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Avaliação da influência das condições de usinagem sobre o estado de superfície obtido no fresamento de ligas de titânio

Evaluation of the influence of machining variables on the surface condition after titanium alloys milling

RESUMO

O atendimento a critérios de desempenho fisiológicos que conduzem à devida conexão estrutural e funcional entre osso e implante, denominada osseointegração, está intimamente relacionado às características superficiais do biomaterial, as quais dependem dos processos envolvidos em sua fabricação. Assim sendo, o presente trabalho visa ampliar o entendimento acerca da influência de condições de usinagem sobre a integridade superficial de componentes em titânio comercialmente puro grau 4 e Ti-6Al-4V ELI submetidos à operação de fresamento. Para tanto, a partir de um planejamento fatorial completo 23, foram selecionados como fatores de influência o tipo de ferramenta, a liga de titânio usinada e a velocidade de corte. Foram utilizadas como variáveis de resposta sobre o estado de superfície três parâmetros de rugosidade distintos, a saber: rugosidade média (Ra), assimetria (Rsk) e achatamento (Rku) do perfil. A análise de variância (ANOVA) indicou que a ferramenta corresponde ao principal fator de influência desse estudo, sendo significativa sobre todas as variáveis de resposta. A liga de titânio usinada também se mostrou influente sobre os resultados de rugosidade média, enquanto a velocidade de corte exibiu influência significativa tanto sobre a rugosidade média quanto sobre o parâmetro de assimetria. Justamente com relação ao skewness, destaca-se que as diferentes fresas empregadas produziram resultados consistentemente opostos, isto é: enquanto um modelo de ferramenta resultou em uma superfície com picos alargados e vales profundos, o outro modelo resultou em vales rasos e largos. Dessa forma, considera-se bastante provável que a utilização de ferramentas de geometria e materiais distintos venha afetar a resposta do biomaterial em termos de viabilidade celular.

Palavras-chave
Manufatura; Biomateriais; Implantes; Integridade superficial; Rugosidade

ABSTRACT

The fulfillment of physiological performance criteria that lead to the proper structural and functional connection between bone and implant, called osseointegration, is closely related to the surface characteristics of the biomaterial, which depend on the processes involved in its manufacture. Thus, the present work aims to expand the understanding about the influence of machining conditions on the surface integrity of commercially pure titanium grade 4 and Ti-6Al-4V ELI components submitted to the milling operation. Therefore, from a complete factorial design 2³, the type of tool, the machined titanium alloy and the cutting speed were selected as influencing factors. Three different roughness parameters were used as response variables on the surface state, namely: mean roughness (Ra), asymmetry (Rsk) and flatness (Rku) of the profile. The analysis of variance (ANOVA) indicated that the tool corresponds to the main influencing factor of this study, being significant over all response variables. The machined titanium alloy was also shown to have an influence on the results of mean roughness, while the cutting speed exhibited a significant influence both on the average roughness and on the asymmetry parameter. Precisely in relation to skewness, it is noteworthy that the different tools used produced consistently opposite results, that is: while one tool model resulted in a surface with wide peaks and deep valleys, the other model resulted in shallow and wide valleys. Thus, it is considered quite likely that the use of geometry tools and different materials will affect the biomaterial's response in terms of cell viability.

Keywords
Manufacturing; Biomaterial; Implants; Surface integrity; Roughness

1. INTRODUÇÃO

A crescente capacidade de se lidar com condições médicas antigamente intratáveis, atrelada ao envelhecimento da população e à melhoria de sua qualidade de vida nos países em desenvolvimento, tende a promover o crescimento das aplicações médicas e seus insumos, dos quais se destacam os biomateriais [11 RATNER, B.D., HOFFMAN, A.S., SCHOEN, F.J., et al., Biomaterials Science: An Introduction to Materials in Medicine, 3 ed., San Diego, Academic Press, 2013.]. A norma ISO 10993-1 [22 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARD (ISO). ISO 10993-1: Biological evaluation of medical devices. Geneva. 2018.], que define critérios para proteção dos seres humanos contra potenciais riscos biológicos decorrentes do uso de dispositivos médicos, estabelece duas características fundamentais associadas aos biomateriais: biofuncionalidade e biocompatibilidade. A biofuncionalidade é o conjunto de propriedades que permite ao material desempenhar uma função desejada, estando diretamente interligada a suas propriedades físicas; já a biocompatibilidade se refere à compatibilidade entre o material e o meio biológico no qual o mesmo será inserido, sendo as propriedades toxicológicas essenciais para que não ocorram reações adversas [33 GONÇALVES, V.M., Estudo da molhabilidade da superfície de titânio modificada por anodização eletroquímica para crescimento de nanotubos, FOA/UNESP, Araçatuba, SP, Brasil, 2016.]. Próteses utilizadas na restauração de articulações, como as coxofemorais, por exemplo, exigem, além de resistência mecânica, baixa densidade, excelente resistência à corrosão, módulo de elasticidade relativamente baixo e biocompatibilidade, caracterizando seu desenvolvimento como extremamente complexo [44 OLIVEIRA, B.J.S., CAMPANELLI, L.C., OLIVEIRA, D.P.O., et al., “Surface characterization and fatigue performance of a chemical-etched Ti-6Al-4V femoral stem for cementless hip arthroplasty”, Surface & Coatings Technology, v. 309, n.15, pp. 1126-1134, Jan. 2017.].

