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Análise das propriedades físicas e mecânicas de blocos de concreto prensados sem função estrutural com incorporação de PET reciclado

Analysis of physical and mechanical properties of pressed concrete blocks without structural purposes with additions of recycled PET

RESUMO

O presente trabalho apresenta a análise de um elemento não convencional para sistema vedação de edificações: o bloco de concreto prensado com a incorporação de PET reciclado. Para tanto foi realizada uma análise experimental realizando-se a substituição, em volume, do agregado miúdo (pó de pedra) por PET triturado, nos teores de 15%, 30% e 45%. Foram determinados características geométricas, índices físicos e características mecânicas dos blocos produzidos. Os resultados obtidos permitem concluir que os blocos que apresentaram os melhores resultados foram os com 15% de PET, uma vez que a sua resistência à compressão apresentou valor maior que a dos demais, destacando ainda uma menor absorção, resultantes possivelmente do maior grau de empacotamento e melhor homogeneidade do compósito obtido.

Palavras-chave
bloco de vedação; sustentabilidade; PET

ABSTRACT

This work shows the analysis of a no conventional element for building sealing system: a pressed concrete block incorporating recycled PET. For this it was made an experimental analysis replacing, in volume, fine aggregate (fine crushed stone) by fractions of crushed PET in contents of 15%, 30% and 45%. Were determined geometrical, physical and mechanical characteristics indexes of produced blocks. Results allow to conclude that the content that showed the best results was 15% of PET because its compressive strength showed a value greater than the others, highlighting even lower absorption, resulting from its higher homogeneity and better wrapping of the obtained composite.

Keywords
sealing block; sustainability; PET

1. INTRODUÇÃO

A cadeia produtiva da construção civil é responsável pela transformação do ambiente natural em ambiente construído, que precisa ser permanentemente renovado. Entretanto, este setor ainda é considerado um dos setores mais tradicionais [11 MELLO, L. C. B. D. B., AMORIM, S. R. L. “O subsetor de edificações da construção civil no Brasil: uma análise comparativa em relação à União Europeia e aos Estados Unidos”, Produção, v. 19, n. 2, p. 388–399, 2009.], com alto consumo de matérias primas e como um dos que mais polui o meio ambiente [22 PASSUELLO, A. C. B., et al. “Aplicação da Avaliação do Ciclo de Vida na análise de impactos ambientais de materiais de construção inovadores: estudo de caso da pegada de carbono de clínqueres alternativos”, Ambiente Construído, v. 14, n. 4, p. 7–20, 2014.].

Assim, dada a complexidade e a extensão de seu impacto no meio ambiente, na economia e na sociedade, a construção de políticas, o desenvolvimento e a aplicação de novos conhecimentos de forma sistêmica são de suma importância à manutenção do equilíbrio do planeta que vem sendo alterado significativamente pelo desenvolvimento promovido pela humanidade nos últimos tempos [33 AGOPYAN, V., JOHN, V. M., O Desafio da Sustentabilidade na Construção Civil. São Paulo, Edgard Blucher, 2011.].

Nesse contexto, o conceito de sustentabilidade como a busca de um equilíbrio entre proteção ambiental, justiça social e viabilidade econômica [44 ELKINGTON, J., Cannibals with Forks: Triple Bottom Line of 21st Century Business, Chichester, John Wiley & Sons Ltd, 1999.] é um tema bastante discutido, dada a demanda crescente de novas moradias e os novos padrões e requisitos de qualidade impostos pela sociedade [33 AGOPYAN, V., JOHN, V. M., O Desafio da Sustentabilidade na Construção Civil. São Paulo, Edgard Blucher, 2011.], o que induz o setor a buscar alternativas para alcançar a sustentabilidade em forma de inovações, seja de materiais, políticas ou gestão [44 ELKINGTON, J., Cannibals with Forks: Triple Bottom Line of 21st Century Business, Chichester, John Wiley & Sons Ltd, 1999.].

