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A palavra em movimento: algumas perspectivas teóricas para a análise de canções no âmbito da música popular

The word in motion: some theoretical perspectives for the analysis of the song within the framework of popular music

Resumos

O presente artigo apresenta as linhas gerais de algumas perspectivas teóricas que podem ser úteis para a análise de canções no âmbito da música popular. O eixo orientador das perspectivas teóricas aqui apresentadas é a abordagem da canção a partir da performance da palavra cantada, ou seja, o conjunto de interações que se estabelece entre o corpo do intérprete, notadamente sua voz, e o público no momento em que ocorre a performance da canção, seja esta performance presencial ou mediatizada. Partimos das ideias de Paul ZUMTHOR (1993; 2005; 2007) sobre performance e vocalidade procurando estabelecer um diálogo interdisciplinar com outros campos do pensamento estético, sobretudo os estudos literários, as artes cênicas e os estudos da performance.

música popular; canção; performance


The present paper outlines some theoretical perspectives that can be useful to the analytical practices that focus on the song within the framework of popular music genres. The core of the theoretical perspectives presented here is an approach of the song based on the performance of the sung word, that is, the ensemble of interactions that take place between the performer's body, especially his/her voice, and the audience at the moment of the performance, may it be presential or mediatized. We began with Paul ZUMTHOR's ideas (1993; 2005; 2007) on performance and vocality to try to establish an interdisciplinary dialogue with other fields of knowledge, especially literary studies, theater and performance studies.

popular music; song; performance


ARTIGOS CIENTÍFICOS

A palavra em movimento: algumas perspectivas teóricas para a análise de canções no âmbito da música popular

The word in motion: some theoretical perspectives for the analysis of the song within the framework of popular music

Conrado Vito Rodrigues Falbo

(UFPE, Recife, PE) conradofalbo@gmail.com

RESUMO

O presente artigo apresenta as linhas gerais de algumas perspectivas teóricas que podem ser úteis para a análise de canções no âmbito da música popular. O eixo orientador das perspectivas teóricas aqui apresentadas é a abordagem da canção a partir da performance da palavra cantada, ou seja, o conjunto de interações que se estabelece entre o corpo do intérprete, notadamente sua voz, e o público no momento em que ocorre a performance da canção, seja esta performance presencial ou mediatizada. Partimos das ideias de Paul ZUMTHOR (1993; 2005; 2007) sobre performance e vocalidade procurando estabelecer um diálogo interdisciplinar com outros campos do pensamento estético, sobretudo os estudos literários, as artes cênicas e os estudos da performance.

Palavras-chave: música popular, canção, performance.

ABSTRACT

The present paper outlines some theoretical perspectives that can be useful to the analytical practices that focus on the song within the framework of popular music genres. The core of the theoretical perspectives presented here is an approach of the song based on the performance of the sung word, that is, the ensemble of interactions that take place between the performer's body, especially his/her voice, and the audience at the moment of the performance, may it be presential or mediatized. We began with Paul ZUMTHOR's ideas (1993; 2005; 2007) on performance and vocality to try to establish an interdisciplinary dialogue with other fields of knowledge, especially literary studies, theater and performance studies.

Keywords: popular music, song, performance.

1. Introdução: a canção como objeto de estudo

Apesar dos recentes avanços no campo dos estudos voltados para a música popular, ainda carecemos de um instrumental teórico e analítico mais consistente no que diz respeito ao exame dos procedimentos estéticos utilizados por compositores e intérpretes no processo criativo da canção, a forma expressiva mais utilizada pelos artistas da música popular. Como já alertava o pesquisador e compositor Luiz Tatit, uma análise estritamente musical da canção não é capaz de revelar toda sua riqueza de significados, o mesmo podendo ser dito de um exame que se restringe à letra da canção (TATIT, 2007). Outros trabalhos demonstram que, além da relação dinâmica entre melodia e letra, a performance desempenha um papel fundamental na construção dos significados, podendo chegar até a transformar completamente o sentido original de uma canção (VALENTE, 2003).

