Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação dos parâmetros de calcinação do resíduo de gesso nas propriedades do gesso reciclado

Evaluation of the calcination parameters of the gypsum waste on the properties of recycled plaster

RESUMO

As atividades industriais têm contribuído com a geração de resíduos de gesso, logo o alto volume e a destinação inapropriada contribuem com os problemas ambientais, além de representar desperdício de material na construção civil. O objetivo do trabalho foi caracterizar o resíduo de gesso e avaliar a influência de parâmetros como granulometria, temperatura e tempo de calcinação nas propriedades do gesso reciclado, buscando a redução dos resíduos e obtenção de melhores propriedades do produto final com a utilização de 100% de gesso reciclado. O resíduo de gesso foi beneficiado, caracterizado e separado em três diferentes granulometrias: peneira ABNT nº 200 (0,075 mm); ASTM nº 50 (0,3 mm) e ABNT nº 10 (2,0 mm). Em seguida calcinados nas temperaturas de 130, 136, 150 e 170ºC durante 1, 2, 4, 6, 8, 17 e 24h. Foi analisada no gesso reciclado a sua trabalhabilidade, calor de hidratação, propriedades mecânicas, caracterização mineralógica e morfologia. O gesso reciclado teve influência nas suas propriedades nos parâmetros avaliados, além da presença de impurezas. As principais fases formadas no gesso reciclado foram afetadas pelo tempo de calcinação: o sulfato de cálcio hemihidratado, sulfato de cálcio dihidratado, anidrita e calcita. A trabalhabilidade não mostrou uma tendência clara de comportamento independente da granulometria, tempo e temperatura de calcinação. Os melhores resultados para a resistência compressão foram obtidos na temperatura de 136ºC (17h) e 150ºC (8h). O gesso reciclado apresentou uma dureza média de 12,71N·mm-². A reciclagem do resíduo de gesso pode contribuir com a redução dos resíduos e possibilitar na construção civil a utilização de novas tecnologias.

Palavras-chave
resíduo de gesso; reciclagem; granulometria; calcinação

ABSTRACT

Industrial activities have contributed to the generation of gypsum waste, so the high volume and inappropriate disposal contributes to environmental problems and represents waste of material. The objective of this work was to characterize the waste of gypsum and to evaluate the influence of parameters such as granulometry, temperature and calcination time on the properties of the recycled gypsum, seeking the reduction of residues and obtaining better properties of the final product with the use of 100% of recycled plaster. The gypsum waste was beneficiated, characterized and separated into three different granulometries: sieve ABNT nº 200 (0.075 mm); ASTM nº 50 (0.3 mm) and ABNT nº 10 (2.0 mm). They were then calcined at temperatures of 130, 136, 150 and 170ºC for 1, 2, 4, 6, 8, 17 and 24h. Its workability, heat of hydration, mechanical properties, mineralogical characterization and morphology were analyzed in the recycled plaster. The recycled gypsum was influenced in its properties in the evaluated parameters, besides the presence of impurities. The main phases formed in the recycled gypsum were affected by the calcination time: calcium sulfate hemihydrate, calcium sulfate dihydrate, anhydrite and calcite. The workability did not show a clear trend of behavior independent of grain size, time and calcination temperature. The best results for the compressive strength were obtained at the temperature of 136ºC (17h) and 150ºC (8h). The recycled plaster had an average hardness of 12.71 N·mm-2. The recycling of gypsum waste can contribute to the reduction of waste and make possible the use of new technologies in civil construction.

Keywords
waste of gypsum; recycling; granulometry; calcination

1. INTRODUÇÃO

O gesso pode ser usado na forma natural com crescimento intenso na construção civil e calcinado amplamente utilizados em edifícios, cerâmica e indústrias médicas [11 SHIROMA, L., CAMARINI, G., BERALDO, A. L., “Effect of wood particle treatment on the properties of gypsum plaster pastes and composites”, Revista Matéria, v. 21, n. 4, pp. 1032-1044, Jul. 2016.

2 CAMARINI, G., MILITO, J.A., “Gypsum-cement hemihydrate blends to improve renderings durability”, Construction and Building Materials, v. 25, pp. 4121-4125, 2011.
-33 BERNHOEFT, L.F., GUSMÃO, A.D., TAVARES, Y.V.P., “Influência da adição de resíduo de gesso no calor de hidratação da argamassa de revestimento interno”, Ambiente Construído, v. 11, n. 2, pp. 189–199, Abr./Jun. 2011.]. Geralmente o resíduo de gesso está disponível em forma de pó, torrões ou pedaços provenientes de produtos como chapas para drywall e placas, logo para a sua reutilização é necessário triturar, moer e peneirar [44 ALMEIDA, K.S., SOARES, R.A.L., MATOS, J.M.E., “Efeito de resíduos de gesso e de granito em produtos da indústria de cerâmica vermelha: revisão bibliográfica”, Revista Matéria, v.25, n.1, 2020.].

Aspectos como o consumo de energia para sua fabricação e a alta geração de resíduos de gesso nas atividades da construção civil causam problema econômico e ao meio ambiente [55 GERALDO, R.H., PINHEIRO, S.M.M., SILVA, J.S., et al., “Gypsum plaster waste recycling?: A potential environmental and industrial solution”, Journal of Cleaner Production, v. 164, pp. 288–300, Jun. 2017.]. O alto volume e a destinação inapropriada dos resíduos de gesso possibilitaram na construção civil a utilização de novas tecnologias ou a adaptação de materiais antigos à nova visão de mercado, visando redução de custo e sustentabilidade [66 SANTANA, C.V., PÓVOAS, Y.V., SILVA, D.G.C., et al., “Recycled gypsum block: development and performance”, Ambiente Construído, v. 19, n. 2, pp. 45–58, Abr./Jun. 2019.].

O desenvolvimento de materiais inovadores e sustentáveis tem se tornado prioridade para muitos pesquisadores principalmente para materiais poluentes ao meio ambiente. A utilização de resíduo de gesso representa uma importante fonte de matéria prima na construção civil proporcionando economia e redução do impacto ambiental [77 CAMARINI, G., PINTO, M.C.C., MOURA, A.G., et al., “Effect of citric acid on properties of recycled gypsum plaster to building componentes”, Construction and Building Materials, v. 124, pp. 383–390, Jul. 2016., 88 MEDINA, N.F., HERNÁNDEZ-OLIVARES, F., ARROYO, X., et al., “Characterization of a more sustainable cement produced with recycled drywall and plasterboards as set retarders”, Construction and Building Materials, v. 124, pp. 982–991, Set. 2016.]. O gesso reciclado derivado de fontes pós-consumo é interessante para ser reincorporado na cadeia de produção, devido ao custo ser menor do que o gesso convencional [99 PAPAILIOPOULOU, N., GRIGOROPOULOU, H., FOUNTI, M., “Techno-economic impact assessment of recycled gypsum usage in plasterboard manufacturing”, Journal of Remanufacturing, pp.1-27, Oct. 2018.]. Algumas empresas em Pernambuco estão treinando os gesseiros para reciclar o resíduo gerado do próprio revestimento, adicionando até 20% do resíduo seco ou úmido à mistura sem nenhum tipo de critério [1010 TAVARES, Y.V.P., JÚNIOR, A.C.L., SCHMITZ, I.B.T.A., et al., “Reaproveitamento do resíduo de gesso na execução de revestimento interno de vedação vertical”, Ambiente Construído, v. 10, n. 11, pp. 103–119, Jan./Mar. 2010.].