Dentre os materiais que atendem às especificações mencionadas, destacam-se os materiais à base de titânio [55 STRNAD, G., CHIRILA, N., PETROVAN, C., et al., “Contact Angle Measurement on Medical implant Titanium Based Biomaterials”, In: 9th International Conference Interdisciplinarity in Engineering, pp. 946-953, Romênia, Out. 2015.]. As ligas de titânio apresentam elevadas temperaturas de fusão e dureza, excelentes propriedades mecânicas, alta resistência à corrosão, ótima razão resistência-peso e biocompatibilidade. O titânio tem um módulo de elasticidade mais próximo ao do osso, não causa interferência de sinal na ressonância magnética e é considerado mais biocompatível do que o aço inoxidável [66 YAFFE, M.A., SAUCEDO, J.M., KALAINOV, D.M., “Non-Locked and Locked Plating Technology for Hand Fractures”, The Journal of Hand Surgery, v. 36, n.12, pp. 2052-2055, Dez. 2011.]. De acordo com Ezugwu e Wang [77 EZUGWU, E.O., WANG, Z.M., “Titanium alloys and their machinability - a review”, Journal of Materials Processing Technology, v. 68, n.3, pp. 262-274, Ago. 1997., 88 SANTOS, A.M., Usinabilidade de ligas de titânio: uma abordagem metalúrgica, Trabalho de Conclusão de Curso, DEMec/UFSCar, São Carlos, SP, Brasil, 2017.], comumente, classificam-se as ligas de titânio de acordo com as fases presentes em sua microestrutura. Ligas alfa apresentam apenas a fase hexagonal compacta (HC), como verificado no titânio comercialmente puro em temperatura ambiente e reforçado pela presença de elementos de liga alfagênicos; ligas beta apresentam a fase cúbica de corpo centrado (CCC), estável no titânio puro apenas em temperaturas elevadas, mas viabilizada com a presença de elementos betagênicos; ligas alfa-beta, por fim, apresentam ambas as fases, HC e CCC, graças à presença de elementos de liga alfagênicos e betagênicos. Titânio comercialmente puro (CP, liga alfa) e Ti-6Al-4V ELI (do inglês, Extra Low Interstitial, liga alfa-beta), normatizados, respectivamente, por ASTM F67 [99 AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS (ASTM). ASTM F67 - 13. Standard Specification for Unalloyed Titanium, for Surgical Implant Applications. West Conshohocken, 2017.] e ASTM F136 [1010 AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS (ASTM). ASTM F136 - 13. Standard Specification for Wrought Titanium-6Aluminum-4Vanadium ELI (Extra Low Interstitial) Alloy for Surgical Implant Applications. West Conshohocken, 2013.], são os dois biomateriais à base de titânio mais comuns em implantes ortopédicos [11 RATNER, B.D., HOFFMAN, A.S., SCHOEN, F.J., et al., Biomaterials Science: An Introduction to Materials in Medicine, 3 ed., San Diego, Academic Press, 2013.].

As características das ligas de titânio as fazem materiais ideais para aplicações nas indústrias aeroespacial, automotiva, petroquímica e biomédica [1111 RAHMAN, M., WANG, Z.G., WONG, Y.S., “A review on high-speed machining of titanium alloys”, JSME International Journal, v. 49, n.1, pp. 11-20, Mar. 2006., 1212 ANTONIALLI, A.I.S., Uma contribuição ao fresamento frontal da liga de titânio Ti-6Al-4V, Tese de M.Sc., FEM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil, 2009.]. A maioria dos sistemas de placas ósseas e próteses para restauração de articulações é composta de ligas de titânio ou aço inoxidável. Para obtenção de tais aplicações, utiliza-se amplamente o processo de fresamento [1313 SUN, J., GUO, Y.B., “A comprehensive experimental study on surface integrity by end milling Ti–6Al–4V”, Journal of Materials Processing Technology, v. 209, n.8, pp. 4036-4042, Abr. 2009.]. O fresamento consiste em uma operação de usinagem destinada à obtenção de superfícies planas, contornos, rasgos, cavidades, ranhuras, roscas, entre outras [1414 STEMMER, C.E., Ferramentas de corte II, 2 ed., Florianópolis, Editora da UFSC, 1995.], caracterizada pelo movimento de corte proporcionado pela rotação da ferramenta ao redor do seu eixo. O movimento de avanço é geralmente feito pela própria peça em usinagem, a qual se encontra fixa na mesa da máquina, fazendo com que a mesma passe sob a ferramenta em rotação, dando-lhe as formas e dimensões desejadas [1515 MACHADO, A.R., COELHO, R.T., ABRÃO, A.M., et al., Teoria da usinagem dos materiais, 3 ed., São Paulo, Edgard Blücher Ltda., 2015.]. Em razão de sua grande versatilidade e capacidade de proporcionar à peça praticamente qualquer forma geométrica, dentro dos processos de usinagem, o fresamento é um dos que apresentam também maior complexidade, em razão da grande quantidade de variáveis envolvidas no processo, como máquinas, ferramentas, estratégias e parâmetros [1616 ZANUTO, R.S., Avaliação de diferentes estratégias de entrada no fresamento do aço inoxidável 15-5 PH, Tese de M.Sc., FEM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil, 2012.].

