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Comportamento térmico de compósitos de poliestireno reciclado reforçado com celulose de bagaço de cana

Thermal properties of recycled polystyrene composite reinforced with cellulose from sugarcane bagasse

RESUMO

O poliestireno expandido (EPS) é um polímero reciclável amplamente utilizado na fabricação de embalagens para isolamento acústico, proteção de bens de consumo duráveis e na indústria da construção civil. O PS é facilmente reciclável com o aumento da temperatura, podendo dar origem a novos materiais. Entretanto suas propriedades térmicas podem ser afetadas, principalmente se acrescidos de fibras naturais. Diante desse contexto, esse trabalho tem como objetivo estudar as propriedades térmicas dos compósitos de poliestireno reciclado reforçados com fibra de celulose do bagaço de cana-de-açúcar. Os compósitos de PS reciclados contendo 10 e 20% (m/m) de celulose de bagaço foram obtidos por extrusão e caracterizados por análise térmica: Análise Termogravimétrica (TGA), Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC), Análise Dinâmico-Mecânica (DMA) e Temperatura de Deflexão Térmica (HDT). Os resultados mostraram que as fibras ricas em lignina residual atuaram como reforço melhorando a rigidez do material com a adição das fibras, bem como promoveram o aumento da temperatura de deflexão térmica. Já a estabilidade térmica dos compósitos é intermediária entre a fibra e matriz, diminuindo com o aumento do teor de fibras. Portanto, conclui-se que a utilização de EPS como matriz na obtenção de compósitos reforçados com fibras naturais é viável e sugere o uso deste resíduo como uma excelente alternativa para o setor de reciclagem.

Palavras-chave
poliestireno; celulose; propriedades térmicas

ABSTRACT

Expanded polystyrene (EPS) is a recyclable polymer widely used in the manufacture of packaging for acoustic insulation, protection of durable consumer goods and in the construction industry. The PS is easily recyclable with increasing temperature, giving new materials. However, thermal properties can be affected, mainly if added of natural fibers. In this context, this work objective to study the thermal properties of recycled polystyrene composites reinforced with cellulose fibers from sugarcane bagasse. The recycled composites of PS reinforced 10 and 20 wt% cellulose bagasse were obtained by extrusion, and characterized by thermal analysis thermogravimetric analysis (TGA), differential scanning calorimetry (DSC), dynamic mechanical analysis (DMA) and heat deflection temperature (HDT). The results showed that the fibers rich in residual lignin act as reinforcement improving the stiffness of the material with the addition of the fibers, as well as promoted the increase of the heat deflection temperature for the composites. The thermal stability of the composites is intermediate between the fiber and matrix, decreasing with the increase of fibers content. Therefore, it is concluded that the use of EPS as a matrix in the obtainment composites reinforced with natural fibers is viable and suggest the use of this residue as an excellent alternative for the recycling industry.

Keywords
polystyrene; cellulose; lignin and thermal properties

1. INTRODUÇÃO

O interesse no uso de fibras naturais como reforço de materiais compósitos está em constante crescimento, principalmente por causa das múltiplas vantagens associadas a este material natural e renovável [11 ABDELMOULEHA, M., BOUFIA, S., BELGACEMB, M. N., et al., “Modification of cellulosic fibres with functionalised silanes: development of surfasse properties”, International Journal of Adhesion & Adhe-sives, v. 24, n. 1, pp. 43-54, Jul. 2004., 22 GUTIÉRREZ, J. C. H., RUBIO, J. C. C., FARIA, P. E., “Usinabilidade de materiais compósitos polimé-ricos para aplicação automotivas”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 24, n. 6, pp. 711-719, Mai. 2014.]. Dentre as vantagens destacam-se: 1) o tipo de fonte renovável e sua disponibilidade; 2) são menos abrasivas que as fibras sintéticas, resultando em um menor desgaste dos equipamentos envolvidos no seu processamento; e 3) são materiais biodegradáveis. Diversos setores têm buscado alternativas no sentido de diminuir os impactos ambientais decorrentes dos processos produtivos industriais, bem como do uso dos produtos poliméricos e seu descarte. Atualmente, leis governamentais sobre sequestro de carbono e diminuição do impacto do aquecimento global tem estimulado a reciclagem dos materiais poliméricos, bem como o aumento na utilização de compósitos com fibras naturais na indústria [33 RODRIGUES, J., SOUZA, J. A., FUJIYAMA, R., “Compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais da Amazônia fabricados por infusão”, Matéria (Rio de Janeiro), v. 20, n. 4, pp. 946-960, dez. 2015.]. Apesar do módulo de elasticidade das fibras naturais serem menores que as fibras de vidro, este material oferece algumas vantagens em relação às fibras sintéticas, como baixa densidade, biodegradabilidade e baixa abrasividade, garantindo uma maior facilidade no processamento [11 ABDELMOULEHA, M., BOUFIA, S., BELGACEMB, M. N., et al., “Modification of cellulosic fibres with functionalised silanes: development of surfasse properties”, International Journal of Adhesion & Adhe-sives, v. 24, n. 1, pp. 43-54, Jul. 2004., 22 GUTIÉRREZ, J. C. H., RUBIO, J. C. C., FARIA, P. E., “Usinabilidade de materiais compósitos polimé-ricos para aplicação automotivas”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 24, n. 6, pp. 711-719, Mai. 2014.].

