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Efeito da taxa de resfriamento sobre a formação de martensita em um aço inoxidável ferrítico com 11 %Cr e baixos teores de intersticiais

Effect of the cooling rate on martensite formation in a ferritic stainless steel with 11 %Cr and low content of interstitials

RESUMO

Estudou-se o efeito da taxa de resfriamento sobre a cinética de formação da martensita e sua evolução microestrutural em um aço inoxidável ferrítico com 0,011 %C - 11,1 %Cr - 0,013 N, usando a técnica de dilatometria e a microscopia ótica. Amostras foram austenitizadas a 1000°C por um minuto, seguida de resfriamento sob várias taxas até a temperatura ambiente. A microestrutura obtida é composta, predominantemente, por martensita temperada com uma pequena fração volumétrica de ferrita, com valores de microdureza Vickers variando de 319±4 HV0.2 a 338±4 HV0.2, quando as taxas de resfriamento aumentam de 0,5 para 100 °C/s. Os resultados mostram que as temperaturas de início e fim de formação da martensita diminuem com o aumento da taxa de resfriamento. A taxa de transformação martensítica cresce abruptamente alcançando o valor máximo quando a fração de martensita atinge aproximadamente 42 %, e então, essa taxa diminui até zero quando a transformação da martensita chega ao fim. A taxa máxima da transformação martensítica cresce com o aumento da taxa de resfriamento, sendo 0,01 s-1 a 0,5 °C/s e 2,54 s-1 para 100 °C/s.

Palavras-chaves
aço inoxidável ferrítico; formação de martensita; dilatometria

ABSTRACT

The effect of the cooling rate on martensite formation kinetic and its microstructural evolution in a ferritic stainless steel with 0.011 %C - 11.1 %Cr - 0.013 N was studied, using the dilatometric technique and optical microscopy. Samples were austenitized at 1000°C during one minute, followed by cooling under various rates to room temperature. The microstructure consists predominantly composed of martensite with a small volumetric fraction of ferrite, and the values of Vickers microhardness vary from 319±4 HV0.2 to 338±4 HV0.2 when the cooling rates increase from 0.5 to 100 °C/s. The results show that the martensite start and finish temperatures decrease when the cooling rate increases. The martensitic transformation rate grows abruptly reaching the maximum value when the martensitic fraction is about 42 % and then it decreases to zero when the martensitic transformation comes to the end. The maximum rate of martensitic transformation grows with increase of cooling rate, being 0.01 s-1 to 0.5 °C/s and 2,54 s-1 to 100 °C/s.

Keywords
ferritic stainless steel; martensite formation; dilatometr

1. INTRODUÇÃO

O consumo, o investimento nas pesquisas e o avanço tecnológico da produção dos aços inoxidáveis ferríticos têm aumentado devido ao aumento do preço do níquel no mercado mundial [11 GAO, F., LIU, Z.Y., LIU, H.T., et al., “Toughness under diferent rolling processes in ultra purified Fe-17 wt.% Cr alloy steels”, Journal of Alloys Compounds, v. 567, pp. 141–147, Aug. 2013.

2 GAO, F., LIU, Z.Y., MISRA, R.D.K., et al., “Constitutive modeling and dynamic softening mechanism during hot deformation of an ultra-pure 17%Cr ferritic stainless steel stabilized with Nb”, Metals and Materials International, v. 20, pp. 939–951, Set. 2014.
-33 SIQUEIRA, R.P., SANDIM, H.R.Z., OLIVEIRA, T.R., “Texture evolution in Nb-containing ferritic stainless steels during secondary recrystallization”, Materials Science and Engineering: A, v. 497, pp. 216-223, Dec. 2008.], tornando-os uma alternativa economicamente viável aos aços inoxidáveis austeníticos em muitas aplicações.

Os aços inoxidáveis ferríticos com baixo teor de carbono e sem a presença de microligantes (Nb, Ti e/ou Mo) têm sido utilizados no setor de transportes (automotivo e ferroviário), em usinas de açúcar e álcool (coletores de bagaço, lateral das mesas alimentadoras, piso e lateral de mesas intermediárias, condutores de cana, Shut Donelly, difusores, coletores de caldo), em prédios, mobiliários urbanos, vigas para pontes, entre outros.

