Acessibilidade / Reportar erro

Barroco em contexto

Baroque in context

Resumos

Quem produziu música durante o longo período histórico que hoje chamamos "Barroco"? Quem a escutou? Como a prática musical teria articulado relações de poder, tanto dentro das culturas européias nas quais as estéticas barrocas nasceram quanto nas terras americanas que estas mesmas culturas colonizaram? Por que, no século XXI, poderíamos continuar a achar esta música interessante e bonita? Por que uma compreensão maior do Barroco pode ser útil nos dias de hoje? Este ensaio abordará estas questões preliminarmente situando a música barroca em relação aos sistemas emergentes de representação, trocas econômicas, poder político e produção artística que caracterizaram a longa transição das crises epistemológicas do final do século XVI da cultura européia, que se interligava com a resolução destas crises nos paradigmas da modernidade iluminista do século XVIII.

Música barroca; relações de poder e música; música barroca e colonização


Who made music during the long historical period now called "the Baroque"? Who listened to it? How might music-making have articulated relations of power, both within the European cultures where Baroque aesthetics were born and in the American lands those cultures colonized? Why might we in the 21st century continue to find such old music's interesting and beautiful? Why might a greater understanding of the Baroque be useful today? This paper will address these questions in a preliminary way by situating Baroque music in relation to the emerging systems of representation, economic exchange, political power and artistic production that characterized European culture's long transition from the late16th-century's interlocking epistemological crises toward those crises resolution in the 18th-century's paradigms of Enlightenment modernity.

Baroque Music; relations of power in music; Baroque Music and colonization


ARTIGOS CIENTÍFICOS

Barroco em contexto

Baroque in context

Suzanne CusickI

Tradução de Lucia Becker CarpenaII,* 1 Sanna Pedersen recentemente defendeu esta idéia numa apresentação intitulada "The Missing History of Absolute Music," lida no 73o. encontro anual da American Musicological Society, 1-4 de novembro de 2007, na cidade de Quebec, Canadá.

INew York University, Nova Iorque, EUA, suzanne.cusick@nyu.edu

IIUFRGS, Porto Alegre, lcarpena@terra.com.br

RESUMO

Quem produziu música durante o longo período histórico que hoje chamamos "Barroco"? Quem a escutou? Como a prática musical teria articulado relações de poder, tanto dentro das culturas européias nas quais as estéticas barrocas nasceram quanto nas terras americanas que estas mesmas culturas colonizaram? Por que, no século XXI, poderíamos continuar a achar esta música interessante e bonita? Por que uma compreensão maior do Barroco pode ser útil nos dias de hoje? Este ensaio abordará estas questões preliminarmente situando a música barroca em relação aos sistemas emergentes de representação, trocas econômicas, poder político e produção artística que caracterizaram a longa transição das crises epistemológicas do final do século XVI da cultura européia, que se interligava com a resolução destas crises nos paradigmas da modernidade iluminista do século XVIII.

Palavras-chave: Música barroca; relações de poder e música; música barroca e colonização.

ABSTRACT

Who made music during the long historical period now called "the Baroque"? Who listened to it? How might music-making have articulated relations of power, both within the European cultures where Baroque aesthetics were born and in the American lands those cultures colonized? Why might we in the 21st century continue to find such old music's interesting and beautiful? Why might a greater understanding of the Baroque be useful today? This paper will address these questions in a preliminary way by situating Baroque music in relation to the emerging systems of representation, economic exchange, political power and artistic production that characterized European culture's long transition from the late16th-century's interlocking epistemological crises toward those crises resolution in the 18th-century's paradigms of Enlightenment modernity.

Keywords: Baroque Music; relations of power in music; Baroque Music and colonization.

1- Qual contexto?

Recentemente, quanto li meu próprio resumo para a palestra que proferi na I Semana de Música Antiga da UFMG em novembro de 2007, me dei conta que meu texto traía uma idéia do "Barroco" como um período histórico muito antigo e muito distante, uma abstração da qual nós, no século XXI, herdamos peças escritas de música, aleatoriamente preservadas, técnicas para a "realização" destas peças em nossa própria época (usando réplicas de instrumentos antigos preservados aleatoriamente) e idéias imperfeitamente compreendidas para fruirmos da beleza ou, ao menos, dos sons estetic amente valiosos para nós desta época e espaço há muito desaparecidos. Imaginei então que minha tarefa para esta manhã era algo como "restaurar" na imaginação de vocês os contextos econômicos, políticos e sociais "originais" da música barroca (seus contextos neste espaço histórico longínquo e distante), como se eu estivesse devolvendo uma pedra preciosa à sua armação original em um anel antigo.

Poucos dias depois de ter enviado o resumo desse trabalho, recordei-me do comentário de um musicólogo suíço, que me lembrou, após minha apresentação na Basiléia de um ensaio com teor similar a este, que esta abordagem era completamente sintomática do que, nos Estados Unidos, se conhece como "nova musicologia". Eu pensava que meu ensaio estava profundamente contextualizado e que sua narrativa recriava meticulosamente as tensões tramadas em torno do poder político e sexual feminino em razão das quais a ópera-ballet de Francesca Caccini, La liberazione di Ruggiero (1625), tinha sido encomendada para resolver. Mas, para ele, meu ensaio discutia La liberazione de forma completamente fora de contexto. Eu não a situei em relação a outras obras similares do começo do século XVII, tais como L'Orfeo ou Il Ballo delle Ingrate de Monteverdi, nem comparei a instrumentação, a harmonia, o planejamento tonal ou as formas das canções de Caccini com as de seus contemporâneos. Para o professor suíço, assim como para qualquer discípulo do falecido musicólogo alemão Carl Dahlhaus, o contexto apropriado para qualquer obra musical são outras obras musicais. Mas para mim, uma musicóloga norte-americana de certa idade, o "contexto" para se compreender música poderia somente significar a relação das ações musicais com as forças sociais, econômicas e políticas que produziram ou possibilitaram estas ações e que foram afetadas por estas mesmas ações.

A lembrança de meu contato com o estudioso suíço me forçou ao confronto com as questões que me assombravam desde o dia em que vi pela primeira vez o título desta palestra. "Qual contexto? E contexto de quem?" O que eu, na qualidade de um ser etnicamente híbrido norte-americano, tenho a dizer sobre a imensidão que é o Barroco para pessoas para as quais "o Barroco" já tem tanta ressonância e relevância? Como eu poderia abordar as questões que coloquei em meu próprio resumo de um modo tal que não apenas repetisse o que qualquer pessoa aqui presente já pudesse ter lido por si mesma?

Em resposta a estas questões, quero começar refletindo em voz alta sobre o que "o Barroco" tem significado na cultura musical norte-americana nas duas últimas gerações, como um modo de contextualizar minha abordagem sobre a contextualização do "Barroco". Nesta parte das minhas observações pretendo demonstrar que "o Barroco" – como um conceito histórico, um princípio estético e particularmente como um repertório vasto, multinacional e polivalente – serviu aos intelectuais e músicos nos Estados Unidos como um meio para a fuga imaginária das feridas de nossa história particular pós-colonial.

2- Assombrada por passados imaginários

William Weber e Ian Woodfield demonstraram que muito da música chamada hoje de "barroca" no mundo anglófono tornou-se canônica porque correspondeu às necessidades de uma classe mercantil inglesa que, no curso das aventuras coloniais do século XVIII, se encontrava ela mesma descontextualizada geográfica e culturalmente (WEBER, 1992 e WOODFIELD, 2000). Desesperados por manter suas identidades como ingleses por meio de práticas culturais inglesas, homens em postos avançados tão distantes como Virgínia e Calcutá tocavam sonatas de Arcangelo Corelli para violino, compostas há cem anos (ou cantavam coros de Purcell) como um meio de legitimar a continuidade de suas vidas em relação àquela vida que seus avós levavam nos lares ingleses e com sua própria infância, caso tivessem tido tempo de aprender um pouco de música antes de se dedicar à vida de colonizadores empreendedores. Para eles, e sem dúvida para as culturas anglófonas pós-coloniais que deixaram para trás na América do Norte, Austrália e Nova Zelândia, o contexto afetivo para se cultivar "música antiga" de todos os tipos (tanto ouvintes quanto executantes) era sempre o desejo de usar o fazer musical como um meio para transcender o tempo e o espaço, obtendo uma comunhão imaginária e mesmo somática com a cultura de ancestrais que não eram – não são – mais seus. Outro modo de se colocar esta questão é que o hábito de olhar para velhas músicas européias como uma fonte para exercer a identidade está profundamente arraigado nas tradições do mundo colonial anglófono.