Assim, tendo em vista os materiais potencialmente recicláveis no contexto urbano, destaca-se o reci-lado do PET (polietileno tereftalato) – polímero termoplástico produzido através da polimerização, que proporciona a união de monômeros para formar polímeros [66 VALT, R. B. G., Análise do ciclo de vida de embalagens PET, de alumínio e de vidro para refrigerantes no Brasil variando a taxa de reciclagem dos materiais. Dissertação M. Sc., Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, 2004., 77 MATOS, T. F. L. Avaliação da viabilidade de reintegração de resíduos de PET pós-consumado ao meio produtivo, Tese D.Sc., Universidade de São Paulo, São Carlos, 2009.]. O principal uso do PET é na fabricação de garrafas plásticas de PET, cuja produção anual no Brasil chegou a aproximadamente 537 ktons em 2015, o que equivale a cerca de 10 bilhões de unidades anuais de garrafas PET de 2 L [88 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DO PET. Décimo Censo da reciclagem do PET -Brasil: o Ano de 2015. São Paulo, ABIPET, 2016. Disponível em:<http://www.abipet.org.br/index.html?method=mostrarDownloads&categoria.id=3> Acesso em: 27.12.2017.
<http://www.abipet.org.br/index.html?met...
]. Vale salientar que estas garrafas possuem um longo tempo de decomposição (superior a 100 anos) [99 BETIOLI, A. M., et al. “Degradação de fibras de PET em materiais à base de cimento Portland”. In: Anais do Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, São Paulo, 2004.].

Para cada unidade de garrafa PET produzida são gastos cerca de 2,9 Watts-hora de energia, 82 gramas de água bruta e são lançados 91,45 gramas de resíduos totais no meio ambiente [66 VALT, R. B. G., Análise do ciclo de vida de embalagens PET, de alumínio e de vidro para refrigerantes no Brasil variando a taxa de reciclagem dos materiais. Dissertação M. Sc., Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, 2004.]. Cruzando-se os passivos gerados da reciclagem de embalagens de PET levantados por Valt [66 VALT, R. B. G., Análise do ciclo de vida de embalagens PET, de alumínio e de vidro para refrigerantes no Brasil variando a taxa de reciclagem dos materiais. Dissertação M. Sc., Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, 2004.], com a produção anual apresentada pela Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET) [88 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DO PET. Décimo Censo da reciclagem do PET -Brasil: o Ano de 2015. São Paulo, ABIPET, 2016. Disponível em:<http://www.abipet.org.br/index.html?method=mostrarDownloads&categoria.id=3> Acesso em: 27.12.2017.
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], o consumo de recursos naturais é de aproximadamente de 1,63 x 1010 Watts-hora, 4608 megatoneladas de água bruta, com geração de 514 megatoneladas de resíduos totais, inclusive na reciclagem para a produção de novas garrafas.

Nesse sentido, o PET reciclado já vem sendo utilizado em diversos segmentos industriais, sendo ainda pouco utilizado na construção civil [88 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DO PET. Décimo Censo da reciclagem do PET -Brasil: o Ano de 2015. São Paulo, ABIPET, 2016. Disponível em:<http://www.abipet.org.br/index.html?method=mostrarDownloads&categoria.id=3> Acesso em: 27.12.2017.
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]. Esta pesquisa aponta que a taxa de recuperação para o PET em 2015 foi 51%, totalizando cerca 274 ktons. Com relação à destinação, a pesquisa também aponta para o baixo uso deste reciclado na construção civil.

O sucesso deste material como reciclado deve-se à sua excelente relação entre as propriedades mecânicas, térmicas e o custo de produção [1010 MACDONALD, W. A., “New advances in poly (ethylene terephthalate) polymerization and degradation”, Polymer International, v. 51, n. 10, pp. 923-930, Oct. 2002., 1111 ACHILIAS, D. S., et al., “Recycling techniques of polyolefins.from plastic wastes”, Global NEST Journal, v. 10, n. 1, pp. 114-122, 2008.]. Porém, apesar do alto índice de reciclagem, para a fabricação de uma garrafa PET para refrigerantes ou sua reciclagem, há um consumo significativo de recursos naturais, o que justifica a escolha da reciclagem mecânica do PET, como observam Achilias et al. [1111 ACHILIAS, D. S., et al., “Recycling techniques of polyolefins.from plastic wastes”, Global NEST Journal, v. 10, n. 1, pp. 114-122, 2008.], foco deste trabalho, que apresenta uma alternativa de reciclagem do PET que não demanda processos químicos. Tal estudo se deu a partir da experiência realizada na Argentina pelo CEVE (Centro Experimental de la Vivienda Económica).

