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Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 3

Obtaining S-phase layer:Glow-discharge nitriding at low temperature x SHTPN – Part 3

RESUMO

Corpos de prova de aço inoxidável austenítico ISO 5832-1(similar ao AISI 316L, para aplicações biomédicas) apresentando camada superficial enrriquecida em nitrogênio (fase S), obtidos pelos processos de nitretação por plasma em baixa temperatura e SHTPN (Solution Heat Treatment after Plasma Nitriding -Tratamento de solubilização após nitretação por plasma), além de amostras não tratadas, foram testadas em ensaio de desgaste microabrasivo do tipo esfera livre. Os resultados mostraram que as superfícies nitretadas por plasma em baixa temperatura apresentam o menor coeficiente de desgaste para menores tempos de ensaio. No entanto, devido à pequena espessura de camada nitretada, com o aumento do tempo de ensaio as amostras processadas via SHTPN passam a apresentar desempenho superior, indicando que, dependendo das solicitações de desgaste, um ou outro processo apresenta o melhor desempenho.

Palavras-chave
Nitretação por plasma; SHTPN; fase S; ISO 5832-1; desgaste microabrasivo

ABSTRACT

Samples of the ISO 5832-1 austenitic stainless steel (similar to AISI 316L for biomedical applications) with nitrogen-rich surface layer (S-phase), obtained by plasma nitriding at low temperature and SHTPN (Solution Heat Treatment after Plasma Nitriding) processes, as well as non-treated samples, were tested to evaluate its micro-abrasive wear behavior. The micro-abrasive wear test were performed using the free-ball configuration. The results pointed out that the nitrided surfaces present lower wear coeficient for short measuring time. Nevertheless, since nitrided layers are relatively thin, for prolongated wear tests the SHTPN samples presented lower wear cofiecient, indicating that depending on the apllication one of the processes will present the best behaviour.

Keywords
Glow discharge nitriding; SHTPN; S-phase; ISO 5832-1; micro-abrasive wear

1. INTRODUÇÃO

Os aços inoxidáveis austeníticos são vastamente empregados na indústria por possuírem excelente resistência à corrosão, entretanto, dependendo do meio ao qual estão expostos, podem sofrer corrosão por pite e / ou frestas. Este fato, aliado à baixa dureza e comportamento tribológico, limita sua aplicabilidade. Várias técnicas vêm sendo empregadas com o objetivo de melhorar as propriedades de superfície destes aços por meio da adição de nitrogênio em solução sólida [11 LARISCH, B., BRUSKY, U., SPIES, H. J., “Plasma nitriding of stainless steels at low temperatures”, Surface and Coatings Technology, v.116-119, pp. 205-211, 1999.

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-77 BORGES, P. C., ROCHA, L. A., “Solution heat treatment of plasma nitrided 15-5PH stainless steel -Part I: Improvement of the corrosion resistance”, Kovové Materiály, v. 49, pp. 107-117, 2011.]. Além da difundida técnica de nitretação por plasma à baixa temperatura, a técnica SHTPN (Solution Heat Treatment after Plasma Nitriding - Tratamento de solubilização após nitretação por plasma) tem apresentado bons resultados no tocante a obtenção de uma camada enriquecida em nitrogênio de espessura consideravelmente superior as obtidas na nitretação por plasma em baixa temperatura, sem perda da resistência à corrosão [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015., 99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015., 1010 BERTON, E. M., NEVES, J. C. K., MAFRA, M., et al., “Nitrogen enrichment of AISI 409 stainless steel by solution heat treatment after plasma nitriding”, Kovové Mater., v. 55, pp. 317-321, 2017.].

Com base nos resultados de trabalhos anteriores [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015.,99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015.] foi possível supor que a principal diferença entre materiais processados por plasma em baixa temperatura e os submetidos ao processo SHTPN está associada a vida útil em situações envolvendo desgaste.

Dentre os diversos modos de desgaste está o desgaste microabrasivo [1111 COZZA, R. C., TANAKA, D. K., SOUZA, R. M., “Friction coeficiente and wear mode transition in micro-scale abrasion tests”, Tribology International, v. 44, pp. 1878-1889, 2011., 1212 AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, Standard terminology relating to wear and erosion, ASTM G40, 2015.], o qual pode ser avaliado por meio do ensaio com esfera rotativa. Este teste consiste na análise do desgaste gerado pelo movimento de uma esfera e por partículas abrasivas (ver Figura 1). Como resultado são geradas calotas esféricas, também chamadas crateras de desgaste. Através das análises dessas crateras, é possível prever ou, pelo menos estimar, o comportamento ao desgaste abrasivo de um material em condições reais de trabalho.

