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Aspectos microestruturais e do comportamento mecânico de revestimento duro depositado pelo processo arame tubular

Microstructural aspects and mechanical behavior of hardfacing deposited by FCAW

RESUMO

Diversos tipos de revestimentos duros com materiais especiais depositados por soldagem têm sido utilizados como um método de combate ao desgaste abrasivo para aumentar a vida útil de equipamentos e reduzir custos com paradas para manutenção não programada. Este trabalho avaliou a incidência de trincas, as características microestruturais e o comportamento mecânico de revestimento duro das ligas FeCrC e FeCrC+Nb, depositados sobre chapas de aço AISI 1020 pelo processo de soldagem arame tubular auto protegido. Para cada liga estudada foram depositados quatro revestimentos, sendo dois de uma camada e dois de duas camadas, em dois níveis de temperatura de pré-aquecimento, à temperatura ambiente e à 250 °C. Pelo ensaio de líquido penetrante, observou-se uma menor incidência de trincas para a liga FeCrC+Nb. Os resultados indicaram ainda uma microestrutura do revestimento da liga FeCrC constituída de grandes carbonetos primários do tipo M7C3 com morfologia hexagonal e em forma de agulhas, imersos em uma matriz eutética de austenita mais carbonetos. Já nos revestimentos da liga FeCrC + Nb, a microestrutura se apresentou alterada conforme o número de camadas depositadas. Para o revestimento de uma camada, a microestrutura foi caracterizada pela maior presença de carbonetos primários de nióbio (NbC) e um reduzido número de carbonetos primários do tipo M7C3, sendo ambos circundados pelo eutético de austenita mais carbonetos. Quanto aos revestimentos de duas camadas com a liga FeCrC+Nb, a microestrutura foi constituída por carbonetos NbC e por grandes e frequentes carbonetos primários M7C3, em sua maioria no formato de agulha e alguns com morfologia hexagonal, envolvidos por uma mistura eutética de finos carbonetos M7C3 e austenita. O depósito da liga FeCrC apresentou média de microdureza superior ao da liga FeCrC+Nb por conta da predominância e morfologia de carbonetos primários M7C3 evidenciados e do refinamento promovido pelo Nb.

Palavras-chave
Revestimento duro; trincas de solidificação; carbonetos

ABSTRACT

Several sorts of hardfacings has been used as a method of combating wear to increase equipment life cycle, reduce costs with maintenance stops, parts recovery and replacement. This work evaluates the incidence of cracking, microstructural characteristics and the mechanical behavior of FeCrC and FeCrC + Nb hardfacing alloys, deposited by self-shielded flux-cored arc welding (FCAW-S) process on SAE 1020 steel sheets. Single layer and double layer coatings were produced for both alloys in two interpass temperatures conditions, at room temperature and preheat of 250º. By liquid penetrant inspection, a lower incidence of cracks was observed to FeCrC + Nb alloy. The microstructures of all FeCrC alloy coatings presented large primary M7C3 carbides in a hexagonal and needle-shaped morphology on a matrix of a eutectic mixture of austenite and carbides. For FeCrC+Nb alloy single layer coatings, a microstructure with large niobium carbides (NbC) and few primary M7C3 carbides, both being surrounded by eutectic of austenite and carbides. However, for FeCrC+Nb alloy double layer coatings, microstructures indicate NbC carbides along with large and frequent M7C3 carbides, most of them in a needle-shape morphology and a few in a hexagonal shape, being surrounded by a eutectic mixture of austenite and thin M7C3 carbides. Microhardness was superior for FeCrC alloy, due to the predominance and morphology of the primary M7C3 carbides shown and the refinement promoted by Nb.

Keywords
Hardfacing; cracking; carbides

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno do desgaste está presente em praticamente todos os processos industriais e, em especial, naqueles que envolvem a exploração e beneficiamento de minério e seus agregados. O desgaste é definido como um dano gerado nas superfícies sólidas envolvendo perda progressiva de material, devido ao movimento relativo entre uma superfície e um material cortante [11 ZUM GAHR, K. J., Microstructure and wear of materials, Tribology series v10, 1 ed., Amsterdam, Elsevier, 1987.].