Muitas fibras naturais têm sido utilizadas como reforço em polímeros, tais como a fibra de coco, sisal, bagaço de cana-de-açúcar, cânhamo e algodão [44 SILVA, R., HARAGUCHI, S. K., MUNIZ, E. C., et al., “Aplicações de fibras lignocelulósicas na química de polímeros e em compósitos”, Química Nova, v. 32, n. 3, pp. 661-671, Mar. 2009.]. Dentre elas, o bagaço foi escolhido como objeto de estudo neste trabalho por ser um resíduo agroindustrial disponível em grandes quantidades no Brasil. A fibra de bagaço é derivada da moagem da cana-de-açúcar que é o maior subproduto da indústria sucro-alcooleira. Estima-se que cerca de 654 milhões de toneladas de bagaço foram gerados no ano de 2016, aproximadamente 320 kg por tonelada de cana moída [44 SILVA, R., HARAGUCHI, S. K., MUNIZ, E. C., et al., “Aplicações de fibras lignocelulósicas na química de polímeros e em compósitos”, Química Nova, v. 32, n. 3, pp. 661-671, Mar. 2009.]. Esses resíduos agroindustriais são utilizados na própria indústria de álcool e açúcar para a geração energética, no entanto, estes podem ser utilizado em outras aplicações, como por exemplo reforço em materiais compósitos [55 LUZ, S. M., GONÇALVES, A. R., DEL'ARCO JUNIOR, A. P., “Microestrutura e propriedades mecâni-cas de compósitos de polipropileno reforçado com celulose de bagaço e palha de cana”. Matéria (rio de Janeiro), v. 11, n. 2, p.101-110, Mai. 2006.].

As fibras naturais são constituídas por diversos componentes, sendo os principais: celulose, hemicelulose e lignina. A unidade repetitiva da celulose é composta por duas moléculas de glicose eterificadas por ligações β-1,4-glicosídicas. Esta unidade repetitiva, conhecida como celobiose, contém seis grupos hidroxila que estabelecem interações do tipo ligações de hidrogênio intra e intermoleculares. Devido às ligações de hidrogênio, a celulose apresenta uma forte tendência em formar cristais [66 ISENMANN, A., Química a partir de Recursos Renováveis, 3 ed., São Paulo, Edição do Autor, 2016.,55 LUZ, S. M., GONÇALVES, A. R., DEL'ARCO JUNIOR, A. P., “Microestrutura e propriedades mecâni-cas de compósitos de polipropileno reforçado com celulose de bagaço e palha de cana”. Matéria (rio de Janeiro), v. 11, n. 2, p.101-110, Mai. 2006.]. Já a lignina é um material apolar de caráter aromático, não cristalino de grande abundância natural, com uma estrutura altamente ramificada, podendo ser classificada como um polifenol, o qual é constituído por um arranjo irregular de várias unidades de fenilpropano que pode conter grupamentos hidroxila e metoxila como substituintes no grupo fenil. Esta resina hidrofóbica atua como um cimento entre as fibrilas e como um agente enrijecedor no interior das fibras [77 JESUS, L. C. C., Obtenção e caracterização de compósitos de poliestireno expandido pós-consumo reforçados com celulose de bagaço de cana-de-açúcar, Dissertação de M.Sc., UnB, Brasília, DF, Brasil, 2014.]. A força de adesão entre as fibras de celulose e a lignina é estendida pela existência de ligações covalentes entre as cadeias de lignina e os constituintes da celulose e da hemicelulose [88 NONAKA, H., YAMAMOTO, R., KATSUZAKI, H., et al., “Suggested production of a guaiacyl benzo-furan derivative from softwood via lignocresol”, BioResouces, v. 11, n. 3, pp. 6932-6939, Jul. 2016.].

Quando se faz a polpação do bagaço, ou seja, o tratamento alcalino, as estruturas lignocelulósicas se rompem, solubilizando a hemicelulose e a lignina por hidrólise de ésteres, ocorrendo assim a extração da celulose, aumentando seu grau de cristalinidade e suas propriedades mecânicas [44 SILVA, R., HARAGUCHI, S. K., MUNIZ, E. C., et al., “Aplicações de fibras lignocelulósicas na química de polímeros e em compósitos”, Química Nova, v. 32, n. 3, pp. 661-671, Mar. 2009.,77 JESUS, L. C. C., Obtenção e caracterização de compósitos de poliestireno expandido pós-consumo reforçados com celulose de bagaço de cana-de-açúcar, Dissertação de M.Sc., UnB, Brasília, DF, Brasil, 2014.].

O Brasil e o mundo geram uma grande quantidade de resíduos de polímero entre eles o poliestireno expandido (EPS). Apesar da baixa densidade, o EPS ocupa grande volume, o que onera o transporte e, portanto, sua reciclagem. Segundo o site “Portal da Construção”, a produção mundial de EPS no ano de 2016foi de cerca de 5 milhões de toneladas/ano, destaque para a Ásia, com consumo de 2 milhões, Europa, um milhão e os Estados Unidos, com 700 mil toneladas. O Brasil representa apenas 1% do mercado global e tem grande potencial de expansão em segmentos como construção civil e setores de embalagens e automotivo, sendo que mais de 75 mil toneladas não foram reciclados [99 Editoria, PORTAL DA CONSTRUÇÃO, https://www.oportaldaconstrucao.com, Acessado em fevereiro de 2018.
https://www.oportaldaconstrucao.com...
].