Os aços inoxidáveis Fe-Cr e baixo carbono têm uma microestrutura constituída de ferrita ou martensita ou ferrita e martensita, dependendo do conteúdo de Cr e da taxa de resfriamento. Quando o conteúdo de Cr é menor que 12 % em peso é possível obter a microestrutura martensítica sob rápido resfriamento, desde que o aço pode ser feito completamente austenítico a elevadas temperaturas. Para conteúdos maiores que 12 % de Cr o aço é completamente ferrítico e existe entre o campo austenítico e ferrítico uma estreita faixa de composição que define as ligas semi-ferríticas, com uma microestrutura consistindo ferrita δ mais carbonetos de cromo se resfriado lentamente, e ferrita mais martensita se resfriado rapidamente [44 KRAUSS, G. Steels: Processing, Structure, and Performance. 1ª ed. Ohio, ASM International, 2005.

5 VAN WARMELO, M., NOLAN, D., NORRISH, J., “Mitigation of sensitisation effects in unstabilised 12% Cr ferritic stainless steel welds”, Materials Science and Engineering: A, v. 464, pp. 157–69, Aug. 2007.
-66 LAKSHMINARAYANAN, A.K., BALASUBRAMANIAN, V., “An assessment of microstructure, hardness, tensile and impact strength of friction stir welded ferritic stainless steel joints”, Materials and Design, v. 31, pp. 4592–4600, Dec. 2010.].

Contudo, os aços inoxidáveis ferríticos podem apresentar problemas durante o processo de soldagem, devido a formação de martensita e crescimento de grão, que causam a redução da ductilidade e tenacidade. Portanto, é essencial o conhecimento da transformação de fases no estado sólido destas ligas, avaliando a cinética de formação das fases ferrita e martensita. A dilatometria tem-se mostrado uma técnica importante neste estudo [77 DE ANDRÉS, C.G., CABALLERO, F.G., CAPDEVILA, C., et al., “Application of dilatometric analysis to the study of solid-solid phase transformations in steels”, Materials Characterization, v. 48, pp. 101-111, Feb. 2002.

8 OLIVEIRA, F.L.G., ANDRADE, M.S., COTA, A.B., “Kinetics of austenite formation during continuous heating in a low carbon steel”, Materials Characterization, v. 58, pp. 256-261, Mar. 2007.

9 MOLA, J., CHAE, D., DE COOMAN, B.C., “Dilatometric Analysis of Anisotropic Dimensional Changes in a 16 Pct Cr Stainless Steel with a Planar Banded Structure”, Metallurgical and Materials Transactions A, v. 41A, pp. 1429-1440, Apr. 2010.
-1010 TSAI, M.C., CHIOU, C.S., DU, J.S., et al., “Phase Transformation in AISI 410 stainless steel”, Materials Science and Engineering A, v. 332, pp. 1-10, Jul. 2002.], mas poucos trabalhos descrevem a transformação de fases em aços inoxidáveis ferríticos [1111 DE LIMA, M.S.F., ESPIRITO SANTO, A.M., “Phase Transformations in an AISI 410S Stainless Steel Observed in Directional and Laser-induced Cooling Regimes”, Materials Research, v. 15, pp. 32-40, Jan. 2012.].

Geralmente, a temperatura de início de formação da martensita, Mi, é afetada pela composição química [1212 ANDREWS, K., “Empirical formulae for calculation of some transformation temperatures”, Iron and Steel Institute, v. 203, pp. 721–727, 1965.], tamanho de grão austenítico [1313 KITAHARA, H., TSUJI, N., MINAMINO, Y., “Martensite transformation from ultrafine grained austenite in Fe–28.5 at.% Ni”, Materials Science and Engineering: A, v. 438, pp. 233–236, Nov. 2006.] e taxa de resfriamento [1010 TSAI, M.C., CHIOU, C.S., DU, J.S., et al., “Phase Transformation in AISI 410 stainless steel”, Materials Science and Engineering A, v. 332, pp. 1-10, Jul. 2002., 1414 BRACHET, J.-C., GAVARD, L., BOUSSIDAN, C., et al., “Modelling of phase transformations occurring in low activation martensitic steels”, Journal of Nuclear Materials, v. 258-263, pp. 1307-1311, Oct. 1998.,1515 GAO, Q., WANG, C., QU, F., et al., “Martensite transformation kinetics in 9Cr–1.7W–0.4Mo–Co ferritic steel”, Journal of Alloys and Compounds, v. 610, pp. 322–330, Oct. 2014.]. Elevadas temperaturas de austenitização e taxas de resfriamento diminuem a temperatura Mi, como sugerido por Tsai et al. [1010 TSAI, M.C., CHIOU, C.S., DU, J.S., et al., “Phase Transformation in AISI 410 stainless steel”, Materials Science and Engineering A, v. 332, pp. 1-10, Jul. 2002.] e Gao et al. [1515 GAO, Q., WANG, C., QU, F., et al., “Martensite transformation kinetics in 9Cr–1.7W–0.4Mo–Co ferritic steel”, Journal of Alloys and Compounds, v. 610, pp. 322–330, Oct. 2014.]