Nós nos Estados Unidos somos herdeiros desta musicalidade colonial. Em meu país, elites educadas nas universidades foram levadas nos últimos cinqüenta anos a entender como "nossa herança musical" a história, teoria e repertório do que chamamos "música culta européia," (desde as idéias de Platão em seu Timaeus e na República, até Schoenberg e Stravinsky). Embora tenha perdido recentemente importância, esta cultura musical completamente eurocêntrica sustenta nossa fantasia nacional de nós mesmos e de nossa nação como resultados lógicos (talvez mesmo como os resultados mais lógicos) da "civilização ocidental" e seus valores. Esta cultura musical inclui idéias, obras e técnicas de execução de muitas culturas nacionais diferentes (o Império Habsburgo Austro-Húngaro, as cidades-estado que se consolidaram na Alemanha e na Itália, as nações-estado relativamente antigas da França, Inglaterra e Rússia). Deste modo, nossa aceitação desta música ajuda a sustentar a fantasia sobre nossa identidade de nação multiétnica. Gostamos de dizer a nós mesmos que somos uma "nação de imigrantes". Evidentemente esta acalentada fantasia ignora nossos ancestrais brancos assassinos de populações indígenas, assim como ignora o fato de que somos também uma nação descendente de escravos e proprietários de escravos. Podemos ouvir nossa fantasia como "nação de imigrantes", como se ela fosse verdadeira, em nossas casas de ópera, igrejas e salas de concerto; nós que somos músicos a desempenhamos com o trabalho de nossos próprios corpos.

Dentro desta cultura musical identificada com a Europa, o repertório que canonizamos como fundamental para nossa identidade coletiva, multiétnica, simbolicamente branca, se centra nas músicas dos povos de língua alemã do final do século XVIII até o começo do século XX. Embora ninguém mais fale disso, nosso cânone inicia-se com as músicas que nascem e ecoam na Europa iluminista, nas revoluções burguesas e industriais – músicas contemporâneas à nossa história como nação livre, não como músicas barrocas que seriam contemporâneas à nossa história como colônia britânica. Ainda assim, penso que nossas atitudes em relação às músicas européias que canonizamos traem nossas ansiedades pós-coloniais, de uma forma que ajuda a explicar como nós, nos Estados Unidos, pensamos sobre o Barroco.

Em primeiro lugar, nossas fantasias a respeito das músicas européias que reivindicamos como nossas dependem de uma estética propagada durante a Guerra Fria que valorizou especialmente a chamada "música absoluta" – música sinfônica e de câmara – por sua aparente dissociação de contextos sociais e históricos, e de significado social1 1 Sanna Pedersen recentemente defendeu esta idéia numa apresentação intitulada "The Missing History of Absolute Music," lida no 73o. encontro anual da American Musicological Society, 1-4 de novembro de 2007, na cidade de Quebec, Canadá. . Esta dissociação permitiu que o repertório pós-iluminista que canonizamos funcionasse para nós como ocasião para experiências de uma transcendência secular que podemos facilmente combinar, mesmo que subconscientemente, com nossa existência temporal como nação. Esta transcendência também aplaca a surda dor cultural causada pelo nosso deslocamento atual em relação à cultura européia (principalmente da Europa central), que continuamos a imaginar como nosso lar afetivo e intelectual. Trata-se de um lar cujos limites nós transcendemos, um lar cuja memória, entretanto, acalentamos.

Dentro deste contexto, "o Barroco" funciona como parte de uma contracultura mais ampla, cultivada e chamada por nós nos Estados Unidos de "música antiga", músicas concebidas na Europa antes de nossa nação ter sido concebida, que usamos para fugir ou evitar alguns aspectos dolorosos da nossa particular modernidade. Primeiramente, furtando-se do compromisso com o repertório dos séculos XVIII e XIX que forma o centro de nosso cânone de performance, muitos de nós que cresceram durante a Guerra Fria usam a "música antiga" para livrar-se da nossa lembrança de que o repertório do século XIX foi associado em nossa juventude com um discurso corrente, que caracterizava os Estados Unidos como sendo fundamentalmente uma "cultura adolescente", desprovida de uma longa história. Estudando as obras anteriores ao século XIX – obras pré-mainstream – evitamos nosso próprio constrangimento por sermos "adolescentes," e damos a nós mesmos uma história mais longa que podemos reivindicar como nossa. Mais do que isso, estudando obras de música antiga somos obrigados a demonstrar as habilidades filológicas e crítico-textuais que eram tão valorizadas na terra natal percebida, imaginária, que era a idéia norte-americana de "Europa" durante a Guerra Fria – Alemanha, França, Itália, Inglaterra. Com todos os monumentos filológicos, com todas as edições modernas de música antiga, poderíamos acreditar que demonstrávamos uma maturidade acadêmica que equivalia à maturidade cultural.

Em segundo lugar, estudiosos e intérpretes sentiram-se atraídos por determinados repertórios da Europa pré-iluminista pela forma como estes combinam valor musical e sociabilidade. Estes repertórios estimulam a improvisação; são adequados à expressão de sentimentos em espaços relativamente íntimos; acredita-se que resultam de uma fusão de tradições populares e cultas; convidam à interpretação por meio da experiência física da dança; já estiveram alinhados de modo muito próximo à vida intelectual ou a princípios políticos do mundo real. [Estes repertórios] requerem a mais esmerada habilidade técnica, tanto dos executantes como dos construtores de instrumento, editores e copistas que fornecem seus produtos, e assim eles permitem sentirmo-nos ligados simultaneamente à paixão do artesão que cria um requintado instrumento com amor e em contato com um tempo e lugar distantes no qual o trabalho artesanal (nem uma grande arte produzida para a eternidade, nem o divertimento barato para as massas) era altamente valorizado. Várias combinações destas qualidades mantém a performance e as comunidades de estudiosos que se ocupam da música antiga, incluindo a música barroca, nos Estados Unidos hoje.

É digno de nota que muitas destas qualidades (improvisação, contato com verdadeiras comunidades, intimidade com tradições populares e com a dança) caracterizem o jazz e outras músicas afro-descendentes. Poder-se-ia até suspeitar que a participação na subcultura da música antiga permite a norte-americanos identificados com a cultura européia satisfazerem sua/nossa inveja em relação a algumas das mais atraentes características da musicalidade afro-americana sem o engajamento social com as pessoas afro-americanas nem o engajamento intelectual com o mais sombrio legado de nosso próprio barroco – a herança da escravidão africana, cujas conseqüências são onipresentes na vida diária e audíveis em muitos gêneros de nossa música popular, que caracterizam a presença sorrateira (e horripilante) do imperialismo cultural norte-americano em todo o mundo.

A conclusão lógica a que se chega a partir desta análise dos modos como a "música barroca" funciona no contexto norte-americano é que ela ao mesmo tempo faz e não faz parte de nossa tradição2 2 Para duas análises muito diferentes de "cultura da música antiga" nos Estados Unidos, ver TARUSKIN, 1988 p. 137-210) e SHELEMAY, 2001, p. 1-29). . Não se trata, definitivamente, para nós, de uma ocasião para transcendência ou de uma oportunidade de nossa imaginação ser dirigida para experiências com o divino3 3 Uma única notável exceção que posso pensar é a tradição do Messias de Handel executado no Natal. . Trata-se de uma esfera da fantasia na qual nos sentimos livres, como estudiosos e performers, para experimentarmos os meios através dos quais se pode compreender a relação entre ações musicais e as forças culturais que as tornam possíveis e nas quais intervêm; e a relação entre executar uma música de uma outra época e lugar com a própria experiência de identidade cultural e histórica. Como qualquer outro povo descontextualizado e híbrido, sem uma tradição clara e autêntica, somos assombrados pelo "Barroco", apaixonados por muitos de seus fantasmas.

3 - Historicizando "o Barroco" estilo norte-americano.

Atravessei quatro ondas de pesquisas nos Estados Unidos que tinham o propósito de contextualizar "o Barroco." Cada uma delas emergiu do amplo contexto da cultura musical de elite de meu país, como tentei esboçar para vocês. Cada uma pode ser contextualizada em seu próprio momento histórico no final do século XX, cada uma tentou "contextualizar" a música barroca explorando o conhecimento histórico sobre os mundos distantes no tempo e no espaço nos quais essa música foi ouvida pela primeira vez. E cada uma delas, baseada nesta última premissa, chegou à conclusão de que o "contexto" que os estudiosos americanos imaginam para essa música é tão complexo e multifacetado como qualquer obra do Barroco tardio que se queira mencionar.