Para a reutilização de resíduos de gesso é muito utilizado o processo de reciclagem através da secagem do resíduo por meio de uma reação reversível do dihidrato em hemihidrato de gesso [1111 ZHIXIN, L.I., JIAHUI, P., XINGXING, Q.I.U., “Effect of Different Ways of STPP Retarder Addition on Properties of Recycled Gypsum”, Journal of Wuhan, v. 32, n. 5, pp. 1125–1131, Oct. 2017.]. Estudo indica a possibilidade da reciclagem do gesso com baixo consumo de energia. Foi avaliado o tempo de calcinação de resíduos de gesso para a produção de gesso com propriedades aglutinantes para uso em placas de gesso. A calcinação foi realizada a 150ºC durante 3, 4, 5 e 6 h. Os melhores resultados para resistência a compressão foi obtido no período de 5 e 6h e dureza 3, 4, 5 e 6 h. No estado fresco o material reciclado apresentou bons resultados para os componentes pré-moldados [1212 ROSSETO, J.R.M., CORREIA L.S., GERALDO, R.H., et al., “Gypsum plaster wastw recycling: analysis of calcination time”, Key Engineering Materials, v. 668, pp. 312-321, Out. 2015.].

Os autores mostraram a análise de dois tipos diferentes de resíduos de gesso em substituição ao gesso comercial: resíduos de gesso da produção industrial de gesso acartonado e gesso de dessulfuração de gases de combustão a partir de uma central térmica. Avaliou-se a influência do processo de calcinação nos resíduos de gesso sendo submetidos as condições: temperatura de 100ºC por 6 e 24h, e a 150ºC durante 3 e 6h. O melhor resultado na transformação de todo o gesso dihidratado em bassanite (hemihidrato) foi a temperatura de calcinação de 150ºC durante 3h [1313 PEDREÑO-ROJAS, M.A., FLORES-COLEN, I., BRITO, J., et al., “Influence of the heating process on the use of gypsum wastes in plasters: Mechanical, thermal and environmental analysis”, Journal of Cleaner Production, v. 215, pp. 444–457, Jan. 2019.].

Durante a calcinação do resíduo de gesso passa por uma desidratação em estufa a uma determinada temperatura e por um período de tempo para obtenção do gesso reciclado (hemihidrato) [1414 INAZUMI, S., SANO, H., YAMADA, M., “Estimation of gypsum hemihydrate content in recycled gypsums derived from gypsum boards”, Journal of Material Cycles and Waste Management, v. 18, pp. 168–176, Oct. 2016.]. Os produtos da desidratação do gesso podem ser hemihidrato e anidritas, vários fatores podem influenciar nas reações como o tipo de gesso e condições ambientais resultando em variações nas temperaturas de transição [1515 JACQUES, S.D.M., GONZALEZ-SABORIDO, A., LEYNAUD, O., et al., “Structural evolution during the dehydration of gypsum materials”, Mineralogical Magazine, v. 73, n. 3, pp. 421–432, Jun. 2009.]. Levando em consideração a grande quantidade de fatores que podem influenciar nas propriedades do gesso reciclado justifica a importância do estudo para visabilizar o reaproveitamento do resíduo de gesso.

O objetivo do trabalho foi caracterizar o resíduo de gesso e avaliar a influência dos parâmetros de calcinação como granulometria, temperatura e tempo nas propriedades do gesso reciclado. Permitindo a reciclagem do resíduo de gesso contribuindo com a redução dos resíduos e obtenção de melhores propriedades do produto final com a utilização em maior escala do gesso reciclado.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

O resíduo de gesso foi obtido da fratura dos produtos acabados no processo produtivo de blocos e placa de gesso em uma empresa de pré-moldados localizada no município de Juazeiro-BA.

O beneficiamento do resíduo para obtenção da granulometria adequada para a caracterização, similar à do gesso de fundição, foi realizada por via seca em moinho de bolas da marca Pavitest, modelo I-3021, utilizando bolas de ferro, por um período de 4 h.

2.1 Caracterização do resíduo de gesso

A caracterização mineralógica do resíduo de gesso e do gesso reciclado foi realizada através da difração de Raios X (DRX), utilizou-se um difratômetro marca Shimadzu (XRD-6000), operando com radiação k-alfa de cobre (l = 0,15406 nm), 2θ variando de 5 a 90º e uma velocidade de varredura de 2º∙min-1, operando a 30 kV e 30 mA na temperatura ambiente. A análise dos difratogramas foram realizados utilizando o software X´Pert HighScore Plus versão 2.0a e os padrões das cartas cristalográficas do PDF2-ICSD (2003).

A composição química do resíduo de gesso foi obtida após o beneficiamento no moinho de bolas por fluorescência de Raios X (FRX) em equipamento da marca EDX 720 (Shimadzu). A matéria orgânica foi determinada de acordo com a metodologia da Embrapa [1616 EMBRAPA - Manual de métodos e análise de solos, 3ª Edição, 2017.] pelo Laboratório de Análises de Solo e Planta (LASP) em Petrolina-PE.

Os grupos funcionais presentes no resíduo foram determinados por Infravermelho com Transformada de Fourrier (FTIR) em um aparelho Spectrum Two (Perkin Elmer), com varredura de 4000 a 400 cm-1. As amostras na forma de pó foram prensadas em pastilhas com 30 mg de KBr previamente seco.

A caracterização física do pó do resíduo de gesso foi realizada através do ensaio granulométrico e de massa unitária de acordo com a norma NBR 12127 [1717 Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 12127: Gesso para construção – determinação das propriedades físicas do pó, Rio de Janeiro, 2017.], comparando os resultados com os requisitos do gesso para a construção civil através descrito na norma NBR 13207 [1818 Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 13207: Gesso para construção civil. Rio de Janeiro, 1994.].