Nas áreas de manutenção das indústrias, um dos maiores desafios é o combate contínuo ao desgaste de superfícies cujas metas principais são aumentar a periodicidade entre paradas de manutenção e reduzir a troca frequente de componentes. A possibilidade de reconstruir tais componentes ou de prepará-los para melhor suportar condições operacionais que exijam grandes solicitações, ou fenômenos complexos de desgaste, é constantemente estudada visando a concepção de novas técnicas que contribuam com aumento da vida útil do equipamento utilizado, e com a redução de custos durante o processamento.

A técnica de revestimento consiste na deposição de uma liga especial resistente ao desgaste numa superfície sujeita à deterioração, destacando-se pela eficiência na prevenção ao desgaste abrasivo e na recuperação de componentes. Para obtenção de revestimentos metálicos eficazes, destaca-se o revestimento duro depositado pela soldagem em múltiplos passes sobre a superfície do substrato [22 CORRÊA, E. O., Avaliação da resistência ao desgaste de ligas desenvolvidas para solda de revestimento duro para uso sob condições altamente abrasivas, Tese de D.Sc., Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, RJ, Brasil, 2005.].

Os processos de soldagem mais utilizados para operação de revestimentos duros são o Arame Tubular (FCAW) e o Arco Submerso, sendo o tamanho, a forma e a composição química do metal base fatores importantes na seleção do processo [22 CORRÊA, E. O., Avaliação da resistência ao desgaste de ligas desenvolvidas para solda de revestimento duro para uso sob condições altamente abrasivas, Tese de D.Sc., Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, RJ, Brasil, 2005.]. De uma maneira geral, as ligas para revestimento duro utilizadas neste tipo de aplicação pertencem ao sistema Fe-Cr-C destacando-se, em particular, os aços de baixa liga, aços de alto cromo austeníticos e os ferros fundidos branco de alto cromo. Os ferros fundidos branco alto cromo estão entre os materiais com maior resistência ao desgaste abrasivo, e têm sido muito empregados desde o início do século XX. O bom desempenho destas ligas contra a abrasão deriva de uma microestrutura polifásica formada principalmente por carbonetos de cromo, bastantes duros e resistentes à ação abrasiva, suportados por uma matriz austenítica ou martensítica que, por sua vez, confere uma relativa tenacidade ao material [33 GREGOLIN, J.A.R., Desenvolvimento de ligas Fe-C-Cr-Nb resistentes ao desgaste, Tese de D.Sc., UNICAMP, Campinas, SP,Brasil, 1990.].

Dentre as descontinuidades mais comuns destacam-se às trincas de contração ou de solidificação, visíveis a olho nu e causadas pela baixa ductilidade ou ainda pelo baixo limite de escoamento do depósito soldado. Essas trincas são geralmente transversais, aliviam parcialmente as tensões residuais do cordão de solda, e podem se propagar sob as condições de uso do equipamento [44 WAINER, E., BRANDI, S. D., DE MELLO, F. D. H., Soldagem – Processos e Metalurgia, 4 ed., São Paulo, Edgard Blücher Ltda, 1992.]. Por outro lado, sabe-se da literatura que a incidência de trincas em revestimentos não significa necessariamente uma redução na vida útil do componente em relação ao desgaste [55 SCOTTI, A., ROSA, L. A. A., “Influence of oscillation parameters on crack formation in automatic Fe-B hardafacing”, Journal of Materials Processing Technology, v. 65, pp. 272-280, 1997.].