A primeira, surgida nos anos 1960, poderia ser entendia como uma resposta ao livro The Structure of Scientific Revolutions (KUHN, 19624 4 Michel Foucault chamou a atenção para a mesma mudança de pensamento em seu igualmente influente Les mots et le choses (1966), nomeando o fenômeno de ruptura entre dois epistemas. Apesar de este livro ter sido já traduzido em 1970, a análise de Foucault não circulou muito entre estudiosos de música nos Estados Unidos até o final dos anos 80. ), do historiador da ciência, Thomas Kuhn, que obteve grande projeção. Desde os anos 1960, estudiosos e intérpretes norte-americanos compreendiam o barrroco como uma resposta ao que Kuhn chamou de mudança de paradigma que envolveu a Europa no século XVI. Tendemos a acreditar que esta resposta se caracterizava por uma enorme explosão de criatividade que posteriormente impulsionou a cultura européia em direção à chama brilhante da modernidade, cujos prodígios tecnológicos e compromisso com o materialismo permitiriam que a cultura européia conquistasse o mundo. Nossa historiografia enfatiza os choques epistemológicos que precipitaram o que muitos podem considerar como um longo século XVII (c.1580-c.1730) – o contato com as Américas, a Reforma Protestante e as guerras religiosas dela decorrentes, a revolução de Copérnico, o surgimento de soberanos e estados absolutistas e o gigantesco deslocamento de riqueza que acompanhou o desenvolvimento do comércio inglês, francês e ibérico pelo Atlântico, que logo eclipsou o comércio pelo Mediterrâneo, aniquilando a outrora orgulhosa hegemonia financeira italiana baseada no sistema bancário. Estimulando uma ampla fascinação pelo afeto da surpreendente maravilha (meraviglia), considera-se que estes deslocamentos coincidiram com mudanças igualmente profundas (ou talvez as tenham causado) na maneira como seria organizada a relação entre os sons musicais (de modal para tonal) e na relação da música com a linguagem. Juntas, estas mudanças levaram à criação de uma cultura musical na qual os prazeres da vocalidade constituíram uma bem-vinda trégua ao significado semântico (tanto na igreja como no teatro), carregando a imaginação em direção à contemplação do maravilhoso e à uma cultura musical na qual a vocalidade extra-semântica e a música instrumental completamente desprovida de texto se tornariam o meio para o maravilhoso. Três gerações de estudiosos elaboraram esta narrativa geral, adicionando detalhes sem questionar a idéia de que a estarrecedora inventividade artística do Barroco foi o feliz resultado de mudanças que, no começo, davam a impressão de derrubar a ordem natural das coisas. Eu diria que esta narrativa geral serviu como uma alegoria que ofereceu esperança àqueles que viveram o turbilhão dos anos sessenta como um cataclisma similar – isto é, como a primeira onda de choques sinalizando o colapso da ordem das coisas do Iluminismo moderno.

Uma elaboração particularmente forte desta narrativa emergiu nos últimos 25 anos no trabalho de historiadores da ópera como Ellen Rosand, Tim Carter, Wendy Heller e Martha Feldman5 5 Ver especialmente: ROSAND, 1991 e 2007; CARTER, 2002; HELLER, 2004; e FELDMAN, 2007. . Cada um deles trabalhou de modo a contextualizar a ópera em relação aos tropos literários (e inquietações) que dominaram os libretos desde as primeiras óperas de corte do século XVII até a ópera séria no final do século XVIII, e [de modo] a mostrar como alguns destes tropos serviram aos interesses políticos e financeiros da elite que sustentava a ópera. A narrativa comum subjacente em seus trabalhos é a crença de que as elites emergentes na Europa barroca responderam às rápidas e vertiginosas mudanças buscando na história pregressa bases para suas identidades coletivas na identificação com passados imaginários. Deste modo, dos florentinos que reivindicavam para si terem inventado um novo modo de cantar na passagem para o século XVII aos reformistas, que codificaram a ópera séria um século depois, a inovação era justificada como um renascimento de costumes gregos antigos. E também deste modo, argumenta Feldman, as execuções de ópera, tanto públicas como nas cortes cujos enredos, baseadas na mitologia antiga, funcionavam como ocasiões rituais para todos os presentes, de modo a sancionar uma renovação da continuidade cultural com os mesmos gregos que públicos em locais distantes como Londres, Paris e Viena reivindicavam para si uma descendência cultural, senão étnica. Resumindo, europeus do Barroco utilizaram performances baseadas nos tropos e na estética de determinadas culturas antigas com propósitos muito semelhantes para os quais seus primos colonialistas nas Américas ou Índia do século XVIII usaram a música do século XVII, e ainda de modo muito parecido como os músicos e público pós-coloniais usam a música barroca agora – para construir uma história e portanto reivindicar para si, como tradição cultural sua, práticas que ao mesmo tempo foram e não foram suas.

Sob a pressão da crítica literária feminista, a disciplina da história das mulheres, e um expressivo aumento do número de mulheres trabalhando como musicistas ou pesquisadoras em música no final dos anos 1980, o foco de tanto empenho acadêmico para o entendimento da ópera antiga não pôde evitar de envolver-se com questões relativas a gênero. A crítica Susan McClary focou sua atenção no modo como as caracterizações operísticas representam mulheres, homens e o desejo hetero e homossexual como um meio de desenvolver o pressuposto de que a tonalidade por si só (o método de compreensão das relações de altura que emergiu como resposta à mudança de paradigma) foi um sistema para criar e canalizar o desejo6 6 Ver McCLARY, 1991 e 2004. . Simultaneamente, muitos estudiosos focaram sua atenção nas mulheres musicistas profissionais7 7 Algumas das melhores pesquisas apareceram primeiramente em revistas, depois em coleções de ensaios publicados no início deste século, incluindo-se BORGERDING, 2002; AUSTERN, 2002; LaMAY, 2005; AUSTERN e NARODITSKAYA, 2006; e FELDMAN e GORDON, 2006. Apesar de focar mais na masculinidade e musicalidade, o estudo de Richard Wistreich sobre gênero e vocalidade na corte de Ferrara, Warrior, Courtier, Singer (2007) oferece insights fascinantes sobre a função do concerto delle donne naquela corte. Monografias recentes que exploram as relações ligando gênero à musicalidade barroca inclui MACNEIL, 2003; GORDON, 2004; GLIXON, 2006; HARNESS, 2006; CUSICK, 2009, e FREITAS, no prelo. . Alguns chamaram a atenção para o fato de que algumas das peças mais antigas de música secular destinadas a provocar surpreendente meraviglia foram executadas por conjuntos formados por mulheres virtuosi mantidos por todas as cortes principescas no começo do Barroco. Outros [pesquisadores] delinearam as complicadas relações que ligavam as intenções políticas atendidas por estes ensembles aos objetivos do culto barroco pelas divas e castrati e ao emaranhado de gêneros reais e representados presentes no palco de ópera. Em parte inspirada pelo argumento da historiadora das mulheres, Joan Scott, a qual afirma que o gênero quase sempre funciona como uma metáfora de outras formas de poder, e por outro lado inspirada pelo interesse da filósofa feminista Judith Buttler em conjugar idéias de estudos de performance e teoria lingüística, esta corrente de pesquisa provocou ressonâncias nos estudos sobre mecenato e a partir daí nos estudos das diferentes formas de como relações de poder podem ser representadas pela execução musical (SCOTT, 1996 e BUTLER, 1990).

Finalmente, e bem mais recentemente, alguns estudiosos da música antiga têm se sentido eles mesmos aprisionados entre o prazer artesanal do fazer musical que caracteriza nossa subcultura e a pós-modernidade, na qual ouvir música gravada se tornou quase a única forma de expressar musicalidade. Estarrecidos com isto, eles tentaram historicizar a escuta como uma prática musical, percebendo que a musicalidade barroca contemplava pressupostos sobre a escuta: até pelo menos os anos 1630, todos os espetáculos de corte que envolviam encenação parecem ter incluída uma cena na qual o canto retoricamente magistral no novo estilo recitativo mudava o curso dos acontecimentos do enredo. Aparentemente, estas cenas parecem ter sido também freqüentemente encenadas de modo que os ouvintes presentes, sentados no palco, representassem por mímica os afetos que o canto magistral lhes provocava. Deste modo, todos na audiência aprendiam como deveriam reagir: eles deveriam ser afetados emocionalmente e mesmo fisicamente, pela "nova canção" corretamente executada.

A prática de ser tão afetado pela canção se estendeu a situações muito distantes da corte, como um comportamento através do qual os homens da elite no Barroco podiam, eles mesmos, perform8 8 N.T. Mantemos o termo em inglês por ser perfeitamente compreensível em nossa língua e por fazer parte de uma terminologia ainda não completamente estabelecida em nosso vocabulário. seu refinamento, bom gosto e capacidade de experimentar a transcendência estética. Como Andrew dell'Antonio e Amy Brosius demonstraram em estudos muito diferentes, estes homens aprenderam a associar o prazer musical a sensações eróticas voyeurísticas visitando estúdios musicais para observar as aulas, freqüentemente de grande rudeza disciplinar, nas quais jovens promissoras de classes artesãs eram treinadas para se tornarem cantoras profissionais (DELL'ANTONIO, 2005 e BROSIUS, ?). De fato, em pelo menos um caso, em Florença, a defesa de um homem acusado do crime capital de invadir a cela de uma freira enclausurada baseou-se na reivindicação de ter sido arrebatado pelo prazer musical de ouvi-la cantar, através das grades da igreja de seu convento9 9 Os documentos sobre este caso estão no Archivio di Stato of Florence, Itália, em Otto di guardia e balìa, 2793. . Os homens da elite aprenderam também a associar o prazer musical ao erotismo consumado freqüentando reuniões privadas nas casas de cortesãs, que, muitas vezes, contemplavam um dos convidados com uma noite de prazeres privados. Contudo, como Dell'Antonio mostrou, os livros jesuítas de conduta exortavam estes homens a sublimar o erotismo da escuta, aprendendo a escutar nas incrivelmente intrincadas belezas da música barroca um convite a direcionar sua imaginação para a contemplação do divino.