A canção possui uma característica de versatilidade que a permitiu passar por diversas mudanças ao longo do tempo, assimilando novas tecnologias, novos padrões estéticos e novas funções sociais, mas sempre mantendo seu extraordinário poder comunicativo. Do universo tradicional dos acalantos, cantigas de roda e cantos de trabalho ao modismo descartável das paradas de sucesso, a canção é uma forma expressiva de ampla inserção social, seja por meio de sua transmissão oral ou por meio do rádio, da televisão, dos discos e dos shows. Na sociedade de consumo contemporânea, a canção continua tendo um papel preponderante na chamada indústria do entretenimento, ocupando lugar de destaque no debate sobre novas possibilidades de utilização comercial da internet, para citar apenas um exemplo.

Um importante movimento de valorização do estudo da canção vem tomando forma em diferentes áreas do conhecimento e um dos resultados disto é o crescimento da IASPM (International Association for the Study of Popular Music), instituição fundada em 1981 e formada por pesquisadores de várias áreas do conhecimento, contando desde

o ano 2000 com uma seção latino-americana da qual fazem parte inúmeros pesquisadores brasileiros. Entretanto, a diversidade das disciplinas envolvidas neste processo e a falta de comunicação entre os inúmeros setores acadêmicos faz com que as pesquisas que vêm sendo realizadas acabem por ter uma influência dispersa, não contribuindo para um maior diálogo entre as distintas áreas acadêmicas nem para a construção da visão transdisciplinar que a canção demanda enquanto objeto de estudo, por suscitar questões relativas ao texto, à música, à performance e a outros aspectos da expressão artística.

A canção é encarada no presente artigo como uma forma expressiva que produz significados de uma maneira específica, na qual todos os seus elementos constitutivos (letra, melodia, acompanhamento instrumental, performance etc.) guardam uma relação dinâmica. Deste modo, o texto não pode ser dissociado da melodia (ou mesmo da ausência desta), assim como ambos não podem ser considerados de maneira abstrata, mas em sua interação plena no momento da performance, seja ela presencial (em uma apresentação ao vivo) ou mediatizada (capturada e transmitida por meios tecnológicos).

Não pretendemos justificar o estudo da canção com a afirmativa de que as letras de canções da música popular podem ser analisadas como obras literárias. O principal motivo desta impossibilidade está no fato de que, diferentemente do que ocorre com o texto literário, a letra de canção não é a canção, mas um de seus vários elementos constitutivos, que alcançará plenitude expressiva apenas quando percebido de forma conjunta com os demais elementos. O pesquisador americano Charles Perrone, em estudo pioneiro sobre a poesia da canção na música popular brasileira, afirma que "as letras de canção são destinadas à transmissão oral num cenário musical. Se o texto é criado com a finalidade de ser cantado, e não para ser lido ou recitado, ele deve ser estudado na forma dentro da qual foi concebido" (PERRONE, 2008, p.23-24). Além disso, ao justificar sua adoção da perspectiva dos estudos literários na análise da canção, Perrone chama atenção para as especificidades formais da canção ao mencionar o termo "literatura de performance", utilizado por Betsy BOWDEN (1982)1 1 Bowden realizou um estudo sobre as canções de Bob Dylan, tendo como foco a dimensão performática dos textos deste compositor. para designar certas características das canções que não aparecem na página impressa, como flexões vocais, rima forçada de voz, onomatopeia, pronúncia, duração, entoações estranhas, pausas etc. (PERRONE, 2008, p.26).