Tendo em vista que na fabricação de determinados biomateriais o fresamento é empregado como processo de acabamento, vem à tona a questão da integridade superficial, que descreve a qualidade de uma superfície e engloba um grande número de alterações, como deformações plásticas, ruptura, recuperação elástica, geração de calor, tensões residuais e, às vezes, reações químicas [1515 MACHADO, A.R., COELHO, R.T., ABRÃO, A.M., et al., Teoria da usinagem dos materiais, 3 ed., São Paulo, Edgard Blücher Ltda., 2015.]. A rugosidade sofre influência de diversos parâmetros de usinagem, que incluem a geometria da ferramenta de corte, a geometria da peça, a rigidez da máquina-ferramenta, o material da peça, as condições de corte e o material da ferramenta. Dentre as condições de usinagem, Machado et al. [1515 MACHADO, A.R., COELHO, R.T., ABRÃO, A.M., et al., Teoria da usinagem dos materiais, 3 ed., São Paulo, Edgard Blücher Ltda., 2015.] afirmam que o avanço é o parâmetro mais influente, pois a altura dos picos e a profundidade dos vales das marcas de avanço tendem a aumentar em proporção quadrática. Quanto à velocidade de corte, Mersni et al. [1717 MERSNI, W., BOUJELBENE, M., BEN SALEM, S., et al., “Optimization of the surface roughness in ball end milling of titanium alloy Ti-6Al-4V using the Taguchi Method”, Procedia Manufacturing, n.20, pp. 271-276, Fev. 2018.] verificaram que no fresamento da liga Ti-6Al-4V, baixos valores conduziram a baixos valores de rugosidade, sendo a velocidade de corte o segundo parâmetro de corte mais influente sobre a rugosidade média quando comparado com penetração de trabalho e avanço por dente, enquanto Krishnaraj et al. [1818 KRISHNARAJ, V., SAMSUDEENSADHAM, S., SINDHUMATHI, R., KUPPAN, P., “A study on high-speed end milling of titanium alloy”, Procedia Engineering, n.97, pp. 251-257, Dez. 2014.] avaliando os mesmos parâmetros de corte na usinagem da mesma liga verificaram que a velocidade de corte consiste no parâmetro de maior influência sobre a rugosidade média e independentemente da diferenciação nos valores atribuídos aos parâmetros de corte e aos diferentes tipos de fresas empregadas (end mill e ball nose) chegou-se à mesma conclusão de que baixos valores de velocidade de corte produzem baixos valores de rugosidade. Machado et al. [1515 MACHADO, A.R., COELHO, R.T., ABRÃO, A.M., et al., Teoria da usinagem dos materiais, 3 ed., São Paulo, Edgard Blücher Ltda., 2015.] afirmam que baixos valores de velocidade de corte levam à formação de aresta postiça de corte (APC) e o resultado é um acabamento inferior, porém, deve-se atentar ao fato de que o aumento da velocidade de corte é obtido por meio da elevação da rotação do eixo-árvore, que pode atingir valores nos quais as vibrações podem prejudicar o acabamento. Finalmente, com relação à profundidade de usinagem, seu aumento incrementa as forças e, portanto, a possibilidade de flexões, além do que as amplitudes das ondulações também são aumentadas com este parâmetro.

Rezende et al. [1919 REZENDE, M.C.R.A., CAPALBO, B.C., CURY, M.T.S., et al., “Osseointegration of anodized implant: effect of compromised primary stability and fibrin adhesive/TEA”, Dental Materials, v. 30, n.S, pp. e-145, Mar. 2014.] lembram que a superfície de um biomaterial responde diretamente pela qualidade e quantidade de tecidos reparacionais formados, já que constitui plataforma para a migração e crescimento celular. Assim, a resposta dos biomateriais quando inseridos em um organismo vivo não depende apenas da sua composição, mas, sobretudo de parâmetros associados à integridade superficial, como rugosidade, molhabilidade e mobilidade superficial, carga elétrica, cristalinidade e heterogeneidade a reações biológicas. Entretanto, ainda pairam dúvidas no que diz respeito às propriedades ideais das superfícies de implantes para se obter a biofixação adequada, fazendo com que as variáveis de controle devam ser independentemente analisadas [2020 COUTINHO, M.P., ELIAS, C.N., “Rugosidade e molhabilidade do titânio usado em implantes dentários com superfícies tratadas”, Revista brasileira de odontologia, v. 66, n.2, pp. 234-238, Dez. 2009.]. Sun e Guo [2121 SUN, J., GUO, Y.B., “A comprehensive experimental study on surface integrity by end milling Ti–6Al–4V”, Journal of Materials Processing Technology, v. 209, n.8, pp. 4036-4042, Abr. 2009.] destacam que, apesar de fundamental, a integridade superficial induzida pelo fresamento, que inclui rugosidade superficial, tensão residual, alterações da microestrutura da superfície e microdureza, tem recebido pouca atenção.