O setor da construção civil é o maior consumidor de EPS. No ano de 2016 foram consumidos 40% da produção brasileira somente nesta área. As aplicações são inúmeras, como em lajes, isolamento térmicos e acústicos, concreto leve, pontes, ferrovias, dentre outras. Este material tem ciclos de vida curtos em comparação com os produtos feitos de poliestireno e outros polímeros. Como as poliolefinas pós-consumo representam uma das maiores categorias de resíduos, a reciclagem destes materiais e uso na produção de compósitos podem apresentar relevância econômica e ambiental [88 NONAKA, H., YAMAMOTO, R., KATSUZAKI, H., et al., “Suggested production of a guaiacyl benzo-furan derivative from softwood via lignocresol”, BioResouces, v. 11, n. 3, pp. 6932-6939, Jul. 2016.]. Por essas razões, o poliestireno expandido será utilizado como matriz para produção de compósitos neste trabalho, servindo para envolver fibras celulósicas de bagaço-de-cana.

Em compósitos, a adesão entre a fibra e a matriz pode advir pelo encaixe mecânico das cadeias da matriz polimérica devido à rugosidade existente na superfície das fibras, por atração eletrostática, orças de Van der Waals, interações não covalentes ou formação de ligações químicas mais fortes [1010 BURADOWSKI, L., REZENDE, M.C., “Modificação da rugosidade de fibras de carbono por método químico para aplicação em compósitos poliméricos”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 11, n. 2, pp. 51-57, 2001., 1111 CHAGAS, F. H. C., BERRETTA-HURTADO, A. L., GOUVÊA, C. A. K., “Logística Reversa: Destina-ção dos Resíduos de Poliestireno Expandido (Isopor®) Pós-Consumo de uma Indústria Catarinense”, In: 3rd International Workshop Advances in cleaner production, São Paulo, Brasil, 18-20 March 2011.]. Uma forte ligação entre interface fibra/ matriz é importante para uma eficiente transferência de carga aplicada sobre a matriz e as fibras, acarretando um aumento da resistência do material. As fibras são responsáveis por suportarem a maior parte da carga aplicada, sendo mais resistentes que a matriz [1212 FINK, H. P., FARUK, M. S. O., “Biocomposites reinforced with natural fibers: 2000-2010”, Progress in Polymer Science, v. 37, n. 11, pp. 1552-1596, 2012.]. Entretanto, para que exista uma boa interação na interface fibra/ matriz são necessários grupos funcionais atuando na região da interface, ou seja, sítios ativos de ácido-base de Lewis ou interações intermoleculares [1313 NOHARA, L. B., KAWAMOTO, A. M., TAKAHASHI, M. F. K., et al., “Síntese de um poli (ácido âmico) para aplicação como interfase em compósitos termoplásticos de alto desempenho”. Polímeros: Ciên-cia e Tecnologia, v. 14, n. 2, pp. 122-128, 2004.].

Para melhorar a adesão entre fibra/ matriz, na literatura são encontradas várias alternativas, destacando o uso de copolímeros como anidrido maléico que é adicionado na etapa de processamento dos compósitos [1414 BORSOI, C., SCIENZA, L. C., ZATTERA, A. J., “Characterization of Composites Based on Recycled Expanded Polystyrene Reinforced with Curaua Fibers”, Journal of Applied Polymer Science, v. 128, n. 1, pp. 653-659, Jul. 2013.]. As fibras celulósicas extraídas do bagaço são ricas em lignina residual depositadas sobre as fibras, que podem ser removidas por sequências de branqueamento [1515 Editoria, CARASCHI, J. C., ROSA, R. R., SANTIAGO, L. F. F., VENTORIM, G., http://www.eucalyptus.com.br/icep03/02_Caraschi_Rosa_Santiago_Ventorim.pdf. Acessado em fevereiro de 2018.
http://www.eucalyptus.com.br/icep03/02_C...
]. Porém, se o branqueamento não for aplicado, a lignina residual poderá agir como compatibilizante devido as suas características hidrofóbicas ricas em anéis aromáticos, podendo ser compatível com o poliestireno da matriz polimérica, que também apresenta anéis aromáticos em sua estrutura [1414 BORSOI, C., SCIENZA, L. C., ZATTERA, A. J., “Characterization of Composites Based on Recycled Expanded Polystyrene Reinforced with Curaua Fibers”, Journal of Applied Polymer Science, v. 128, n. 1, pp. 653-659, Jul. 2013.]. Como pode ser observado na representação da Figura 1, na interface entre a fibra de celulose e a matriz do poliestireno pode ocorrer interações não covalentes entre os elementos constituintes do reforço e a lignina, e por outro lado, a formação de entrelaçamento entre as cadeias poliméricas da matriz do poliestireno e a lignina [1616 CAPIM, S. L., SANTANA, S. R., OLIVEIRA, B. G., et al., “Revisiting the origin of the preferential π-πstacking conformation of the (+)-8-phenylmenthyl acrylate”, Journal Of The Brazilian Chemical Society, v. 21, n. 9, pp. 1718-1726, 2010.].

Figura 1
Proposta de interação interfacial entre a fibra celulósica e a matriz de PS, destacando os anéis aromáticos da lignina depositada sobre as fibras e do PS.

