18-55 mm com close-up +10 (macro), marca Sony. A sua trajetória foi assinalada com marcador permanente de ponta fina e quantificada por hodômetro cartográfico digital, marca Scale Master, a cada interrupção de incremento de carga de 5 kN. As flechas no meio do vão foram obtidas usando-se transdutores resistivos de deslocamento linear, marca Gefran, com curso elétrico de 100 mm e precisão de 0,01 mm. As deformações no concreto e nas armaduras também foram registradas, mas o presente trabalho não apresenta a análise e a discussão destes resultados.

O módulo de elasticidade secante e a resistência à compressão foram determinados conforme as prescrições da ABNT NBR 8522:2003, item 3.5 1515 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8522: Concreto – determinação dos módulos estáticos de elasticidade e de deformação e da curva tensão–deformação. Rio de janeiro, 2003. 9 p. e ABNT NBR 5739:1994 1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: Concreto - ensaio de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 1994. 4 p., respectivamente. Todos os sensores elétricos foram lidos por meio do sistema de aquisição de dados modelo cDAQ-9217, da National Instruments, assistido pelo programa LabView 8.6.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados dos ensaios de resistência à compressão, fc, resistência à tração por compressão diametral, fct, sp, módulo de elasticidade secante, Ecs, razão de Poisson, ʋ, e abatimento do tronco de cone (slump) para todos os tipos de concreto estudados, aos 28 dias de idade, são mostrados na Tabela 3. Constata-se, portanto, o desempenho semelhante ou ligeiramente superior dos concretos geopoliméricos, em relação ao Portland, nas duas classes de resistência, com destaque para a CCG-20CV-CCA_40.

Tabela 3
Valores médios das propriedades mecânicas dos concretos estudados.

O monitoramento das trincas foi feito com objetivo de relacionar a carga aplicada na viga com o somatório de todas as extensões individuais das trincas que surgiram na viga até o seu colapso, que foi assumido quando o strain gage situado a 2,5 cm do bordo superior da viga parou de emitir sinal elétrico por ter sido danificado pelas trincas.

A princípio foi considerado que a região do bordo superior havia sido fragmentada pelo esmagamento do concreto em compressão. Contudo, após a análise da ruptura, foi confirmado que houve excesso de reforço no bordo superior da viga, o que evitou que o concreto fosse solicitado a ponto de atingir o seu limite de resistência à compressão. Portanto, o bordo superior foi parcialmente comprimido, descomprimido e posteriormente tracionado com o decorrer do ensaio, pelo deslocamento da linha neutra em direção àquele bordo, gradativamente. A carga aplicada na viga foi sempre crescente até a interrupção do ensaio quando da fragmentação superficial do bordo superior da viga, que, mais tarde, foi constatado que ocorreu por efeito de punção provocado pelo cutelo. A Figura 5 mostra os padrões de fissuração para as vigas da classe 25 MPa, bitola de 8,0 mm.

Figura 5
Padrões de fissuração para as vigas da classe 25 MPa e armadura de ϕ 8,0 mm.

A Figura 6a-c mostra os padrões de fissuração para as vigas da classe 25 e bitola de 12,5 mm. O padrão de fissuras de todas as vigas foi considerado similar, com ligeiro destaque para a CCG_25_12,5. Este fato evidencia que a taxa de armadura tem maior influência no comportamento global da viga do que o tipo de concreto, já que a classe de resistência foi a mesma. A Figura 7 mostra o somatório das extensões de todas as trincas aparentes na face lateral dessas vigas (Σa), em função da carga aplicada, P. A progressão individual de cada trinca aparente (macroscópica) na superfície do concreto foi registrada de modo a permitir que o somatório das extensões fosse tomado como dado comparativo entre as vigas, sob o mesmo valor de carga aplicada. Desta forma, partiu-se do pressuposto que, para uma dada carga, inferior à carga de ruptura, quanto maior o número e/ou a extensão total de trincas, maior a capacidade de distribuição das deformações permanentes e, portanto, maior a tenacidade do elemento estrutural.

Figura 6
Padrões de fissuração para as vigas da classe 25 MPa e armadura de ϕ 12,5 mm.
Figura 7
Extensão total de trincas para as vigas de concretos Portland e Geopoliméricos de 25 MPa.

Observando a evolução das trincas em função da carga aplicada (Figura 7), notou-se que, até cerca de 50% da carga máxima, todas as vigas da classe 25 e bitola 12,5 mm apresentaram valores muito próximos de taxa de extensão total de trincas. A partir desse nível de carga, os comportamentos se diferiram, revelando novamente a menor tenacidade para a CCP_25_12,5. O conceito de tenacidade já foi apresentado na introdução deste artigo 44 ZHANG, S., SUN, D., FU, Y., et al. “Toughness measurement of thin films: a critical review”. Surface and Coatings Technology, v.198, pp.74 – 84, Aug. 2005..

