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Avaliação do uso de cinzas de carvão mineral como melhorador de adesividade em misturas asfálticas

Evaluation of coal ash use as an adhesion improver in asphalt mixtures

RESUMO

A presença de umidade em misturas asfálticas pode interferir na adesão entre o ligante asfáltico e os agregados, bem como no próprio filme de ligante asfáltico o que pode causar falha coesiva. Neste trabalho, avaliou-se o uso de cinzas de carvão mineral como fíler e melhorador de adesividade em misturas asfálticas. Esse material foi comparado com a cal hidratada e o pó de pedra. Foram coletadas 36 amostras de cinza na usina UTE Energia Pecém/São Gonçalo do Amarante-CE, e realizou-se uma caracterização química por meio do ensaio de fluorescência de raios-X. Verificou-se que cerca de 68% das cinzas são pertencentes à classe C, sendo o restante das cinzas enquadrado na classe F. Na avaliação da resistência ao dano por umidade, por meio do ensaio de Lottman, verificou-se que o uso de 4% de cinzas, como fíler, nas misturas asfálticas gerou resultados similares aqueles encontrados para a mistura asfáltica contendo fíler natural. O uso das cinzas combinadas com a cal conduziu a um aumento de resistência ao dano por umidade nas misturas. Ressalta-se que o fato de algumas cinzas pertencerem a classe C ou F, ou mesmo o fato de algumas cinzas serem mais alcalinas que outras, não necessariamente conduziram a ganhos significativos de resistência ao dano por umidade nas misturas asfálticas compostas pelas mesmas.

Palavras-chave
misturas asfálticas; cinzas de carvão mineral; dano por umidade induzida

ABSTRACT

The presence of moisture in asphalt mixtures interferes in the adhesion between the asphalt binder and the aggregates, as well as interferes into the asphalt binder film itself causing cohesive failure. This work evaluated the use of coal ashes as a bonding improver in asphalt mixtures, comparing this material with hydrated lime and stone powder. A total of 36 ash samples were collected at the UTE Energia Pecém/São Gonçalo do Amarante-CE, and a chemical characterization was performed using the X-ray fluorescence. It was found that about 68% of the ashes belong to class C, the remainder of the ashes being framed in class F. In the evaluation of the moisture damage resistance, through the Lottman test, it was verified that the use of 4 % of ash in the asphalt mixtures generated results similar to those found for the asphalt mixture containing natural filler. The use of the ashes combined with lime led to an increase in resistance to moisture damage. It is emphasized that the fact that some ashes belong to class C or F, or even that some ashes are more alkaline than others, did not necessarily lead to significant gains in the moisture damage resistance.

Keywords
asphalt mixtures; coal ash; moisture damage

1. INTRODUÇÃO

O aumento da utilização de resíduos na pavimentação cresceu devido à limitação, a diminuição e, em alguns casos, ao esgotamento de fontes naturais. O aproveitamento de rejeitos industriais como insumos para serviços de pavimentação torna-se interessante no processo de desenvolvimento sustentável A queima de carvão mineral para produção de eletricidade nas usinas termoelétricas gera diversos resíduos, dentre os quais podem ser destacadas as cinzas pesadas ou de fundo (do inglês, bottom ash) e as cinzas leves ou volantes (do inglês, fly ash) [11 ACAA - American Coal Ash Association, Fly ash facts for highway engineers, In: Report FHWA-IF-03-019, Federal Highway Administration, Washington, D.C., 2003.]. O crescimento do uso de carvão mineral para produção de energia aumenta o problema da gestão dos resíduos sólidos gerados [22 BASU, M., PANDE, M., BHADORIA, P.B.S., MAHAPATRA, S.C., “Potential fly-ash utilization in agriculture: a global review”, Progress in Natural Science, n.19, pp. 1173–1186, Oct. 2009.]. No Brasil, o consumo final por fonte de carvão mineral passou de 2.962×10³tep em 2007 para 3.258×10³tep em 2016, representando um aumento de cerca de 10% no consumo deste combustível no período avaliado. No estado do Ceará, a capacidade instalada para geração de energia em termoelétricas passou de 1.046MW em 2005 para 1,926MW em 2016 [33 EPE - Empresa de Pesquisas Energéticas, Balanço energético nacional, In: Report síntese, ano base 2016, Rio de Janeiro, RJ, 2017.].

As cinzas volantes apresentam como constituintes principais os compostos químicos: cristais de sílica (SiO2), alumina (Al2O3), óxido férrico (Fe2O3) e cal (CaO). Em quantidades inferiores àqueles apresentados anteriormente, existem outros compostos químicos: óxido de magnésio (MgO), óxido de sódio (Na2O), óxido de potássio (K2O), trióxido de enxofre (SO3), óxido de manganês II (MnO) e dióxido de titânio (TiO2). As cinzas volantes também contêm partículas de carbono não consumidas na combustão [11 ACAA - American Coal Ash Association, Fly ash facts for highway engineers, In: Report FHWA-IF-03-019, Federal Highway Administration, Washington, D.C., 2003.]. A norma ASTM C618 [44 ASTM - AMERICAN SOCIETY FOR TESTING MATERIALS, C 618, Standard Specification for Coal Fly Ash and Raw or Calcined Natural Pozzolan for Use in Concrete, West Conshohocken, PA, 2019.] classifica as cinzas leves com base na sua composição química, principalmente com relação a soma de três óxidos: SiO2, Al2O3 e Fe2O3. Os dois tipos e os requisitos primários exigidos pela norma são: Classe F (SiO2 + Al2O3 + Fe2O3 ≥ 70%); e Classe C (SiO2 + Al2O3 + Fe2O3 ≥ 50%). As cinzas volantes pertencentes a Classe C apresenta geralmente teor de CaO maior que 20% [55 IPRF - Innovative Pavement Research Foundation, Handbook for proportioning fly ash as cementitious material in airfield pavement concrete mixtures, In: Report IPRF 01-G-002-06-2, 2011.]. As cinzas volantes pertencentes a classe F apresentam propriedades pozolânicas, porém não têm propriedades aglomerantes e hidráulicas [44 ASTM - AMERICAN SOCIETY FOR TESTING MATERIALS, C 618, Standard Specification for Coal Fly Ash and Raw or Calcined Natural Pozzolan for Use in Concrete, West Conshohocken, PA, 2019.]. Já as cinzas volantes pertencentes a classe C têm propriedades pozolânicas e aglomerantes. SIQUEIRA et al. [66 SIQUEIRA, J. S., SOUZA, C. A. G., SOUZA, J. A. S., “Reaproveitamento de cinzas de carvão mineral na formulação de argamassas”, Cerâmica, v. 58, n.346, pp.275-279, 2012.] avaliaram a composição química de cinzas volantes. Esses citados autores perceberam que a composição destas cinzas é variável, o que a caracteriza como um material heterogêneo. Por outro lado, as cinzas pesadas são compostas, principalmente, de sílica, de alumina e de ferro com pequenas quantidades de cálcio, magnésio, sulfatos, etc. A composição química deste outro tipo de cinza é controlada pela fonte do carvão utilizado no processo e isso pode interferir nas propriedades físico-químicas do material [77 SINGH, M., “Effect of coal bottom ash on strength and durability properties of concrete”, Tese de D.Sc., Thapar University, India, 2015.].