O comportamento térmico do resíduo foi analisado através de um equipamento de análise simultânea DTA-TG (Análise térmica diferencial/Termogravimetria) da marca Shimadzu (DTG-60H). A análise foi realizada em cadinho de alumina com massa de aproximadamente 10 mg sob atmosfera de nitrogênio com fluxo do gás de 100mL∙min-1, com taxa de aquecimento 10ºC∙min-1 e temperatura de 25 até 1000ºC.

A análise morfológica do pó e da pasta do resíduo de gesso que foi preparada com razão de água 0,8 determinada no ensaio de consistência normal, foram realizadas por um microscópio eletrônico de varredura da marca Tescan (Vega 3XMU), com magnificações de 4.000´. As amostras foram recobertas com ouro durante 10 min e corrente de 15mA∙5min-1, utilizando um equipamento da marca Quorum (Q150R ES).

2.2 Calcinação do resíduo de gesso

Para realizar a calcinação o resíduo de gesso foi separado em três diferentes granulometrias: peneira ABNT nº 200 (0,075 mm); ASTM nº 50 (0,3 mm) e ABNT nº 10 (2,0 mm). Em seguida, cada granulometria foi calcinada nas temperaturas de 130, 136, 150 ºC [55 GERALDO, R.H., PINHEIRO, S.M.M., SILVA, J.S., et al., “Gypsum plaster waste recycling?: A potential environmental and industrial solution”, Journal of Cleaner Production, v. 164, pp. 288–300, Jun. 2017.] e 170ºC durante 1, 2, 4, 6, 8, 17 e 24h.

2.3 Avaliação do gesso reciclado

A avaliação da trabalhabilidade do gesso reciclado após a calcinação em diferentes condições foi realizado conforme a norma DIN 1168 [1919 ANTUNES, R.P.N., Estudo da Influência da Cal Hidratada nas Pastas de Gesso, Dissertação de M. Sc, Escola Politécnica, UFSP, São Paulo, 1999.].

Utilizando um calorímetro pseudoadiabático, obteve-se a curva do calor de hidratação em função do tempo, onde foram medidos os tempos de pega das amostras. O tempo de início de pega foi caracterizado quando a temperatura variou 0,1°C∙min-1. O de fim de pega foi obtido quando a temperatura máxima foi atingida.

Para a caracterização da pasta, o resíduo foi passado pela peneira ASTM nº 50 (0,29 mm) e calcinado por um período de 8 h a temperatura de 136ºC, a qual foi definida através da análise térmica. A avaliação dos tempos de início e fim de pega, e consistência normal do resíduo de gesso foi determinada pela NBR 12128 (2017).

Os corpos de prova do gesso reciclado para análise das propriedades mecânicas de dureza e compressão foram preparados de acordo com a norma NBR 12129 [2020 Associação brasileira de normas técnicas – ABNT NBR 12129: gesso para construção – Determinação das propriedades mecânicas: Rio de Janeiro, 1991c.] utilizando a razão água/gesso determinado no ensaio de consistência normal.

Os ensaios de resistência mecânica à compressão foram realizados em uma máquina universal de ensaios mecânicos (Emic-DL 10000) e o ensaio de dureza em equipamento projetado por LÊLA [2121 LÊLA, L.A. Desenvolvimento de dispositivo para determinar dureza mecânica em gesso segundo NBR 12129. Trabalho de conclusão de curso. Engenharia Mecânica – UNIVASF, 2017.] de acordo com a norma de propriedades mecânicas para gesso NBR 12129 [2020 Associação brasileira de normas técnicas – ABNT NBR 12129: gesso para construção – Determinação das propriedades mecânicas: Rio de Janeiro, 1991c.].

As micrografias das pastas preparadas com o gesso reciclado foram obtidas em um estereoscópio da marca Marte usando luz refletida.

3. RESULTADOS

3.1 Caracterização do resíduo de gesso

A composição química do resíduo de gesso (Tabela 1) foi determinada após a etapa de moagem e foi observada a presença de cálcio, enxofre, fósforo, silício, estrôncio e matéria orgânica.

Os elementos cálcio e enxofre representam 98,49% e um teor de aproximadamente 1,50% de impurezas da massa do resíduo. Composto principalmente por sulfato de cálcio dihidratado (CaSO4•2H2O), e as impurezas apresentadas depende da fonte do resíduo [77 CAMARINI, G., PINTO, M.C.C., MOURA, A.G., et al., “Effect of citric acid on properties of recycled gypsum plaster to building componentes”, Construction and Building Materials, v. 124, pp. 383–390, Jul. 2016.]. Resultados reportados na literatura mostram em resíduo de gesso um teor menor que 1% para impurezas como: SrO, SiO2, Al2O3, Fe2O3, PbO, CuO e MgO [2222 NGERNCHUKLIN, P., YONGPRADERM, N., BOONRUANG, A., et al., “Upgrading of Waste Gypsum for Building Materials”, Key Engineering Materials, v. 766, pp. 211–216, Abr. 2018.]. A presença de impurezas pode aumentar o tempo de pega e reduzir as propriedades mecânicas do gesso reciclado.

No resíduo de gesso analisado foi encontrado a presença de fósforo, na literatura foram identificados no gesso β pequenos traços de fósforo [2323 BARBOSA, A.A., FERRAZ, A.V., SANTOS, G.A., “Caracterização química , mecânica e morfológica do gesso β obtido do pólo do Araripe”, Cerâmica, v. 60, pp. 501–508, Out./ Nov./ Dez. 2014.]. Foi observada uma baixa quantidade de matéria orgânica.

Tabela 1
Composição química do resíduo de gesso.

Na Figura 1 são apresentados os grupos funcionais característicos do resíduo de gesso, antes da calcinação, obtidos por FTIR. As bandas do grupo O-H presentes em 3546,89; 3401,96 e 2234,12 cm-1 são referentes às ligações das moléculas de água. Foram identificadas também bandas do grupo sulfato (SO4-2) em 1143,31 e 453,74 cm-1 [2323 BARBOSA, A.A., FERRAZ, A.V., SANTOS, G.A., “Caracterização química , mecânica e morfológica do gesso β obtido do pólo do Araripe”, Cerâmica, v. 60, pp. 501–508, Out./ Nov./ Dez. 2014.]. Os grupos funcionais são característicos do resíduo de gesso (CaSO4. 2H2O). Os autores CARVALHO et. al [2424 CARVALHO, M.T.M., LEES, M.I.M., TUBINO, R.M.C., “TG and DSC studies on plaster residues as recycled material”, Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 91, n. 2, pp. 621-625, 2008.] mostraram que a curva do gesso reciclado é semelhante à do gesso comercial. Portanto, após o processo de desidratação por calcinação o gesso reciclado mantém a estrutura dos principais grupos funcionais do resíduo de gesso.