Observa-se na literatura muitos estudos envolvendo a relação entre a rugosidade superficial de ligas de titânio e a viabilidade celular, porém os resultados desses estudos não apresentam concordância [2222 MAJUMDAR, P., SINGH, S.B., DHARA, S., et al., “Influence of in situ TiB reinforcements and role of heat treatment on mechanical properties and biocompatibility of β Ti-alloys”, Journal of The Mechanical Behavior of Biomedical Materials, v.10, pp. 1-12, Fev. 2012.]. Assim sendo o presente estudo pretende mitigar as discordâncias através da avaliação da influência direta de parâmetros particulares da manufatura de componentes biomecânicos sobre o aperfeiçoamento da rugosidade superficial final, que, conhecidamente, constitui um parâmetro fundamental no que diz respeito à osseointegração do biomaterial, a qual o presente estudo pretende preencher.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

De maneira a se compreender a influência do processo de usinagem na formação da topografia de ligas de titânio utilizadas na indústria biomédica, adotaram-se três variáveis de entrada: ferramenta, material do corpo de prova e velocidade de corte. Tomando as três variáveis com dois níveis representantes, compôs-se um planejamento fatorial 2³, o que totalizou 16 testes, sendo 8 referentes ao teste principal e os demais à réplica.

As ferramentas de corte utilizadas foram duas diferentes fresas inteiriças de metal duro da fabricante OSG Sulamericana, com quatro cortes e diâmetro de 3 mm, ambas recomendadas para a usinagem de ligas de titânio. A primeira delas, denominada fresa convencional, apresenta ângulo de hélice fixo de 30° e classe WXL, correspondente a um metal duro microgrão com revestimento que confere elevada temperatura de oxidação e dureza superior a 3.000 HV. A outra, aqui chamada fresa de alto desempenho, apresenta ângulo de saída positivo, ângulo de hélice variável entre 30º e 40º, sendo assim denominada “antivibração”, e revestimento Duarise, que evita o surgimento de trincas térmicas.

Como materiais a serem fresados selecionou-se o titânio comercialmente puro (CP) grau 4 e a liga Ti-6Al-4V ELI, cujas propriedades mecânicas e composições químicas são apresentadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. A escolha do titânio comercialmente puro grau 4 se deu por consistir no titânio comercialmente puro com maior resistência mecânica, fator que tende a desfavorecer a usinabilidade do material [2323 DINIZ, A.E., MARCONDES, F.C., COPPINI, N.L., Tecnologia da usinagem dos materiais. 8 ed., São Paulo, Editora Artliber, 2013.], em razão do teor de elementos de liga residuais ligeiramente maior do que observado nos demais graus. A liga Ti-6Al-4V ELI, por sua vez, exibe maior resistência mecânica e consiste na liga de titânio mais comumente utilizada como biomaterial. Os corpos de prova consistem de blocos dos respectivos materiais, com dimensões 25 mm × 10 mm × 8 mm.

Tabela 1
Propriedades mecânicas: Titânio comercialmente puro (CP) e Ti-6Al-4V ELI.
Tabela 2
Composição química: Titânio comercialmente puro (CP) e Ti-6Al-4V ELI.

A Tabela 3 apresenta os parâmetros de corte necessários para a condução dos ensaios conforme as recomendações do fabricante: velocidade de corte (vc), em m/min, que por sua vez, constitui a terceira variável de interesse do projeto, profundidade de usinagem (ap), em mm, penetração de trabalho (ae), em mm e avanço por dente (fz), em mm.

Tabela 3
Ferramentas e parâmetros de corte OSG [2525 OSG. AE-VMS: The New Standard for Milling. Disponível em: <https://osg.icata.net/iportal/CatalogViewInterfaceStartUpAction.do?method=startUp&mode=PAGE&catalogId=165460000&pageGroupId=1&volumeID=OSGDCS01&designID=OSGD01/>. Acesso em: mai. 2019a.
https://osg.icata.net/iportal/CatalogVie...
, 2626 OSG. EXL/WXS End Mill Series. Disponível em: <https://osg.icata.net/iportal/CatalogViewInterfaceStartUpAction.do?method=startUp&mode=PAGE&catalogId=43920000&pageGroupId=1&volumeID=OSGDCS01&designID=OSGD01/>. Acesso em: mai. 2019b.
https://osg.icata.net/iportal/CatalogVie...
].