Ressaltamos que não há qualquer juízo de valor nas observações acima, mas apenas o reconhecimento de que estamos tratando de uma forma expressiva (a canção) que demanda um olhar analítico atento a estas diferenças. Não ignoramos que são numerosas e significativas as relações entre letras de canções e textos literários2 2 Veja-se, a título de exemplo, o caso de textos literários que são posteriormente musicados e transformados em canções, ou dos inúmeros escritores que se dedicam também a compor letras de canções. : ambos guardam entre si semelhanças essenciais, sobretudo devido à manipulação artística de palavras e sons. Não é por acaso que o presente artigo parte dos estudos literários tomando como ponto de partida a performance da palavra cantada, e muitas vezes adaptando à análise da canção perspectivas teóricas originalmente voltadas para o estudo de obras literárias. Entretanto, ressaltamos que nosso escopo não é comparar obras literárias e letras de canções, mas apontar perspectivas teóricas que permitam a análise de canções (consideradas em sua totalidade multimodal) de acordo com parâmetros e critérios específicos ou devidamente adaptados às suas peculiaridades formais.

A análise da canção realizada à luz dos estudos literários costuma focar-se exclusivamente nas letras, ignorando os aspectos musicais e performáticos que são igualmente fundamentais na construção dos significados das canções. Estudos como o de Walter J. ONG (1999) e Paul ZUMTHOR (1993; 2005; 2007) representam importantes marcos teóricos, pois redefinem antigos padrões vigentes na pesquisa com textos literários, ampliando alguns conceitos de uso corrente e oferecendo um novo alcance à própria compreensão do que entendemos contemporaneamente por literatura. Estas modificações não significam apenas uma mudança de enfoque no trabalho com a análise de textos literários, mas também abrem espaço para que manifestações artísticas como a canção também possam ser analisadas sob o prisma dos estudos literários, colocando todo um referencial teórico à disposição de uma visão ampla da palavra, que compreende sua multiplicidade de expressão: não apenas a palavra escrita, mas também a palavra vocalizada em diferentes contextos, seja recitada, encenada ou cantada.

2. Voz: o corpo e o som da subjetividade

O corpo pode ser considerado a dimensão espacial da identidade humana. Ocupamos um lugar no espaço, somos matéria, mas não apenas isso: também percebemos o mundo de forma espacial, em sua rica multidimensionalidade, e interagimos com nosso ambiente através de relações essencialmente espaciais. Para a artista plástica e pesquisadora Fayga Ostrower, as vivências do espaço são determinantes na construção do senso de identidade e sociabilidade das pessoas:

As formas de espaço constituem tanto o meio como o modo de nossa conscientização, ou seja, o espaço torna-se, simultaneamente, forma das experiências vividas e imagem de seus conteúdos [...] E do mesmo modo, quaisquer conteúdos afetivos que queremos expressar e comunicar aos outros são por nós traduzidos intuitivamente como imagens de espaço. Mesmo quando essa comunicação se dá a nível verbal. Ao dizermos, por exemplo, que algo nos toca de modo

profundo

ou apenas

superficial

, usamos intuitivamente imagens de espaço. Quando falamos das qualidades de um

indivíduo

(um ser in-divisível), como sendo

aberto

ao mundo ou

fechado

, como sendo

expansivo

ou

introvertido, desligado, envolvente, atraente, repulsivo, distante, próximo

, usamos sempre imagens de espaço. Não há outra maneira possível de conscientizar, formular e comunicar nossa experiência (OSTROWER, 1999, p.86. Grifos da autora).

A observação da artista nos permite vislumbrar uma experiência de espaço mais ampla e complexa, não restrita a uma acepção puramente visual, como tendemos a pensar no caso das artes plásticas, mas apontando para uma ação conjunta e complementar de todos os sentidos na percepção dos múltiplos aspectos da realidade. Trata-se de uma perspectiva orgânica do espaço, no sentido de sua vivência plena pelo ser humano, sem divisões e separações.

Se, como diz Ostrower, o espaço é "tanto o meio como o modo" de nossas experiências vivas, podemos dizer que o corpo, enquanto dimensão espacial da condição humana, é também nosso meio e nosso modo de ser e de estar no mundo. O corpo nos fornece ferramentas de percepção e interação com o ambiente e com outros indivíduos: ao mesmo tempo em que nossos órgãos captam estímulos externos, também os filtram e permitem que elaboremos respostas e formulemos perguntas, em forma de novos estímulos sensoriais num ciclo comunicativo que se estende até o fim da vida. Entre estes sinais produzidos pelo corpo com finalidade de comunicação (os gestos, por exemplo) nos interessa particularmente a voz.