Devido as suas propriedades pozolânicas, o uso de cinzas volantes é comum em argamassas de cimento Portland com o intuito de aumentar a resistência desses materiais [88 COSTA, F.L., SANTOS, I.L., SILVESTRO, L., et al., “Influência do uso de aditivo acelerador de resistência baseado em nitrato de cálcio no desempenho de argamassas de cimento Portland com adição de cinza volante”, Revista Matéria, v.23, n.03, 2018.]. Ademais, as cinzas podem ser utilizadas como estabilizantes químicos de solos para serviços de pavimentação [99 PIRES, G.M., SPECHT, L.P., PINHEIRO, R.J.B., et al., “Comportamento mecânico de material fresado após processo de estabilização granulométrica e química por meio da incorporação de cimento e cinza de casca de arroz moída”, Revista Matéria, v.21, n.02, 2016.]. Em misturas asfálticas, segundo EPA [1010 EPA - United States Environmental Protection Agency, Using coal ash in highway constructions: a guide to benefits and impacts, In: EPA-530-K-05-002, 2005.], as cinzas volantes podem ser utilizadas como fíler mineral, pois estas possuem a capacidade de aumentar a rigidez, melhorar a resistência a deformação permanente, diminuir os custos em relação ao uso de outros fíleres e reduzir o potencial relacionado ao dano por umidade em misturas asfálticas. Entretanto, devido a heterogeneidade das cinzas, o uso destas em misturas asfálticas pode gerar resultados controversos, depende das características químicas da cinza utilizada, bem como do teor da mesma. ASMAEL [1111 ASMAEL, N. M.,” Effect of mineral filler type and content on properties of asphalt concrete mixes”, Journal of Engineering, v. 16, n. 3, pp. 5352-5362, 2010.] avaliou a adição de três percentuais (5,8%, 7,8% e 9,8%) de fíler, em peso de agregado à mistura asfáltica. Os fíleres investigados foram: cinza volante, cimento Portland e sílica. A incorporação de cinzas volantes como fíler provocou redução nos valores de Resistência à Tração (RT) da ordem de 50% quando se utilizou 9,8% de cinzas como filer. Quando se utilizou as cinzas numa proporção de 5,8%, como fíler na mistura asfáltica, também houve redução nos valores de RT, sendo da ordem de 25% em relação a mistura contendo cimento Portland como fíler, e da ordem de 40% para a mistura contendo sílica como fíler.

Com relação ao uso de cinzas pesadas como filer em misturas asfálticas, WEBER [1212 WEBER, R. C., “Cinzas pesadas geradas na região carbonífera do Rio Grande do Sul: Uso em misturas asfálticas a quente”, Trabalho de Conclusão de Curso, Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, PR, Brasil, 2010.] obteve resultados satisfatórios com relação aos valores de RT. Estes autores encontraram valores superiores aos 0,65MPa recomendado pela norma DNIT-ES 31 [1313 DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES, DNIT-ES 31, Pavimentos flexíveis – concreto asfáltico, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2006.]. Para a mistura asfáltica contendo 6,0% de cinza e 5,5% de Cimento Asfáltico de Petróleo (CAP), o valor de RT obtido foi de 1,26MPa, já para a mistura asfáltica contenho 10% de cinza e 6,0% de CAP o valor de RT foi de 1,28MPa. Porém, verificou-se que, apesar da cinza possuir granulometria semelhante à da areia, a mesma é muito porosa, o que pode refletir numa alta absorção do CAP utilizado na mistura asfáltica. WEBER et al. [1414 WEBER, R. C., NAKAHARA, S. M., ROHDE, L., CERATTI, J. A. P., “Uso de cinzas pesadas em misturas asfálticas a quente”, In: Boletim técnico SINICESP, São Paulo, Edição nº 11, 2012.] acrescentaram cinzas pesadas em misturas asfálticas e avaliaram a resistência ao dano por umidade para misturas contendo 6% de cinza por meio do ensaio Lottman. A Relação de Resistência Tração (RRT) obtida foi de 35%, o que pode indicar um problema de adesividade agregado/ligante asfáltico. Uma provável causa para o baixo valor encontrado, segundo os citados autores, pode estar relacionada com a constituição química dos materiais, tanto dos agregados como da própria cinza.