Figura 1
(a) Diagrama esquemático do ensaio de microabrasão por esfera livre rotativa, adaptado de [1111 COZZA, R. C., TANAKA, D. K., SOUZA, R. M., “Friction coeficiente and wear mode transition in micro-scale abrasion tests”, Tribology International, v. 44, pp. 1878-1889, 2011.]. (b) Foto de um ensaio.

Neste contexto, a presente pesquisa objetivou estudar o comportamento em desgaste por microabrasão em superfícies do aço ISO 5832 -tratadas, com adição de nitrogênio em solução sólida pelas técnicas de nitretação em baixa temperatura e SHTPN, realizadas em trabalhos anteriores [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015., 99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015.], bem como comparar os resultados com o material não tratado.

O diâmetro da cratera é medido por microscopia ótica, embora outros métodos também possam ser empregados. A profundidade da cratera (h) e o volume de material desgastado (V) podem ser determinados em função do diâmetro da cratera (b), empregando-se as equações (1) e (2), respectivamente, onde . é o raio da esfera utilizada no ensaio, considerando b << . (condição normalmente atingida neste ensaio) [1111 COZZA, R. C., TANAKA, D. K., SOUZA, R. M., “Friction coeficiente and wear mode transition in micro-scale abrasion tests”, Tribology International, v. 44, pp. 1878-1889, 2011.].

h b 2 8 R (1)
V π b 4 64 R (2)

O coeficiente de desgaste (k), que pode ser interpretado como o volume de material desgastado por unidade de força e por unidade de distância de deslizameneto [mm3/(N.mm)], pode ser calculado pela equação (3), onde F é a carga normal aplicada e L à distância deslizada pela esfera rotativa.

k V L F (3)

Com respeito ao mecanismo de desgaste, basicamente são definidos na literatura dois mecanismos, o desgaste abrasivo a dois corpos (desgaste abrasivo por riscamento) e o desgaste abrasivo a três corpos (desgaste abrasivo por rolamento). Essa classificação é baseada nas marcas de desgaste geradas pelas partículas abrasivas no corpo de prova [1111 COZZA, R. C., TANAKA, D. K., SOUZA, R. M., “Friction coeficiente and wear mode transition in micro-scale abrasion tests”, Tribology International, v. 44, pp. 1878-1889, 2011.,1212 AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, Standard terminology relating to wear and erosion, ASTM G40, 2015.].

Os resultados de ensaio de microabrasão, principalmente do coeficiente de desgaste, vêm sendo empregados para verificar modificações no compotamento ao desgaste de materiais tratados por plasma em pesquisas recentes. Verifica-se uma melhora significativa da resistência ao desgaste para os materiais tratados (endurecidos superficialmente), quando comparados ao material não tratado [1313 PEREIRA NETO, J. L., SILVA, R. O., SILVA, E. H., et al., “Wear and corrosion study of plasma nitriding F53 super duplex stainless steel”, Materials Research, v.19, n.6, pp. 1241-1252, 2016., 1414 CORDEIRO, R. C., LIMA, M. G. B., MIRANDA, P. E. V., “Low temperature plasma nitriding of duplex stainless steel”, Proceedings of Surface Modification Technologies XXV, v. 25, pp. 223-234, 2011.].

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A investigação foi realizada em corpos de prova cilíndricos com 15 mm de altura obtidos a partir do corte de uma barra de diâmetro 15,8 mm, na condição de fornecimento (solubilizados) e processados conforme parâmetros descritos em [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015.] e [99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015.], de modo a obter superfícies tratadas ricas em nitrogênio (fase S). O material empregado na pesquisa foi o aço inoxidável ISO 5832-1, cuja composição química é apresentada na Tabela 1. A microestrutura de partida foi 100% austenítica, com diâmetro médio de grão de 7,72 ± 0,25 μm e dureza inicial de 208 ± 3 HV.

Tabela 1
Composição química do aço inoxidável austenítico ISO 5832-1 (% peso).

A Tabela 2 resume as características de cada condição testada. Estado de fornecimento (EF), nitretadas por plasma em baixa temperatura (400 ºC / 3 h -NP 400) e processadas pelo método SHTPN. O detalhamento do processamento e as caracterizações também podem ser observadas em [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015., 99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015.].

Tabela 2
Características iniciais das condições testadas.