O CEVE apresentou a aplicação do reciclado do PET na fabricação de blocos sem função estrutural em substituição total do agregado miúdo. Os resultados foram satisfatórios e revelaram que algumas propriedades significativas como resistência à compressão, absorção, condutibilidade térmica melhoraram em relação a outros tipos de bloco com a mesma função [1212 BERETTA, H., et al., Ladrillos de plástico reciclado: uma propuesta ecológica para la vivenda social, Buenos Aires, Nobuko, 2008.].

Porém, a pesquisa realizada pelo CEVE não revelou a composição dos blocos (traço), o que inviabiliza a disseminação, a contestação e ampliação dos resultados. Outro aspecto relevante observado na experiência de referência foi a necessidade da fabricação de equipamentos apropriados para trituração do PET, em uma granulometria mais fina para sua aplicação, o que pode inviabilizar o seu uso.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar as propriedades físicas e mecânicas de blocos prensados de concreto sem função estrutural com a incorporação de PET reciclado em substituição ao agregado miúdo. Tal aplicação intenta em ser uma alternativa de aplicação do material que contribuía com a sustentabilidade na indústria da construção.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Esta seção apresenta os materiais e métodos. Inicialmente apresenta-se a caracterização dos materiais empregados, o processo de dosagem e produção, bem como os ensaios de caracterização dos blocos.

2.1 Caracterização dos Materiais

O cimento utilizado para produção dos blocos foi do tipo Portland CP II Z - 32 com massa específica de 3,10 g/cm3 e massa unitária de 1,42 g/ cm3. Verificou-se, também, que o cimento utilizado atende a ABNT NBR 11578 [1313 Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 11578: Cimento Portland composto especificação. Rio de Janeiro: 2013.], segundo os dados de caracterização fornecidos pelo fabricante.

Utilizaram-se finos de britagem de mineralogia granítica adquirida na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), cujos resultados de sua caracterização são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Índices físicos do agregado miúdo: finos de britagem.

Utilizou-se o PET reciclado e triturado oriundo de uma recicladora também localizada na RMF, cujas características são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Índices físicos do agregado miúdo: PET triturado.
Figura 1
Curva granulométrica da areia de britagem e do PET Reciclado.

Conforme os parâmetros da ABNT NB 7211 [1818 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 7211: Agregados para concreto – especificações, Rio de Janeiro, 2009.], a curva granulométrica da areia de britagem configura uma distribuição contínua de grãos, enquanto a curva do PET reciclado configura uma distribuição uniforme de grãos, concentrando-se em torno de 2,36 mm e 4,75 mm.

2.2 Dosagem e produção dos blocos

Para o estudo foram analisados quatro traços de concreto seco (aparência de “farofa”), sendo três contendo o PET triturado em substituição à areia de britagem, nos teores 15%, 30% e 45%. E, um de referência, sem substituição. O traço de referência (sem PET) foi adotado de uma empresa de pré-moldados da região, sendo este 1:5:1 (cimento, finos de britagem e água, respectivamente), em volume. A partir da substituição em volume, determinou-se o traço correspondente em massa igual a 1: 5,63: 0,70, para a correta dosagem no experimento.

Para a execução das misturas, foi utilizada uma argamassadeira de giro horizontal com capacidade de 173 litros (Figura 2a). Realizou-se a produção de blocos testes (ou blocos pilotos) para avaliar possíveis falhas e dificuldades na moldagem dos mesmos. Verificou-se que a manutenção da relação água/cimento nos traços com substituição da areia de britagem pelo PET reciclado fazia com que a mistura perdesse consistência. Desta forma, optou-se pela adição gradativa de água na composição com avaliação expedita da consistência através do teste manual da umidade ótima, conforme apresentado por Agopyan e John [33 AGOPYAN, V., JOHN, V. M., O Desafio da Sustentabilidade na Construção Civil. São Paulo, Edgard Blucher, 2011.] (Figura 2b).