Com relação ao dano provocado pela umidade em misturas asfálticas, KIGGUNDU e ROBERTS [1515 KIGGUNDU, B. M., ROBERTS, F. L., “Stripping in HMA mixtures: state-of-the-art and critical review of test methods”, In: Report No. NCAT 88-02, National Center for Asphalt Technology (NCAT), Auburn, Alabama, 1998.] definem esse mecanismo como a deterioração funcional progressiva de um pavimento dada pela perda da ligação adesiva entre o CAP e a superfície dos agregados e/ou pela perda da resistência coesiva dentro do próprio CAP, principalmente, a partir da ação da água. Segundo MERCADO [1616 MERCADO, E. A., “Influence of fundamental material properties and air void structure on moisture damage of asphalt mixes”, Tese de D.Sc., Texas A&M University, College Station, TX, 2007.], a razão pela qual a água provoca danos deriva das suas baixas viscosidade e tensão superficial, que se traduzem no fato desta possuir uma maior afinidade pela superfície do agregado, em comparação com a atração da mesma ao ligante asfáltico. Este efeito pode ser observado na Figura 1, que representa uma queda de uma gota de CAP em contato com o agregado que é imerso em água (Figura 1a). Com o avanço do tempo, o ângulo de contato, θ, entre os dois materiais, na presença da água, aumenta (Figura 1b) até que este se torna grande o suficiente (enquanto [180-θ] diminui) para fazer com que o CAP perca o contato com a superfície do agregado (Figura 1c).

Figura 1
Gota de CAP em contato com a superfície de um agregado mineral. Fonte: adaptado de MERCADO [1414 WEBER, R. C., NAKAHARA, S. M., ROHDE, L., CERATTI, J. A. P., “Uso de cinzas pesadas em misturas asfálticas a quente”, In: Boletim técnico SINICESP, São Paulo, Edição nº 11, 2012.].

SANTUCCI [1717 SANTUCCI, L., “Minimizing Moisture Damage in Asphalt Concrete”, Tese de D.Sc., Berkeley: UC Berkeley Institute of Transportation Studies, 2010.] discute a importância das propriedades químicas da superfície do CAP. O autor relatou que os agregados podem possuir pH alcalino (calcário) ou ácido (quartzito). O CAP, a depender da sua origem, tende a ter pH que varia de neutro a ácido. Desta forma, o CAP, provavelmente, deve formar um vínculo mais forte com os agregados de origem calcária. Ademais, os agregados possuem vários locais ativos e inativos sobre a sua superfície. Existem agregados com maior área de superfície específica, bem como com um tamanho de poro favorável a penetração do CAP. Por vezes, constata-se que o ar é retido nos poros sobre a superfície dos agregados, dificultando a penetração do CAP em toda a superfície dos agregados. Com base no que foi previamente exposto, podem existir diferentes sítios (ativos e inativos) na superfície dos agregados [1616 MERCADO, E. A., “Influence of fundamental material properties and air void structure on moisture damage of asphalt mixes”, Tese de D.Sc., Texas A&M University, College Station, TX, 2007.]. De acordo com SHAH [1818 SHAH, B. D, “Evaluation of moisture damage within asphalt concrete mixes”, Dissertação de M.Sc, Texas A&M University, College Station, TX, 2003.], a química na interface entre o CAP e o agregado conduz a interações de ligação que influenciam a força adesiva definitiva gerada no par. O agregado proporciona uma superfície que é heterogênea e tem uma variedade de sítios com diferentes composições e níveis de atividade (Figura 2a). Estes sítios ativos são muitas vezes carregados ou contêm cargas parciais que atraem e orientam os constituintes polares do CAP. Os grupos funcionais polares presentes no ponto de contato entre o filme de CAP e os agregados aderem às superfícies devido à força eletrostática, às pontes de hidrogênio ou as forças de Van der Waals.

Figura 2
Química envolvida na ligação entre agregados e o ligante asfáltico, (a) estágio 1 e (b) estágio 2. Fonte: Adaptado de SHAH [1818 SHAH, B. D, “Evaluation of moisture damage within asphalt concrete mixes”, Dissertação de M.Sc, Texas A&M University, College Station, TX, 2003.].

As reações químicas que ocorrem entre o CAP e os agregados minerais acontecem no momento da mistura entre os mesmos. A gama de efeitos químicos causados por essas reações afeta a durabilidade de longo prazo da mistura asfáltica. Quando o CAP aquecido recobre os agregados, este tende a entrar em qualquer fenda ou poro disponível. A energia superficial dos agregados atrai um grupo funcional de carga oposta ou parcialmente carregada presente no CAP. A parte da molécula atraída, que está disponível para a interação com outras moléculas de CAP, pode então ter a carga dos agregados e, consequentemente, ter interação eletrostática com outra carga oposta ou parcialmente carregada das moléculas de CAP. Um estado de quase-equilíbrio na ligação agregado-CAP pode permanecer durante algum tempo (Figura 2b). A perturbação causada pelas forças de atrito muda o estado de equilíbrio, quer em um novo quase-equilíbrio ou quer em um estado constante, embora talvez lento, este deteriora o vínculo CAP-agregado, e a quebra deste vínculo pode causar falhas na interface, tanto no próprio ligante asfáltico (falha coesiva), ou dentro do agregado como uma falha estrutural [1616 MERCADO, E. A., “Influence of fundamental material properties and air void structure on moisture damage of asphalt mixes”, Tese de D.Sc., Texas A&M University, College Station, TX, 2007.]. Segundo LIU e KENNEDY [1919 LIU, M. J., KENNEDY, T. W., “Field Evaluation of stripping and moisture damage in asphalt pavements treated with lime and antistripping agents”, In: Report No. 441-2F, University of Texas, Center for Transportation Research, Austin, 1991.], se a região da superfície dos agregados com características polares está completamente coberta com o CAP com superfície não polar, então as características de adsorção dos agregados mudarão radicalmente. Os grupos funcionais polares tendem a permanecer na fase de ligante asfáltico uma vez que nenhuma força motriz, ou potencial eletrostática, existe para adsorção ou adesão na superfície dos agregados. Os grupos funcionais mais polares, como sulfóxidos, ácidos carboxílicos, e bases nitrogenadas, são adsorvidos mais fortemente, enquanto que os grupos asfálticos menos polares, incluindo os hidrocarbonetos aromáticos, têm menos afinidade com a superfície e não aderirão fortemente aos agregados [2020 CURTIS, C. W., ENSLEY, K., EPPS, J. A., “Fundamental properties of asphalt-aggregate Interactions including adhesion and absorption”, In: Report Final report SHRP A-341, Strategic Highway Research Program, National Research Council, Washington, D.C., 2011.].