Utilizou-se o microscópio confocal Alicona InfiniteFocus SL para a caracterização do raio de aresta das duas fresas, de forma a analisar, de antemão, o risco de que essa grandeza pudesse configurar uma fonte de variabilidade sobre os resultados do trabalho. As dimensões obtidas são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4
Dimensões dos raios das arestas principais de corte.

Aplicou-se aos valores obtidos o teste de médias t de Student, concluindo-se que, estatisticamente, os raios de aresta das ferramentas são iguais e, portanto, as diferenças entre as fresas se limitam ao ângulo de hélice e ao revestimento. A Figura 1 contém imagens representativas das arestas principais de corte da fresa convencional (Figura 1(a)) e da fresa de alto desempenho (Figura 1(b)).

Figura 1
Aresta principal de corte da (a) fresa convencional e da (b) fresa de alto desempenho

Tomando as três variáveis com dois níveis representantes, compôs-se um planejamento fatorial 2³, conforme explícito na Tabela 5, o que totalizou 16 testes, sendo 8 referentes ao teste principal e os demais à réplica.

Tabela 5
Planejamento fatorial 23.

Realizou-se a simulação do processo usinagem dos corpos de prova para se obter o código para comando numérico (CN) por meio do módulo CAM (do inglês, Computer-Aided Manufacturing) do pacote Siemens NX™ 12, disponível no Núcleo de Laboratórios de Ensino de Engenharia (NuLEEn/UFSCar) considerando futuras usinagens de geometrias complexas de biomateriais a partir dos mesmos corpos de prova. Adotou-se o corte concordante, em que a direção da rotação da fresa e a direção de avanço são coincidentes, de forma que a espessura do cavaco diminui a partir do início do corte, chegando a zero ao final do corte e evitando desgastes prematuros da ferramenta.

Os ensaios e réplicas do processo de fresamento com estratégia concordante e ferramentas novas (a fim de se evitar o efeito do desgaste) foram realizados em um centro de usinagem vertical com quatro eixos ROMI® D600, com comando numérico Siemens Sinumerik 828D, potência máxima de 15 kW, rotação máxima de 10.000 rpm e velocidade de avanço máxima de 30 m/min. Em razão das elevadas temperaturas obtidas na usinagem de ligas de titânio, utilizou-se em abundância o fluido sintético refrigerante anticorrosivo MV AQUA® 180, com base aquosa translúcida, não tóxico, biodegradável e composto de matérias primas orgânicas que evitam resíduos sólidos em superfícies tratadas.

Após a usinagem dos corpos de prova, os mesmos foram submetidos a uma caracterização de sua topografia no referido microscópio confocal, de modo a se obterem os parâmetros Ra (rugosidade média aritmética), Rsk (fator de assimetria do perfil) e Rku (fator de achatamento do perfil), empregando-se para isso um cut off de 0,25 mm, conforme especificação da norma NBR ISO 4288 [2727 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 4288:Especificações geométricas de produto (GPS) - Rugosidade: Método do perfil - Regras e procedimentos para avaliação de rugosidade. Rio de Janeiro. 2008.] para superfícies com rugosidade média entre 0,02 µm e 1 µm.

A NBR ISO 4287 [2828 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 4287: Especificações geométricas do produto (GPS) - Rugosidade: Método do perfil - Termos, definições e parâmetros de rugosidade. Rio de Janeiro. 2002.] que preza pelas especificações geométricas do produto do ponto de vista da rugosidade, com termos, definições e parâmetros de rugosidade associados ao método do perfil, define que o desvio aritmético médio do perfil avaliado consiste na média aritmética dos valores absolutos das ordenadas Z(x) no comprimento de amostragem, como o ilustrado na Figura 2.

Figura 2
Altura dos elementos do perfil (exemplo de um perfil de rugosidade) [2828 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 4287: Especificações geométricas do produto (GPS) - Rugosidade: Método do perfil - Termos, definições e parâmetros de rugosidade. Rio de Janeiro. 2002.].

O fator de assimetria do perfil avaliado, skewness, é definido como o quociente entre o valor médio dos valores das ordenadas Z(x) e o desvio médio quadrático ao cubo, no comprimento de amostragem. Fatores de assimetria com valores próximos de zero indicam uma distribuição simétrica, valores positivos, uma curva de distribuição assimétrica à direita, com predominância de picos e vales rasos e largos. Finalmente, valores negativos representam uma curva de distribuição assimétrica à esquerda, com perfil do tipo platô, com picos alargados e vales profundos. A Figura 3 ilustra o conceito associado ao skewness.

Figura 3
Correlação entre o perfil de rugosidades e a distribuição de valores de skewness

O fator de achatamento do perfil avaliado, kurtosis, consiste no quociente entre o valor médio dos valores das ordenadas à quarta potência e o valor do desvio médio quadrático à quarta potência no comprimento de amostragem. O fator de achatamento do perfil fornece um indicativo da forma da curva de distribuição de rugosidade. Fatores iguais ou maiores do que 3 representam uma curva com distribuição aproximadamente gaussiana, cujo perfil de rugosidade apresenta picos e vales afilados. Já para valores menores do que 3, a curva de distribuição tende a se alargar e o perfil de rugosidade passa a apresentar picos e vales mais largos. A Figura 4 ilustra o conceito associado ao kurtosis.