Figura
Execução da mistura e determinação expedita da umidade ótima
Tabela 3
Consumo de materiais para um bloco.

Optou-se pela variação do consumo de cimento para garantir as características de coesão da mistura. Para a moldagem dos blocos foi utilizada uma prensa manual, apresentada na Figura 3a. A compactação da mistura foi realizada manualmente por um único operador tentando minimizar efeitos de variação da energia de compactação. Foram produzidos 12 blocos para cada tipo de traço, totalizando 48 blocos fabricados, de aspecto conforme ilustração da 3b.

Figura 3
Moldagem dos blocos com prensa manual.

Após a moldagem foram tomados os devidos cuidados no transporte e manuseio dos blocos recém-fabricados. Estes foram colocados em um ambiente protegido e realizado a cura com aspersão de água duran-te os sete primeiros dias. Entre 7 e 28 dias os blocos foram curados ao ar, em ambiente de laboratório, prote-gido das intempéries. Aos 28 dias, iniciaram-se os ensaios.

2.3 Ensaios de caracterização dos blocos

2.3.1 Características físicas e geométricas do bloco

Inicialmente, foram numeradas e identificadas as amostras dos blocos separadas por diferentes teores de PET. Foram determinadas as dimensões efetivas, a área bruta e a área líquida dos blocos com uma amostra de 10 unidades para cada teor de substituição. Os métodos utilizados foram os descritos na ABNT NBR 12118 [1919 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 12118: Blocos vazados de concreto simples para alvenaria — Métodos de ensaio, Rio de Janeiro, 2013.].

Após a execução dos procedimentos para determinar as características geométricas, os dez blocos fo-ram colocados na estufa a uma temperatura de 105°C, por 24 horas para a determinação da absorção de água e da massa seca, conforme as prescrições da ABNT NBR 12118 [1919 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 12118: Blocos vazados de concreto simples para alvenaria — Métodos de ensaio, Rio de Janeiro, 2013.].

2.3.2 Condutibilidade térmica

Na intenção de determinar a condutibilidade térmica, uma característica de conforto ambiental, foi montado um experimento onde foram produzidas 4 amostras (referência, 15%, 30% e 45%) constituídas de 4 blocos de mesmo teor de Pet reciclado, justapostos, formando um prisma.

Para a emissão de calor foi utilizado um refletor com uma lâmpada incandescente de 150w, enquanto que para a medição das temperaturas foram utilizados um Termômetro Digital, modelo MT 455, com dois termopares para a leitura de temperatura das duas faces da parede ensaiada, sendo um termopar em cada face, conforme a Figura 4.

Figura 4
Ensaio de condutividade térmica.

O tempo de duração de cada ensaio foi de três horas ininterruptas, com a realização das medições de temperaturas a cada 5 minutos, possibilitando a observação das temperaturas internas e externas (face exposta à fonte de luz) e a estabilização do fluxo de calor para o cálculo da condutividade térmica.

Para a determinação do índice de condutividade térmica (K) utilizou-se a Equação 1 [2020 INCROPERA, F. P., et al., Fundamentals of Heat and Mass Transfer, 6th ed, New York, John Wiley & Sons, 2007.]:

Q Δ T = K . A L (1)

Em que K é o índice de condutividade térmica (W/m.K), que indica a quantidade de calor transmitida através da espessura da parede (L, em m), numa direção normal a superfície de área onde é aplicada a carga térmica (A, em m2), devido ao gradiente de temperatura entre as faces da parede (ΔT, em K), sob condições de estado fixo e quando a transferência de calor (Q/ΔT – energia transferida, como calor por segundo, J/s) dependente apenas do gradiente de temperatura.