Nesse contexto, devido ao grande volume de cinza volante gerado pela usina UTE Energia Pecém, localizada nas proximidades da cidade de Fortaleza/CE, surgiu a necessidade de estudar a viabilidade técnica de uso desse material em projetos de pavimentação. Dessa forma, o objetivo principal deste trabalho é avaliar o uso de cinzas de carvão mineral como melhorador de adesividade em misturas asfálticas, comparando o desempenho dessas misturas com outras contendo cal hidratada e pó de pedra como fíleres.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A primeira etapa para a realização do presente trabalho foi a coleta das cinzas na UTE Energia Pecém, localizada na cidade de São Gonçalo do Amarante/CE. Foram utilizados três procedimentos de coleta: (i) amostragem de superfície, (ii) amostragem de profundidade e (iii) amostragem das cinzas volantes “frescas”. A amostragem de superfície consistiu na coleta de material numa malha amostral de 75 metros por 75 metros lançada sobre a superfície do Módulo 1 de armazenamento de cinzas da Termoelétrica, o qual consiste em uma área de armazenamento com aproximadamente 300m de comprimento, 150m de largura e 7m de profundidade totalizando 315.000m³. No total, foram coletadas amostras em 21 pontos numeradas de PA-1 até PA-21, respectivamente. A amostragem de profundidade consistiu na perfuração em dois pontos da malha (PP1 e PP2) retirando amostras a cada metro de profundidade, totalizando 13 amostras coletadas visto que em alguns pontos a profundidade foi maior do que 6,0m. Em PP1 foram obtidas 6 (seis) amostras, tendo-se escavado até a profundidade de 5,3m. Já em PP2, foram obtidas 7 (sete) amostras, tendo-se escavado até 6,3m de profundidade. Por fim, foram coletadas cinzas volantes “frescas”, retiradas diretamente do processo produtivo das Usinas Pecém 1 e 2. A Figura 3 apresenta, de forma esquemática, o plano de amostragem de coleta das amostras de cinzas.

Figura 3
Plano de amostragem da coleta das cinzas.

Após a coleta das cinzas, foi realizada a análise química das mesmas e, em seguida, a dosagem das misturas asfálticas com utilização deste material. Por fim, as misturas asfálticas dosadas foram caracterizadas com relação a resistência ao dano por umidade induzida através do ensaio Lottman modificado.

2.1 Análise Química das Cinzas

A caracterização química do material proveniente de todos os pontos de coleta foi realizada utilizando-se a técnica de difração e de fluorescência de Raios-X. Os ensaios foram realizados no Laboratório de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Através dessa análise, foi possível quantificar o percentual em massa dos principais constituintes das amostras de cinza, principalmente aqueles apontados pela literatura como potenciais influenciadores da adesividade, tais como: cristais de sílica (SiO2), alumina (Al2O3) óxido férrico (Fe2O3) e cal (CaO). O pH das amostras também foi obtido por meio do procedimento adaptado da USEPA 9045 D [2121 UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION ANGENCY, USEPA 9045D, Soil and Waste pH, part of test methods for evaluating solid waste physical/chemical methods, Washington, D.C., 2004.], na qual preparou-se amostras de cinza na proporção 1:2 (cinza/água deionizada) com subsequente medição de pH pelo método potenciométrico.

2.2 Dosagem das Misturas Asfálticas

Foram dosadas 4 (quatro) misturas asfálticas: (i) sem a adição de cinza ou cal hidratada; (ii) com adição de 4% de cinza como fíler; (iii) com adição de 4% de cal hidratada, do tipo CH-I, como fíler e (iv) com adição de cinza misturada a cal hidratada do tipo CH-I, numa proporção 50%/50% como fíler. O que motivou a adição do percentual de 4% de cinza à mistura asfáltica foi primeiramente a substituição de todo o agregado natural passante na peneira Nº200 (0,075mm), que considerando a curva granulométrica de projeto é de 4% em massa de agregado. Os agregados graúdos e miúdos utilizados nesta pesquisa foram: brita de 3/4” (19,0mm), brita de 3/8” (9,5mm) e pó de pedra, todos de natureza granítica. Todos os agregados de natureza granítica foram fornecidos pela pedreira POLIMIX, localizada na cidade de Itaitinga/CE. A Figura 4 apresenta a curva granulométrica de projeto. A porcentagem de agregados utilizada para montar a curva de projeto foi: 17% de brita de 3/4” (19,0mm), 39% de brita 3/8” (9,5mm) e 44% de pó de pedra.

Figura 4
Curva granulométrica de projeto.

Para adicionar tanto a cinza volante quanto a cal hidratada na composição de agregados sem modificar a curva de projeto, fracionaram-se os agregados graúdos e miúdo e removeu-se a fração passante na peneira N°200 (0,075mm). A fração passante nesta peneira (isto é, 4%) foi substituída por cinza, cal ou mistura de cinza e a cal (50%/50%). Essa estratégia foi adotada de forma a não envolver outras variáveis no processo de análise dos resultados. A metodologia Superpave (Strategic Highway Research Program - SHRP) foi utilizada na dosagem das misturas asfálticas. O CAP 50/70, produzido pela Petrobras na Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), foi aquecido a 150˚C e os agregados a 175˚C, sendo estes em seguida misturados. Foram moldadas amostras com Volume de vazios (Vv) de 7% (±0,4%) para avaliação da resistência ao dano provocado pela umidade, por meio do ensaio de Lottman modificado - AASHTO T 283 [2222 AMERICAN ASSOCIATION OF STATE HIGHWAY AND TRANSPORTATION OFFICIALS, AASHTO T 283, Standard method of test for resistance of compacted asphalt mixtures to moisture-induced damage, Washington, D.C., EUA, 2014.]. O ensaio consiste em medir a Relação de Resistência Tração (RRT) entre amostras de misturas asfálticas condicionadas e não condicionadas. O condicionamento refere-se ao processo de induzir a presença de umidade nas amostras. Valores de RRT acima de 70% são considerados satisfatórios [2222 AMERICAN ASSOCIATION OF STATE HIGHWAY AND TRANSPORTATION OFFICIALS, AASHTO T 283, Standard method of test for resistance of compacted asphalt mixtures to moisture-induced damage, Washington, D.C., EUA, 2014.].