Figura 4
Correlação entre o perfil de rugosidades e a distribuição de valores de kurtosis

A fim de se identificar as variáveis de entrada e as respectivas interações cujas influências sobre os parâmetros de resposta obtidos apresentem significância que justifique sua análise em particular, utilizou-se a análise de variância (ANOVA) com um intervalo de confiança de 95%.

3. RESULTADOS

Considerando que as variáveis de resposta apresentadas neste trabalho são a rugosidade média, a rugosidade skewness e a rugosidade kurtosis, a apresentação dos resultados é dividida em subseções conforme segue.

3.1 Rugosidade média (Ra)

O comportamento da rugosidade média para as duas ferramentas estudadas em função dos materiais dos corpos de prova e das velocidades de corte pré-estabelecidas é apresentado na Figura 5. Observa-se que, para a ferramenta convencional, independentemente do material e da velocidade de corte, obtém-se rugosidade média inferior a 0,3 µm, que, de acordo com a norma ISO 1302, se enquadra na classe de rugosidade N5 (para rugosidades médias inferiores a 0,4 µm). Para a ferramenta de alto desempenho, foram obtidas superfícies na classe de rugosidade N5 apenas na usinagem do titânio comercialmente puro. De maneira geral, a rugosidade média explicitou um desempenho vantajoso da fresa convencional para usinagem de ligas de titânio frente à fresa de alto desempenho, dado que rugosidades médias ligeiramente inferiores no fresamento do titânio comercialmente puro e significativamente inferiores no fresamento da liga Ti-6Al-4V ELI foram obtidas. Adicionalmente, para a ferramenta de alto desempenho, observou-se que a rugosidade média é significativamente menor (-72%) para o titânio comercialmente puro frente à liga Ti-6Al-4V ELI e para a combinação ferramenta de alto desempenho e material Ti-6Al-4V ELI, observou-se aumento de 49% da rugosidade média com o aumento da velocidade de corte, associado muito provavelmente a vibrações decorrentes da elevada rotação do eixo-árvore da máquina-ferramenta. Caberia ainda a hipótese de maior deformação plástica da superfície em decorrência do aumento da velocidade de corte e, consequentemente, elevação da temperatura [1515 MACHADO, A.R., COELHO, R.T., ABRÃO, A.M., et al., Teoria da usinagem dos materiais, 3 ed., São Paulo, Edgard Blücher Ltda., 2015.]; porém, esperar-se-ia que o mesmo aumento observado no Ti-6Al-4V ELI ocorresse com o titânio comercialmente puro, material mais dúctil, fato que não se verificou.

Figura 5
Gráfico do comportamento da rugosidade média em função do tipo de fresa, do material e da velocidade de corte (Fonte: próprio autor).

A Tabela 6 apresenta a análise de variância (ANOVA) para a rugosidade média ao nível de confiança pré-estabelecido, de forma a aferir a influência das variáveis do trabalho (material, ferramenta e velocidade de corte) e suas interações sobre o referido parâmetro de rugosidade. O valor do teste estatístico F0 explicitou que a um nível de significância de 5% (ou seja, intervalo de confiança de 95%), todas as variáveis são influentes, assim como suas interações, sendo, porém, a variável ferramenta a mais influente dentre as analisadas, conforme explicitado no gráfico de Pareto da Figura 6.

Tabela 6
ANOVA aplicada sobre os resultados de rugosidade média obtidos.
Figura 6
Gráfico de Pareto para o Teste de Significância: rugosidade média

O comportamento da rugosidade média dos perfis analisados em função das interações das variáveis do projeto, dado que a ANOVA explicitou a influência significativa também das interações, é apresentado nos diagramas de efeitos principais da Figura 7. Com eles, corrobora-se o exposto na análise da Figura 5, que demonstra resultado vantajoso da fresa convencional na usinagem das ligas de titânio quando se vislumbra otimizar a rugosidade média do perfil usinado.

Figura 7
Diagrama de efeitos principais para a rugosidade média: (a) ferramenta versus material, (b) ferramenta versus velocidade de corte e (c) material versus velocidade de corte

3.2 Fator de assimetria do perfil (Rsk)

O comportamento da assimetria do perfil para as duas ferramentas estudadas em função dos materiais e das velocidades de corte pré-estabelecidas é apresentado na Figura 8. É possível identificar comportamentos opostos para as duas fresas analisadas, tomando-se as mesmas combinações de variáveis, o que implica em respostas distintas em termos de característica superficial. Para a ferramenta convencional, independentemente do material e velocidade de corte empregada, obteve-se Rsk positivo, o que representa uma superfície majoritariamente composta por vales mais largos, em especial, no fresamento do titânio comercialmente puro. Para a ferramenta de alto desempenho, independentemente do material e da velocidade de corte, obteve-se Rsk negativo, ou seja, superfícies predominantemente compostas por picos mais largos. Nota-se ainda que, para a fresa de alto desempenho, a velocidade de corte corresponde a um parâmetro significativo, de modo que quanto maior seu valor, mais negativo se torna Rsk. Vale destacar que a combinação entre fresa de alto desempenho, titânio comercialmente puro e velocidade de corte de 50 m/min produziu Rsk muito próximo de zero e, portanto, distribuição bastante simétrica de picos e vales.