A comparação entre as vigas geopoliméricas mostrou que, dependendo da taxa de armadura, houve alternância de destaque. Para a taxa geométrica de armadura de 0,57% (bitola de 8,0 mm), o padrão mais fissurado, com maior extensão total de trincas e flecha máxima no meio do vão foi apresentado pela CCG_25_8,0 e o menos fissurado pela CCP_25_8,0. Para a classe 25 e taxa geométrica de armadura de 1,40% (bitola de 12,5 mm), a extensão total de trincas e o padrão das vigas geopoliméricas foi muito similar entre si e com aqueles do CCP_25_12,5, até cerca de 30 kN. A partir daí e até 45 kN, as vigas geopoliméricas apresentaram maior extensão total de trincas que a CCP_25_12,5, mas ainda equivalente entre ambas. Acima de 45 kN, a CCG-20CV-CCA_25_12,5 foi a que mais propagou trincas e se acomodou aos esforços.

Para a classe de 40 MPa, dois grupos bem distintos aparecem em função da taxa de armadura e da carga máxima alcançada (Figura 8).

Figura 8
Extensão total de trincas para as vigas de concretos Portland e Geopoliméricos de 40 MPa.

Contudo, a relação carga-extensão total de trincas mostra que a CCG_40_12,5 apresentou rigidez equivalente a das vigas de bitola 8,0 mm, pelo menos até atingir o momento resistente da seção homogeneizada 77 BISCHOFF, P. H. “Rational model for calculating deflection of reinforced concrete beams and slabs”, Canadian Journal of Civil Engineering, v. 34, n. 8, pp. 992-1002, 2007., de formação da 1ª trinca, em aproximadamente15 kN. A partir daí, se destaca, apresentando comportamento similar, porém um pouco mais dúctil que das demais vigas de bitola 12,5 mm. Analisando o comportamento global das vigas da classe 40 MPa, destacam-se a CCG-20CV-CCA_40_12,5 como a que desenvolveu ductilidade intermediária, revelando que as cinzas conferem um caráter de enrijecimento ao geopolímero, exigindo mais energia para exibir a mesma fissuração total. Os padrões de fissuração para as vigas da Classe 40 são mostrados nas Figuras 9 e 10, para as armaduras de bitola 8,0 e 12,5 mm, respectivamente.

Figura 9
Padrões de fissuração para as vigas da classe 40 MPa e armadura de ϕ 8,0 mm.
Figura 10
Padrões de fissuração para as vigas da classe 40 MPa e armadura de ϕ 12,5 mm.

Para a bitola de 12,5 mm os padrões de fissuração das vigas da classe 40 foram similares aos apresentados pelas vigas da classe 25. O padrão menos fissurado continuou sendo gerado na CCP_40_12,5 e as vigas geopoliméricas com padrões similares e bem mais fissurados (Figura 10a). O relacionamento P-Σa também mostrou destaque para a maior rigidez da CCP_40_12,5, seguida da CCG-20CV-CCA_40_12,5 e da CCG_40_12,5, respectivamente.

As vigas com armadura de 12,5 mm tiveram, na ruptura, maiores quantidades de trincas e com inclinações um pouco mais acentuadas, quando comparadas com as vigas com armadura de 8,0 mm. O espaçamento entre as trincas diminuiu à medida que se aumentou a taxa geométrica de armadura. Tal como esperado, todas as vigas romperam por flexão, com o escoamento da armadura inferior (sob tração) e colapso do concreto superior também em tração, seguido do esmagamento superficial do concreto por punção do cutelo no bordo superior da viga. Não houve, portanto, ruptura do concreto por compressão no bordo superior da viga, porque, como suposto, a armadura superior, de mesma bitola e taxa geométrica de armadura que no bordo inferior, superarmou a viga, causando ruptura por deformação excessiva, supostamente entre o Domínio II (flexão simples sem ruptura do concreto em compressão) e o Domínio I (tração não uniforme no concreto superior).

A análise do padrão de fissuração das vigas pré-moldadas de concreto armado revelou que houve o aparecimento de um maior número de fissuras nas vigas de concreto geopolimérico, assim como de maior extensão total de propagação, indicando maior tenacidade 1818 PIRES, E. F. C. Propriedades de fratura e análise não-linear de vigas pré-moldadas de concreto geopolimérico: estudo comparativo, Tese de D. Sc., UFF, Niterói, RJ, Brasil, 2015.. Este comportamento corrobora com os resultados de tenacidade à fratura obtidos em estudos complementares realizados por PIRES 1919 PACHECO, T. M., LIMA, J. M. F., LIMA, P. R. L. “Influência do modelo de fissuração na modelagem em elementos finitos de vigas de concreto armado”, Science & Engineering Journal, v. 22, n. 2, pp. 57 – 63, Jul.–Dez. 2013..