3. RESULTADOS E discussão

3.1 Caracterização Química das Amostras de Cinzas

As Figuras 5a, 5b, 5c e 5d apresentam os resultados obtidos através do ensaio de Fluorescência de Raios-X para as amostras avaliadas, isto é, cinzas coletadas na superfície (PA-1 a PA-21) e em profundidade nos módulos de armazenamento (PP1 e PP2), e as cinzas volantes “frescas” (Pecém 1 e Pecém 2). Ademais, é apresentado a variação nas composições das cinzas a partir dos principais constituintes encontrados: cristais de sílica (SiO2), alumina (Al2O3) óxido férrico (Fe2O3) e cal (CaO).

Figura 5
Variação nas composições das cinzas a partir dos principais constituintes encontrados.

Pode-se verificar que o material coletado nos 21 pontos superficiais no módulo de armazenamento de cinzas é heterogêneo. A amostra de cinza (PA-8) que possui o maior percentual (43,4%) de CaO apresenta aproximadamente 4 vezes mais CaO, em sua composição, se comparada a amostra (PA-14) que apresenta a menor quantidade (10,2%) deste composto. Além disso, para a composição de CaO obteve-se um Desvio Padrão (DP) de 10,1% e um Coeficiente de Variação (CV) de 38,9%. Com relação ao SiO2, também houve dispersão dos resultados, uma vez que se obteve DP de 6,8% e CV de 23,0%. A razão entre a amostra com maior percentual SiO2 com aquela que apresenta menor percentual foi igual a 2. Para o Fe2O3 obteve-se DP de 3,6%, com CV de 15,0%, e para o Al2O3 o DP foi de 2,1, com CV de 25,2%.

Há cinzas que podem ser classificadas como Classe C (SiO2 + Al2O3 + Fe2O3 ≥ 50%) e outras que podem ser classificadas como Classe F (SiO2 + Al2O3 + Fe2O3 ≥ 70%) de acordo com ASTM C618 [44 ASTM - AMERICAN SOCIETY FOR TESTING MATERIALS, C 618, Standard Specification for Coal Fly Ash and Raw or Calcined Natural Pozzolan for Use in Concrete, West Conshohocken, PA, 2019.]. No geral, para a amostragem de superfície, oito (8) pontos de coleta foram classificados como sendo do tipo F. Os outros treze (13) pontos foram classificados como sendo do tipo C. Vale ressaltar que mesmo as cinzas enquadradas numa mesma classe apresentam composições químicas distintas, não sendo possível identificar pelo menos duas amostras de cinzas com composições idênticas dentre os 21 materiais coletados em pontos na superfície.

Com relação aos 13 materiais coletados em profundidade, também houve dispersão dos resultados, principalmente no que se refere ao percentual de CaO. O percentual em massa de CaO varia de 9,8% a 37,9%, e apresentou DP de 7,6%. Para o Al2O3, o Fe2O3 e o Al2O3 também foram verificadas dispersões dos resultados, sendo obtidos os seguintes valores de DP 1,7%, 4,9% e 3,9%, respectivamente. Foi verificado que as amostras coletadas em PP1 apresentaram variação na sua classificação, sendo que 77% foram enquadradas na Classe C e 23% enquadradas na Classe F. Já as cinzas coletadas em PP2, foram todas enquadradas na Classe C. Assim como foi verificado para os pontos em superfície, os pontos coletados em profundidade também apresentaram cinzas com variação na composição química, não sendo possível detectar cinzas com características idênticas dentre aquelas coletadas.

Segundo LOPES [2323 LOPES, L. S. E., “Análise do Comportamento Mecânico e Ambiental de Misturas Solo-Cinzas de Carvão Mineral para Camadas de Base de Pavimentos”, Dissertação de M.Sc., Engenharia Civil, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2011.], as propriedades físico-químicas das cinzas oriundas da combustão do carvão mineral em usinas termelétricas são influenciadas por fatores como a composição do carvão, o grau de beneficiamento e a moagem do carvão, o tipo, o projeto e a operação da caldeira, o sistema de extração e o manuseio das cinzas. Dessa forma, acredita-se que a variação dos resultados obtidos (tanto na superfície quanto em profundidade) provém de fatores tais como: uso de carvões de origens diferentes; mistura de cinzas de períodos diversos da produção; diferenças nas tecnologias usadas nas Usinas Pecém I e II, visto que na Usina de Pecém I é utilizado sistema de lavagem com a cal para retirada dos gases de exaustão com intuito de reduzir a concentração dos compostos de enxofre, e na Usina Pecém II não é utilizada esta tecnologia.

No que tange às amostras de cinzas volantes “frescas”, obtidas diretamente do processo da Usina Pecém I e da Usina Pecém II, pôde-se observar grande variação no percentual de CaO, isto decorre da diferença de tecnologia aplicada no tratamento dos gases de exaustão, uma vez que na Usina Pecém I há sistema de lavagem com a cal para a retirada dos compostos de enxofre que são lançados na atmosfera. Este processo de lavagem faz com que as cinzas obtidas na Usina Pecém I tenham elevado teor de CaO em sua composição (aproximadamente 43,5%), enquanto que as cinzas obtidas da Usina Pecém II apresentam baixo percentual de CaO (aproximadamente 7,3%). Essa diferença faz com que as cinzas que são obtidas em Pecém I sejam, normalmente, classificadas como classe C, enquanto que as cinzas coletadas em Pecém II sejam classificadas como classe F.

Os valores de pH, no geral, variam de 8,4 a 12,2, conforme mostra a Figura 6. Os valores de pH acima de 7,0 indicam que estes (todas as cinzas avaliadas) são materiais alcalinos. Porém, há algumas cinzas com alcalinidade mais acentuada que outras, não havendo homogeneidade nos resultados obtidos.

Figura 6
Variação nos valores de pH das cinzas coletadas.