Os ensaios de microabrasão foram realizados em uma máquina de ensaio de desgaste microabrasivo por esfera livre (Calowear, CSM instruments S.A., Switzerland). A norma de referência adotada foi a ISO 26428:2008 [1515 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, Fine ceramics (advanced ceramics, advanced technical ceramics): Determination of the abrasion resistance of coatings by a microscale abrasion test, ISO 26424, 2008.], sendo empregados os parâmetros apresentados na Tabela 3. O abrasivo utilizado foi a alumina para polimento metalográfico da marca Teclago (Tecnologia em máquinas metalográficas), suspenção nº 4 (1 µm). Embora o ensaio possibilite a análise quantitativa do coeficiente de desgaste, para o presente artigo, o objetivo principal foi realizar uma análise comparativa do comportamento sob desgaste microabrasivo para as diferentes condições de processamento. Tal consideração se dá pela dificuldade de comparação quantitativa com outras pesquisas, o que só seria possível se fossem empregadas condições idênticas de ensaio.

Tabela 3
Parâmetros empregados no ensaio de desgaste microabrasivo com esfera rotativa livre.

Antes dos ensaios de microabrasão as amostras foram limpas por ultrassom imersas em álcool etílico durante um período de 15 minutos.

Em cada amostra foram realizados 5 testes com diferentes tempos de ensaio (Tabela 2). As regiões testadas foram definidas e posicionadas em um raio de 6 mm em relação ao centro da face das amostras, conforme ilustra a Figura 2. Foram testadas três amostras para cada condição analisada: EF, NP 400 e SHTPN.

Após os ensaios, a topografia das calotas (crateras de desgaste) foi analisada por microscopia ótica em um microscópio Olympus BX51M, e as medidas (diâmetros das calotas) foram realizadas em um interferômetro óptico CCI – LITE da Taylor Hobson.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para determinação do modo de desgaste atuante nas superfícies estudadas, foram avaliadas as características das crateras de desgaste. Na Figura 3 são apresentadas as imagens obtidas por interferometria para cada condição, EF, NP400 e SHTPN, referentes aos ensaios de 900 segundos. Para cada condição são apresentadas as superfícies de medida (à esquerda) e um detalhe com maior ampliação (à direita). O aspecto destas calotas indica o desgaste abrasivo por riscamento [1616 TREZONA, R. I., ALLSOPP, D. N., HUTCHINGS, I. M., “Transitions between two-body and threebody abrasive wear: influence of test conditions in the microscale abrasive wear test”, Wear, v. 225-229, pp. 205-214, 1999.], em todas as condições estudadas.

Figura 2
Ilustração das posições dos ensaios de microabrasão realizados sobre as amostras.

Para todas as amostras e em todos os tempos de ensaio as crateras tiveram seus diâmetros medidos por microscopia ótica e também por interferometria. Os resultados de ambas as técnicas de medida foram convergentes e, desta forma, optou-se pela utilização dos valores obtidos na interferometria. A Tabela 4 apresenta os diâmetros médios das crateras e a variação, considerando um intervalo de confiança de 90 %, para as diferentes condições do material e para os tempos de ensaio avaliados.

Tabela 4
Diâmetros médios das crateras (φ em mm) e intervalo de confiança 90% (ic9mí em mm) em função dos tempos de ensaio.

De posse de todas as medidas dos diâmetros das crateras e considerando as equações (1), (2) e (3), procedeu-se o cálculo da profundidade da cratera (h), do volume de material desgastado (V) e do coeficiente de desgaste (k). Tanto a profundidade da cratera (h) como o volume de material desgastado (V), de acordo com as equações (1) e (2), apresentam comportamento similar com relação ao tempo de ensaio, conforme pode ser observado nas Figuras 4 e 5.

Figura 3
Aspectos das calotas de desgaste nas condições de Estado de Fornecimento (EF), (a) e (b), Nitretada (NP400), (c) e (d), e SHTPN, (e) e (f).
Figura 4
Profundidade da cratera (h) vs tempo de ensaio para as condições estudadas. Intervalo de confiança 90%.
Figura 5
Volume de material desgastado (V) vs tempo de ensaio para as condições estudadas. Intervalo de confiança 90%.