4 - Contexto, interpretação e Il ballo delle Ingrate.

Ao invés de deixar minhas observações desta manhã permanecerem no nível das generalidades, quero concluir com uma demonstração que é totalmente característica da maneira como meus conterrâneos se ocuparam nos últimos anos do problema da contextualização da obra artística. Pretendo concentrar minha atenção estritamente na obra Il ballo delle Ingrate de Cláudio Monteverdi [ópera apresentada na I Semana de Música Antiga da UFMG], explorando muitos dos contextos "originais" do século XVII e mostrando como tanto os contextos "extra-musicais" como "musicais" que os historiadores são capazes de reconstruir poderiam contribuir para compreendermos os efeitos comunicativos da obra na sua estréia em Mântua, Itália, em 1608. Começando com os mais amplos contextos possíveis, irei centralizando meu foco em detalhes históricos, culturais e textuais mais pormenorizados.

Em 1608, os primeiros representantes ingleses se estabeleceram na Índia; um incêndio destruiu o primeiro assentamento inglês em Jamestown, Virgínia; exploradores franceses fundaram a cidade de Quebec e soldados franceses assassinaram dois chefes iroqueses usando armas de fogo, encerrando para sempre o que havia sido uma relação de cooperação entre os colonizadores franceses e a população indígena de suas colônias. Deste modo, o Ballo de Monteverdi foi concebido e apresentado pela primeira vez quase exatamente no mesmo momento histórico em que nações-estado voltadas para o Atlântico começaram a desafiar a hegemonia econômica das cidades-estado italianas, baseadas desde o começo no comércio mediterrâneo que monopolizou o acesso da Europa aos mercados e recursos da Ásia central e meridional e nos impérios bancários que foram mantidos por este comércio. Isto ocorreu também mais ou menos no momento histórico em que surgiu o sistema econômico que sustentou a extraordinária criatividade artística do Barroco. (Seria necessário um longo período até que os italianos entendessem as mudanças tectônicas no poder global que lhes renderiam principalmente um laboratório para a produção de produtos de luxo, incluindo muitos tipos de música. As pessoas presentes à primeira apresentação do Ballo possivelmente morreram sem ter conhecimento disso. Mas poder-se-ia argumentar que a extravagância barroca da cultura cortesã dentro da qual o Ballo foi concebido era ela mesma uma resposta dos príncipes italianos à compreensão intuitiva de que as novas rotas de comércio do Atlântico ameaçavam sua hegemonia, levando-os simultaneamente a exagerar sua importância cultural e a procurar alianças com nações européias maiores por meio de casamentos.)

O Ballo foi originalmente concebido como o terceiro de quatro espetáculos a serem encenados em espaço fechado durante as duas semanas de festividades públicas que celebraram o casamento do príncipe coroado de Mântua, D. Francisco Gonzaga, com a princesa Margarida de Sabóia. Tais espetáculos teatrais eram obrigatórios para as famílias dirigentes de estados monárquicos, fossem eles grandes ou pequenos10 10 As melhores fontes em inglês sobre estas festividades estão em CARTER, 1999, p. 63-90 e 2002; GORDON, 1999, p. 1-30; MACNEIL, 2004. . Eles se tornaram particularmente faustosos na Itália ao longo do século XVI, um meio de competição entre as famílias que reinavam sobre pequenos ducados no norte da Itália (conseqüentemente daí os formidáveis lucros mercantis e bancários) como se fossem monarcas absolutistas.

Cada casa ducal tinha suas próprias ansiedades. A família Medici, que reinou sobre o mais poderoso destes estados, a Toscana, criou uma monarquia hereditária apenas no final dos anos 153011 11 Sobre a consolidação de poder dos Medici, ver DIAZ, 1976. Estudos recentes sobre o papel que os divertimentos de corte possuíam no processo incluem: MAMONE, 2003, TREADWELL, 2008, e CUSICK, 2009. . Banqueiros investidores, ao contrário de nobres feudais, a família casou seus primogênitos com princesas e as primeiras filhas [destes casamentos] com reis, no esforço de consolidar seu anseio de serem os senhores absolutos de sua minúscula nação. Cada casamento era celebrado com entretenimentos cada vez mais exuberantes, destinados a impressionar os convidados estrangeiros e os cidadãos com demonstrações de puro poder nos banquetes, na sua habilidade cortesã de transcender limitações humanas, executadas simbolicamente por meio da maestria tecnológica do maquinário teatral e pelo cantar emocionalmente surpreendente da criadagem musical da casa (especialmente as mulheres), e por sua habilidade em trabalhar de forma harmoniosa com a classe dirigente hereditária da Toscana por meio de danças com elaboradas coreografias, executadas por nobres escolhidos e membros da família reinante. Embora os Gonzaga, em Mântua, tivessem reivindicações mais antigas para legitimar a monarquia, cada um deles possuíra uma família de simples senhores feudais até o início do século XVI, sem alianças internacionais firmadas por casamentos. Sua riqueza advinha da proximidade de seu território com o rio Pó, o mais longo da Itália, que nutre terras extremamente férteis para a agricultura e, além do mais, esse foi o rio pelo qual durante séculos mercadorias asiáticas foram transportadas do leste do Mediterrâneo para o resto da Europa. Quando os Gonzaga também começaram a negociar alianças matrimoniais com os grandes estados voltados para o Atlântico, transformaram seus entretenimentos culturais, brilhantes apesar de decididamente provincianos, para imitar a grandiosidade dos Medici12 12 Sobre os Gonzaga como governantes de Mântua, ver MALACARNE, 2004. Sobre o seu uso de divertimentos para exercer o poder, ver BRUNATTI e MARI, 2005. .

Vincenzo Gonzaga, duque de Mântua, e sua esposa Eleonora de Medici, trabalharam por anos negociando o casamento de seu filho mais velho, Francesco, com a filha mais velha de Carlo Emanuele, duque de Sabóia. A união garantia duas vantagens: resolveria uma disputa de terras entre Mântua e Sabóia, que já durava oitenta anos, e prometia introduzir os Gonzaga em uma relação familiar com os reis da França e Espanha, os gigantes do comércio no Atlântico. A disputa de terras era sobre a propriedade de Monferrato, uma fértil região no vale nordeste do Pó. A área fora dada por Carlos V, imperador do Sacro Império Romano, aos seus vassalos, os duques de Mântua, em 1536, mas era reivindicada pelos duques de Sabóia, que mudaram sua capital para perto de Turim em 1559. Margarida de Sabóia, a moça de dezoito anos que seria a noiva de Francesco Gonzaga em 1608, era neta do duque que reavivou a reivindicação dos direitos de Sabóia sobre Monferrato: toda criança Gonzaga nascida desta união teria direito legítimo a Monferrato, e portanto, em seu próprio corpo resolver-se-ía o conflito. Pelo fato de a mãe de Margarida ser filha de Filipe II de Espanha e Elizabeth Valois (filha de Henrique II da França), a mesma criança estaria ligada pelo sangue aos regentes de duas poderosas forças na economia colonial emergente. Aqui é digno de nota que nem a noiva nem o noivo eram pensados como agentes sexuais: era exigido de ambos que sacrificassem quaisquer que fossem suas preferências amorosas ou sexuais pelo bem do estado, assim como seus pais haviam feito antes deles. As conseqüências públicas das escolhas sexuais pessoais de um personagem seriam o tema central dos espetáculos que celebraram este casamento.

De acordo com o relato oficial que o superintendente das festividades, Frederico Follino, escreveu para a corte, o casamento Gonzaga-Sabóia foi celebrado em Mântua durante mais de duas semanas no meio da primavera de 1608 (fim de maio, começo de junho) (OLSCHKI, 2004). As festividades incluíram um torneio com figurinos elaborados (Il trionfo dell'onore), uma batalha naval simulada na lagoa que circunda a cidade e quatro espetáculos em espaço fechado: uma "tragédia em música" totalmente cantada, de autoria do poeta florentino Ottaviano Rinuccini, sobre a história de Arianna; uma peça declamada de Giovanni Battista Guarini, L'Idropica, encenada pela famosa trupe de commedia dell'arte conhecida como I Fedeli, com intermedii (espetáculos encenados entre os atos) concebidos por Gabriello Chiabrera; o Ballo delle Ingrate, baseado em idéias e versos novamente de Rinuccini e, como um presente do noivo, um segundo ballo, intitulado Il sacrificio d'Ifigenia, baseado em versos do antigo secretário de Mântua, Alessandro Striggio. O maestro della musica di camera da corte, Claudio Monteverdi, supervisionou toda a preparação musical e compôs a música para L'Arianna, o Ballo delle Ingrate e talvez os intermedii para L'idropica. O compositor florentino Marco da Gagliano, amigo íntimo de Ferdinando Gonzaga, irmão do noivo, compôs a música para Ifigenia.