Figura 1
Espectro de Infravermelho do resíduo de gesso.

Os resultados obtidos para a massa unitária e a granulometria são mostrados na Tabela 2. O resíduo não atendeu a exigência da norma ao que se refere à granulometria, pois seu percentual passante na peneira ASTM nº 50 (0,29 mm) foi inferior aos 90% exigidos. Indicando que o método de beneficiamento utilizado não foi adequado para a redução do tamanho das partículas [2525 ERBS, A., NAGALLI, A., MYMRINE, V., et al., “Determinação das propriedades físicas e mecânicas do gesso reciclado proveniente de chapas de gesso cartonado”, Cerâmica, v. 61, pp. 483–487, Abr./ Jun. 2015.]. Resultado semelhante foi obtido em um resíduo de gesso oriundo de blocos, devido à presença de grande quantidade de grãos grossos [33 BERNHOEFT, L.F., GUSMÃO, A.D., TAVARES, Y.V.P., “Influência da adição de resíduo de gesso no calor de hidratação da argamassa de revestimento interno”, Ambiente Construído, v. 11, n. 2, pp. 189–199, Abr./Jun. 2011.].

Tabela 2
Resultados dos ensaios de massa unitária e granulometria.

Quanto à massa unitária o resíduo de gesso passante na peneira ABNT nº 10 (2,00 mm) atende ao requisito requerido pela norma. O estudo, realizado em Curitiba-PR, mostrou que a massa unitária do gesso reciclado não sofreu influência da temperatura de calcinação (160, 180 e 200ºC) [2626 SAVI, O., Produção de placas de forro com a reciclagem do gesso, Dissertação de M.Sc, UEM, Maringá, PR, Brasil, 2012.].

A Tabela 3 mostra os resultados obtidos pelo ensaio de Vicat e consistência conforme a norma NBR 12128 [2727 Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 12128: Gesso para a construção civil: determinação das propriedades físicas da pasta de gesso, Rio de Janeiro, 2017.]. O gesso reciclado utilizado foi calcinado durante 8h/136ºC, essa temperatura foi definida de acordo com a análise térmica (Figura 3). A consistência normal foi obtida com a razão de água/gesso reciclado de 0,8. O tempo de pega é um indicador que caracteriza o momento de início do endurecimento da pasta e o momento final da reação de hidratação [2626 SAVI, O., Produção de placas de forro com a reciclagem do gesso, Dissertação de M.Sc, UEM, Maringá, PR, Brasil, 2012.]. O gesso reciclado apresentou tempo de inicio e final de pega dentro do esperado na especificação da norma NBR 13207 [1818 Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 13207: Gesso para construção civil. Rio de Janeiro, 1994.] (inicio ≤ 10 min e final ≤ 20 min). No entanto, a trabalhabilidade apresentou um tempo pequeno. Visando melhorar esse tempo foram avaliados diferentes temperaturas e tempos de calcinação (Figura 6).

Tabela 3
Resultado do ensaio de Vicat e consistência.

A Figura 2 apresenta as micrografias referentes ao resíduo de gesso em pó e a superfície de fratura dos corpos de prova preparados com o gesso reciclado a 136ºC durante 8h e razão água/gesso reciclado de 0,8.

Figura 2
Micrografia de MEV com magnificação de 4000×: a) resíduo de gesso em pó e b) superfície de fratura do corpo de prova preparado com o gesso reciclado.

Foi observada na micrografia do resíduo de gesso em pó partículas com diferentes tamanhos e formatos. O gesso reciclado apresentou aglomerados de cristais alongados de tamanhos variados. Essa estrutura desenvolvida após a mistura com a água era esperada para o gesso [2222 NGERNCHUKLIN, P., YONGPRADERM, N., BOONRUANG, A., et al., “Upgrading of Waste Gypsum for Building Materials”, Key Engineering Materials, v. 766, pp. 211–216, Abr. 2018.]. Resultados semelhantes foram obtidos ao longo de cinco ciclos de reciclagem de gesso realizados a 180ºC por 24h [2828 GOLEŽ, M., POGAĆNIK, Ž., MLADENOVIĆ, A., “Laboratory-prepared lime-gypsum mixtures based on the know-how of traditional technology”, Journal of Cultural Heritage, v. 32, pp. 38–43, Mar. 2018.]. A quantidade de núcleos presentes na pasta influencia a taxa de crescimento da microestrutura e o tamanho dos cristais [1919 ANTUNES, R.P.N., Estudo da Influência da Cal Hidratada nas Pastas de Gesso, Dissertação de M. Sc, Escola Politécnica, UFSP, São Paulo, 1999.]. A microestrutura do cristal formado pode aumentar com a interconexão de cristais menores e tende a reduzir a dureza da pasta de gesso no estado endurecido [1111 ZHIXIN, L.I., JIAHUI, P., XINGXING, Q.I.U., “Effect of Different Ways of STPP Retarder Addition on Properties of Recycled Gypsum”, Journal of Wuhan, v. 32, n. 5, pp. 1125–1131, Oct. 2017.].

Figura 3 mostra a curva TG/DTA do resíduo de gesso. Na curva foi indicada a conversão do resíduo de gesso em hemihidrato no pico endotérmico em 136ºC e em anidrita II na temperatura de aproximadamente 355ºC [2929 NITA, C., PILEGGI, R.G., CINCOTTO, M.A., et al., “Estudo da reciclagem do gesso de construção”, In: X Encontro nacional de tecnologia do ambiente construído, I conferência latino-americana de construção sustentável, São Paulo–SP, Jul. 2004.].

Figura 3
Curva TG/DTA do resíduo de gesso.

O pico endotérmico em 30ºC está relacionado à perda de água livre, geralmente ocorre entre a temperatura ambiente até 60ºC [55 GERALDO, R.H., PINHEIRO, S.M.M., SILVA, J.S., et al., “Gypsum plaster waste recycling?: A potential environmental and industrial solution”, Journal of Cleaner Production, v. 164, pp. 288–300, Jun. 2017.]. Observou-se um pico endotérmico em aproximadamente 136ºC referente à perda de cerca de 20% de água estrutural do gesso [2222 NGERNCHUKLIN, P., YONGPRADERM, N., BOONRUANG, A., et al., “Upgrading of Waste Gypsum for Building Materials”, Key Engineering Materials, v. 766, pp. 211–216, Abr. 2018.]. O valor encontrado é semelhante ao esperado na literatura para a hidratação do gesso de construção (21%) [3030 JO, D., LEONARDO, R.S., CARTLEDGE, F.K., et al., “Gypsum content determination in Portland cements by thermogravimetry”, Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 123, n. 2, pp. 1053–1062, Oct. 2016.]. A curva DTA apresenta um pico exotérmico entre 350 e 360ºC atribuído à conversão da anidrita III para anidrita II [55 GERALDO, R.H., PINHEIRO, S.M.M., SILVA, J.S., et al., “Gypsum plaster waste recycling?: A potential environmental and industrial solution”, Journal of Cleaner Production, v. 164, pp. 288–300, Jun. 2017., 3131 ERBS, A., NAGALLI, A., CARVALHO, K.Q., et al., “Properties of recycled gypsum from gypsum plasterboards and commercial gypsum throughout recycling cycles. Journal of Cleaner Production, v. 183, pp. 1314-1322, Feb. 2018.].