Essas interações não covalentes, também chamadas de interações T-stacking, juntamente com a ligação de hidrogênio, tem papel importante na determinação de estruturas e propriedades de sistemas moleculares na biologia, na química e na ciência dos materiais [1717 NETTO, A. V. G., FREM, R. C. G., MAURO, A. E., “A química supramolecular de complexos pirazó-licos”, Química Nova, v. 31, n. 5, pp.1208-1217, 2008.]. As interações entre grupamentos aromáticos estão entre as mais importantes e menos compreendidas das interações não covalentes, sendo consideradas relevantes em sistemas biológicos, materiais e outros. Pesquisas tem mostrado que as forças não-covalentes são mais fracas que as ligações de hidrogênio convencionais, mas também desempenham um papel importante em processos de auto-organização ou reconhecimento molecular na Química, na Bioquímica ou ainda nas ciências dos materiais [1818 ROMANZINI, D., LAVORATTI, A., ORNAGHI Jr., H. L., et al., “Preparation and characterization of ramie-glass fiber reinforced polymer matrix hybrid composites”, Materials and Design, v. 15, n. 3, pp.415-420, 2012.].

Existem duas situações-limite no que se refere ao arranjo dos anéis aromáticos: um paralelo (face-toface ou empilhamento π···π) e o outro perpendicular (edge-to-face ou conformação-T). Embora o termo “empilhamento π···π” seja algumas vezes indiscriminadamente utilizado, é mais apropriado descrever como interação C-H···π (edge-to-face) quando os planos dos anéis aromáticos se encontrarem orientados em um ângulo próximo de 90º na molécula. Por outro lado, para que haja um empilhamento π···π, não é necessária a ocorrência de um alinhamento facial perfeito dos anéis aromáticos, podendo haver certo deslizamento de um anel com relação ao outro, que é, na verdade, observado na grande maioria dos casos. Vale ressaltar, quenesse empilhamento de grupos aromáticos, à distância interplanar varia de 3,3-3,8 Å. Na realidade, as forças intermoleculares que atuam entre os anéis aromáticos e que são responsáveis pela estabilização do empilhamento π···π -consistem em atrações do tipo Van der Waals de caráter dipolo-dipolo [1717 NETTO, A. V. G., FREM, R. C. G., MAURO, A. E., “A química supramolecular de complexos pirazó-licos”, Química Nova, v. 31, n. 5, pp.1208-1217, 2008., 1818 ROMANZINI, D., LAVORATTI, A., ORNAGHI Jr., H. L., et al., “Preparation and characterization of ramie-glass fiber reinforced polymer matrix hybrid composites”, Materials and Design, v. 15, n. 3, pp.415-420, 2012.].

Desta forma, o principal objetivo deste trabalho é obter e caracterizar termicamente os compósitos de poliestireno expandido reforçado com celulose de bagaço de cana-de-açúcar. Além de avaliar o efeito da lignina como agente compatibilizante.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.2 Obtenção das Fibras Celulósicas de Bagaço de Cana

O bagaço de cana-de-açúcar utilizado neste artigo foi gentilmente fornecido pela Edras Ecossistemas possuindo comprimento de 13 a 15 mm. As fibras de bagaço da cana-de-açúcar foram adicionadas em uma solução de 6,25 mol/L de NaOH e 7 x 10-3 mol/ L de antroquinona, obedecendo à relação licor de 6:1 (m/v). O processo de polpação foi realizado em um reator de aço inoxidável de capacidade de 200 mL a 80ºC por 210 minutos. As polpas obtidas foram lavadas com água destilada até atingir o pH igual a 7 e secas a temperatura de 30ºC.

2.3 Preparação dos Materiais Compósitos

O poliestireno expandido foi comprimido a temperatura de 130°C, e pressão de 8 toneladas por 3 min utilizando uma prensa hidráulica térmica (marca Wabash Hydraulic Press, modelo 12 – 12 – 2TWC). Este processo visou o aumento da densidade, e o material obtido foi denominado PS reciclado. O polímero e as fibras de celulose foram submetidos a uma pré-mistura em extrusora mono-rosca (marca SEIBT, modelo ES 35FR). A composição dos compósitos foi fixada em 10 e 20% (m/m) em relação à matriz polimérica. Os compósitos produzidos foram triturados em moinho de facas (marca Primotécnica, modelo 1001). O material triturado, foi novamente extrudado em extrusora dupla-rosca (marca MH Equipamentos modelo COR 20-32-LAB). A extrusora operou com oito zonas de aquecimento variando de 102°C a 183°C, com rotação da rosca de 200 rpm. Os materiais extrudados foram granulados e secos em estufa a 80°C por 180 min. Depois foram injetados em uma injetora (marca Himaco, modelo LHS 150-80) com perfis de temperatura de 140°C, 160°C e 180°C, velocidade de rotação da rosca de 100 rpm e a temperatura do molde de 30ºC.

2.4 Análise Termogravimétrica (TGA/ DTG) e Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC)

As análises de TGA e DSC foram realizadas em um analisador térmico simultâneo TG-DSC da TA Instruments, modelo SDT Q600. As análises foram feitas em cadinho de alumina com cerca de 10 mg de amostra em uma faixa de temperatura de 30 a 500°C sob atmosfera de N2 (fluxo de 100 mL.min-1) e razão de aquecimento de 10ºC. min-1.

2.5 Análise Termo-Dinâmico-Mecânica (DMA)

Corpos de prova nas dimensões de 50 x 13 x 3,5 mm foram analisados em reômetro oscilatório (Anton Paar Physica MCR 101), operando em modo de flexão, partindo de 23°C até 130°C com taxa de aquecimento de 3°C. min-1, na frequência de 1 Hz.