Rinuccini parece ter concebido o Ballo delle Ingrate principalmente como uma oportunidade de exibir a maestria dos serviçais dos Gonzaga nos efeitos cênicos e nas danças. Quando a cortina se abriu, ao som "estrondoso e assustador de tambores desafinados, embaixo do palco", revelou-se

a grande boca de uma caverna larga e profunda, a qual, se estendendo para os confins da cena, parecia que ia tão longe que o olho humano não poderia alcançar seu fim. Esta caverna era rodeada por dentro e por fora por chamas ardentes, e em suas profundezas mais escuras, em uma parte muito profunda e distante de sua boca, se podia ver um grande abismo, atrás do qual havia bolas de fogo flamejantes, dentro das quais havia incontáveis monstros do inferno, tão horríveis e assustadores que muitos não tiveram coragem de olhar para eles.13 13 A tradução em inglês é de GORDON, 1999, p. 18.

Deste aterrorizante abismo de fogo emergiam corpos de mulheres com mantos cor de cinza, mulheres que rejeitaram o amor dos homens, dançando aos pares até serem detidas pela retumbante voz de Plutão, deus do mundo subterrâneo. Colocado no centro do semicírculo formado pelos corpos das Ingrate, Plutão dirigiu-se ao camarote construído em direção oposta a do placo, onde Margarida de Sabóia, a noiva de dezoito anos, estaria sentada com suas novas parentes e as damas de companhia que a acompanharam desde sua casa. Em 35 linhas de poesia extremamente culta (sete quartetos, um terceto e outro quarteto) declamada em recitativo grave e amplo, Plutão reafirmou à noiva que ele não tinha vindo para levá-la, assim como fez com Perséfone, mas para mostrar a ela o implacável destino que espera pelas mulheres que rejeitam o amor dos homens. Parcialmente queimadas, desgrenhadas, pálidas por terem sido privadas por muito tempo de luz e ar, estas mulheres "se mortificam em vão, num perpétuo lamento" por sua beleza perdida e pelas oportunidades amorosas que elas desdenharam. Ao final desta fala, em resposta ao comando de Plutão, as Ingrate dançaram, em seu caminho de volta à boca do inferno.

O cenário original de Rinuccini reafirma fortemente aspectos que os estudos norte-americanos de contextualização do barroco ensinaram-me a perceber. Em primeiro lugar, e mais obviamente, o espetáculo está centrado num momento de ruptura. Na verdade, é uma ruptura forjada por um deus clássico em corpos humanos anônimos, um deus cujo próprio nome evoca tanto a autoridade cultural do mito quanto a história particular de sua soberania sexual e política. Quando Plutão rompe a dança com seu canto, ele rompe um espetáculo que deveria dar à audiência de Mântua a impressão de representar a harmonia cósmica da ação humana na História. Muitos dos membros da elite educada deveriam ter lido, quando crianças, o argumento de Platão (nas Leis), proclamando o ritmo e a dança como sendo um presente dos deuses para os seres humanos, "por meio dos quais eles nos levam ao movimento e a guiar nossos grupos, conectando-nos uns aos outros por meio de canções e danças" (BURY, 1926). No final do século XVI e começo do XVII, o movimento entrelaçado de danças no palco, como no Ballo, encenava a formação e dissolução de figuras geométricas que, acreditava-se, constituíam as relações eternas do cosmos (NEVILE, 2008). Sempre dançadas pelos membros mais elevados da elite, estas danças serviam tanto para representar como para corporificar o caos dinâmico e a ordem que caracterizaram a história humana – exatamente como o fluxo de consonâncias e dissonâncias e tempos fortes e fracos da música que acompanhava as danças. Ao interromper esta dinâmica, o recitativo de Plutão rompia simbolicamente com a história, suspendendo o pulsar da ordem cósmica e substituía seus sons com a fala cantada, que era compreendida como o único meio pelo qual a característica especificamente humana da razão poderia se comunicar. A razão, especialmente no recitativo, era usada para controlar as harmonias audíveis da canção e deste modo impor a razão humana em um meio através do qual se poderia, através da escuta, conhecer as relações que constituem o cosmos.

O poder que a voz de Plutão tinha sobre os corpos das bailarinas ilustra a representação da escuta atordoante, meravigliata de uma voz à qual dell'Antonio e outros perceberam como praticamente universal no espetáculo do início do Barroco. Contudo, é importante ressaltar que Plutão não se dirigia às Ingrate. Era a noiva, Margarida de Sabóia, e as mulheres ao seu redor, assim como as bailarinas caracterizadas de Ingrate que escutavam estarrecidas a voz patriarcal da razão, que podia romper a ordem cósmica e por conseqüência intervir na história. A atribuição de gênero à canção e à escuta petrificada, muda, espelhava a ordem característica dos gêneros, tal qual ela aparecia em incontáveis livros de conduta da época – livros que constantemente repetiam a alegação de Aristóteles, na qual a eloqüência da mulher era o seu silêncio. Além do mais, esta gendered performance14 14 N.T.: O termo gendered perfomance não será aqui traduzido por "execução generizada," por tratar-se de um neologismo extremamente cacófono em português. da canção e do silêncio tinham efeito metafórico: ao reforçar a ordem estabelecida em relação aos gêneros, ela [a performance] também reforçava a adequação do poder do soberano evocado sobre a organização social de seus súditos.

Mas não foi exatamente isto que aconteceu com o Ballo delle Ingrate, nem em 1608 nem na versão que Monteverdi publicou trinta anos depois (dedicada à imperatriz da Áustria, da família Gonzaga). O jovem Francesco Gonzaga já estava em Turim para participar das festividades de casamento da família da noiva, quando sua mãe, a duquesa Eleonora de Medici-Gonzaga, pediu a Rinuccini que adicionasse duas seções cantadas ao Ballo: um diálogo de abertura entre Vênus, seu filho Cupido e Plutão, antes das Ingrate emergirem do inferno (conduzidas por Cupido, que entrou corajosamente na boca do inferno, ao invés de ser comandado por Plutão) e um lamento final cantado por uma ingrata anônima enquanto suas companheiras dançavam de volta ao inferno. O primeiro acréscimo pode ter sido motivado pelo desejo da duquesa de aproveitar integralmente os cantores escalados para personificar Vênus e Cupido no prólogo de Arianna. O segundo certamente resultou de seu desejo de dar a seus convidados uma segunda oportunidade de apreciar a assombrosa habilidade que a atriz Virginia Andreini demonstrava em cenas de lamento, já demonstrada em seus ensaios para o papel-título de Arianna. Independentemente de quais fossem suas motivações, o resultado dramático era o de emoldurar o espetáculo das ingratas anônimas, dançando em cenas cantadas. Estes acréscimos diluíram o poder que o primeiro esboço de Rinuccini havia dado à solitária voz patriarcal de Plutão – o poder exclusivo de romper com a dança das ingratas e de explicá-las à audiência a qual se destinava.

Quando o Ballo foi apresentado em 1608 (e do modo como o texto chegou a nós), o abrir das cortinas revelava Vênus e Cupido em uma penumbra acinzentada, em frente à boca do inferno, onde Vênus pretendia suplicar a Plutão que libertasse as ingratas em consideração a seu filho. O impetuoso Cupido desaparecia rapidamente para dentro do inferno, trazendo Plutão para fora, para uma conversa com sua mãe, que não pedia para si, mas por seu filho, ao mesmo tempo que atribuía a resistência das ingratas [ao amor] à sua vaidade, frieza e orgulho. Plutão se compadece, ordenando a seus espectros que conduzam as ingratas para a luz. Quando elas aparecem, Vênus e Cupido cantam sobre sua condição miserável, em um dueto estarrecido. Emily Wilbourne chamou a atenção (em uma comunicação de 2005) que esta é a primeira vez que a voz de Cupido, até então aguda e de fôlego curto, corresponde em tessitura e estilo vocal à gravidade e controle de sua mãe15 15 Emily Wilbourne, "Il ballo delle Ingrate: Sovereign performativity and the Performance of Sovereignty," texto lido no encontro anual da Renaissance Society of America, abril de 2005, Cambridge, Inglaterra. O texto fará parte de sua dissertação, "La Florinda: An Essay on the Historiography of Performance", tese de doutorado, New York University, 2008. . É como se a mera visão destas mulheres o tivesse arremessado para a maturidade. Refletindo sobre todas as performances encenadas da recepção correta que estudiosos da "escuta" notaram neste repertório, ela prossegue observando que este salto para a maturidade é o verdadeiro efeito que a aparência das Ingrate deveria ter na noiva e talvez em todos os jovens da elite, de ambos os sexos, que presenciaram sua dança. Todos deveriam ser impelidos a aceitar a heterossexualidade compulsória que era, para a sua classe, uma exigência para a maturidade política e pessoal. Se eles, assim como as Ingrate, recusassem, teriam que suportar o destino dos segundos filhos – a vida monástica para as mulheres e para os homens, o sacerdócio pretensamente celibatário ou a perigosa vida de general. Wilbourne sugere ainda que todos os presentes deveriam ter ouvido "um modelo para a soberania feminina aceitável" nas eficazes súplicas de Vênus a Plutão. Certamente eles devem ter ouvido uma voz feminina que participou enfaticamente, ainda que de forma indireta, no rompimento temporário do destino das ingratas. Deste modo, a cena que Eleonora forçou Rinuccini e Monteverdi a adicionarem no último instante acabou por suavizar a primeira versão da severa exortação patriarcal à heterossexualidade compulsória. Do mesmo modo, penso que a adição do breve lamento solo da ingrata quase no final do Ballo teve o mesmo efeito.