Figura 8
Gráfico do comportamento do fator de assimetria do perfil em função do material e velocidade de corte

A Tabela 7 apresenta a análise de variância (ANOVA) para a assimetria do perfil Rsk ao nível de confiança pré-estabelecido, de forma a aferir a influência das variáveis de entrada e suas interações sobre o referido parâmetro. O valor F0 indica que a variável ferramenta é a mais influente, seguida pela variável velocidade de corte, conforme ilustrado no gráfico de Pareto da Figura 9.

Tabela 7
ANOVA aplicada sobre os resultados de assimetria do perfil obtidos.
Figura 9
Gráfico de Pareto para o Teste de Significância: fator de assimetria do perfil

3.2 Fator de achatamento do perfil (Rku)

O comportamento do parâmetro de achatamento do perfil Rku para as duas ferramentas estudadas em função dos materiais e das velocidades de corte é apresentado na Figura 10. Afere-se que em todas as condições testadas, foram obtidos valores de Rku maiores que 3, caracterizando superfícies com picos e vales afilados com repetibilidade alta dentro do perfil analisado. Caso fossem obtidos valores de Rku menores que 3, as superfícies caracterizar-se-iam por picos e vales mais largos.

Figura 10
Gráfico do comportamento do fator de achatamento do perfil em função do material e velocidade de corte

Assim como para as variáveis de resposta anteriores, a análise de variância (ANOVA) para o fator de achatamento do perfil ao nível de confiança pré-estabelecido é apresentada na Tabela 8, de maneira a avaliar a influência das variáveis e suas interações sobre o parâmetro mencionado. Similarmente, o valor F0 indicou que a variável ferramenta corresponde à mais influente, conforme ilustrado no gráfico de Pareto da Figura 11. Omitiram-se os diagramas de efeitos principais, neste caso, pela significativa e exclusiva influência da variável ferramenta sobre Rku.

Tabela 8
ANOVA aplicada sobre os resultados de achatamento do perfil obtidos.
Figura 11
Gráfico de Pareto para o Teste de Significância: fator de achatamento do perfil

4. DISCUSSÃO

Com exceção dos ensaios realizados com a liga Ti-6Al-4V ELI utilizando-se fresa de alto desempenho, obteve-se superfícies com rugosidade média inferior a 0,4 μm, de forma muito similar ao reportado por Rao, Dandekar e Shin [2929 RAO, B., DANDEKAR, C.R., SHIN, Y.C., “An experimental and numerical study on the face milling of Ti–6Al–4V alloy: Tool performance and surface integrity”, Journal of Materials Processing Technology, v. 211, n.2, pp. 294-304, Fev. 2011.] em testes de faceamento dessa mesma liga utilizando insertos de metal duro sem revestimento, fluido de corte aquoso, velocidades de corte entre 76 e 183 m/min, avanço por dente entre 0,05 e 0,13 mm e profundidade de usinagem de 0,8 e 1,3 mm.

A Figura 12 apresenta as superfícies com os resultados mais contrastantes associados ao parâmetro skewness, isto é, superfície com maior Rsk e superfície com menor Rsk, caracterizando distribuições de rugosidade assimétrica à direita e assimétrica à esquerda, respectivamente. Tal oposição, em função da variação da ferramenta de corte empregada e material usinado, é observada também em termos de rugosidade média e corroborada pelo kurtosis em ambas as condições, evidenciando elevada repetibilidade das características obtidas.

Figura 12
Fotografias das superfícies usinadas com (a) fresa convencional, alta velocidade de corte e material do corpo de prova titânio comercialmente puro e (b) fresa de alto desempenho, alta velocidade de corte e material do corpo de prova Ti-6Al-4V ELI, evidenciando diferenciação topográfica