2.3.3 Características mecânicas do bloco

Para determinação da resistência mecânica dos blocos foram utilizados os procedimentos da norma ABNT NBR 12118 [1919 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 12118: Blocos vazados de concreto simples para alvenaria — Métodos de ensaio, Rio de Janeiro, 2013.]. Aos 28 dias de idade, os cinco blocos de cada teor, com as características geométricas e físicas determinadas, foram capeados nas duas faces com uma argamassa de regularização de espessura inferior a 5 mm. Após 24 horas da aplicação da regularização, os blocos foram imersos em água por mais 24 horas, sendo posteriormente a esse período ensaiados. A resistência à compressão foi determinada para os cinco blocos de cada teor de PET reciclado e de referência submetendo-os a uma carga de compressão axial aplicada na direção paralela aos eixos dos furos, conforme determina a referida norma, até a ruptura dos mesmos. Foram realizados também ensaios de resistência à compressão em prismas produzidos com os blocos utilizados no ensaio de condutividade térmica, utilizando os procedimentos da ABNT NBR 15812-2 [2121 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 15812-2: Alvenaria estrutural — Blocos cerâmicos Parte 2: Execução e controle de obras, Rio de Janeiro, 2010.].

2.3.4 Velocidade de propagação de onda ultrassônica

Para verificação da homogeneidade da massa constituinte dos blocos de PET foi utilizado o método não destrutivo referenciado pela norma ABNT NBR 8802 [2222 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 8802: 2013. Concreto endurecido — Determinação da velocidade de propagação de onda ultrassônica, Rio de Janeiro, 2013.], que determina a velocidade de propagação de ondas longitudinais, obtidas por meio de pulsos ultrassônicos. Para tanto foi utilizado o equipamento de ultrassom, modelo Pundit Lab+, marca Proceq, com posição relativa entre os dois transdutores na transmissão direta.

2.3.5 Microscopia eletrônica de varredura (MEV)

Para a verificação do comportamento do PET reciclado na matriz de cimento foram realizados ensaios de microscopia eletrônica de varredura (MEV) em duas amostras retiradas aleatoriamente dos blocos ensaiados à compressão axial. Para a realização dos ensaios as amostras foram cobertas com carbono.

2.4 Dosagem e produção dos blocos

Calculou-se o consumo de materiais para execução de um bloco para cada mistura estudada, conforme Tabela 4. Durante a parte laboratorial verificou-se também que é possível confeccionar 192 blocos prensados por dia com um único operário. Realizou-se uma pesquisa de mercado dos insumos utilizados na produção dos blocos, encontrando-se que um saco de cimento de 50kg custa R$20,00, 1 m3 de finos de britagem custa R$26,00 e o quilo do PET reciclado custa R$2,80. O valor da mão de obra foi calculado a partir da tabela de salário dos trabalhadores da construção civil à época, sendo este R$ 3,17 por hora para um servente, adicionando-se uma taxa de 125% a mais correspondendo aos custos com as leis sociais brasileiras. Os custos com investimento iniciais foram desconsiderados para esta análise.

Tabela 4
Características geométricas dos blocos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

As características geométricas dos blocos estão apresentadas na Tabela 4.

Ao analisar a variação das dimensões em relação ao bloco de referência, foi observada pouca variação de comprimento (ΔCmáx=1,39 %) e largura (ΔLmáx=1,92 %), porém, em relação à altura observou-se uma variação significativa chegando-se a ΔHmáx=10,9 % em relação à altura dos blocos do traço de referência.

Atribui-se essa variação da altura à capacidade de absorção da energia dada pelo PET ao compósito. Nas primeiras idades, como a pega do cimento ainda está se iniciando, o PET triturado age como um amortecedor, dissipando a energia aplicada na prensagem do compósito provocando uma pequena expansão volumétrica do bloco quando se retira a carga de compressão inicial. Como esse fenômeno ocorre durante a prensagem, as deformações de largura e comprimento são limitadas às dimensões do molde da prensa, provocando assim uma maior variação de sua altura.

O uso do PET reciclado exerceu pequena influência nos valores das áreas bruta e líquida dos blocos, sendo as maiores variações da ordem de 3% para ambas.

A Tabela 5 apresenta as características físicas do bloco em que CV significa coeficiente de variação.

Tabela 5
Características físicas do bloco.
Figura 5
Curva de condutividade térmica das paredes ensaiadas.

Observa-se que houve uma diminuição da massa seca dos blocos à medida que se incorporava mais PET à mistura, chegando a um valor de 11,1% para amostra com 45% de PET reciclado. Para a propriedade absorção de água, observou-se que o bloco com 15% de PET reciclado apresentou uma redução de 14,49% quando comparado com a absorção do bloco de referência, este comportamento não era esperado, uma vez que há uma tendência de aumento da porosidade no compósito devido a introdução das partículas do PET reciclado. Contudo, para maiores teores de substituição, a absorção aumentou, 4,5% para o traço de 30% e 34,6% para o traço de 45%.