Com o objetivo de contribuir com o melhor entendimento da cinética de formação da martensita, a técnica dilatométrica foi usada para estudar a transformação de fases em um aço inoxidável ferrítico com 11,1 %Cr, 0,011 %C e 0,013 N variando a taxa de resfriamento de 0,5 a 100 °C/s. Associada à técnica dilatométrica, foi realizada a predição termodinâmica da estabilidade das fases e de suas frações em massa no equilíbrio empregando o software MatCalc [1616 KOZESCHNIK, E., BUCHMAYR, B., “MatCalc — a simulation tool for multi-component thermodynamics, diffusion and phase transformation kinetics. In Mathematical Modelling of Weld Phenomena”, London Institute of Materials, v. 5, p. 349–361, 2001.].

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A composição química (% em peso) do aço inoxidável ferrítico fabricado pela Aperam South America é: 0,011 C 11,1 Cr, 0,533 Mn, 0,526 Si, 0,305 Ni, 0,013 N. As amostras com 4 mm de espessura foram retiradas de bobinas laminadas a quente no laminador do tipo Steckel, apresentando uma microestrutura essencialmente ferrítica.

As análises dilatométricas foram realizadas em um dilatômetro de têmpera LINSEIS, modelo L78 R.I.T.A. Foram usadas amostras cilíndricas com 3 mm de diâmetro e 10 mm de comprimento. As temperaturas críticas de formação da austenita no aquecimento, e de formação da ferrita e martensita no resfriamento foram determinadas a partir das curvas dilatométricas. O meio de resfriamento utilizado foi o gás hélio analítico 5.0. As amostras foram aquecidas à taxa de 5,0 °C/s até a temperatura de 1000 °C, mantidas a esta temperatura por 1 min, seguidas de resfriamento até a temperatura ambiente às taxas de 1,0; 5,0; 10; 30 e 100 °C/s. Uma amostra foi aquecida à taxa de 1 °C/s e resfriada à taxa de 0,5 °C/s.

A caracterização microestrutural das amostras ensaiadas por dilatometria foi realizada por meio da técnica de microscopia ótica, atacando-se quimicamente as amostras com reativo Villela (2 g de ácido pícrico, 100 mL de álcool e 5 mL de ácido clorídrico) durante 60 s. A microdureza Vickers das amostras foi medida com carga de 200 gf por 5 s, usando o microdurômetro Digital Microhardness Tester da marca Pantec.

A predição termodinâmica da estabilidade das fases e das frações em massa no equilíbrio foram realizadas usando o software Matcalc [1616 KOZESCHNIK, E., BUCHMAYR, B., “MatCalc — a simulation tool for multi-component thermodynamics, diffusion and phase transformation kinetics. In Mathematical Modelling of Weld Phenomena”, London Institute of Materials, v. 5, p. 349–361, 2001.], versão da base de dados mc_fe_v2.057.tdb.

Na descrição da cinética de formação da martensita, fez-se a determinação da fração volumétrica de martensita formada utilizando a regra da alavanca, cujo método de aplicação à curva dilatométrica está detalhado em Lopes e Cota [1717 LOPES, M.M.B., COTA, A.B., “A Study of isochronal austenitization kinetics in a low carbon steel”, Revista Escola de Minas, v. 67, n.1, pp. 61-66, Jan./Mar. 2014.].