Este trabalho tem por objetivo estudar aspectos da qualidade superficial (ensaio por líquido penetrante), microestruturais (ensaios de microscopias óptica e eletrônica de varredura) e do comportamento mecânico (ensaios de dureza e microdureza) de revestimentos duros de ferro fundido branco alto cromo das ligas FeCrC e FeCrC + Nb, depositados sobre chapas de aço carbono pelo processo de soldagem arame tubular auto protegido.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

As soldas de revestimento foram depositadas sobre chapas do aço carbono AISI 1020 medindo 200 mm x 50 mm x 9,6 mm. Como metal de adição foram utilizados dois arames tubulares de ferro fundido branco alto cromo, FeCrC e FeCrC + Nb , os quais têm suas respectivas composições químicas mostradas na Tabela 1.

Tabela 1
Composição química (% em peso) dos metais de adição fornecida pelo fabricante.

Os parâmetros operacionais de soldagem empregados neste trabalho foram obtidos de uma condição para baixa diluição, ideal para depósitos de revestimento, selecionada por CAVALCANTE [66 CAVALCANTE, H. dos S, Levantamento dos parâmetros operacionais de soldagem para aplicação de revestimento duro pelo processo de soldagem FCAW, Trabalho de Conclusão de Curso, UFPA, Belém, PA, Brasil, 2015.]. A Tabela 2 indica os parâmetros de soldagem usados nos experimentos.

Tabela 2
Parâmetros operacionais de soldagem utilizados neste trabalho.

A soldagem de revestimento foi realizada na posição plana com uma sobreposição lateral entre os cordões de 50% e com ângulos de ataque e de trabalho iguais a 90° e 0°, respectivamente. A Figura 1 ilustra o esquema de posicionamento da tocha para a soldagem com arame tubular auto protegido.

Figura 1
Esquema de posicionamento da tocha de soldagem com arame tubular auto protegido.

Foram depositados um total de oito revestimentos duros, sendo confeccionados quatro para cada arame-eletrodo utilizado. Destes quatro, dois são de camada única e outros dois de dupla camada. Além disso, para cada número de camadas, foram empregadas duas condições de pré-aquecimento (temperatura ambiente e com pré-aquecimento de 250 °C).

A nomenclatura adotada para os revestimentos consistiu na seguinte lógica, partindo da esquerda para a direita: FeCrC ou FeCrC+Nb para os dois arames empregados; SP ou CP indicando se o revestimento foi depositado sem ou com pré-aquecimento, respectivamente; e 1 ou 2 identificando se o revestimento apresenta uma ou duas camadas depositadas.

Após a deposição dos passes de solda, os revestimentos gerados foram submetidos ao ensaio por líquido penetrante para a análise quantitativa do número de trincas superficiais. A seguir, os depósitos foram adequadamente seccionados para a retirada e preparação de amostras da seção transversal com vistas aos exames de macro e de micrografia. As amostras da seção transversal foram, em seguida, lixadas de 80 a 1200 mesh e polidas com alumina em suspensão de 0,5 µm. Para as análises macro e microestrutural foi realizado um ataque com Nital 7% durante 5 s. Após a sua preparação, as superfícies foram examinadas por microscopias ótica e eletrônica de varredura.

Para análise do comportamento mecânico foram realizados ensaios de microdureza Vickers na seção transversal do revestimento por meio de três linhas de indentação L1, L2 e L3 que são 10 mm afastadas entre si, com L2 posicionada no centro dos revestimentos (Figura 2). Para a obtenção do perfil de microdureza, empregou-se uma carga de 100 gf durante 15 s, e um espaçamento entre indentações de 0,1 mm.

Figura 2
Linhas de indentação na seção transversal dos depósitos: (a) com uma camada; (b) com duas camadas.

Visando a obtenção de resultados capazes de quantificar um nível de resistência combinada entre a matriz austenítica e os carbonetos incidentes, foram também realizados seis ensaios de dureza Rockwell C. Para cada uma das linhas de microdureza estabelecidas, foram realizados dois ensaios de dureza na região central dos revestimentos. No ensaio de dureza foi aplicada uma carga de 1470 N num tempo de 10 s.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Aspectos superficiais e macrográficos

A Figura 3 apresenta o resultado do ensaio de líquido penetrante, mostrando a presença de trincas transversais visíveis que afloram à superfície dos revestimentos duros depositados pelas duas ligas nas condições estabelecidas neste trabalho. A Tabela 3, por sua vez, indica o número de trincas de contração incidentes nos revestimentos de uma e duas camadas.