O índice de condutividade térmica foi determinado por meio da média dos valores de K obtidos a partir do estabelecimento do fluxo constante de calor através do bloco, calculado para os 90 minutos de ensaio. Conforme os dados da Tabela 6 observa-se que há uma tendência de redução da condutividade térmica dos blocos à medida que o teor de PET reciclado aumenta nos mesmos. No entanto, no bloco com teor de 30% de PET reciclado ocorreu um aumento no valor da condutividade térmica, sendo necessário uma investigação mais aprofundada para identificar as razões.

Comparando-se o valor do índice de condutividade térmica do bloco com 45% de PET reciclado (K=2,05 W/m.K) com o do bloco de concreto sem PET (k=2,33 W/m.K), verifica-se uma redução de aproximadamente 12%.

De modo geral, verifica-se, portanto, que o aumento do teor de PET reciclado na mistura diminui a condutividade. Segundo Andrade [2323 ANDRADE, J. J. O. “Propriedade dos polímeros”. In: Isaias, G. C. Materiais de construção civil e princípio de ciência de engenharia de materiais, cap 41., 5ed., São Paulo, IBRACON, 2007.] “Os materiais poliméricos [...] apresentam uma baixa condutividade térmica”. Assim, duas hipóteses podem justificar esse resultado: o PET reciclado conduz menos calor que o concreto, então quanto mais PET reciclado na mistura, menos condutivo o bloco fica; a adição de PET aumenta a quantidade de vazios na mistura, aumentando a porosidade no compósito, que de acordo com Callis-ter Jr e Rethwisch [2424 CALLISTER, Jr., W. D., RETHWISCH, D. G. Ciência e engenharia de materiais: uma introdução. 8 ed. Rio de Janeiro, LTC, 2015.], quanto maior a porosidade menor a condutividade térmica.

A Tabela 7 apresenta os resultados da resistência à compressão dos blocos, em que CV é o coeficiente de variação.

Tabela 6
Resistência à compressão dos blocos.

Observa-se que a amostra com 15% de PET reciclado na mistura apresentou uma resistência média levemente superior à do bloco de referência. Para os demais teores, a resistência caiu bruscamente à medida que o teor de PET reciclado aumentou, sendo 36,55% e 51,07% para os teores de 30% e 45%, respectivamente. Especificamente para o teor de 15% de PET reciclado, a resistência aumentou 2,33% em relação à amostra de referência, corroborando com o indício observado na absorção de redução da absorção para este teor de PET reciclado. Vale salientar, que todos os blocos obtiveram resistência superior ao mínimo estipulado pela norma para bloco vazado sem função estrutural (adaptação da ABNT NBR 10834 [2525 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 10834: 2013: Bloco de solo-cimento sem função estrutural -Requisitos, Rio de Janeiro, 2013.]) cujo valor de referência é de 2 MPa para a média das amostras e o valor mínimo, para qualquer observação individual deve ser maior que 1,70 Mpa (a menor resistência obtida foi de 2,26 Mpa para a amostra de 45% e a maior resistência obtida foi de 6,20 Mpa para a amostra de 15%).

A Figura 6 apresenta os valores da resistência à compressão versus os valores de absorção. Observou-se que a mudança (aumento ou diminuição da resistência) com substituição de agregado miúdo por PET reciclado resultou em uma mudança inversamente proporcional da absorção. Enquanto que a amostra de 15% apresentou uma maior resistência à compressão, sua taxa de absorção diminuiu. O fenômeno se repetiu de forma análoga para os demais teores. A resistência à compressão diminuiu para 30% e 45% de PET reciclado, enquanto que a absorção aumentou para estes mesmos teores.

Figura 6
Resistência à compressão versus absorção dos blocos.
Tabela 7
Resultados do ensaio de ultrassom.