3.2 Influência do Tipo de Cinza no Teor de Projeto de CAP da Mistura Asfáltica

As dosagens das misturas asfálticas utilizadas nesta pesquisa podem ser divididas em dois grupos: (i) misturas asfálticas contendo pó de pedra, cal hidratada CH-I e cinzas (cinzas volantes “frescas” oriundas de Pecém I e II, e cinzas coletadas em PA-01 e PA-13) como fíleres no teor de 4% e (ii) misturas asfálticas contendo cal hidratada CH-I + pó de pedra (2% de cal + 2% de pó de pedra como filer natural) e cal hidratada CH-I + cinzas (2% de cal + 2% de cinzas) como fíleres. A Tabela 1 mostra os resultados obtidos nas dosagens realizadas neste estudo. O teor de CAP variou entre 4,1% e 5,2%, enquanto que a densidade máxima medida (do inglês, theorical maximum specific gravityGmm) variou entre 2,420 e 2,464. Ambos variaram dentro de valores normais para misturas asfálticas. No geral, a Gmm tende a aumentar com a diminuição do teor de CAP. Vale ressaltar que, como verificou-se que existia cinza pertencentes a classes diferentes (C e F), foram dosadas misturas asfálticas de forma a se obter uma representatividade de todas as combinações possíveis.

Tabela 1
Parâmetros de dosagens das misturas asfálticas avaliadas.

Os resultados obtidos nas dosagens mostram que as cinzas volantes “frescas” (provenientes de Pecém I e II) e as cinzas retiradas do módulo de armazenamento (PA-01 e PA-13) geraram resultados distintos com relação aos teores de CAP obtidos nas dosagens das misturas asfálticas. Quando as misturas asfálticas, utilizando-se as cinzas volantes “frescas” Pecém I, foram dosadas notou-se que houve uma redução (cerca de 18%) no teor de CAP em relação à mistura asfáltica formada apenas por agregados naturais como fíler (pó de pedra). Já para as cinzas coletadas em Pecém II, essa redução do teor de CAP foi de 12%.

Já para as misturas contendo cinzas coletadas no módulo de armazenamento (PA-01 e PA-13), os resultados com relação ao teor de CAP foram próximos (cerca de 4% de diferença) daquele obtido para a mistura formada somente por agregados naturais. Isso demonstra que estes materiais (cinzas provenientes de PA-01 e PA-13) tem a capacidade de absorver maior quantidade de CAP em relação às cinzas volantes “frescas” (cinzas Pecém I e II). Vale ressaltar que, o módulo de armazenamento de onde as cinzas (PA-01 e PA-13) foram coletadas é formado por uma mistura de cinzas volantes e pesadas, oriundas de vários períodos distintos de operação da UTE Energia Pecém. Essas cinzas pesadas misturadas às cinzas volantes podem ter influenciado a maior absorção de ligante asfáltico durante o processo de dosagem das misturas. Porém, apenas ensaios mais detalhados poderão fornecer informações seguras sobre as características dos grãos que formam as cinzas utilizadas neste estudo.

Na literatura também há relatados divergentes com relação aos teores de CAP obtidos nas dosagens de misturas asfálticas contendo cinzas. FREITAS [2424 FREITAS, F. N. R, “Avaliação da relação entre a resistência ao dano por umidade induzida e a permeabilidade de misturas asfálticas contendo cinza volante como fíler”, Trabalho de Conclusão de Curso, Engenharia Civil, UFC, Fortaleza, CE, Brasil, 2015.], utilizando cinzas volantes, observou uma redução de 12% no teor de CAP em relação à mistura de referência. Já ANDROJIĆ, KALUĐER e KOMLJEN [2525 ANDROJIĆ, I., KALUĐER, G., KOMLJEN, M., “Usage of the fly ash in hot asphalt mixes”, In: XXVIII International Baltic Road Conference, Vilnius, Lithuania, 2008.], também utilizando cinzas volantes, verificaram um aumento no teor de CAP de 0,5% em relação à mistura de controle. Com relação ao uso de cinzas pesadas em pavimentação, KSAIBATI e SAYIRI [2626 KSAIBATI, K., SAYIRI, S. R. K. “Utilization of Wyoming bottom ash in asphalt mixes”, In: Department of Civil & Architectural Engineering University of Wyoming, 2006.] observaram que o uso de cinza pesada (15% em massa) aumentou o teor de CAP em torno de 18% para agregados de origem calcária, e por volta de 10% para agregados de origem granítica, em relação às misturas de controle. WEBER et al. [1414 WEBER, R. C., NAKAHARA, S. M., ROHDE, L., CERATTI, J. A. P., “Uso de cinzas pesadas em misturas asfálticas a quente”, In: Boletim técnico SINICESP, São Paulo, Edição nº 11, 2012.] verificaram um aumento de 10% no teor de CAP quando se utilizou cinza pesada em relação à mistura de referência, segundo os citados autores esse maior consumo de CAP está associado a alta porosidade das cinzas pesadas avaliadas.

3.3 Resultados do Ensaio Lottman

Com relação aos resultados do Ensaio de Lottman, as misturas utilizadas podem ser divididas em quatro grupos:

  1. Misturas asfálticas contendo pó de pedra, cal hidratada CH-I e cinzas (cinzas volantes “frescas” oriundas de Pecém I e II, e cinzas coletadas em PA-01 e PA-13) como fíleres, num teor de 4%;

  2. Misturas asfálticas com o teor de CAP fixo em 5% (teor obtido na dosagem da mistura de referência contendo somente agregados naturais) utilizando-se pó de pedra, cal hidratada CH-I e cinzas (cinzas volantes “frescas” oriundas de Pecém I e II, PA-01 e PA-13) como fíleres, em um teor de 4%;

  3. Misturas asfálticas contendo cal hidratada CH-I + pó de pedra, cal hidratada CH-I + cinzas (cinzas volantes “frescas” oriundas de Pecém I e II, e cinzas coletadas em PA-01 e PA-13) como fíleres, 4% (2% de cal + 2% de outro fíler);

  4. Misturas asfálticas com o teor de CAP fixo em 5% utilizando-se cal hidratada CH-I e pó de pedra, cal hidratada CH-I + cinzas (cinzas volantes “frescas” oriundas de Pecém I e II, PA-01 e PA-13) como fíleres, 4% (isto é, 2% de cal + 2% de outro fíler).