Figura 3
Resultado do ensaio de líquido penetrante. Revestimentos das ligas FeCrC e FeCrC + Nb, em uma e duas camadas
Tabela 3
Número de trincas incidente do revestimento duro.

Os dados da Tabela 3 mostram um efeito significativo da temperatura na formação de trincas nos depósitos de revestimento duro. Nota-se, por esta tabela, uma menor incidência de trincas nos revestimentos depositados com pré-aquecimento à temperatura de 250 °C, independente do arame-eletrodo ou do número de camadas depositadas. Neste caso, pode-se inferir que a imposição do pré-aquecimento promoveu reduções na taxa de resfriamento e no nível das tensões residuais e, consequentemente, contribuiu para a redução do número de trincas [77 KOU, S., Welding Metallurgy, 2 ed., New Jersey, John Wiley e Sons, 2002.]. Para os resultados da Tabela 3 da liga FeCrC+Nb, verifica-se que os depósitos em duas camadas apresentaram uma maior incidência de trincas em relação aos depósitos com uma camada. Conforme reportado pela literatura [88 DVORNAK, M. J., FROST, R. H., OLSON, D. L., “Influence of solidification kinetics on aluminum weld grain refinement”, Welding Journal, v. 70, n. 10, pp. 271-276, Oct. 1991.], quanto maior o número de passes depositados maior será a quantidade de ciclos térmicos adicionados, os quais são responsáveis pelo aumento de tensões residuais e, por consequência, implicam numa maior susceptibilidade às trincas.

Ainda pelo exame da Tabela 3 e confrontando os resultados para as duas ligas estudadas, observa-se uma maior quantidade de trincas para a liga FeCrC. Sabe-se que estruturas mais refinadas são menos propícias à propagação de trincas de solidificação já que podem deformar e acomodar tensões de contração mais facilmente [88 DVORNAK, M. J., FROST, R. H., OLSON, D. L., “Influence of solidification kinetics on aluminum weld grain refinement”, Welding Journal, v. 70, n. 10, pp. 271-276, Oct. 1991.-99 HERNÁNDEZ, O. J. S., Otimização do Consumível na Solda de Revestimento Aplicada na Indústria Sucroalcooleira, Dissertação de Msc., Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, RJ, Brasil, 1997.]. O Nb é reconhecido como um elemento nucleador e refinador de carbonetos, assim, conforme será abordado na seção 3.2 deste trabalho, os depósitos da liga FeCrC+Nb resultaram em uma microestrutura mais refinada composta por carbonetos primários M7C3 e, portanto, menos sujeita a ocorrência de trincas de solidificação.

A Figura 4 ilustra a macrografia da seção transversal dos revestimentos duros, em uma e duas camadas. Por esta figura observa-se a presença de porosidade e de trincas no metal depositado. Novamente verifica-se a redução no número de trincas para os revestimentos depositados com pré-aquecimento a 250 ºC, devido à redução das tensões residuais. Além disso, também é observada uma maior tendência de susceptibilidade às trincas para o arame FeCrC, conforme já mencionado.

Figura 4
Macrografia da seção transversal dos revestimentos duros, em uma e duas camadas.

3.2 Microestrutura do revestimento duro

Na Figura 5 são apresentadas as microestruturas da interface metal de solda (MS)/zona termicamente afetada (ZTA) para os revestimentos estudados neste trabalho.

Figura 5
Microestrutura da interface MS/ZTA. Revestimentos duros das ligas FeCrC e FeCrC + Nb.