Foi utilizado o valor do pico endotérmico principal de 136ºC e temperaturas abaixo e acima desse valor para realizar o processo térmico de desidratação (calcinação) do resíduo de gesso para obtenção do gesso reciclado.

As reações de desidratação do gesso ou gesso reciclado apresentam as fases de desidratação quando submetidos a diferentes temperaturas [88 MEDINA, N.F., HERNÁNDEZ-OLIVARES, F., ARROYO, X., et al., “Characterization of a more sustainable cement produced with recycled drywall and plasterboards as set retarders”, Construction and Building Materials, v. 124, pp. 982–991, Set. 2016.].

CaSO 4 2 H 2 O Dihidratado CaSO 4 0 , 5 H 2 O Hemihidratado   + 1 , 5 H 2 O 120 180 C   (1)
CaSO 4 0 , 5 H 2 O Hemihidratado CaSO 4 εH 2 O Anidrita   III + ( 0 , 5 ε ) H 2 O ( 180 300 C ) (2)
CaSO 4 ( 0 , 5 ε ) H 2 O Anidrita   III CaSO 4 + ( ε ) H 2 O Anidrita   III   ( > 300 º C ) (3)

Onde, ɛ representa o percentual não exato obtido para o gesso parcialmente desidratado o valor é inferior a 0,5 moléculas de H2O. A presença das fases de sulfato de cálcio é o resultado de diferentes interações, como temperatura, pressão da água dentro do forno, distribuição de tamanho das partículas e tempo de permanência [3232 MOISSET, J., “Review of the Main Process Used for Plaster Products” Gypsum Fair 97, ed. Technological Institute of Pernambuco - ITEP, Brazil 1997.].

3.2 Avaliação da calcinação do resíduo

A Figura 4 mostra o difratograma de Raios X do resíduo de gesso sem calcinar e calcinado em diferentes tempos utilizando a temperatura do pico endotérmico principal (136ºC) obtido na curva de análise térmica (Figura 3).

Figura 4
Difratograma de Raios X do resíduo de gesso (0,30 mm) sem calcinar e calcinado a 136ºC durante 1, 4, 8 e 17h. (G: gipsita (Ca(SO4) (H2O)2) – ICSD: 027221, B: bassanita (CaSO4•0,5H2O) – PDF2: 00-033-0310, A: anidrita (Ca(SO4)) – ICSD: 040043, C: calcita (CaCO3) – PDF2: 00-003-0670).

O resíduo de gesso sem calcinar apresenta fase cristalina da gipsita. A quantidade de impurezas e de gipsita contidas no gesso acelera a reação de hidratação e o tempo de pega por atuarem como núcleos de cristalização [3030 JO, D., LEONARDO, R.S., CARTLEDGE, F.K., et al., “Gypsum content determination in Portland cements by thermogravimetry”, Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 123, n. 2, pp. 1053–1062, Oct. 2016.]. Vale ressaltar que diferentes tipos de gesso comercial contêm diferentes quantidades de dihidrato, hemihidrato e anidrita devido à diferença na quantidade de água que é fixada aos hemihidratos após o uso do produto [3333 PINHEIRO, S.M.M., CAMARINI, G., “Characteristics of Gypsum Recycling in Different Cycles”, International Journal of Engineering and Technology, v. 7, n. 3, pp. 215–218, Jun. 2015.].

Após 1h na estufa o difratograma apresentou picos de gipsita e bassanita que corresponde ao sulfato de cálcio hemihidratado proveniente da reação de desidratação do resíduo de gesso. Foi identificada a presença de dihidrato em um gesso reciclado no primeiro ciclo calcinado a 150ºC durante1h, esse comportamento foi atribuido a etapa de secagem utilizada no processo de reciclagem. Uma grande quantidade de sulfato de cálcio hemihidrato (CaSO4.0,5H2O) proporciona propriedades de ligação ao gesso reciclado, mantendo as características semelhantes ao gesso comercial. As principais fases identificadas no gesso reciclado foram: o sulfato de cálcio hemihidratado, sulfato de cálcio dihidratado e anidrita [3434 MELO, K.K.S., LIMA, A.P.C., SANTANA, M.C., et al., “Caracterização química e mineralógica dos resíduos da mineração de gipsita no semiárido pernambucano”, Holos, v. 06, pp. 194–200, Nov. 2017.].

Na calcinação realizada durante 4, 8 e 17h as curvas são semelhantes, foram observados picos de bassanita, anidrita e calcita. A calcita foi identificada através do pico 2,91Å nos resíduos calcinados em tempos superiores à 4h, foi observada a presença desse mineral também em resíduo de gipsita oriundos de áreas de mineração no município de Araripina, Pernambuco [3535 PINHEIRO, S.M.M., CAMARINI, G., VIEIRA, G.L., “Utilização do resíduo de gesso de construção na produção de componentes”, In: V Encontro Nacional Sobre Aproveitamento de Resíduos na Construção (ENARC), pp. 1-15, Fortaleza-CE, Ago. 2017.]. O resíduos de gesso obtido da produção de placas apresentou calcita após a calcinação a 100ºC por 24h e na temperatura de 150ºC durante 3 e 6h [1313 PEDREÑO-ROJAS, M.A., FLORES-COLEN, I., BRITO, J., et al., “Influence of the heating process on the use of gypsum wastes in plasters: Mechanical, thermal and environmental analysis”, Journal of Cleaner Production, v. 215, pp. 444–457, Jan. 2019.].

O pico de anidrita identificada apresenta estrutura ortorrômbica sugerindo a formação de anidrita II, pois essa fase para ser formada depende da faixa de temperatura e tempo utilizado na calcinação. Como observado na curva de análise térmica (Figura 3) a anidrita foi determinada em 355ºC, esse comportamento era esperado na faixa de temperatura entre 310 e 450ºC [1515 JACQUES, S.D.M., GONZALEZ-SABORIDO, A., LEYNAUD, O., et al., “Structural evolution during the dehydration of gypsum materials”, Mineralogical Magazine, v. 73, n. 3, pp. 421–432, Jun. 2009.].