2.6 Temperatura de Deflexão Térmica (HDT)

A análise foi realizada em um equipamento CEAST, modelo HDT/ 6 VICAT. A taxa de aquecimento utilizada foi de 120°C. h-1 e a carga aplicada de 1,82 MPa. O corpo de prova durante o ensaio suportou uma carga, transferindo a tensão aplicada ao material que foi submerso em um banho térmico em óleo de silicone. No ensaio, o material sofreu um deslocamento vertical igual a 0,25 mm.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Obtenção das fibras de celulose

Para a obtenção das fibras de celulose de bagaço de cana-de-açúcar, foi aplicado o processo de polpação com solução de hidróxido de sódio (NaOH) e antraquinona (AQ) a fim de extrair as fibras de celulose do bagaço e separá-la dos demais componentes (hemicelulose e lignina), ou seja, resultando em um produto com alto teor de celulose e baixa quantidade de lignina. O rendimento das polpações foi de 37%, mostrando que houve uma degradação intensa de todos os componentes devido à alta concentração álcali e temperatura elevada. O componente mais abundante das fibras celulósicas obtidas foi a celulose com cerca de 83% (m/m). O processo de polpação NaOH/AQ degradou preferencialmente a lignina e a hemicelulose, preservando a celulose. Embora, tenha sido observado um baixo rendimento na polpação, a ausência de AQ na polpação poderia ter acarretado em um pior rendimento. CARASCHI et al., [1515 Editoria, CARASCHI, J. C., ROSA, R. R., SANTIAGO, L. F. F., VENTORIM, G., http://www.eucalyptus.com.br/icep03/02_Caraschi_Rosa_Santiago_Ventorim.pdf. Acessado em fevereiro de 2018.
http://www.eucalyptus.com.br/icep03/02_C...
] demonstraram que o uso de antraquinona no processo de polpação promoveu ganhos no rendimento. Com relação às características das polpas celulósicas, a presença de antraquinona promoveu uma maior deslignificação, resultando em uma polpa com menor teor de lignina, o que possibilitou também o aumento no teor de celulose.

É importante observar que a quantidade de lignina solúvel (5,7% m/m) em ácido sulfúrico foi maior que a lignina insolúvel (2,7% m/m), demonstrando que o processo de polpação foi drástico degradando a macroestrutura da lignina, resultando em compostos de baixa massa molar [1919 LUZ, S. M., GONÇALVES, A. R., DEL’ARCO Jr, A. P., et al., “Thermal properties of polypropylene composites reinforced with different vegetable fiber” Advanced Materials Research, 123-125, pp. 1199-1202, 2010.]. A lignina e uma parcela da celulose tem característica amorfa, o que pode influenciar nas propriedades térmicas e dinâmico-mecânicas [77 JESUS, L. C. C., Obtenção e caracterização de compósitos de poliestireno expandido pós-consumo reforçados com celulose de bagaço de cana-de-açúcar, Dissertação de M.Sc., UnB, Brasília, DF, Brasil, 2014.]. Neste trabalho, no entanto a celulose utilizada não é altamente pura, apresentando aspecto bastante fibroso e mantendo a coloração marrom típica de materiais lignocelulósicos (Figura 2).

Figura 2
fibras in natura de bagaço; B) fibras celulósicas após polpação NaOH/AQ.

O tipo de processamento pode influenciar as propriedades dos compósitos, alterando as propriedades térmicas e dinâmico-mecânicas. O processo de incorporação de reforço em matriz polimérica é realizado com as fibras dispersas no polímero tornando assim um material isotrópico. É necessário ajustar os parâmetros de processamento de tal forma que não ocorra redução do comprimento da fibra, degradação do filamento, ou mesmo segregação durante a extrusão [2121 BOTAN, R., NOGUEIRA, T. R., LONA, L. M. F., “Síntese e caracterização de nanocompósitos de po-liestireno/hidroxissal lamelar”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 37, n. 01, pp. 18-21, 2014.].

3.2 Comportamento térmico da celulose e dos compósitos

3.2.1 Análise termogravimétrica

O comportamento térmico do PS reciclado (material de poliestireno expandido pós-consumo prensado a quente), da celulose, bem como dos compósitos foi avaliado. As Figuras 3A e 3B mostram que a estabilidade térmica dos materiais foi de cerca de 270°C para os compósitos, 230°C para a celulose e 350°C para o PS reciclado. Desta forma, a estabilidade térmica dos compósitos foi intermediária entre a fibra e a matriz polimérica reciclada. Observa-se também que a perda de massa nos compósitos é mais pronunciada com o aumento da adição de fibras.