Para a liga FeCrC é observada a formação de dendritas de austenita sobre a linha de fusão, e de matriz eutética de austenita mais carbonetos. Para a liga FeCrC+Nb a microestrutura mostra a formação de dendritas de austenita adjacente à linha de fusão, e de carbonetos de Nb em matriz eutética. As microestruturas evidenciadas condizem com as reportadas pela literatura, a qual concluiu que as ligas do sistema FeCrC+Nb apresentam basicamente o mesmo tipo de contraste microestrutural das ligas FeCrC, formando-se dendritas de austenita ou carbonetos massivos M7C3, além da presença adicional de carbonetos NbC na forma primária e/ou em frações mais finas, provenientes de reações mais complexas do sistema quaternário [1010 LIMA, A. C., Estudo da aplicação de revestimento duro por soldagem com arames tubulares quanto à resistência ao desgaste de facas picadoras de cana-de-açúcar. Tese de D.Sc., Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil, 2008.-1111 LIMA, A. C., FERRARESI, V. A., REIS, R. P, “Performance Analysis of Weld Hardfacings Used in the Sugar/Alcohol Industry”, Journal of Materials Engineering and Performance, v. 23, pp. 1823-1833, 2014.].

A Figura 6 apresenta a microestrutura formada no centro do revestimento duro de uma e duas camadas.

Figura 6
Microestrutura do centro do revestimento para as ligas FeCrC e FeCrC + Nb.

De um modo geral, e de forma similar ao verificado por outros autores [1010 LIMA, A. C., Estudo da aplicação de revestimento duro por soldagem com arames tubulares quanto à resistência ao desgaste de facas picadoras de cana-de-açúcar. Tese de D.Sc., Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil, 2008.

11 LIMA, A. C., FERRARESI, V. A., REIS, R. P, “Performance Analysis of Weld Hardfacings Used in the Sugar/Alcohol Industry”, Journal of Materials Engineering and Performance, v. 23, pp. 1823-1833, 2014.

12 SOUZA, D. D. B. G., FERRARESI, V. A., “Aplicação de revestimento duro utilizando o processo FCAW duplo arame para diferentes tipos de consumíveis utilizados na indústria sucroalcooleira”, Revista Matéria, v. 22, n.1, 2017.

13 CRESPO, A. C., FUENTES, R. F., FERRARESI, V. A., GONÇALVES, R. A., SCOTTI, A. “Microstructure and Abrasion Resistance of Fe-Cr-C and Fe-Cr-C-Nb Hardfacing Alloys Deposited by S-FCAW and Cold Solid Wires”, Revista Soldagem & Inspeção, v.21, n.3, pp. 342-353, 2016.
-1414 BUCHELY, M. F., GUTIERREZ, J.C., LEÓN, L.M., TORO, A., “The effect of microstructure on abrasive wear of hardfacing alloys”, Wear, v. 259, pp. 52-61, 2005.], a microestrutura no centro do cordão observada na Figura 6 de todos os revestimentos da liga FeCrC apresentaram a formação de grandes carbonetos primários do tipo M7C3 com morfologia hexagonal e em forma de agulhas, imersos em uma matriz eutética de austenita mais carbonetos.

Apesar disso, para a liga FeCrC+Nb, são observadas microestruturas bastante distintas na região central do cordão entre os revestimentos de uma e duas camadas da Figura 6. Para os revestimentos de uma camada nota-se uma microestrutura caracterizada pela presença massiva de carbonetos primários de nióbio (NbC) contra pouquíssimos carbonetos primários do tipo M7C3, sendo ambos circundados pelo eutético de austenita mais carbonetos. Entretanto, para os revestimentos de duas camadas com a liga FeCrC+Nb, as microestruturas na parte central dos cordão indicam carbonetos NbC juntamente com grandes e frequentes carbonetos primários M7C3, em sua maioria no formato de agulha e alguns com morfologia hexagonal, envolvidos por uma mistura eutética de finos carbonetos M7C3 e austenita.