A Figura 5 mostra as micrografias das pastas preparadas com o gesso reciclado com granulometria de 0,075 mm, calcinado na temperatura de 136ºC permanecendo na estufa durante 1, 2, 4, 6, 8, 17 e 24h.

Figura 5
Micrografias obtidas da pasta de gesso reciclado com a granulometria de 0,075 mm calcinado a 136ºC durante: a) 1h, b) 2h, c) 4h, d) 6h, e) 8h, f) 17h e g) 24h.

Com o gesso reciclado durante 2h não foi possível formar pasta, esse comportamento foi reportado na literatura como um endurecimento instantâneo ao polvilhar o gesso na água, com a formação de grumos [2525 ERBS, A., NAGALLI, A., MYMRINE, V., et al., “Determinação das propriedades físicas e mecânicas do gesso reciclado proveniente de chapas de gesso cartonado”, Cerâmica, v. 61, pp. 483–487, Abr./ Jun. 2015.]. Provavelmente, o tempo de 2h de secagem na temperatura de 136ºC não foi suficiente para desitratar o gessso e permitir uma hidratação novamente. Após 4h de calcinação o inicio da pega foi muito rápido promovendo o endurecimento da pasta depois de ser homogeneizado. Os demais tempos avaliados foram possíveis formar a pasta.

A trabalhabilidade foi determinada para o gesso reciclado calcinado em estufa às temperaturas de 130, 136, 150 e 170ºC utilizando diferentes tempos e granulometrias (Figura 6). No gráfico os tempos em que a trabalhabilidade não foi representada indica que não foi possível determinar a trabalhabilidade.

Figura 6
Trabalhabilidade do gesso reciclado obtido pela norma DIN 1168.

A trabalhabilidade não mostrou uma tendência clara de comportamento independente da granulometria, tempo e temperatura de calcinação. No gesso reciclado a 130ºC a trabalhabilidade foi baixa independente da granulometria com o tempo máximo de aproximadamente 16 min quando permaneceu na estufa durante 17h. Esse tempo é muito alto para ter uma eficiência energética no processo de reciclagem do gesso.

Na temperatura de 136ºC o gesso reciclado durante 1h apresentou uma trabalhabilidade acima de 100 min em todas as granulometrias estudadas. De acordo com o difratograma de Raios X (Figura 4) em 1h de calcinação ainda tem a presença de dihidrato no gesso reciclado (0,30 mm) indicando que esse tempo não foi suficiente para conversão do resíduo de gesso em hemihidrato para permitir um tempo de pega adequado durante a hidratação. A granulometria de 0,075 mm mostrou pequenas trabalhabilidades a partir de 6h de calcinação. Provavelmente devido à trabalhabilidade tender a diminuir com a redução da granulometria, pois ocorre o aumento da atividade cinética da reação de hidratação [3636 BARDELLA, P.S., Análise das Propriedades de Pastas de Gesso de Construção Reciclado, Tese D. Sc, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil, 2011.].

Na calcinação realizada a 150ºC utilizando a granulometria de 0,075 mm houve trabalhabilidade a partir de 4h, nas granulometrias de 0,3 e 2 mm em 1h a trabalhabilidade foi superior a 100 min. Nos demais tempos de calcinação (2 mm) mostrou uma tendência a aumentar a trabalhabilidade.

O resíduo de gesso apresentou uma granulometria maior que o gesso comercial (Tabela 2), logo a taxa de hidratação aumenta com a redução do tamanho das partículas devido a maior área específica do grão, pois o processo de hidratação inicia em sua superfície externa [3737 SHIROMA, L., CAMARINI, G., BERALDO, A.L., “Effect of wood particle treatment on the properties of gypsum plaster pastes and composites”, Revista Matéria, v. 21, n. 4, pp. 1032–1044, Jul. 2016., 2525 ERBS, A., NAGALLI, A., MYMRINE, V., et al., “Determinação das propriedades físicas e mecânicas do gesso reciclado proveniente de chapas de gesso cartonado”, Cerâmica, v. 61, pp. 483–487, Abr./ Jun. 2015.].

Em 170ºC de forma geral o gesso reciclado com 0,3 mm apresentou as maiores trabalhabilidades quando comparado com as demais granulometrias. Foi obtida a trabalhabilidade média acima de 15 min a partir de 4h de calcinação em todas as granulometrias estudadas.

Observou-se uma pequena perda na trabalhabilidade no gesso recliclado (0,30 mm) a 136, 150 e 170ºC durante 8 e 17h, sem haver variações relevantes nas propriedades mecânicas (Tabela 4), comportamento semelhante foi reportado em um gesso submetido à reciclagem a 150ºC [1212 ROSSETO, J.R.M., CORREIA L.S., GERALDO, R.H., et al., “Gypsum plaster wastw recycling: analysis of calcination time”, Key Engineering Materials, v. 668, pp. 312-321, Out. 2015.]. Esses parâmetros e os tempos de calcinação na temperatura de análise térmica foram selecionados para avaliação da cinética de hidratação.

A Figura 7 apresenta as curvas de hidratação para o gesso reciclado em diferentes parâmetros. Foi selecionada a granulometria intermediária (0,30 mm) para avaliação da cinética de hidratação e das propriedades mecânicas.

Figura 7
Curvas de hidratação: a) resíduo de gesso calcinado a temperatura da análise térmica 136°C em diferentes tempos e b) resíduo de gesso calcinado a 136, 150 e 170ºC durante 8 e 17h.

A hidratação do gesso pode ser monitorada por meio da calorimetria [33 BERNHOEFT, L.F., GUSMÃO, A.D., TAVARES, Y.V.P., “Influência da adição de resíduo de gesso no calor de hidratação da argamassa de revestimento interno”, Ambiente Construído, v. 11, n. 2, pp. 189–199, Abr./Jun. 2011.]. A partir das curvas da cinética de temperatura da pasta de gesso, foi possível medir a temperatura máxima atingida durante a hidratação do gesso e os tempos inicial e final de pega [3838 ANTUNES, R. P. N., JOHN, V. M., O Conceito de Tempo Útil das Pastas de Gesso. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2000. Boletim técnico.].