3. RESULTADOS

3.1 Predição termodinâmica da estabilidade das fases

O cálculo do diagrama de fases de equilíbrio como uma função do conteúdo de cromo (% em peso) foi desenvolvido para o aço inoxidável ferrítico, mantendo o conteúdo de todos os outros elementos de liga constantes, de acordo com a composição química da liga em estudo, usando o software MatCalc [1616 KOZESCHNIK, E., BUCHMAYR, B., “MatCalc — a simulation tool for multi-component thermodynamics, diffusion and phase transformation kinetics. In Mathematical Modelling of Weld Phenomena”, London Institute of Materials, v. 5, p. 349–361, 2001.].

No cálculo do diagrama de fases no equilíbrio foram consideradas as fases líquida, austenita e ferrita, e os compostos M23C6 (M=Cr, Fe) e Laves, sendo estáveis apenas o composto M23C6, preditos usando o Matcalc (Fig. 1). Observa-se que o aço solidifica-se primariamente na fase ferrítica (ferrita δ), com uma temperatura solidus, Ae6, de aproximadamente 1500 °C. Durante a solidificação, a liga com 11,1 % de Cr passa pelo campo bifásico de austenita e ferrita α, e depois pelo campo monofásico austenítico. As temperaturas de transformação de fases no equilíbrio, considerando o resfriamento, Ae1 (fim da transformação da austenita em ferrita α, Ae3 (início de transformação da austenita em ferrita α), Ae4 (temperatura de fim de transformação da ferrita δ em austenita), Ae5 (início de transformação da ferrita δ em austenita) foram calculadas e seus valores são dados na Tabela 1. O campo monofásico austenítico se estende até 13,6 % de Cr, no intervalo de temperatura de 822,6 a 1186 °C para a liga em estudo com 11,1 % de Cr.

Figura 1
Diagrama de fases calculado em função do conteúdo de Cr usando o software MatCalc, mantidos os conteúdos dos demais elementos, de acordo com a composição química do aço inoxidável ferrítico.
Tabela 1
Temperaturas críticas de transformação de fases considerando a liga com 11,1 %Cr.

As frações em massa das fases e compostos no equilíbrio do aço inoxidável ferrítico com 11,1 % de Cr foram calculadas e são plotadas na Figura 2 em função da temperatura. O carbeto M23C6 se precipita abaixo da temperatura de 775 °C e sua fração em massa à temperatura de 400 °C é de 0,0025 (0,25 %).

Figura 2
Fração em massa das fases e compostos do aço inoxidável estudado em função da temperatura.

3.2 Dilatometria

Por meio dos ensaios de dilatometria foram medidas as temperaturas de transformações de fases no aquecimento e no resfriamento. No aquecimento, determinou-se as temperaturas de início e fim de formação da austenita, Ac1 = 801 °C e Ac3 = 941 °C, respectivamente, para a taxa de aquecimento de 1 ºC/s (Fig. 3), que correspondem aos pontos de desvios da expansão térmica linear da liga. As temperaturas críticas de formação da austenita no equilíbrio são Ae1 = 768 °C e Ae3 = 822,6 °C, menores que as temperaturas Ac1 e Ac3 . Estes resultados indicam que um aumento na taxa de aquecimento reduz o tempo de transformação em austenita, reduzindo a duração do processo difusional, que demanda maior energia para a transformação e, portanto, um maior valor de Ac3 [88 OLIVEIRA, F.L.G., ANDRADE, M.S., COTA, A.B., “Kinetics of austenite formation during continuous heating in a low carbon steel”, Materials Characterization, v. 58, pp. 256-261, Mar. 2007.].

Figura 3
ariação de comprimento da amostra como uma função da temperatura para a taxa de aquecimento de 1 °C/s e as temperaturas Ac1 e Ac3 indicadas.

A temperatura de transformação de fases no resfriamento, Ar3 (temperatura de início da transformação da austenita em ferrita) foi determinada para a taxa de resfriamento de 0,5 ºC/s, cujo valor de 761 ºC (Fig. 4). Para taxas de resfriamento maiores que 0,5 °C/s as curvas dilatométricas não indicam a formação de ferrita, devido a sua pequena fração volumétrica.