Segundo BUSHELY et al. e ATAMERT & BHADESHIA [1414 BUCHELY, M. F., GUTIERREZ, J.C., LEÓN, L.M., TORO, A., “The effect of microstructure on abrasive wear of hardfacing alloys”, Wear, v. 259, pp. 52-61, 2005.-1515 ATAMERT, S., BHADESHIA, H. K. D. H., “Microstructure and stability of FeCrC hardfacing alloys”, Materials Science and Engineering, v. 130, pp. 101-111, 1990.], fases microestruturais hipoeutéticas podem ser obtidas da soldagem de ligas hipereutéticas como consequência da diluição estabelecida durante o processo de soldagem. Apesar da microestrutura dos revestimentos FeCrC+Nb SP1 e FeCrC+Nb CP1 não ser caracterizada como hipoeutética, admite-se que a mistura parcial entre o metal de solda e o substrato, e ainda, o alto nível de difusividade do carbono, podem levar a uma migração acentuada de carbono do metal de solda em direção ao metal de base, inibindo consideravelmente a formação dos carbonetos M7C3, haja vista que preferencialmente os carbonetos NbC irão se precipitar. Neste sentido, quando comparados os revestimentos de FeCrC+Nb de uma e duas camadas, verifica-se uma pequena incidência de carbonetos primários M7C3 para os revestimentos de uma camada, que é atribuída a uma provável migragação de carbono do metal de solda em direção ao substrato.

Ainda pela análise da Figura 6 e comparando as micrografias das duas ligas aqui estudadas, verifica-se claramente a presença de carbonetos primários M7C3 em um maior tamanho e frequência para a liga FeCrC. De acordo com ZHI et al. [1616 ZHI, H., XING, J., FU, H., et al., “Effect of niobium on the as-cast microestruture of hypereutectic high chromium cast iron”, Materials Letters, n. 62, pp.857-860, 2008.] e CHATTERJEE & PAL [1717 CHATTERJEE, S., PAL, T.K., “Wear Behaviour of Hardfacing Deposits on Cast Iron”, Wear. v. 255, n.4, pp. 417-425, 2003.], este resultado se deve à adição de Nb na liga a FeCrC+Nb, haja vista que este elemento reduz a quantidade de carbono no metal líquido devido a formação dos primeiros precipitados de NbC, o que diminui, assim, a fração volumétrica e o tamanho dos carbonetos primários M7C3.

Visando um melhor contraste entre as fases presentes para ambas as ligas, a Figura 7 apresenta micrografias via MEV (microscópio eletrônico de varredura) dos revestimentos duros de duas camadas com pré-aquecimento a 250 ºC. Na Figura 7(a) destaca-se a presença dos carbonetos M7C3 grosseiros, partículas cinza claro, dispersos na matriz da liga de FeCrC. Durante o início da solidificação desta liga, regiões ricas em Cr e C se estabelecem gerando núcleos para a precipitação de carbonetos. Estas partículas dispõem de facilidade para crescer aleatoriamente no seio do metal de solda ainda líquido, consumindo significativas quantidades de cromo e de carbono. Com a diminuição de soluto devido a formação de carbonetos primários, a austenita remanescente nos bolsões interdendríticos mantem-se relativamente pobre em carbono, mas ainda em quantidade suficiente para a precipitação de carbonetos do tipo M7C3 durante a transformação eutética. Logo, a microestrutura final dos revestimentos FeCrC seria composta por carbonetos primários grosseiros com morfologia prismática, muitas vezes agrupados em feixes, que estariam envoltos por uma solução sólida substitucional ferro-cromo contendo carbonetos mais finos [1818 POLIDO, R. S., BARELA, R., MACEDO, B. P. N., et al., “Microestrutura de revestimentos duros resistentes ao desgaste abrasivo empregados na indústria sucroalcooleira”, In: XXIV CONSOLDA – Congresso Nacional de Soldagem. São Paulo - SP, Brasil, 18-21 Maio 2008.].