Percebe-se que, inicialmente, as amostras nitretadas em baixa temperatura (NP 400) apresentam menor desgaste do que as demais condições. Tal fato é explicado pela maior dureza da camada obtida no tratamento. Os piores resultados são para as amostras na condição de fornecimento (EF), enquanto as amostras processadas via SHTPN apresentam comportamento intermediário, denotando relação direta com a dureza das amostras dessas condições [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015., 99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015.]. Estes resultados apresentam comportamento análogo a outros estudos em sistemas similares, onde condições de maior dureza apresentaram menor coeficiente de desgaste [1313 PEREIRA NETO, J. L., SILVA, R. O., SILVA, E. H., et al., “Wear and corrosion study of plasma nitriding F53 super duplex stainless steel”, Materials Research, v.19, n.6, pp. 1241-1252, 2016., 1414 CORDEIRO, R. C., LIMA, M. G. B., MIRANDA, P. E. V., “Low temperature plasma nitriding of duplex stainless steel”, Proceedings of Surface Modification Technologies XXV, v. 25, pp. 223-234, 2011.].

A medida que o tempo de ensaio aumenta, verifica-se um crescimento linear do volume de material desgastado para as amostras EF e SHTPN, enquanto as amostras NP 400 parecem apresentar tendência de um crescimento polinomial.

O comportamento linear das amostras EF e SHTPN deve-se ao fato de que, dentro dos tempos estudados, o desgaste ocorre em uma região cuja microestrutura homogênea resulta em dureza constante, e o ensaio de desgaste opera em regime permanente. A condição EF é homogênea em todo o volume. Condição semelhante é observada para a amostra SHTPN, pois mesmo para o maior tempo de desgaste (900 s), a profundidade de cratera é de aproximadamente 13,5 µm, bem abaixo da espessura total da camada endurecida que é de 200 µm. Nestas condições, portanto, pode-se dizer que não ocorreu “perfuração” da camada. Este comportamento linear para o volume de material desgastado em função do tempo de ensaio (ou da distância de deslizamento) também é relatado em artigos que estudaram sistemas similares em que não ocorreu a “perfuração da camada” [1313 PEREIRA NETO, J. L., SILVA, R. O., SILVA, E. H., et al., “Wear and corrosion study of plasma nitriding F53 super duplex stainless steel”, Materials Research, v.19, n.6, pp. 1241-1252, 2016.]. Pode-se observar ainda que para a condição SHTPN a taxa de crescimento para as variáveis estudadas é bem menor. Considerando-se as linhas de tendência plotadas nas Figuras 4 e 5 a taxa de crescimento é uma ordem de grandeza menor.

O crescimento polinomial das variáveis estudadas, para as amostras NP 400, pode ser entendido visto que, já para o menor tempo estudado (660 s) a profundidade das crateras é de aproximadamente 9,60 µm, já superando a espessura da camada modificada que é de 2,15 µm, ou seja, neste caso, ocorreu a “perfuração” da camada e portanto, não se tem o comportamento individual da camada e nem do substrato e sim uma medida com interferência das duas partes. Quando o ensaio produz uma penetração maior do que a espessura de camada, conforme descreve a norma do ensaio [1515 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, Fine ceramics (advanced ceramics, advanced technical ceramics): Determination of the abrasion resistance of coatings by a microscale abrasion test, ISO 26424, 2008.], tem-se uma medida de coeficiente de atrito associada a camada e ao substrato. O que ocorre com o aumento do tempo de ensaio é que o volume de material do substrato (material de base) cresce em relação ao volume de material correspondente a camada endurecida, levando a esse comportamento. A Figura 6 ilustra esta evolução.

Figura 6
Ilustração esquemática do avanço do desgaste vs tempo para as amostras NP 400.

A partir dos dados de ensaios de desgaste no material não tratado e de desgaste que ocorreu inteiramente dentro da camada de austenita expandida, a qual é bastante homogênea, poderia-se estimar um coeficiente de desgaste combinado, cuja mudança de regime indicaria a perfuração da camada. Contudo, tal análise foge ao escopo da presente pesquisa que trata de uma análise compartiva de comportamento entre as diferentes condições de processamento. No entanto, estudos estão sendo conduzidos nesse momento para avaliar esse efeito e discutí-lo detalhadamente em um próximo trabalho.

Para maiores tempos de ensaio percebe-se uma tendência de que o crescimento das calotas, para as amostras NP 400, atinja taxas próximas as das amostras EF, visto da diminuição do volume de material da camada nitretada em relação ao do substrato. Considerando apenas os valores médios observados nos dois últimos tempos estudados, tal tendência já pode ser observada.