Anne MacNeil mostrou que lamentos na voz poética feminina eram quase características universais dos rituais de casamento no final do século XVI e começo do século XVII na Itália; na verdade, ela sugere que os lamentos podem ter feito parte de rituais mediterrâneos de casamento durante séculos, talvez mesmo durante a Antiguidade clássica (MACNEIL, 1999, p. 406-417). Todas as vezes em que eram cantados, os lamentos assinalavam a passagem de um estágio de vida a outro – fosse da vida para a morte, em funerais, ou da adolescência para a sexualidade reprodutora do casamento que levava a novas vidas. Por representarem a passagem de uma condição de vida a outra, os lamentos também eram ocasiões para a experimentação de excessos retóricos e vocais, por expressar pensamentos anti-sociais e explorar as conseqüências de um comportamento sexual inadequado (tal como o flerte politicamente desastroso de Dido, rainha de Cartago, com o guerreiro estrangeiro Enéas). De fato, MacNeil mostra que os rapazes em idade escolar dos séculos XVI e XVII eram normalmente ensinados a improvisar lamentos na voz poética de rainhas clássicas como a Dido de Virgílio, em um exercício que tinha por objetivo explorar os limites da retórica latina e ensiná-los a controlar suas próprias paixões adolescentes. Portanto ela defende que deste modo os lamentos, que eram universais nas celebrações de casamentos, relembravam tanto homens quanto mulheres da necessidade de autocontrole político e sexual. Tudo isto foi evocado pelo breve lamento solo da ingrata na versão revisada do Ballo.

Na realidade, cada um dos quatro entretenimentos dentro do palácio na celebração do casamento dos Gonzaga-Sabóia apresentava um lamento na voz poética de uma mulher cuja sexualidade seria ao fim canalizada para o casamento. No intermezzo para a peça L'Idropica de Guarini, conhecido como O rapto de Europa (Il ratto d'Europa), a personagem Europa lamentou seu misterioso rapto efetuado por um touro alado antes de ela aceitar sua transfiguração, motivada pelo casamento com o deus Júpiter. Ifigênia lamentava sua morte eminente, um sacrifício humano que seu pai, Agamenon, faria em homenagem aos bons ventos, antes que Diana aparecesse para intervir e levar Ifigênia para seu casamento com Aquiles. Entretanto, com toda a certeza, o lamento mais poderoso foi o de Arianna, quando, na ópera de Rinuccini/Monteverdi, ela despertou e descobriu que Teseu a havia abandonado na Ilha de Dia. O lamento de Arianna comoveu de tal modo o deus Baco que ele desceu dos céus para casar-se com ela.

Oscilando entre choque, dor, amargura e vingança e chegando ao final com o auto-silenciamento casto de Arianna, o lamento de Monteverdi para Arianna se revelou uma realização colossal, um brilhante exemplo de monólogo recitativo que o compositor lembraria como sua primeira tentativa bem sucedida de usar a música para imitar os sons e afetos do discurso humano apaixonado. Todas as descrições das festividades realizadas em Mântua em 1608 concordam que a atuação da atriz da commedia dell'arte Virginia Andreini [que fez o papel-título da ópera] não era em nada menos brilhante quanto a brilhante música de Monteverdi, arrebatando com sua voz, maestria interpretativa retórica e gestos naturais até mesmo pessoas do público que já a haviam assistido. Como mais uma vez, recentemente, Emily Wilbourne demonstrou, desde o primeiro dia em que Andreini cantou-o em Mântua, o lamento de Arianna tornou-se sua assinatura musical: sua vasta amplitude emocional, a narrativa do arrependimento do excesso sexual e até mesmo as próprias notas [do lamento] apareciam de alguma forma absorvidas em praticamente todos os papéis que ela representasse16 16 Emily Wilbourne, "'Mosse l'Arianna per essere donna': Claudio Monteverdi, Virginia Andreini and the body of Arianna," texto apresentado no simpósio em homenagem ao aniversário de 400 anos do Orfeo de Monteverdi', abril 2007, Stony Brook University. Este texto fará parte de suas dissertação "La Florinda: An Essay in the Historiography of Performance," Ph.D. diss, New York University, 2008. . Mesmo quando não cantava integralmente as notas de Monteverdi, sua mera presença lembrava o público de sua interpretação como Arianna.

Foi somente seis dias depois desta apresentação [de Arianna] que Virginia Andreini, sob o comando de Eleonora de Gonzaga, duquesa de Mântua, cantou o lamento da anônima ingrata ao final do Ballo delle Ingrate. Sua voz, seu corpo e uma fugaz reminiscência melódica teriam sido combinados para trazer vividamente o fantasma da fictícia Arianna de volta à vida. Por quê? Pelo simples prazer de reviver uma interpretação soberba?

Bonnie Gordon argumenta que, pelo simples fato de permitir que a voz da ingrata fosse ouvida, a duquesa de Mântua permitiu a possibilidade da ação feminina, porque a ingrata se rebela contra o silenciamento implícito imposto por Plutão às mulheres à sua volta, tanto [as mulheres] em cena como as reais (GORDON, 1999). Eu iria mais longe. Acredito que a evocação do lamento de Arianna, corporificado pela presença da mais convincente atriz que a representou, poderia facilmente ter lembrado à audiência que mesmo na desgraça do abandono e silêncio auto-imposto, Arianna cantou sua passagem de um estágio de vida a outro, pois foi seu lamento que atraiu a piedade e o amor de um deus. Pela virtude de seu lamento, pode-se dizer que Arianna pôde controlar as circunstâncias de seu destino sexual. Assim como a presença vocalmente persuasiva de Vênus na abertura do Ballo, a presença performática do fantasma de Arianna no final sugere que mulheres podiam exercer algum controle,17 17 N. T. A expressão original utilizada por Cusick é "agency," outra palavra problemática em português. Neste caso preferimos utilizar controle, ou poder. mesmo em um mundo que exigia que todas as mulheres de uma certa classe se casassem pelo bem do estado. E que, ainda que por um instante, até mesmo uma mulher poderia romper a ordem das coisas.

5 -Epílogo

O que fazemos quando executamos esta música antiga hoje, em um contexto que é tão diferente do mundo no qual ela foi criada?

Em primeiro lugar, evidentemente, engajamo-nos com sua beleza, com o entrelaçamento do desenho e impacto emocional cumulativo que nos proporciona experiências de maravilhamento e assombro. Entretanto, em segundo lugar e na mesma medida de importância, quando fazemos esta música hoje, encontramos intimamente, em nossos próprios corpos, fantasmas do passado. Quando representamos com nossos próprios corpos os gestos que pessoas desaparecidas há muito tempo esperavam de seus próprios corpos e dos corpos de seus colegas, é como se encontrássemos estas pessoas (Monteverdi e Andreini, ou Buxtehude e Bach). Até hoje nós os encontramos no milagre da performance, tornando-nos como eles por algum tempo. A intimidade e a profundidade de nossos encontros depende do quanto nos deixamos levar – permitindo que suas práticas, crenças e pressupostos se tornem temporariamente os nossos próprios; deixando suas motivações moverem nossos corpos e imaginação, voltando séculos atrás, atravessando oceanos, tentando sentir, ouvir e conhecer a complexa, multifacetada experiência de ter vivido, como eles, naquele lugar. Como qualquer outro encontro verdadeiro com outrem, o encontro da performance pode trazer luz ao que sabemos sobre nós mesmos.

Contudo, o historiador do gesto, Joseph Roach, sustenta que nossas interpretações de elementos históricos são mais do que encontros fantasmagóricos. Para Roach, estas performances trazem à tona os nossos desejos mais profundamente enraizados de sermos descendentes daquelas pessoas de outros continentes, a quem reivindicamos como antepassados (ROACH, 1996). Ao registrar intencionalmente em nossos músculos, neurônios e sinapses as memórias sinestésicas necessárias para fazer bem esta música, mudamos a nós mesmos. Enquanto lembrarmos como tocar, cantar ou dançar esta música, somos pessoas com corpos do século XVII ou XVIII dentro de nossos corpos do século XXI. Habitados por fantasmas que criamos cuidadosamente durante os ensaios, trazemos à vida nosso acolhimento - em forma da bela sonoridade de intrincado desenho - de uma tradição que foi, ela mesma, obcecada pela compulsão de reivindicar e recuperar o poder performativo e acumulativo dos gestos, sons e pensamentos do passado.

Referências

AUSTERN, Linda, ed. Music, Sensation and Sensuality. Nova Iorque: Routledge, 2002.