As temperaturas críticas Mi e Mf (temperaturas de início e fim de formação da martensita) foram determinadas para as diferentes taxas de resfriamento (Fig. 4 e 5) e seus valores em função da taxa de resfriamento são representados na Figura 6. Observa-se que os valores das temperaturas Mi e Mf diminuem quando a taxa de resfriamento aumenta, para amostras austenitizadas à mesma temperatura.

Figura 4
Curva dilatométrica indicando as temperaturas de transformação de fases Mi, Mf e Ar3 para a taxa de resfriamento de 0,5 °C/s.
Figura 5
Curvas dilatométricas mostrando a formação da martensita para as taxas de resfriamento de 1, 5,10,30 e 100°C/s.
Figura 6
Temperaturas de início e fim de formação da martensita, Mi e Mf, respectivamente, e a diferença Mi-Mf em função da taxa de resfriamento.

As microestruturas das amostras, na condição inicial, resfriadas à taxa de 0,5 °C/s, 5 °C/s e 100 °C/s são mostradas na Figura 7. As amostras utilizadas nos ensaios dilatométricos (microestrutura inicial) foram obtidas após a laminação a quente (laminador Steckel) e tem uma microestrutura que consiste essencialmente de ferrita, alongada na direção de laminação (Fig. 7a), ou seja, não recristalizada, obtida com uma taxa de resfriamento muito pequena. As microestruturas das amostras resfriadas a taxas maiores ou iguais a 0,5 °C/s consistem de ferrita (em pequena quantidade) e martensita (Fig. 7b-d).

Figura 7
Microestruturas das amostras a) inicial e submetidas às taxas de resfriamento de b) 0,5 °C/s; c) 5 °C/s; d) 100 °C/s. F=ferrita.

A microdureza Vickers (carga de 200 gf) da amostra com microestrutura inicial ferrítica é de 217±4 HV0.2 (erro padrão com 95 % de confiança). A microdureza Vickers das amostras submetidas a taxas de resfriamento entre 0,5 e 100 °C/s variou de 319±4 HV0.2 a 338±4 HV0.2 (Fig. 8), sendo as microestruturas das amostras majoritariamente martensíticas. Se a taxa de resfriamento é alta, a martensita é essencialmente uma solução supersaturada de carbono em uma matriz de ferro tetragonal. A dureza da martensita aumenta dramaticamente com o conteúdo de carbono, mas com somente 0,011 %C, o aço inoxidável é relativamente macio. Além disso, devido aos altos valores das temperaturas Mi (Fig. 6) o auto-revenimento da martensita ocorre durante o resfriamento até a temperatura ambiente, o que contribui para os baixos valores da microdureza Vickers.

Figura 8
Microdureza Vickers como uma função da taxa de resfriamento.

4. DISCUSSÃO

O trabalho realizado por Tsai et al. [1010 TSAI, M.C., CHIOU, C.S., DU, J.S., et al., “Phase Transformation in AISI 410 stainless steel”, Materials Science and Engineering A, v. 332, pp. 1-10, Jul. 2002.] estudando um aço inoxidável martensítico com 0,12 %C e 12,8 %Cr sugere que altas temperaturas de austenitização e altas taxas de resfriamento diminuem a temperatura Mi, devido à maior concentração de lacunas na matriz austenítica e sem a precipitação de carbonetos de Cr. O aumento da resistência mecânica da austenita associado à interação entre as discordâncias e lacunas, e por solução sólida devido aos elementos carbono e cromo preservados na matriz, leva a redução da temperatura Mi.

Gao et al. [1515 GAO, Q., WANG, C., QU, F., et al., “Martensite transformation kinetics in 9Cr–1.7W–0.4Mo–Co ferritic steel”, Journal of Alloys and Compounds, v. 610, pp. 322–330, Oct. 2014.] também relataram que o aumento na taxa de resfriamento a partir do campo austenítico diminuiu a temperatura Mi, estudando um aço ferrítico 9Cr–1.7W–0.4Mo–Co. Segundo os autores, aumentando a taxa de resfriamento, o aumento do super-resfriamento para a transformação em martensita resulta em uma maior força motriz, o que implica em uma menor energia de ativação para o crescimento da martensita.