Na Figura 7-a o gesso reciclado durante uma 1h de calcinação a pasta não atingiu a pega até 35 min de ensaio. O tempo de início de pega também é influenciado pelo tempo de calcinação do gesso [2626 SAVI, O., Produção de placas de forro com a reciclagem do gesso, Dissertação de M.Sc, UEM, Maringá, PR, Brasil, 2012.]. Os demais tempos apresentaram inicio de pega semelhante e o final da pega não apresentou uma tendência com o aumento do tempo de calcinação, sendo a permanência na estufa de 8h o maior tempo de fim de pega. Na Figura 7-b as curvas apresentaram comportamento semelhante de acordo com a temperatura. Nas temperaturas de 136 e 150ºC o tempo de 8h de calcinação apresentou um final de pega maior que 17h, indicando um ganho em um menor tempo de estufa. Enquanto que na temperatura de 170ºC os tempos de pega são similares independentes do tempo de calcinação.

Vários fatores podem influenciar a reação de hidratação do gesso, e consequentemente o tempo de pega como a relação água/gesso, a presença de impurezas ou grãos de areia conforme mostrado na análise química (Tabela 1), podem atuar como núcleos de cristalização, acelerando as reações de hidratação [3838 ANTUNES, R. P. N., JOHN, V. M., O Conceito de Tempo Útil das Pastas de Gesso. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2000. Boletim técnico., 1010 TAVARES, Y.V.P., JÚNIOR, A.C.L., SCHMITZ, I.B.T.A., et al., “Reaproveitamento do resíduo de gesso na execução de revestimento interno de vedação vertical”, Ambiente Construído, v. 10, n. 11, pp. 103–119, Jan./Mar. 2010.]. resistência à compressão e a dureza do gesso reciclado (Tabela 4). A resistência a compressão apresentou um média de 5,43 MPa quando calcinado por 8h e de 6,33 MPa durante17h. Os melhores resultados para a resistência compressão foram obtidos na temperatura de 136ºC (17h) e 150ºC (8h). Em estado endurecido, as pastas de gesso reciclado geralmente mostram uma perda de resistência mecânica, dependendo do conteúdo de substituição nas misturas, o tamanho das partículas e o teor de impurezas [66 SANTANA, C.V., PÓVOAS, Y.V., SILVA, D.G.C., et al., “Recycled gypsum block: development and performance”, Ambiente Construído, v. 19, n. 2, pp. 45–58, Abr./Jun. 2019.]. A presença de poros na microestrutura relacionada com o processo de secagem da quantidade de água utilizada na mistura, também pode influenciar na redução das propriedades mecânicas [3939 VILLELA, L.S., CASTRO, E.D., JÚNIOR, L.M., et al., “Desempenho físico-mecânico de compósitos à base de gesso reforçados com embalagens multicamadas trituradas”, Revista Matéria, v. 25, n. 3, Jan. 2020.].

Tabela 4
Propriedades mecânicas do gesso reciclado.

O gesso reciclado apresentou uma dureza média de 12,71N∙mm-², inferior ao valor mínimo de 20N∙mm-² conforme a norma NBR 13207 [1616 EMBRAPA - Manual de métodos e análise de solos, 3ª Edição, 2017.].

4. CONCLUSÕES

As propriedades do gesso reciclado obtido a partir das reações de calcinação do resíduo de gesso sofreu influência dos parâmetros avaliados: a granulometria, a temperatura e o tempo de desidratação. As principais fases formadas no gesso reciclado foram afetadas pelo tempo de calcinação: o sulfato de cálcio hemihidratado, sulfato de cálcio dihidratado, anidrita e calcita.

A trabalhabilidade não mostrou uma tendência clara de comportamento independente da granulometria, tempo e temperatura de calcinação. Os melhores resultados para a resistência compressão foram obtidos na temperatura de 136ºC (17h) e 150ºC (8h). O gesso reciclado apresentou uma dureza média de 12,7N∙mm-², inferior ao valor mínimo esperado na norma. A reciclagem do resíduo de gesso pode contribuir com a redução dos resíduos e obtenção de melhores propriedades do produto final com a utilização em maior escala do gesso reciclado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro concedido por meio da bolsa de pós-doutorado (PNPD).