Podemos entender a voz como uma extensão de nosso corpo, revelando características próprias de cada indivíduo. Paul Zumthor, ao comentar as relações entre a língua escrita e falada, nos diz que:

Não se pode imaginar uma língua que fosse unicamente escrita. A escrita se constitui numa língua segunda, os signos gráficos remetem, mais ou menos, indiretamente às palavras vivas. A língua é mediatizada, levada pela voz. Mas a voz ultrapassa a língua; é mais ampla do que ela, mais rica [...] Assim, a voz, utilizando a linguagem para dizer alguma coisa, se diz a si própria, se coloca como uma presença (ZUMTHOR, 2005, p.63).

Esta observação de Zumthor pode ser relacionada com as ideias de Barthes sobre o que este último chamou de "grão da voz", como veremos mais adiante, no sentido de que a "presença da voz" também significa a presença de um indivíduo que faz uso de sua voz (seja falando, cantando, gritando etc.). Na voz está inscrito o corpo de quem a emite, pois a voz também está ligada ao aspecto material, concreto, corporal da identidade individual, explicitando traços pessoais e culturais desta identidade.

A voz é um dos primeiros instrumentos de que dispomos como meio expressivo, o som vem antes do gesto ou da escrita e configura-se como o primeiro traço de nossa identidade. As crianças choram ao nascer: uma primeira manifestação de vida, inegavelmente sonora. Esta relação de identidade que estabelecemos com a voz, entretanto, é mais complexa do que pode aparentar. O pesquisador Patrick BERTHIER, ao comentar as inovações tecnológicas voltadas para atividades como a decodificação acústico-fonética e reconhecimento do locutor3 3 Os dois processos referidos por Berthier procuram, respectivamente, "identificar uma mensagem linguística no fluxo fonatório, independentemente das particularidades e variações individuais, a fim de, por exemplo, transformar diretamente a fala em escrita" e "identificar o locutor, qualquer que seja o teor linguístico de sua fala" (BERTHIER, 1998, p.60). , chama atenção para o fato de que existe uma grande variedade de elementos que fogem ao alcance da análise acústica e tornam estes processos extremamente complexos, quando não impossíveis do ponto de vista técnico. Conforme Berthier:

existe outra coisa na voz, uma vez tratadas as dimensões fonológica e idiossincrática da fala. A marca individual justaposta à marca do significante não faz toda a voz. É este resto, nem locução nem locutor, nem língua nem indivíduo, que faz o 'Homem' e torna a instância da voz problemática. A instância da voz na fala, compreendida no sentido em que Lacan fala da instância da letra no inconsciente. Aproximação que outros já operaram, forjando o belo neologismo 'inSOMsciente', 'um equivalente do inconsciente pelo som'. É esta dimensão infralinguística e supra-individual que convém estudar para revelar o que está em jogo na voz (BERTHIER, 1998, p.61)

4 4 Todas as traduções são de minha responsabilidade.

.

O trecho acima deixa entrever a complexidade e mutabilidade dos fatores envolvidos nas relações entre voz e identidade. Berthier ressalta que nossa voz não é herdada geneticamente, sendo antes um "construto psico-histórico" em constante desenvolvimento.

A voz é considerada um objeto de estudo "fugidio" no dizer de Elizabeth Travassos, ao analisar algumas perspectivas teóricas ligadas ao estudo da voz nos campos da musicologia e etnomusicologia. Ela constata a grande carência de termos técnicos precisos que permitam uma abordagem analítica satisfatória das várias modalidades de expressão vocal, sobretudo do canto, chamando atenção para o fato de que

na literatura acadêmica e científica, encontram-se pelo menos três grandes vertentes de abordagem da voz e do canto: descrições naturalizadoras do corpo e do som, que não se pode ignorar nem incorporar irrefletidamente; tipologias vocais válidas para o canto erudito, repletas de orientação para a prática e comprometidas com uma pedagogia vocal; estudos etnográficos da fala, do canto 'popular' e 'étnico'. Começam a desenvolver-se, também, inventários e análises dos recursos vocais técnicos e estilísticos dos cantores populares (TRAVASSOS, 2008, p.117).