A Figura 7 apresenta os resultados médios para as misturas avaliadas. Resultados de RRT acima de 100%, de acordo com RIBEIRO [2727 RIBEIRO, E. A. “O efeito da modificação de ligante asfáltico com o líquido da castanha de caju (LCC) na resistência ao dano por umidade em misturas asfálticas”, Dissertação de M.Sc., Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil, 2011.] estão associados à variabilidade dos resultados do próprio ensaio de RT. Observando os valores de RRT obtidos, verificou-se que as misturas asfálticas pertencentes ao Grupo I apresentaram resultados muito distintos. A mistura composta somente por agregados naturais como fíler apresentou RRT médio de 46,5%. A mistura que contém cal CH-I como fíler apresentou valor de RRT médio de 84,0%, o maior resultado encontrado nesse estudo, mostrando que quando a cal foi incorporada à mistura asfáltica houve aumento da resistência ao dano por umidade.

Figura 7
Valores de RRT obtidos pelo o Ensaio de Lottman considerando os quatro grupos analisados.

Com relação às misturas asfálticas pertencentes ao Grupo I, que possuem as cinzas como fíler, as mesmas apresentaram resultados similares aqueles encontrados para a mistura contendo apenas o fíler natural, com exceção das cinzas volantes “frescas” oriundas de Pecém II que apresentou desempenho inferior, obtendo-se um valor médio de RRT de 31,4%. Dessa forma, pode-se inferir que nenhuma das misturas asfálticas contendo cinza, nem mesmo a mistura contendo fíler natural, conseguiram atingir o valor mínimo de RRT estabelecido por norma, igual a 70%. Essa má adesividade pode estar ligada ao baixo teor de CaO presente nessa cinza, associado ao alto teor de SiO2.

Para as amostras pertencentes ao Grupo I, também foi possível observar que o fato das cinzas pertencerem a Classe C (cinzas volantes “frescas” provenientes de Pecém I e PA-01) ou a Classe F (cinzas volantes “frescas” provenientes de Pecém II e PA-13), ou mesmo o fato das cinzas apresentarem maior, ou menor, percentual de CaO na sua composição, não refletiu em ganhos de resistência ao dano por umidade. Para as cinzas volantes “frescas” avaliadas nesse trabalho, o melhor resultado de RRT foi obtido para a mistura contendo a cinza pertencente a Classe C (proveniente de Pecém I), a qual apresentou maior percentual de CaO em sua composição, se comparada a cinza volante proveniente de Pecém II, que pertence a Classe F e possui um menor teor de CaO. Já para as cinzas coletadas no módulo de armazenamento, o mesmo não aconteceu, pois, o resultado de RRT obtido, foi similar tanto para as cinzas provenientes de PA-01 com para as cinzas provenientes de PA-13.

Segundo LITTLE e PETERSEN [2828 LITTLE, D., PETERSEN, J. C. “Unique effects of hydrated lime filler on the performance related properties of asphalt cements: Physical and chemical interactions revisited”, Journal of Materials in Civil Engineering (ASCE), v. 17, pp. 207-218, 2005.] e HUANG [2929 HUANG, B., SHU, X., DONG, Q., SHEN, J. “Laboratory evaluation of moisture susceptibility of hot-mix asphalt containing cementitious fillers”, Journal of Materials in Civil Engineering, v. 22, pp. 667-673, 2010.], a melhoria da resistência ao dano por umidade induzida a partir do uso de cal hidratada em compósitos pode ser atribuída ao fato desta ser quimicamente mais ativa. A cal hidratada pode reagir quimicamente com os componentes ácidos do CAP, auxiliando no desenvolvimento da ligação estável entre o CAP e os agregados, mesmo na presença da umidade. A cal hidratada interage com ácidos carboxílicos presentes no CAP formando um produto insolúvel que é facilmente adsorvido sobre a superfície dos agregados. SANTUCCI [1717 SANTUCCI, L., “Minimizing Moisture Damage in Asphalt Concrete”, Tese de D.Sc., Berkeley: UC Berkeley Institute of Transportation Studies, 2010.] relatou que o CAP, a depender da sua origem, tende a ter pH que varia de neutro a ácido. Desta forma, o CAP forma um vínculo mais forte com os agregados de origem calcária que tendem a ser alcalinos.

Vale ressaltar que, mesmo que as cinzas utilizadas tenham apresentado pH alcalino (Figura 7), isso não se refletiu em melhores resultados de RRT em relação à mistura asfáltica composta somente por fíleres naturais. As cinzas volantes “frescas” provenientes de Pecém I e II, apresentam pH iguais a 12,2 e 9,7, respectivamente. As cinzas PA-01 e PA-13 possuem pH igual a 8,9.

Para as misturas pertencentes ao Grupo II, não foram verificadas diferenças relevantes em relação ao aumento da resistência ao dano por umidade, tendo em vista que as misturas continuaram apresentando valores de RRT abaixo de 70%, exceto para a mistura contendo cal. Considerando-se a faixa de variação dos resultados obtidos, os valores de RRT são praticamente equivalentes e próximos aqueles encontrados para a mistura contendo apenas fíleres naturais. Esse resultado, novamente, indica que a má adesividade pode estar ligada ao baixo teor de CaO presente nas cinzas.

As misturas asfálticas pertencentes ao Grupo III atingiram valores de RRT médio maior que 80%. Foi possível perceber que a adição de 2% de cal hidratada CH-I ao fíler natural gerou resultados equivalentes à mistura asfáltica contendo 4% de cal hidratada CH-I, o que representa uma economia no uso da cal. Para o caso das misturas asfálticas pertencentes ao Grupo III, contendo a mistura de cinzas e cal hidratada, os resultados obtidos foram similares àqueles alcançados pela mistura contendo cal hidratada e filer natural. Isso mostra que, para esses percentuais de cinza e cal utilizados, não foi possível perceber uma interação entre os materiais com relação a melhoria da resistência ao dano por umidade. Os resultados de RRT obtidos sugerem que a melhoria na resistência ao dano por umidade, verificado nessas misturas asfálticas, deve ter sido influenciada pela adição da cal e não pela interação da cal com as cinzas produzindo materiais cimentantes.