A decomposição da celulose e dos compósitos foi caracterizada por dois picos distintos. Para a celulose, a primeira perda de massa ocorreu antes dos 100°C que pode ser atribuída a perda de umidade da poliose e seus componentes (xilose, manose, glucose e outros) e substâncias voláteis presentes nas fibras [2121 BOTAN, R., NOGUEIRA, T. R., LONA, L. M. F., “Síntese e caracterização de nanocompósitos de po-liestireno/hidroxissal lamelar”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 37, n. 01, pp. 18-21, 2014., 2222 FENGEL, D., WEGENER, G., Wood: Chemistry, Ultrastructures andreactions, 1 ed., Germany: Water de Gruyter, 2003.]. A segunda perda de massa apresentou picos na faixa entre 210 e 360°C, que estar relacionada com a degradação da hemicelulose, celulose e a degradação lenta da lignina. Em temperaturas abaixo de 230°C prevalece a decomposição da hemicelulose, e entre 230 e 260°C tanto a celulose quanto a hemicelulose sofrem degradação térmica, predominando, acima de 290°C, a decomposição de celulose [2121 BOTAN, R., NOGUEIRA, T. R., LONA, L. M. F., “Síntese e caracterização de nanocompósitos de po-liestireno/hidroxissal lamelar”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 37, n. 01, pp. 18-21, 2014.,2222 FENGEL, D., WEGENER, G., Wood: Chemistry, Ultrastructures andreactions, 1 ed., Germany: Water de Gruyter, 2003.]. A lignina se apresenta como componente mais hidrofóbico da madeira, atuando como material adesivo entre as fibras além de conferir dureza e rigidez à parede celular, sendo o último componente a se degradar [2222 FENGEL, D., WEGENER, G., Wood: Chemistry, Ultrastructures andreactions, 1 ed., Germany: Water de Gruyter, 2003.]. A degradação térmica para PS reciclado ficou na faixa de 410°C. Esta degradação é atribuída à quebra de ligações em carbono saturados e insaturados no poliestireno [2121 BOTAN, R., NOGUEIRA, T. R., LONA, L. M. F., “Síntese e caracterização de nanocompósitos de po-liestireno/hidroxissal lamelar”, Polímeros: Ciência e Tecnologia, v. 37, n. 01, pp. 18-21, 2014.].

Verifica-se que a perda de massa é mais acentuada conforme aumenta a adição de fibra celulósica ainda com lignina, lembrando que a lignina pode atuar como agente compatilizante dos compósitos produzidos. Segundo BORSOI et al. [2222 FENGEL, D., WEGENER, G., Wood: Chemistry, Ultrastructures andreactions, 1 ed., Germany: Water de Gruyter, 2003.] uma possível explicação para esse comportamento é que os compósitos compatibilizados apresentam maior interação interfacial, devido interações não covalentes entre os grupos fenílicos do poliestireno e a lignina residual da fibra celulósica, presentes na superfície da fibra. Esse efeito promove uma maior interação entre os processos de degradação dos dois componentes, ou seja, a degradação de um componente pode acelerar a degradação do outro.

Figura 3
Curvas do PS reciclado, da celulose, do bagaço de cana-de-açúcar e dos compósitos (A); e curvas de DTG do PS reciclado, da celulose, do bagaço de cana-de-açúcar e dos compósitos (B).

3.2.2 Calorimetria exploratória diferencial

As análises térmicas por DSC do PS reciclado, da celulose e dos compósitos estão mostradas na Figura 4. As curvas de DSC do PS reciclado e dos compósitos apresentaram um único evento endotérmico na temperatura de 420ºC, característico da decomposição destes materiais. O principal componente volátil produzido a partir da degradação térmica do poliestireno sob atmosfera inerte é o monômero de estireno [2222 FENGEL, D., WEGENER, G., Wood: Chemistry, Ultrastructures andreactions, 1 ed., Germany: Water de Gruyter, 2003.]. Outros produtos tais como o tolueno, etilbenzeno, benzeno também podem ser identificados como produtos da degradação do poliestireno [2222 FENGEL, D., WEGENER, G., Wood: Chemistry, Ultrastructures andreactions, 1 ed., Germany: Water de Gruyter, 2003.].

Para a celulose foi observado dois picos endotérmicos, o primeiro em 60 °C, atribuído ao calor de A vaporização da água e o segundo à degradação da celulose, que ocorreu entre 360 e 470ºC, que pode estarrelacionado à decomposição das polioses e celuloses, corroborando com a perda de massa nesta mesma faixa observada na análise termogravimétrica. A degradação térmica da celulose, observada nas curvas TG, B leva a despolimerização e a formação de 1,6 anidroglucose [2424 ROUMELI, R., TERZOPOULOU, Z., PAVLIDOU, E., et al., “Effect of maleic anhydride on the me-chanical and thermal properties of hemp/high-density polyethylene green composites” Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 121, n. 1, pp. 93-105, 2015.]. Este pico pode corresponder à ruptura de ligações hidrogênio inter e intramoleculares, provavelmente envolvendo a estrutura celulósica ou, ainda, ser B consequente de acomodações que envolvem as regiões cristalinas da celulose e que provocam alterações no tipo de rede cristalina. Na Figura 4 observa-se que a adição da celulose + lignina residual apresentou um significativo aumento da entalpia envolvida na degradação. As curvas DSC também podem apresentar informações relacionadas a fusão do material, entretanto, pelo PS ser amorfo, este pico não é observado.

Figura 4
Curvas de DSC para os compósitos em comparação ao PS reciclado e a celulose.

3.2.3 Análise dinâmica mecânica (DMA)

Os ensaios de DMA foram realizados para o PS reciclado e os compósitos a fim de verificar o comportamento viscoelástico relacionados ao módulo de armazenamento, módulo de perda e tan d. Nas Figuras 5A e 5B observaram-se um aumento no módulo de armazenamento (E') com a adição da fibra de celulose + lignina residual. Este comportamento pode estar associado ao aumento da restrição molecular imposta pela adição da fibra de celulose sobre a matriz polimérica e ao efeito compatibilizante entre a lignina e a matriz de poliestireno. Os compósitos 20% celulose (m/m)/ PS apresentaram um E' (pico) de 3,2 GPa, já os compósitos 20% celulose (m/m)/ PS apresentaram E' (pico) de 2,9 GPa, ambos são superiores ao módulo do PS reciclado que foi de 2,2 GPa.