Verificou-se que a maior velocidade de propagação do pulso ocorreu para o teor de 15% embora tenha-se observado discretos aumentos nos valores de 0,64% e 3,85% para os teores de 30% e 45% de PET reciclado, respectivamente. Pode-se inferir que o compósito neste teor adquiriu uma melhor homogeneidade, corroborado pela maior resistência à compressão e menor absorção obtidos.

Por fim, nas Figuras 7-a a 7-c apresentam-se os resultados da microscopia eletrônica de varredura.

Figura 7
Microscopia eletrônica de varredura no compósito.

Pode-se observar que mesmo com o aumento de 2000 vezes (Figura 6-c), ainda não é possível identificar a zona de transição entre o PET reciclado e a matriz cimentícia, o que indica uma boa interação entre elas, o que corrobora o observado por Modro et al. [2626 MODRO, N.L.R., et al., “Avaliação de concreto de cimento Portland contendo resíduos de PET”, Revista Matéria, v. 14, n. 1, pp. 725-736, 2009.] que ao analisar concretos de cimento Portland contendo resíduos de PET não constatou “delaminações ou destacamentos dos resíduos da matriz ou qualquer indicação de interação química entre os materiais”.

Por fim, verificou-se que dentre os teores de PET reciclados testados o de 15% parece ser o mais adequado, pois aumentou a resistência à compressão, a velocidade de pulso ultrassônico e diminuiu a massa seca, a absorção e a condutividade térmica.

Em relação ao comparativo de custos, verificou-se uma produtividade de 192 blocos prensados por dia com um único operário. Realizou-se a cotação dos insumos de cimento (R$0,50/kg), pó de pedra (R$26,00/ m3) e PET (R$2,80/ kg) e considerou-se o custo horário de um servente, conforme o dissídio coletivo da construção civil (R$4,88/h) com taxa de 125% de leis sociais. Os custos com investimento iniciais foram desconsiderados para esta análise.

Tabela 8
Custo unitário dos blocos.

Estes valores estão dentro da ordem de grandeza dos tijolos comerciais consultados no mercado local, cujo valor médio de comercialização para o consumidor final é de R$0,42 com resistência à compressão 2Mpa. Analisando o custo em função da resistência, verifica-se que o bloco comercial tem R$0,21/Mpa, o que está acima do custo para os blocos de 15% e de 30%.

4. CONCLUSÕES

Este artigo teve por objetivo analisar as propriedades físicas e mecânicas de blocos prensados de concreto sem função estrutural com a incorporação de PET reciclado em substituição ao agregado miúdo. Tal escolha foi realizada em virtude da necessidade de materiais alternativos para minimizar o impacto da construção civil no meio ambiente e pela prolífica produção de PET no cenário nacional. Verificou-se que apesar do bom índice de reciclagem do PET no Brasil (51%), sua principal destinação (garrafas plásticas) possui processos tradicionais de reciclagem do PET requer processos químicos que também geram passivos. A proposta analisada neste trabalho usa processo de trituração mecânica simples, o que diminui a geração de passivos ambientais.

Neste sentido, verificou-se que o teor de PET reciclado que apresentou os melhores resultados nos blocos de concreto foi o de 15%. Neste teor obteve-se uma redução da massa seca, da absorção e da condutividade térmica e um aumento da resistência à compressão do bloco, seguido de um aumento da homogeneidade da massa indicada pelo ensaio de ultrassom. Esses resultados indicam que para este teor de PET reciclado na mistura há um maior empacotamento dos grãos dos materiais secos e uma melhor homogeneidade do compósito. Observou-se ainda que a substituição do agregado miúdo por PET reciclado em maiores teores prejudicou o desempenho dos blocos frente às principais propriedades analisadas.

Em relação ao comparativo de custos, o componente mostrou-se bastante competitivo com um custo aproximado de R$0,52 para o teor de PET reciclado que obteve os melhores resultados (15%). Observa-se, no entanto, que apesar de seu valor estar acima dos tijolos consultados no mercado local (R$0,42), o bloco tem como contrapartida a diminuição de vários passivos de correntes da destinação incorreta do PET ou até mesmo da reciclagem deste material.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a CAPES e a recicladora São José pelo apoio fornecido à pesquisa.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2018
  • Aceito
    27 Dez 2018
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