BIBLIOGRAFIA

  • 1
    SHIROMA, L., CAMARINI, G., BERALDO, A. L., “Effect of wood particle treatment on the properties of gypsum plaster pastes and composites”, Revista Matéria, v. 21, n. 4, pp. 1032-1044, Jul. 2016.
  • 2
    CAMARINI, G., MILITO, J.A., “Gypsum-cement hemihydrate blends to improve renderings durability”, Construction and Building Materials, v. 25, pp. 4121-4125, 2011.
  • 3
    BERNHOEFT, L.F., GUSMÃO, A.D., TAVARES, Y.V.P., “Influência da adição de resíduo de gesso no calor de hidratação da argamassa de revestimento interno”, Ambiente Construído, v. 11, n. 2, pp. 189–199, Abr./Jun. 2011.
  • 4
    ALMEIDA, K.S., SOARES, R.A.L., MATOS, J.M.E., “Efeito de resíduos de gesso e de granito em produtos da indústria de cerâmica vermelha: revisão bibliográfica”, Revista Matéria, v.25, n.1, 2020.
  • 5
    GERALDO, R.H., PINHEIRO, S.M.M., SILVA, J.S., et al., “Gypsum plaster waste recycling?: A potential environmental and industrial solution”, Journal of Cleaner Production, v. 164, pp. 288–300, Jun. 2017.
  • 6
    SANTANA, C.V., PÓVOAS, Y.V., SILVA, D.G.C., et al., “Recycled gypsum block: development and performance”, Ambiente Construído, v. 19, n. 2, pp. 45–58, Abr./Jun. 2019.
  • 7
    CAMARINI, G., PINTO, M.C.C., MOURA, A.G., et al., “Effect of citric acid on properties of recycled gypsum plaster to building componentes”, Construction and Building Materials, v. 124, pp. 383–390, Jul. 2016.
  • 8
    MEDINA, N.F., HERNÁNDEZ-OLIVARES, F., ARROYO, X., et al., “Characterization of a more sustainable cement produced with recycled drywall and plasterboards as set retarders”, Construction and Building Materials, v. 124, pp. 982–991, Set. 2016.
  • 9
    PAPAILIOPOULOU, N., GRIGOROPOULOU, H., FOUNTI, M., “Techno-economic impact assessment of recycled gypsum usage in plasterboard manufacturing”, Journal of Remanufacturing, pp.1-27, Oct. 2018.
  • 10
    TAVARES, Y.V.P., JÚNIOR, A.C.L., SCHMITZ, I.B.T.A., et al., “Reaproveitamento do resíduo de gesso na execução de revestimento interno de vedação vertical”, Ambiente Construído, v. 10, n. 11, pp. 103–119, Jan./Mar. 2010.
  • 11
    ZHIXIN, L.I., JIAHUI, P., XINGXING, Q.I.U., “Effect of Different Ways of STPP Retarder Addition on Properties of Recycled Gypsum”, Journal of Wuhan, v. 32, n. 5, pp. 1125–1131, Oct. 2017.
  • 12
    ROSSETO, J.R.M., CORREIA L.S., GERALDO, R.H., et al., “Gypsum plaster wastw recycling: analysis of calcination time”, Key Engineering Materials, v. 668, pp. 312-321, Out. 2015.
  • 13
    PEDREÑO-ROJAS, M.A., FLORES-COLEN, I., BRITO, J., et al., “Influence of the heating process on the use of gypsum wastes in plasters: Mechanical, thermal and environmental analysis”, Journal of Cleaner Production, v. 215, pp. 444–457, Jan. 2019.
  • 14
    INAZUMI, S., SANO, H., YAMADA, M., “Estimation of gypsum hemihydrate content in recycled gypsums derived from gypsum boards”, Journal of Material Cycles and Waste Management, v. 18, pp. 168–176, Oct. 2016.
  • 15
    JACQUES, S.D.M., GONZALEZ-SABORIDO, A., LEYNAUD, O., et al., “Structural evolution during the dehydration of gypsum materials”, Mineralogical Magazine, v. 73, n. 3, pp. 421–432, Jun. 2009.
  • 16
    EMBRAPA - Manual de métodos e análise de solos, 3ª Edição, 2017.
  • 17
    Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 12127: Gesso para construção – determinação das propriedades físicas do pó, Rio de Janeiro, 2017.
  • 18
    Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 13207: Gesso para construção civil. Rio de Janeiro, 1994.
  • 19
    ANTUNES, R.P.N., Estudo da Influência da Cal Hidratada nas Pastas de Gesso, Dissertação de M. Sc, Escola Politécnica, UFSP, São Paulo, 1999.
  • 20
    Associação brasileira de normas técnicas – ABNT NBR 12129: gesso para construção – Determinação das propriedades mecânicas: Rio de Janeiro, 1991c.
  • 21
    LÊLA, L.A. Desenvolvimento de dispositivo para determinar dureza mecânica em gesso segundo NBR 12129. Trabalho de conclusão de curso. Engenharia Mecânica – UNIVASF, 2017.
  • 22
    NGERNCHUKLIN, P., YONGPRADERM, N., BOONRUANG, A., et al., “Upgrading of Waste Gypsum for Building Materials”, Key Engineering Materials, v. 766, pp. 211–216, Abr. 2018.
  • 23
    BARBOSA, A.A., FERRAZ, A.V., SANTOS, G.A., “Caracterização química , mecânica e morfológica do gesso β obtido do pólo do Araripe”, Cerâmica, v. 60, pp. 501–508, Out./ Nov./ Dez. 2014.
  • 24
    CARVALHO, M.T.M., LEES, M.I.M., TUBINO, R.M.C., “TG and DSC studies on plaster residues as recycled material”, Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 91, n. 2, pp. 621-625, 2008.
  • 25
    ERBS, A., NAGALLI, A., MYMRINE, V., et al., “Determinação das propriedades físicas e mecânicas do gesso reciclado proveniente de chapas de gesso cartonado”, Cerâmica, v. 61, pp. 483–487, Abr./ Jun. 2015.
  • 26
    SAVI, O., Produção de placas de forro com a reciclagem do gesso, Dissertação de M.Sc, UEM, Maringá, PR, Brasil, 2012.
  • 27
    Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT NBR 12128: Gesso para a construção civil: determinação das propriedades físicas da pasta de gesso, Rio de Janeiro, 2017.
  • 28
    GOLEŽ, M., POGAĆNIK, Ž., MLADENOVIĆ, A., “Laboratory-prepared lime-gypsum mixtures based on the know-how of traditional technology”, Journal of Cultural Heritage, v. 32, pp. 38–43, Mar. 2018.
  • 29
    NITA, C., PILEGGI, R.G., CINCOTTO, M.A., et al., “Estudo da reciclagem do gesso de construção”, In: X Encontro nacional de tecnologia do ambiente construído, I conferência latino-americana de construção sustentável, São Paulo–SP, Jul. 2004.
  • 30
    JO, D., LEONARDO, R.S., CARTLEDGE, F.K., et al., “Gypsum content determination in Portland cements by thermogravimetry”, Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 123, n. 2, pp. 1053–1062, Oct. 2016.
  • 31
    ERBS, A., NAGALLI, A., CARVALHO, K.Q., et al., “Properties of recycled gypsum from gypsum plasterboards and commercial gypsum throughout recycling cycles. Journal of Cleaner Production, v. 183, pp. 1314-1322, Feb. 2018.
  • 32
    MOISSET, J., “Review of the Main Process Used for Plaster Products” Gypsum Fair 97, ed. Technological Institute of Pernambuco - ITEP, Brazil 1997.
  • 33
    PINHEIRO, S.M.M., CAMARINI, G., “Characteristics of Gypsum Recycling in Different Cycles”, International Journal of Engineering and Technology, v. 7, n. 3, pp. 215–218, Jun. 2015.
  • 34
    MELO, K.K.S., LIMA, A.P.C., SANTANA, M.C., et al., “Caracterização química e mineralógica dos resíduos da mineração de gipsita no semiárido pernambucano”, Holos, v. 06, pp. 194–200, Nov. 2017.
  • 35
    PINHEIRO, S.M.M., CAMARINI, G., VIEIRA, G.L., “Utilização do resíduo de gesso de construção na produção de componentes”, In: V Encontro Nacional Sobre Aproveitamento de Resíduos na Construção (ENARC), pp. 1-15, Fortaleza-CE, Ago. 2017.
  • 36
    BARDELLA, P.S., Análise das Propriedades de Pastas de Gesso de Construção Reciclado, Tese D. Sc, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil, 2011.
  • 37
    SHIROMA, L., CAMARINI, G., BERALDO, A.L., “Effect of wood particle treatment on the properties of gypsum plaster pastes and composites”, Revista Matéria, v. 21, n. 4, pp. 1032–1044, Jul. 2016.
  • 38
    ANTUNES, R. P. N., JOHN, V. M., O Conceito de Tempo Útil das Pastas de Gesso. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2000. Boletim técnico.
  • 39
    VILLELA, L.S., CASTRO, E.D., JÚNIOR, L.M., et al., “Desempenho físico-mecânico de compósitos à base de gesso reforçados com embalagens multicamadas trituradas”, Revista Matéria, v. 25, n. 3, Jan. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    04 Mar 2021
Laboratório de Hidrogênio, Coppe - Universidade Federal do Rio de Janeiro, em cooperação com a Associação Brasileira do Hidrogênio, ABH2 Av. Moniz Aragão, 207, 21941-594, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel: +55 (21) 3938-8791 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revmateria@gmail.com