A Tabela 1 faz uma comparação dos módulos dinâmicos e o tan d entre o PS reciclado e os compósitos. Os módulos E' eE'' e tan d indicam as mudanças de conformação dos segmentos de cadeia do material polimérico. Portanto estão relacionados diretamente a estrutura, massa molecular e composição. Desta maneira, tudo o que restringe a movimentação dos segmentos de cadeia aumenta E' e diminui tan d e E'' [2828 IDICULA, M., MALHOTRA, S.K., KURUVILLA, J., et al., “Dynamic mechanical analysis of random-ly oriented intimately mixed short banana/sisal hybrid fibre reinforced polyester composites” Composites Science and Technology, v.65, n. 7, pp. 1077-1087, 2005.]. No caso dos compósitos reforçados com as fibras de celulose + lignina, esses demonstraram maior módulo de elasticidade devido à adição das fibras na matriz e a boa interação da lignina e a matriz polimérica do poliestireno. Observou-se que o módulo de armazenamento aumenta 32% e 46%, respectivamente, para os compósitos com 10% e 20% de celulose em comparação com PS reciclado. Com a adição da fibra na matriz de poliestireno e efeito compatibilizante da lignina, o módulo aumentou 30% para os compósitos, isso comprova que a fibra auxiliou no aumento da rigidez do material.

Tabela 1
Temperatura de transição vítrea (Tg), módulo de armazenamento (E'), módulo de perda (E'') e amortecimento (Tan δ) do PS reciclado e dos compósitos.
Figura 5
Módulo de armazenamento (E') e Tan d para o para o PS reciclado e os compósitos.

A variação de tan δ em função da temperatura para o PS reciclado e os compósitos é observada na Figura 5. Para os compósitos analisados, foi observada uma redução no grau de amortecimento em relação ao PS reciclado. Segundo CANEVAROLO Jr. [2525 CANEVAROLO, Jr. S. V., Técnica de caracterização de polímeros, 1 ed., São Paulo, Artliber, 2007.], com uma maior interação entre a fibra e a matriz ocorrem restrições ao movimento das cadeias carbônicas encontradas na interface da fibra ocasionando uma um decréscimo do grau de amortecimento com pode ser observado nos valores dos picos de tan δ que são dados pela Tabela 1. Verificou-se que com a adição da fibra de celulose/ lignina ocorre à redução da altura do pico tan δ de 1,48 para os compósitos 10% celulose (m/m)/ PS para 1,18 para os compósitos 20% celulose (m/m)/ PS em comparação ao PS reciclado que foi de 2,48, confirmando a interação entre a matriz de poliestireno e a fibra celulósica + lignina residual. As avaliações da energia do compósito estão relacionadas ao pico de tan δ [2525 CANEVAROLO, Jr. S. V., Técnica de caracterização de polímeros, 1 ed., São Paulo, Artliber, 2007.]. Quanto mais forte a interação fibra/ matriz menor é a dissipação de energia, que resulta em menor altura do pico tan δ, já que a liberação de energia nos compósitos ocorre via interface [2626 POLETTO, M., DETTENBORN. J., ZATTERA, A. J., et al., “Avaliação das propriedades mecânicas de compósitos de Poliestireno expandido pós-consumo e serragem de Pinus elliottii. Revista Iberoamericana de polímeros. v. 11, n. 1, pp. 169- 177, 2010.]. Uma vez que o valor de tan δ indica o grau de amortecimento mecânico, quanto mais flexível o sistema, maior o grau de amortecimento [2828 IDICULA, M., MALHOTRA, S.K., KURUVILLA, J., et al., “Dynamic mechanical analysis of random-ly oriented intimately mixed short banana/sisal hybrid fibre reinforced polyester composites” Composites Science and Technology, v.65, n. 7, pp. 1077-1087, 2005.].

3.2.4 Temperatura de deflexão térmica (HDT)

A HDT representa a temperatura máxima que um material submetido a um determinado esforço permanece sem sofrer deformação [2929 DILSIZ, N., WIGHTMAN, J.P., “Effect of acid-base properties of unsized and sized carbono fibers on fiber/epoxy matrix adhesion” Colloids and Surfaces (2000), v. 164, n. 2, pp. 325-336, 2000.]. Segundo dados reportados na literatura, fatores como: quantidade de reforço, razão de aspecto das partículas e grau de dispersão da carga na matriz polimérica, interação entre fibra/ matriz podem promover aumentos de HDT [3030 MURPHY, J., The Reinforced Plastics Handbook, 1 ed., New York, Elsevier Advanced Technology, 1994.].

O ensaio de temperatura de deflexão térmica é de fundamental importância em compósitos, pois a partir dele determina-se a temperatura máxima de trabalho para um dado material, acima do qual o mesmo possivelmente não conseguirá desempenhar as suas funções para a qual foi projetado. Este ensaio é frequentemente realizado na indústria automotiva, onde peças em contato com o motor podem atingir uma temperatura acima de 100ºC e o interior de um veículo pode chegar a atingir temperaturas próximas dos 60°C [3131 MAZZINI, F. P., CALVÃO, P. S., “Obtenção e caracterização do compósito de poli(ácido láctico) (PLA) com fibra de bagaço de cana-de-açucar”, In: Resumo do 12° Congresso Brasileiro de Polímeros, Florianapólis, Brasil, 22-26 Setembro 2013.]. Verifica-se por meio da Tabela 2, que no ensaio de HDT, o compósito de celulose 10% (m/m)/ PS apresentou uma temperatura de deflexão 5,6% menor que o compósito de celulose 20% (m/m)/ PS.