A relação entre a taxa de resfriamento e a temperatura Mi pode ser racionalizada considerando que um aumento na taxa de resfriamento restringe a transformação martensítica. Assim, uma maior quantidade de força motriz termodinâmica é requerida para iniciar a transformação por cisalhamento da austenita em martensita, o que significa que Mi diminui com o aumento da taxa de resfriamento [1515 GAO, Q., WANG, C., QU, F., et al., “Martensite transformation kinetics in 9Cr–1.7W–0.4Mo–Co ferritic steel”, Journal of Alloys and Compounds, v. 610, pp. 322–330, Oct. 2014.]. Além disto, para taxas de resfriamento menores a quantidade de carbonetos e nitretos de cromo que precipitam é maior, diminuindo a quantidade de carbono e cromo em solução, o que aumenta a temperatura Mi.

A mudança da fração volumétrica da martensita em função da temperatura a várias taxas de resfriamento, no intervalo de 0,5 a 100 °C/s, está representada na Figura 9. Deve-se notar que a fração de martensita foi calculada usando a regra da alavanca aplicada às curvas dilatométricas, considerando-se somente a transformação da austenita em martensita, com fração volumétrica de ferrita não avaliada, ou seja, a quantidade de martensita varia de 0 a 1.

Figura 9
Fração volumétrica de martensita em função da temperatura calculada das curvas dilatométricas por meio da aplicação da regra da alavanca, para várias taxas de resfriamento.

Para investigar a cinética de formação da martensita, a taxa de transformação (df/dt: derivada temporal da fração volumétrica de martensita) [1818 GAO, Q., LIU, Y., DI, X., et al., “Martensite transformation in the modified high Cr ferritic heatresistant steel during continuous cooling”, Journal of Materials Research, v. 27, pp. 2779-2789, Nov. 2012.] nas amostras submetidas a diferentes taxas de resfriamento em função da fração volumétrica de martensita é mostrada na Figura 10. Observa-se que a transformação martensítica exibe certas características que permitem avaliar a cinética de transformação. Primeiro, as temperaturas de início e fim de formação da martensita estão relacionadas com a taxa de resfriamento, ou seja, Mi e Mf diminuem com aumento da taxa de resfriamento. Segundo, o intervalo de formação da martensita, de Mi até Mf, tende a diminuir quando a taxa de resfriamento aumenta.

Figura 10
Taxa de formação da martensita (df/dt) como uma função da fração de martensita (f), a várias taxas de resfriamento.

Além disto, observa-se na Figura 10 que a taxa de transformação martensítica cresce abruptamente, alcança um valor pico com a formação de aproximadamente 42 % de martensita e então diminui até zero quando cessa a transformação. O valor de pico da taxa de formação da martensita (df/dt máximo) cresce com

o aumento da taxa de resfriamento. Para a taxa de resfriamento de 0,5 °C/s o valor deste pico é 0,01 s-1 e alcança 2,54 s-1 para a taxa de resfriamento de 100 °C/s. A dependência da fração de martensita com a temperatura, para cada taxa de resfriamento (Fig. 9 e 10) é uma característica de uma transformação atérmica, o que significa que a fração de martensita cresce com a diminuição da temperatura abaixo de Mi.

5. CONCLUSÕES

Foi observado que o aço inoxidável ferrítico com 11,1 %Cr, 0,011 %C e 0,013 %N, apresenta, na condição de partida, microestrutura predominantemente ferrítica e majoritariamente a fase martensita para taxas de resfriamento entre 0,5 e 100 °C/s, com microdureza Vickers variando de 319±4 HV0.2 a 338±4 HV0.2, valores coerentes com o baixo conteúdo de carbono no aço inoxidável ferrítico, bem como o possível autorevenimento da microestrutura martensítica.

As temperaturas de início e fim de formação da martensita, Mi e Mf, são influenciadas pela taxa de resfriamento e, para a mesma condição de austenitização, Mi, Mf e a diferença Mi-Mf decrescem com o aumento da taxa de resfriamento.

A taxa de transformação martensítica aumenta abruptamente, alcança um valor pico com a formação de aproximadamente 42 % de martensita e então diminui até zero quando cessa a transformação. O valor de pico da taxa de formação da martensita cresce com o aumento da taxa de resfriamento, de 0,01 s-1 para a taxa de resfriamento de 0,5 °C/s para 2,54 s-1 para a taxa de resfriamento de 100 °C/s.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Aperam South America pelo fornecimento das amostras e à CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2017
  • Aceito
    11 Jul 2017
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