Andrukhov et al. [3030 ANDRUKHOV, O., BEHM, C., BLUFSTEIN, A., et al., “Effect of implant surface material and roughness to the susceptibility of primary gingival fibroblasts to inflammatory stimuli”, Dental Materials, v. 36, n.6, pp. e194-e205, Jun. 2020.] verificaram por meio de ensaios in vitro que a rugosidade superficial e, em menor grau, o material de implantes dentários afetam a resposta de fibroblastos primários gengivais humanos sobre condições inflamatórias como a peri-implantite. De igual modo, Ponsonnet et al. [3131 PONSONNET, L., COMTE, V., OTHMANE, A., et al., “Effect of surface topography and chemistry on adhesion, orientation and growth of fibroblasts on nickel–titanium substrates”, Materials Science and Engineering: C, v. 21, n.1-2, pp. 157-165, Set. 2002.] concluíram, por meio de ensaios in vitro, que a rugosidade superficial de ligas NiTi afeta a orientação e a proliferação de fibroblastos e que, para um mesmo nível de rugosidade, a taxa de proliferação nessa liga é superior àquela verificada para o titânio puro e para a liga Ti-6Al-4V. Posteriormente, demonstraram que acima da faixa de rugosidade média compreendida entre 0,08 e 1 mm, faixa esta observada nos resultados do presente estudo sob todas as condições de usinagem, a proliferação celular é dificultada [3232 PONSONNET, L., REYBIER, K., JAFFREZIC, N., et al., “Relationship between surface properties (roughness, wettability) of titanium and titanium alloys and cell behavior”, Materials Science and Engineering: C, v. 23, n.4, pp. 551-560, Jun. 2003.].

Adicionalmente, Rosales-Leal et al. [3333 ROSALES-LEAL, J.I., RODRÍGUZ-VALVERDE, M.A., MAZZAGLIA, G., et al., “Effect of roughness, wettability and morphology of engineered titanium surfaces on osteoblast-like cell adhesion”, Colloids and Surfaces A: Physicochemical and Engineering Aspects, v. 365, n.1-3, pp. 222-229, Ago. 2010.] afirmam que rugosidades mais elevadas, que levam a uma maior superfície de contato, podem aprimorar a capacidade de adesão de osteoblastos sobre o titânio comercialmente puro e de maneira similar Porreli et al. [3434 PORRELLI, D., MARDIROSSIAN, M., CRAPISI, N., et al., “Polyetheretherketone and titanium surface treatments to modify roughness and wettability – Improvement of bioactivity and antibacterial properties”, Journal of Materials Science and Technology, v. 95, p. 213–224, Abr. 2021.] demonstraram que a topografia superficial consiste em um fator preponderante sob adesão e proliferação celular, sendo que superfícies com rugosidade elevada apresentam maior propensão a viabilidade celular. De forma complementar, as amostras polidas ou atacadas quimicamente, caracterizadas por Rsk < 0 e Rku > 3, valores observados no presente trabalho quando do uso da fresa de alto desempenho preponderantemente sob alta velocidade de corte, demonstraram uma melhoria na proliferação dessas mesmas células. Outrossim, para as amostras simplesmente jateadas ou jateadas e atacadas quimicamente, com Rsk > 0 e Rku < 3, a proliferação celular demonstrou maior dependência da rugosidade média.

5. CONCLUSÕES

Neste trabalho, realizou-se a variação dos parâmetros material usinado, características da ferramenta de corte e velocidade de corte empregada no fresamento de biomateriais metálicos de forma a aferir a influência dos mesmos sobre o estado de superfície obtido. A variável ferramenta se explicitou preponderantemente como a mais influente nesse estudo, sendo significativa sobre todas as variáveis de resposta (rugosidade média, fator de assimetria e fator de achatamento do perfil). A liga de titânio usinada também se mostra estatisticamente influente sobre os resultados de rugosidade média, enquanto a velocidade de corte exibe influência significativa tanto sobre a rugosidade média quanto sobre o fator de assimetria.

A ferramenta convencional, caracterizada por possuir ângulo de hélice fixo e revestimento Duarise, fornece rugosidade média menor que a ferramenta de alto desempenho com ângulo de hélice variável e revestimento WXL. Adicionalmente, a ferramenta convencional pode ser utilizada em processos de faceamento de ligas de titânio em que se requer classe de rugosidade N5, independentemente da velocidade de corte a ser aplicada, porém, a combinação que propicia o melhor acabamento superficial quando do uso da fresa convencional consiste na usinagem de titânio comercialmente puro com alta velocidade de corte, tal condição propicia otimização do acabamento superficial também para a fresa de alto desempenho.

As diferentes fresas empregadas produzem resultados consistentemente opostos quando da análise do fator de assimetria, isto é: enquanto a fresa de alto desempenho propiciou uma superfície com picos alargados e vales profundos, a utilização da fresa convencional resultou em superfícies majoritariamente compostas por vales rasos e largos. O fator de achatamento, por sua vez, evidenciou excelente repetibilidade de perfis compostos por picos e vales afilados independentemente das condições de usinagem empregadas. Dessa forma, considera-se bastante provável que a utilização de ferramentas de geometria e materiais distintos venha a influenciar significativamente a resposta do biomaterial em termos de viabilidade celular.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à fabricante de ferramentas de corte OSG Sulamericana, na pessoa do engenheiro Gustavo Santos, pela parceria e disponibilização das fresas utilizadas neste estudo. Adicionalmente, agradecem aos técnicos Leonildo Pivotto e Djalma Durici, do Laboratório de Processos de Fabricação do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSCar, pelo apoio na realização dos experimentos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2020
  • Aceito
    01 Fev 2022
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