Tabela 2
Temperatura de deflexão térmica do polímero e dos compósitos.

Pode ser observado que a presença da fibra de celulose/ lignina produz um aumento no valor da temperatura de deflexão para todos os compósitos. Algumas propriedades são maximizadas com a adição de fibras, tais como as propriedades térmicas [3232 MIGUEL, J. J. P., Estudo comparativo das propriedades térmicas e mecânicas do polipropileno reforçado com óxido de zinco, carbonato de cálcio e talco, Dissertação de M.Sc., CCT/FIEB, Salvador, BA, Brasil, 2010.].

BORSOI et al., [3333 BORSOI. C., CAVINATO, C., SCIENZA, L. C., et al., “Processing of recycled expanded polystyrene and waste newsprint fibers composites Proceedings of the Polymer Processing”, In: Society 29th Annual Meeting . PPS-29, Nuremberg, Germany, 15-19 July 2013.] reportaram na literatura que a adição de fibras naturais em polímeros aumenta a rigidez do material, como pode ser observado pela análise do tan δ, ocasionando um aumento da temperatura de deflexão térmica. Para o compósito com 20% de fibra, em comparação ao PS reciclado, o aumento da temperatura de deflexão térmica foi de aproximadamente 9°C.

Com adição das fibras de celulose e o efeito compatibilizante da lignina residual, esses restringem a movimentação das cadeias carbônicas da matriz polimérica, diminuindo também coeficiente de expansão térmica, o que proporciona maior estabilidade dimensional no material [3434 BRYDSON, J. A., Plastics Materials, 6 ed., London, Butterworth-Heinemann Ltda, 1995.]. Para alguns polímeros amorfo como o poliestireno as fibras podem atuar como pontos de concentradores de tensão, uma vez que a interface entre fibra e a matriz amorfa não apresenta excelente adesão [3535 SILVA, C.G., Bagaço de cana de açúcar como reforço de matrizes termorrígidas baseadas em macro-moléculas de lignina, Tese de D.Sc., Instituto de Química/ USP. São Paulo, SP, Brasil, 2008.].

Em estudo recente MAZZINI [3131 MAZZINI, F. P., CALVÃO, P. S., “Obtenção e caracterização do compósito de poli(ácido láctico) (PLA) com fibra de bagaço de cana-de-açucar”, In: Resumo do 12° Congresso Brasileiro de Polímeros, Florianapólis, Brasil, 22-26 Setembro 2013.] verificou que compósito polimérico com fibras naturais tem tendência a diminuir a mobilidade dos segmentos de cadeia da estrutura polimérica, e isso resulta em aumento da rigidez do material, porém com diminuição da sua ductilidade. Em relação à resistência térmica, a incorporação das fibras naturais na matriz polimérica resultou em um aumento progressivo no valor da temperatura de deflexão térmica. Isso ocorre devido às fibras aumentarem a resistência à flexão da cadeia polimérica, inclusive em temperaturas elevadas. Uma vez que as fibras restringem a movimentação dos segmentos de cadeias da matriz polimérica, esse efeito, somado à resistência mecânica da fibra, facilita o aumento da resistência final do compósito em temperaturas altas.

3. CONCLUSÕES

A polpação das fibras de bagaço de cana-de-açúcar foi um método eficaz para obtenção de fibra de celulose, resultando em um razoável rendimento além de uma quantidade de lignina residual. A lignina residual pode ter atuado como agente compatibilizante possibilitando uma maior interação entre a fibra e a matriz. Essas interações influenciaram as propriedades térmicas dos compósitos em relação ao PS reciclado.

As análises de TGA e DSC mostraram que a estabilidade térmica dos compósitos reforçados com as fibras celulósicas foi reduzida em relação ao PS reciclado, inclusive com o aumento do teor de fibras. Já por meio do DMA percebeu-se um aumento do módulo de armazenamento e redução da altura do pico tan d com a incorporação das fibras com a lignina residual. Uma vez que as fibras de celulose/ lignina restringem a movimentação das cadeias do PS, esse efeito somado à resistência mecânica da fibra facilita o aumento da resistência final do compósito em temperaturas mais elevadas.

Verificou-se que a adição de fibra de celulose foi suficiente para promover boa adesão interfacial entre a lignina residual da fibra e a matriz do poliestireno, porém os resultados com a adição de 20% de celulose foram mais significativos em relação aos ganhos das dinâmico-mecânicas.

Os resultados do ensaio de HDT demonstraram que a presença da fibra de celulose e a lignina produziram um aumento no valor da temperatura de deflexão para todos os compósitos. Portanto, conclui-se que a utilização de EPS como matriz em compósitos reforçados com fibras naturais é viável, permitindo sugerir ao mercado de reciclagem, uma excelente alternativa para o aproveitamento deste resíduo.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro da Capes, UnB, UCS, UFRGS, FAP-DF e CNPq

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2018
  • Aceito
    29 Mar 2019
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