______________ e NARODITSKAYA, eds. Music of the Sirens. Bloomington: Indiana University Press, 2006.

BORGERDING, Todd, ed. Gender, Sexuality and Early Music. Nova Iorque: Routledge, 2002.

BROSIUS, Amy. The Culture of Singing in Barberini Rome. Tese de doutorado. New York University (em desenvolvimento).

BRUNATTI, Simone e MARI, Licia, eds. I Gonzaga e l'impero: itinerario dello spettacolo, con una selezione dei materialei dell'Archivio informatico Herla (1560-1630), Florença: Le lettere, 2005.

BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Nova Iorque: Routledge, 1990.

CARTER, Tim. New Light on Monteverdi's Ballo delle Ingrate (Mantua, 1608). in Il saggiatore musicale 6, 1999, p.63-90, 1-30.

_____________. Monteverdi's Musical Theatre, New Haven, 2002.

CUSICK, Suzanne G. Francesca Caccini at the Medici Court: Music and the Circulation of Power. Chicago: University of Chicago Press, 2009.

DELL'ANTONIO, Andrew. 'Particolar gusto e diletto alle orecchie': Listening in the Early Seicento in CIAVOLELLA, Massimo e COLEMAN, Patrick, eds. Culture and Authority in Baroque Europe. Toronto: University of Toronto Press, 2005, p. 106-121.

DIAZ, Furio. Il Granducato di Toscana: I Medici. Turim: UTET, 1976.

FELDMAN, Martha. Opera and Sovereignty: Transforming Myths in Eighteenth-century Italy. Chicago: University of Chicago Press, 2007.

_______________ e GORDON, Gordon, eds. The Courtesan's Arts: Cross-Cultural Perspectives. Oxford: Oxford University Press, 2006.

FOUCAULT, Michel. Les mots et le choses. Paris: Gallimard, 1966.

FREITAS, Roger. Portrait of a Castrato: Politics, Patronage and Music in the Life of Atto Melani. Oxford: Oxford University Press (no prelo).

GALLICO, Claudio, ed. Federico Follino, Cronache mantovane: 1587-1608, Florença: Olschki, 2004.

GLIXON, Beth e Jonathan. Inventing the Business of Opera: The Impresario and His World in Seventeenth-century Venice. Oxford: Oxford University Press, 2006. GORDON, Bonnie. Monteverdi's Unruly Women: The Power of Song in Early Modern Italy. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

_______________. Talking Back: The Female Voice in Il ballo delle Ingrate. In Cambridge Opera Journal 11, 1999.

HARNESS, Kelley. Echoes of Women's Voices: Music, Art and Female Patronage in Early Modern Florence. Chicago: University of Chicago Press, 2006.

HELLER, Wendy. Emblems of Eloquence: Opera and Women's Voices in Seventeenth-century Venice. Berkeley: University of California Press, 2004.

KUHN, Thomas, The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962.

LAMAY, Thomas, ed. Musical Voices of Early Modern Women: Many-Headed Melodies. Aldershot: Ashgate, 2005.

LEGUIN, Elisabeth. Boccherini's Body: An Essay in Carnal Musicology Berkeley: University of California Press, 2005

MACNEIL, Anne. Music and women of the commedia dell'arte in the late 16th century. Oxford: Oxford University Press, 2003.

_____________. Weeping at the Water's Edge. In Early Music 27, 1999, p.406-417.

MALACARNE, Giancarlo. I Gonzaga di Mantova: una stripe per una capitale europea. Modena: Il Bulino, 2004.

MAMONE, Sara. Dei, semidei, uomini: lo spettacolo a Firenze tra neoplatonismo e realtà Borghese (XV-XVII secolo). Roma: Bulzoni, 2003.

MCCLARY, Susan. Feminine Endings: Music, Gender and Sexuality. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1991.

_______________. Modal Subjectivities: Self-Fashioning in the Italian Madrigal. Berkeley: University of California Press, 2004.

NEVILLE, Jennifer. Dance, Spectacle and the Body Politic, 1250-1750. Bloomington: Indiana University Press, 2008.

PLATÃO. Laws II, 654 A. Tradução de Bury, Loeb Classical Library 187, Cambridge: Harvard, 1926, p. 93.

ROACH, Joseph. Cities of the Dead: Circum-Atlantic Performance. Nova Iorque: Columbia University Press, 1996.

ROSAND, Ellen. Opera in Seventeenth-century Venice: The Creation of a Genre Berkeley: University of California Press, 1991.

____________. Monteverdi's Last Operas: A Venetian Trilogy. Berkeley: University of California Press, 2007.

SCOTT, Joan. Gender: A Useful Category of Historical Analysis? In SCOTT, Joan, ed. Feminism and History. Oxford: Oxford University Press, 1996, p.152-180;

SHELEMAY, Kay. Toward an Ethnomusicology of the Early Music Movement: Thoughts on Bridging Disciplines and Musical Worlds, Ethnomusicology 45 (2001), p.1-29.

TARUSKIN, Richard. The pastness of the present and the presence of the past, in Authenticity and Early Music, ed. Nicholas Kenyon. Oxford: Oxford University Press, 1988, p.137-210.

TREADWELL, Nina. Music and Wonder at the Medici Court. Bloomington: Indiana University Press, 2008.

WEBER, William. The Rise of Musical Classics in 18th Century England. A Study in Canon, Ritual and Ideology, Oxford: Oxford University Press, 1992.

WISTREICH, Richard. Warrior, Courtier, Singer. Aldershot: Ashgate, 2007.

WOODFIELD, Ian. Music of the Raj. A Social and Economic History of Music in Late 18th-century Anglo-Indian Society, Oxford: Oxford University Press, 2000.

Notas

Recebido em: 11/09/2008

Aprovado em: 12/11/2008

Suzanne Cusick é professora de Música da New York University (New York, EUA), instituição na qual atualmente coordena o Programa de Pós-Graduação em Música. Ph.D. em Música pela University of North Carolina (1975) e bacharel em belas artes pela Newcomb College (1969), a pesquisadora publicou importantes trabalhos nas seguintes áreas: a relação entre o fazer musical, identidade e corporeidade; abordagens feministas sobre história e crítica musical; e estudos sobre homossexualismo e música. Em breve publicará, pela University of Chicago Press, uma monografia sobre Francesca Caccini, cantora, professora e compositora italiana do início do século XVII. Recebeu algumas das mais importantes bolsas de estudos internacionais, como o Frederick Burkhardt Residential Fellow at Villa I Tatti e bolsa para desenvolver pesquisa na Harvard University Center for Italian Renaissance Studies (2001-2002). Foi coordenadora do Gay and Lesbian Study Group da American Musicological Society e integrou o corpo editorial do periódico dessa associação.

Lucia Becker Carpena é professora adjunta do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde leciona Flauta Doce e Música de Câmara. É mestre em flauta doce pela Staatliche Hochschule für Musik de Stuttgart/Alemanha (1995) e doutora em Música pela UNICAMP/SP (2007). Dedica-se principalmente à prática de música antiga historicamente orientada e à pesquisa e divulgação do repertório brasileiro contemporâneo para flauta doce. Participou da gravação da obra completa de Bruno Kiefer (1923-1987) para flauta doce, no CD "Poemas da Terra" (2003), que obteve acolhida calorosa pela crítica musical brasileira. Atua como solista, camerista e professora convidada em eventos no Brasil e no exterior. Sua tese de doutorado, intitulada "Caracterização e uso da flauta doce nas óperas de Reinhard Keiser (1674-1739)" trata, entre outros tópicos, das origens da ópera barroca alemã, seu desenvolvimento e apogeu com o teatro do Mercado dos Gansos de Hamburgo e a participação da flauta doce no repertório operístico, abordando temas ainda desconhecidos pela pesquisa acadêmica brasileira.