Figura 7
Micrografia via MEV de ambas as ligas (a) FeCrC (a) FeCrC+Nb

Para a liga FeCrC+Nb da Figura 7(b) é verificada a presença dos carbonetos NbC, partículas brancas, e M7C3, partículas cinza claro, dispersos em matriz eutética. Conforme já comentado, a primeira fase sólida formada durante a solidificação desta liga consiste no carboneto NbC. Com a formação de NbC, zonas ricas em Fe e Cr são estabelecidas, as quais aumentam a temperatura de formação de austenita e se comportam como núcleos para formação da mesma. Desde que o coeficiente de partição de Cr e C em γ-Fe seja menor que 1, estes dois elementos passam a segregar em áreas adjacentes durante a formação da austenita, possibilitando que a região compreendida entre o NbC e a austenita permaneça enriquecida de Cr e C. Por outro lado, devido ao rápido resfriamento dos depósitos de solda, caractarístico da operação de soldagem, não há tempo suficiente para a difusão de Cr e C se estabelecendo, então, uma condição propícia à nucleação do carboneto de cromo no entorno e adjacente ao NbC. Assim, os dois carbonetos podem ser nucleados de forma aglomerada [1919 WANG, Q., LI, X., “Effects of Nb, V, and W on microstructure and abrasion resistence of FeCrC hardfacing alloys”, Welding Journal, v. 89, pp. 133-139, 2010.]. Em relação aos carbonetos M7C3, apesar de majoritariamente se apresentarem na forma de agulha, pode-se notar a sua presença na forma hexagonal para ambos as ligas indicando o crescimento destes carbonetos também na direção longitudinal.

3.3 Comportamento mecânico do revestimento duro

A Figura 8 apresenta o resultado de microdureza para os revestimentos duros de uma e duas camadas. Destacam-se as linhas horizontais vermelhas, que indicam as médias de microdureza obtidas do metal de solda de cada liga.

Figura 8
Resultados de microdureza para os revestimentos em uma e duas camadas.

Em termos dos resultados de microdureza expressos pela média dos valores obtidos, tem-se que a liga FeCrC apresentou um valor médio de 1150HV, enquanto que a liga FeCrC+Nb obteve um valor médio de 900HV. Segundo WANG e LI [1818 POLIDO, R. S., BARELA, R., MACEDO, B. P. N., et al., “Microestrutura de revestimentos duros resistentes ao desgaste abrasivo empregados na indústria sucroalcooleira”, In: XXIV CONSOLDA – Congresso Nacional de Soldagem. São Paulo - SP, Brasil, 18-21 Maio 2008.], os carbonetos primários M7C3 apresentam dureza de até 1800 HV e os carbonetos NbC dispõem de dureza de até 2500 HV. Assim, apesar dos carbonetos NbC serem mais duros do que os carbonetos M7C3, foi verificada uma redução na média de microdureza para a liga FeCrC+Nb. Isto se justifica devido ao efeito combinado entre o pequeno tamanho e a dispersão considerável encontrada para os carbonetos NbC na matriz, e ainda, aos menores tamanho e quantidade dos carbonetos primários M7C3 encontrados para a liga FeCrC+Nb. Além disso, a metodologia utilizada para o ensaio de microdureza também é um fator de influência sobre os valores encontrados, haja vista que as indentações não foram pontuais sobre os carbonetos, mas seguiram uma sequência linear, podendo atingir aleatoriamente tanto a matriz eutética quanto os carbonetos.

Ainda pelo exame da Figura 8, observa-se um grande desvio padrão, associado a uma considerável dispersão entre os resultados de microdureza, e que é atribuído à diferença de resistência entre a matriz eutética (em cerca de 900 HV) e os carbonetos primários M7C3 e de NbC. Além disso, observa-se uma maior dispersão no desvio padrão dos valores de microdureza para a liga FeCrC em relação a liga FeCrC+Nb, justificada pela menor presença e tamanho de carbonetos primários M7C3 para a liga com adição de Nb.