Analisando o comportamento das variáveis estudadas nas Figuras 4 e 5 verifica-se que, para o tempo de 900 s, a profundidade de desgaste e o volume de material desgastado das amostras NP 400 superam os das amostras SHTPN. Dessa forma, nas condições estudadas e para as condições de ensaio de desgaste aqui empregadas, as amostras processadas por SHTPN terão maior vida útil do que as processadas por plasma em baixa temperatura. Isto se deve à maior espessura da camada modificada na amostra SHTPN, onde o nitrogênio em solução sólida contribui para a elevação da resistência mecânica [77 BORGES, P. C., ROCHA, L. A., “Solution heat treatment of plasma nitrided 15-5PH stainless steel -Part I: Improvement of the corrosion resistance”, Kovové Materiály, v. 49, pp. 107-117, 2011.]. No artigo de Vitoi e Franco Jr. [1717 VITOI, A. A., FRANCO Jr., A. R., “Influência do argônio na nitretação assistida por plasma do aço inoxidável austenítico AISI 316L”, In: Anais de VI Conferência Brasileira sobre temas de tratamento térmico, v. 1, pp. 100-111, 2012.] o mesmo comportamento foi observado em amostras de aço AISI 316L nitretadas que resultaram em diferentes espessuras de camada. Camadas mais duras apresentaram volume de material desgastado menor no início do ensaio, mas, uma vez consumida a camada, a taxa de desgaste aumentou, chegando a valores próximos do material sem tratamento.

Baseando-se nas linhas de tendência presentes na Figura 4 é possível estimar que a taxa de crescimento da profundidade de cratera, para as amostras SHPTN, mantenha-se constante até o total desgaste da camada modificada. Considerando a espessura de 200 µm, o tempo total de ensaio seria de aproximadamente 28500 s. Neste mesmo tempo as profundidades de cratera para as amostras EF e NP 400 seriam cerca de três vezes maiores.

O coeficiente de desgaste (Figura 7) corrobora com os resultados anteriores. Inicialmente tem-se um menor coefiente de desgaste para as amostras NP 400, sendo que, para maiores tempos de ensaio, o menor coeficiente de desgaste é o medido para as amostras processadas via SHTPN.

Figura 7
Coeficiente de desgaste (k) vs tempo de ensaio para as condições estudadas. Intervalo de confiança 90%.

É importante ressaltar que, apesar da maior dureza obtida na amostra NP400, a menor espessura de camada resultante desta condição de tratamento é o fator limitante para os tempos de desgaste mais elevados. Além disso, ao observar os intervalos de confiança associados a cada ponto de medição, a amostra nitretada apresenta dispersões bastante elevadas. Esse resultado pode estar associado à alta dependência observada para o crescimento da camada em diferentes direções cristalográficas [1818 WU, D., KAHN, H., DALTON, J. C., et al., “Orientation dependence of nitrogen supersaturation in austenitic stainless steel during low-temperature gas-phase nitriding”, Acta Materialia, v. 79, pp. 339-350, 2014.], resultando em importantes variações da espessura de camada de austenita expandida.

4. CONCLUSÕES

A camada obtida na nitretação por plasma em baixa tempertura no presente trabalho, quando sujeita ao desgaste nas condições aqui empregadas, é rapidamente consumida, denotando não ser apropriada a situações com tal solicitação. Verifica-se então que, apesar da dureza mais elevada observada na nitretação, condições severas de desgaste tendem a consumir mais rapidamente as camadas finas que se obtém neste método.

Amostras processadas via SHTPN apresentam um menor coeficiente de desgaste quando comparadas a amostras em estado de fornecimento. A taxa de crescimento da profundidade de calota e a do volume de material removido é uma ordem de grandeza menor, além disto, graças as espessas camadas modificadas alcançadas com este processamento, mostram-se adequadas a situações onde a resistência ao desgaste seja uma condição necessária.

Os resultados do presente artigo, em conjunto com os obtidos nos trabalhos anteriores [88 REIS, R. F., PANDOFO, V., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 1”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 01, pp. 25-33, 2015., 99 REIS, R. F., DURANTE, G. C., “Obtenção de austenita expandida (fase S): Nitretação por plasma em baixa temperatura x SHTPN – Parte 2”, Matéria (R.J.), v. 20, n. 02, pp. 316-321, 2015.], comprovam que o processo SHTPN é eficaz na formação de camada superficial rica em nitrogênio, melhorando o comportamento à corrosão e desgaste de amostras tratadas por este método.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer a Villares Metals pela doação do material empregado na pesquisa e a Tupytec Serviços de Tratamentos em Metais de Joinville-SC pela solubilização das amostras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2017
  • Aceito
    03 Jul 2018
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