Nesse contexto, foi verificado que esse aumento no teor de CaO nos fileres utilizados nas misturas pertencentes ao Grupo III foi o responsável pela maior resistência a umidade das misturas asfálticas. De acordo com MERCADO [1616 MERCADO, E. A., “Influence of fundamental material properties and air void structure on moisture damage of asphalt mixes”, Tese de D.Sc., Texas A&M University, College Station, TX, 2007.], a cal reduz a tensão superficial entre o CAP e os agregados, e os íons de cálcio (Ca2+) presentes neste material reagem com os ácidos carboxílicos presentes no CAP substituindo alguns cátions na superfície dos agregados ácidos, promovendo uma forte ligação entre as moléculas de sílica dos agregados e as moléculas de nitrogênio do CAP. A Figura 8 apresenta os resultados da análise química realizada considerando a composição química da cal, das cinzas e das misturas de cinza com cal.

Figura 8
Composição dos principais constituintes químicos para as combinações da cal com a cinza.

Na Figura 8 observa-se que, após a mistura das cinzas com a cal, a composição química dessas misturas é semelhante àquela encontrada para a cal, apresentando teores de SiO2, Fe2O3 e Al2O3 abaixo de 31% e teores de CaO acima de 50%. Foi ainda observado que mesmo a cinza que apresenta maior percentual de CaO em sua composição (cinza volante "fresca" proveniente de Pecém I) apresentou somente 43% deste óxido, enquanto que todas as misturas de cinzas com cal apresentaram percentual de CaO acima de 60%. A maior adesividade apresentada pelas misturas que continham fíleres compostos de cinza com cal pode estar relacionada ao alto teor de cálcio presente nestas amostras.

Por fim, com relação às misturas asfálticas pertencentes ao Grupo IV, foram verificadas mudanças relevantes nos valores de RRT para as misturas compostas por cinzas volantes “frescas” (Pecém I e II) misturadas a cal hidratada. Os resultados de RRT obtidos nesta etapa são inferiores aqueles obtidos para as misturas asfálticas pertencentes ao Grupo III, sendo cerca de 26% inferior para as cinzas provenientes de Pecem I e 18% para as cinzas coletadas em Pecém II. Isso pode ser resultado da variabilidade na distribuição do Vv nas amostras, e da própria variabilidade do ensaio de RT, uma vez que o Vv projetado é o mesmo para as diferentes amostras. Para um melhor entendimento desse resultado, uma análise da estrutura interna dos vazios seria recomendável.

4. CONCLUSÕES

O presente trabalho avaliou cinzas de carvão mineral como melhorador de adesividade em misturas asfálticas, comparando o desempenho dessas misturas com outras contendo cal hidratada e pó de pedra como fíleres. Nesse contexto, as cinzas coletadas apresentaram composições químicas distintas, demostrando a heterogeneidade deste material já alertada na literatura. Foi possível constatar aproximadamente 68% das cinzas coletadas pertencem a Classe C, sendo o restante das cinzas enquadradas na Classe F. Verificou-se ainda que todas as cinzas coletadas apresentaram pH alcalino, com valores variando de 8,4 a 12,2. Portanto, é importante que antes da utilização deste material em campo, a cinza seja homogeneizada para que assim se minimize a variabilidade que possa vir a ocorrer em campo.

Com relação ao processo de dosagem, a mistura asfáltica de referência (contendo filer natural) apresentou teor de CAP de 5%, enquanto que para as cinzas volantes “frescas” o teor de CAP foi inferior (entre 4,1% e 4,4%). Já para as cinzas coletadas no módulo de armazenamento, os teores ficaram entre 4,8% e 5,2%. O fato das misturas asfálticas com adições de cinzas coletadas no módulo de armazenamento consumirem maior quantidade de CAP durante as dosagens, pode estar associado a uma maior capacidade de absorção do CAP por parte dos grãos que formam estes materiais. Vale ressaltar que, as cinzas coletadas no módulo de armazenamento são formadas por uma mistura de cinzas volantes e pesadas, oriundas de vários períodos distintos de operação da usina. Dessa forma, essa mistura de cinzas pode ter influenciado a maior absorção de ligante asfáltico.

Com relação aos resultados do ensaio de Lottman, verificou-se que o uso das cinzas não apresentou resultados significativos com relação ao aumento da resistência ao dano por umidade induzida. Constatou-se que o uso de cinzas num teor de 4% em peso de agregado apresentou resultados similares aos da mistura asfáltica contendo fíler natural, isto é, valores de RRT médios inferiores a 50%. Apenas a mistura asfáltica contendo a cal como fíler gerou valores acima do limite mínimo (70% de RRT) estabelecido. Esta mistura apresentou RRT médio de 84%, o que pode indicar que a cal hidratada agiu como melhorador de adesividade. Entretanto, a combinação da cal com a cinza proporcionou aumento na resistência ao dano por umidade, visto que os valores de RRT ultrapassaram 80%, em média. Portanto, o aumento no teor de CaO na composição química dos fileres utilizados, pela introdução da cal, foi o responsável pela maior resistência ao dano por umidade das misturas asfálticas. Ademais, durante a análise dos resultados foi possível notar que o fato de algumas cinzas pertencerem a Classe C ou F, ou mesmo possuírem um maior, o menor, percentual de CaO em sua composição original, não refletiu em melhores resultados de RRT.

Por fim, sugere-se para trabalhos futuros utilizar um microscópio de varredura eletrônica para avaliar a forma dos grãos dos diferentes tipos de cinza avaliadas. Além disso, realizar ensaios químicos de adesividade para se avaliar o quanto as cinzas podem melhorar, ou piorar essa propriedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2019
  • Aceito
    13 Set 2019
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