Segundo MACEDO e GALLEGO [2020 MACEDO, B. P. N., GALLEGO, J., “Efeito da morfologia dos carbonetos e da variação da microdureza em revestimentos duros resistentes ao desgaste abrasivo com aplicação na indústria sucroalcooleira”, In: XVI Congresso Nacional de Estudantes de Engenharia Mecânica, Florianópolis, SC, ago. 2009.], o comportamento desejável ao perfil de microdureza ao longo da seção transversal de revestimentos duros deve ser de decaimento contínuo e suave no sentido superfície-metal de base, sem oscilações bruscas. Neste sentido, por apresentar as menores dispersões nos valores de microdureza, pode-se afirmar que diante das condições estabelecidas neste trabalho a liga FeCrC+Nb é a mais indicada para a aplicação em revestimento duro.

Conforme já comentado, seis ensaios de dureza Rockwell C foram realizados visando se alcançar resultados capazes de quantificar um nível de resistência combinada entre a matriz e os carbonetos, sendo realizados dois ensaios de dureza na região central dos revestimentos ao longo de cada uma das linhas de microdureza estabelecidas. A Figura 9 apresenta os resultados médios de dureza para cada condição de revestimento com seus respectivos desvios padrões.

Figura 9
Resultados de microdureza para os revestimentos em uma e duas camadas.

Apesar da diferença significativa das médias de microdureza obtidas no revestimento das ligas empregadas neste trabalho, a análise da Figura 9 não indica variações discrepantes nos valores de dureza entre os revestimentos das ligas FeCrC e FeCrC+Nb, independentemente das condições de pré-aquecimento ou do número de camadas depositadas

4. CONCLUSÕES

A temperatura de pré-aquecimento afetou o número de trincas nos revestimentos de tal forma que o uso de pré-aquecimento a 250 °C reduziu a incidência de trincas de solidificação no metal depositado.

A incidência de trincas no revestimento da liga FeCrC+Nb foi menor devido ao refinamento da microestrutura pela adição de Nb, e aumentou conforme do número de camadas depositadas.

A incidência de trincas no revestimento da liga FeCrC não variou em função do número camadas depositadas.

Em termos da microestrutura próxima à linha de fusão, observou-se para a liga FeCrC a formação de dendritas de austenita sobre a linha de fusão e uma matriz eutética de austenita mais carbonetos, enquanto que para a liga FeCrC+Nb a microestrutura mostra a formação de dendritas de austenita adjacentes à linha de fusão e de carbonetos de Nb em matriz eutética.

O revestimento duro da liga FeCrC apresentou no centro do cordão a formação de grandes carbonetos primários do tipo M7C3 com morfologias hexagonal e em agulhas, imersos em uma matriz eutética de austenita mais carbonetos.

No revestimento de uma camada da liga FeCrC+Nb a microestrutura se caracterizou pela presença predominante de carbonetos primários NbC e pouquíssimos carbonetos primários do tipo M7C3, sendo ambos circundados pelo eutético de austenita mais carbonetos.

Nos revestimentos de duas camadas da liga FeCrC+Nb a microestrutura indica a presença de carbonetos de nióbio, juntamente com grandes e frequentes carbonetos primários M7C3, majoritários na forma de agulhas e alguns com morfologia hexagonal, envolvidos por uma mistura eutética de finos carbonetos M7C3 e austenita.

A formação de carbonetos primários M7C3 em maiores tamanho e frequência para a liga FeCrC, e ainda, o pequeno tamanho e a dispersão considerável dos carbonetos NbC para a liga FeCrC+Nb, justificam a menor média de microdureza obtida para a liga com adição de Nb.

AGRADECIMENTOS

À Vale, pelo financiamento da pesquisa. Ao GETSOLDA/UFPA, ao GPEMAT/UFPA e ao IFPA, pela disponibilidade de equipamentos.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2018
  • Aceito
    06 Jun 2019
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