Revisão de Silvana Ruffier Scarinci e Carlos Alberto Carpena

* Tradução

  • AUSTERN, Linda, ed. Music, Sensation and Sensuality. Nova Iorque: Routledge, 2002.
  • ______________ e NARODITSKAYA, eds. Music of the Sirens Bloomington: Indiana University Press, 2006.
  • BORGERDING, Todd, ed. Gender, Sexuality and Early Music Nova Iorque: Routledge, 2002.
  • BROSIUS, Amy. The Culture of Singing in Barberini Rome Tese de doutorado. New York University (em desenvolvimento).
  • BRUNATTI, Simone e MARI, Licia, eds. I Gonzaga e l'impero: itinerario dello spettacolo, con una selezione dei materialei dell'Archivio informatico Herla (1560-1630), Florença: Le lettere, 2005.
  • BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity Nova Iorque: Routledge, 1990.
  • CARTER, Tim. New Light on Monteverdi's Ballo delle Ingrate (Mantua, 1608). in Il saggiatore musicale 6, 1999, p.63-90, 1-30.
  • _____________. Monteverdi's Musical Theatre, New Haven, 2002.
  • CUSICK, Suzanne G. Francesca Caccini at the Medici Court: Music and the Circulation of Power. Chicago: University of Chicago Press, 2009.
  • DELL'ANTONIO, Andrew. 'Particolar gusto e diletto alle orecchie': Listening in the Early Seicento in CIAVOLELLA, Massimo e COLEMAN, Patrick, eds. Culture and Authority in Baroque Europe. Toronto: University of Toronto Press, 2005, p. 106-121.
  • DIAZ, Furio. Il Granducato di Toscana: I Medici. Turim: UTET, 1976.
  • FELDMAN, Martha. Opera and Sovereignty: Transforming Myths in Eighteenth-century Italy. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
  • _______________ e GORDON, Gordon, eds. The Courtesan's Arts: Cross-Cultural Perspectives. Oxford: Oxford University Press, 2006.
  • FOUCAULT, Michel. Les mots et le choses. Paris: Gallimard, 1966.
  • FREITAS, Roger. Portrait of a Castrato: Politics, Patronage and Music in the Life of Atto Melani. Oxford: Oxford University Press (no prelo).
  • GALLICO, Claudio, ed. Federico Follino, Cronache mantovane: 1587-1608, Florença: Olschki, 2004.
  • GLIXON, Beth e Jonathan. Inventing the Business of Opera: The Impresario and His World in Seventeenth-century Venice. Oxford: Oxford University Press, 2006.
  • GORDON, Bonnie. Monteverdi's Unruly Women: The Power of Song in Early Modern Italy. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
  • _______________. Talking Back: The Female Voice in Il ballo delle Ingrate. In Cambridge Opera Journal 11, 1999.
  • HARNESS, Kelley. Echoes of Women's Voices: Music, Art and Female Patronage in Early Modern Florence. Chicago: University of Chicago Press, 2006.
  • HELLER, Wendy. Emblems of Eloquence: Opera and Women's Voices in Seventeenth-century Venice. Berkeley: University of California Press, 2004.
  • KUHN, Thomas, The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962.
  • LAMAY, Thomas, ed. Musical Voices of Early Modern Women: Many-Headed Melodies. Aldershot: Ashgate, 2005.
  • LEGUIN, Elisabeth. Boccherini's Body: An Essay in Carnal Musicology Berkeley: University of California Press, 2005
  • MACNEIL, Anne. Music and women of the commedia dell'arte in the late 16th century. Oxford: Oxford University Press, 2003.
  • _____________. Weeping at the Water's Edge. In Early Music 27, 1999, p.406-417.
  • MALACARNE, Giancarlo. I Gonzaga di Mantova: una stripe per una capitale europea. Modena: Il Bulino, 2004.
  • MAMONE, Sara. Dei, semidei, uomini: lo spettacolo a Firenze tra neoplatonismo e realtà Borghese (XV-XVII secolo). Roma: Bulzoni, 2003.
  • MCCLARY, Susan. Feminine Endings: Music, Gender and Sexuality. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1991.
  • _______________. Modal Subjectivities: Self-Fashioning in the Italian Madrigal. Berkeley: University of California Press, 2004.
  • NEVILLE, Jennifer. Dance, Spectacle and the Body Politic, 1250-1750. Bloomington: Indiana University Press, 2008.
  • PLATÃO. Laws II, 654 A. Tradução de Bury, Loeb Classical Library 187, Cambridge: Harvard, 1926, p. 93.
  • ROACH, Joseph. Cities of the Dead: Circum-Atlantic Performance. Nova Iorque: Columbia University Press, 1996.
  • ROSAND, Ellen. Opera in Seventeenth-century Venice: The Creation of a Genre Berkeley: University of California Press, 1991.
  • ____________. Monteverdi's Last Operas: A Venetian Trilogy. Berkeley: University of California Press, 2007.
  • SCOTT, Joan. Gender: A Useful Category of Historical Analysis? In SCOTT, Joan, ed. Feminism and History. Oxford: Oxford University Press, 1996, p.152-180;
  • SHELEMAY, Kay. Toward an Ethnomusicology of the Early Music Movement: Thoughts on Bridging Disciplines and Musical Worlds, Ethnomusicology 45 (2001), p.1-29.
  • TARUSKIN, Richard. The pastness of the present and the presence of the past, in Authenticity and Early Music, ed. Nicholas Kenyon. Oxford: Oxford University Press, 1988, p.137-210.
  • TREADWELL, Nina. Music and Wonder at the Medici Court. Bloomington: Indiana University Press, 2008.
  • WEBER, William. The Rise of Musical Classics in 18th Century England. A Study in Canon, Ritual and Ideology, Oxford: Oxford University Press, 1992.
  • WISTREICH, Richard. Warrior, Courtier, Singer. Aldershot: Ashgate, 2007.
  • WOODFIELD, Ian. Music of the Raj. A Social and Economic History of Music in Late 18th-century Anglo-Indian Society, Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • 1
    Sanna Pedersen recentemente defendeu esta idéia numa apresentação intitulada "The Missing History of Absolute Music," lida no 73o. encontro anual da American Musicological Society, 1-4 de novembro de 2007, na cidade de Quebec, Canadá.
  • 2
    Para duas análises muito diferentes de "cultura da música antiga" nos Estados Unidos, ver TARUSKIN, 1988 p. 137-210) e SHELEMAY, 2001, p. 1-29).
  • 3
    Uma única notável exceção que posso pensar é a tradição do Messias de Handel executado no Natal.
  • 4
    Michel Foucault chamou a atenção para a mesma mudança de pensamento em seu igualmente influente Les mots et le choses (1966), nomeando o fenômeno de ruptura entre dois epistemas. Apesar de este livro ter sido já traduzido em 1970, a análise de Foucault não circulou muito entre estudiosos de música nos Estados Unidos até o final dos anos 80.
  • 5
    Ver especialmente: ROSAND, 1991 e 2007; CARTER, 2002; HELLER, 2004; e FELDMAN, 2007.
  • 6
    Ver McCLARY, 1991 e 2004.
  • 7
    Algumas das melhores pesquisas apareceram primeiramente em revistas, depois em coleções de ensaios publicados no início deste século, incluindo-se BORGERDING, 2002; AUSTERN, 2002; LaMAY, 2005; AUSTERN e NARODITSKAYA, 2006; e FELDMAN e GORDON, 2006. Apesar de focar mais na masculinidade e musicalidade, o estudo de Richard Wistreich sobre gênero e vocalidade na corte de Ferrara, Warrior, Courtier, Singer (2007) oferece insights fascinantes sobre a função do concerto delle donne naquela corte. Monografias recentes que exploram as relações ligando gênero à musicalidade barroca inclui MACNEIL, 2003; GORDON, 2004; GLIXON, 2006; HARNESS, 2006; CUSICK, 2009, e FREITAS, no prelo.
  • 8
    N.T. Mantemos o termo em inglês por ser perfeitamente compreensível em nossa língua e por fazer parte de uma terminologia ainda não completamente estabelecida em nosso vocabulário.
  • 9
    Os documentos sobre este caso estão no Archivio di Stato of Florence, Itália, em Otto di guardia e balìa, 2793.
  • 10
    As melhores fontes em inglês sobre estas festividades estão em CARTER, 1999, p. 63-90 e 2002; GORDON, 1999, p. 1-30; MACNEIL, 2004.
  • 11
    Sobre a consolidação de poder dos Medici, ver DIAZ, 1976. Estudos recentes sobre o papel que os divertimentos de corte possuíam no processo incluem: MAMONE, 2003, TREADWELL, 2008, e CUSICK, 2009.
  • 12
    Sobre os Gonzaga como governantes de Mântua, ver MALACARNE, 2004. Sobre o seu uso de divertimentos para exercer o poder, ver BRUNATTI e MARI, 2005.
  • 13
    A tradução em inglês é de GORDON, 1999, p. 18.
  • 14
    N.T.: O termo gendered perfomance não será aqui traduzido por "execução generizada," por tratar-se de um neologismo extremamente cacófono em português.
  • 15
    Emily Wilbourne, "Il ballo delle Ingrate: Sovereign performativity and the Performance of Sovereignty," texto lido no encontro anual da Renaissance Society of America, abril de 2005, Cambridge, Inglaterra. O texto fará parte de sua dissertação, "La Florinda: An Essay on the Historiography of Performance", tese de doutorado, New York University, 2008.
  • 16
    Emily Wilbourne, "'Mosse l'Arianna per essere donna': Claudio Monteverdi, Virginia Andreini and the body of Arianna," texto apresentado no simpósio em homenagem ao aniversário de 400 anos do Orfeo de Monteverdi', abril 2007, Stony Brook University. Este texto fará parte de suas dissertação "La Florinda: An Essay in the Historiography of Performance," Ph.D. diss, New York University, 2008.
  • 17
    N. T. A expressão original utilizada por Cusick é "agency," outra palavra problemática em português. Neste caso preferimos utilizar controle, ou poder.
  • 18
    Uma crença similar está presente no texto de LEGUIN, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      11 Set 2008
    • Aceito
      12 Nov 2008
    Escola de Música da UFMG Escola de Música da UFMG. Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha. Cep: 31270-010 - Belo Horizonte - MG - Brazil
    E-mail: permusiufmg@gmail.com