Os resultados dos ensaios de flexão, quanto à relação carga, P x flecha no meio do vão, δ são mostrados nas Figuras 11a e 11b, agrupados por matriz, classe de resistência e bitola da armadura, para todas as vigas pré-moldadas de concreto Portland e geopoliméricos, das classes 25 MPa e 40 MPa, respectivamente. Para melhor comparação com o exemplo mostrado na Figura 2, os resultados foram convertidos na relação momento, M x curvatura, (1/r), e mostrados nas Figuras 13 e 14.

Figura 11
Curvas carga x flecha de vigas de concreto armado da classe de resistência (a) de 25 MPa; (b) de 40 MPa, para as diferentes taxas de armadura e matrizes de concreto.
Figura 12
Curvas momento x curvatura das vigas de concreto armado com classe de resistência de 25 MPa, para as diferentes taxas de armadura e matrizes de concreto.
Figura 13
Curvas momento x curvatura das vigas de concreto armado com classe de resistência de 40 MPa, para as diferentes taxas de armadura e matrizes de concreto.

Como esperado, as vigas com armadura de bitola 8,0 mm apresentaram maiores flechas e curvaturas que aquelas com armadura de bitola 12,5 mm. Quanto à classe de resistência do concreto, foi observado que houve influência sobre a rigidez inicial das vigas com armadura de bitola 8,0 mm, ao passo que naquelas de bitola de 12,5 mm o comportamento foi idêntico até o fim do Estádio II (início escoamento da armadura inferior), em Ma ≈ 3200 kN.cm. Também foi clara a distinção de comportamentos, em função da bitola, para todo o regime de solicitação. A Tabela 4 mostra uma compilação dos resultados de flexão, levando-se em conta as propriedades na fase intermediária do carregamento, até o início do escoamento da armadura inferior.

Tabela 4
Valores médios de alguns parâmetros determinados nas vigas na fase final do Estádio-II.

Foi observado que, nas vigas com menor taxa de armadura, o momento de plastificação girou em torno de 1800 kN.cm e para a maior taxa geométrica de armadura, girou em torno de 3500 kN.cm, quase 100% a mais de capacidade de carga, como era presumido.

Numa análise primária, pode-se afirmar que houve pouca influência do tipo de matriz e da classe de resistência do concreto sobre esse resultado. Contudo, numa observação mais criteriosa, pode ser percebido o melhor desempenho das vigas de matriz geopolimérica em relação às de cimento Portland, principalmente das CCG-20CV-CCA, onde aquelas de classe 40 e bitola de 12,5 mm se sobrepõem a todas as demais.

No outro extremo, apresentando pior desempenho, aparecem as vigas de CCP_25_8,0 com menores rigidez e capacidade de carga. Com base nesses resultados, o emprego de modelos constitutivos de nãolinearidade física (NLF) propostos para os CCP pode ser considerado como um meio eficaz de análise comparativa com os geopolímeros, já que se trata da mesma base de memória de cálculo que se encontra nas normas brasileiras e nos códigos internacionais. A modelagem numérica por elementos finitos é também uma poderosa ferramenta para análise da fissuração em vigas, submetidas a quaisquer regimes de carregamento 1919 PACHECO, T. M., LIMA, J. M. F., LIMA, P. R. L. “Influência do modelo de fissuração na modelagem em elementos finitos de vigas de concreto armado”, Science & Engineering Journal, v. 22, n. 2, pp. 57 – 63, Jul.–Dez. 2013..

4. CONCLUSÕES

Os resultados experimentais mostraram que, para o comportamento à flexão, as vigas pré-moldadas de concreto geopolimérico apresentaram capacidade de carga elevada, maior habilidade de deformação e formação de trincas finas e mais numerosas no meio do vão, em comparação com vigas pré-moldadas de concreto de cimento Portland. Todas as propriedades avaliadas neste artigo indicam que, tanto o CCG quanto os híbridos gerados pelo emprego de CV e CCA, são plenamente capazes de desempenhar a função de aglomerante em concreto armado, tão bem ou em certos casos, melhor que o cimento Portland, abrindo oportunidade para o emprego dos mesmos modelos constitutivos desenvolvidos para o concreto armado convencional, para o dimensionamento de estruturas.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a CAPES e a FAPERJ, pelo aporte financeiro, ao Laboratório de Materiais Conjugados do Instituto Militar de Engenharia, IME, pelo empréstimo de instrumentação, as empresas Geopolitec e Wincret, pela cessão de material e a Itambi Pré-moldados pela total disponibilização de suas instalações.

6. BIBLIOGRAFIA

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    AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 347R-14: Guide to formwork for concrete. 32p, 2014.
  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2017
  • Aceito
    04 Jul 2017
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