A pesquisadora conclui pela necessidade de promoção de um maior diálogo entre estas distintas áreas do conhecimento como forma de se alcançar uma compreensão mais abrangente da voz e de suas manifestações.

Esta complexidade que cerca a voz também pode ser observada no que diz respeito à plurifuncionalidade dos órgãos que compõem o aparelho fonador humano. A boca, como exemplifica Lucia Santaella, serve à satisfação de necessidades fisiológicas (comer, beber, respirar), mas também está envolvida com o prazer, sendo difícil separar estes dois aspectos nas funções que desempenha, sobretudo no processo que origina a fala, já que esta

não se coloca apenas a serviço da comunicação e interação dos seres humanos entre si e destes com o mundo. Ela também pode produzir um excedente de prazer. Assim como da função de comer se acresce o prazer da degustação, na fala está inscrita a possibilidade do canto. Encantamento do canto: fala transmutada em prazer (SANTAELLA, 2002, p.37-38).

Além disso, sabemos que é impossível falar da voz como fenômeno isolado, sobretudo quando percebemos a intensidade de sua conexão com a audição: não podemos produzir sons vocais se não formos capazes de ouvi-los. Desde antes de seu nascimento, o feto humano já é capaz de ouvir sons, notadamente a voz de sua mãe, e a audição desempenha um papel fundador nesta fase primária de percepção do mundo. "De acordo com o musicólogo Iegor Reznikoff é o ouvido, quando percebe as diferentes frequências sonoras (alturas), que constrói a noção de espaço no ser humano, e não o olho, ao contrário do que se tem afirmado até agora" (VALENTE, 1999, p.102).

A voz desempenha funções determinantes em situações que envolvem o bebê desde muito cedo na vida humana. O pesquisador Gil nuno Vaz cita o exemplo do acalanto, modalidade de canção que mistura o canto, a fala e o movimento corporal em síntese harmoniosa e eficaz:

A canção é realizada em sua plenitude apenas pela voz da mãe, produzindo sons com certo modo de emissão (canto) e intenção (fala) e usando os braços (movimento) para imprimir um balanço ao corpo da criança, embalando-a até adormecer. A contenção desses modos em um campo expressivo mínimo, representado pela Canção, serve à repetição contínua, e quase que hipnótica, de uma forma simples e curta que induz ao estado de sonolência (VAZ, 2007, p.19).

Percebemos que, no exemplo do acalanto, a voz desempenha um papel central que conjuga elementos de naturezas diversas (música, linguagem verbal e movimento), canalizando sua força expressiva para uma finalidade específica. Esta capacidade agregadora da voz é de extrema importância para a análise da canção e de sua performance, como veremos mais adiante.

A cantora e psicanalista Marie-France Castarède, em busca de uma abordagem psicanalítica da voz, associa a forma do acalanto entoado pela voz materna ao "sentimento oceânico" considerado por Freud a base da religiosidade humana. Nesse sentido, o acalanto seria paradigmático como restituidor da sensação de plenitude do bebê no ambiente do útero materno, perdida logo após o nascimento. Assim escreve Freud:

Uma criança recém-nascida ainda não distingue seu ego do mundo externo como fonte das sensações que fluem sobre ela. Aprende gradativamente a fazê-lo, reagindo a diversos estímulos. Ela deve ficar fortemente impressionada pelo fato de certas fontes de excitação, que posteriormente identificará como sendo seus próprios órgãos corporais, poderem provê-la de sensações a qualquer momento, ao passo que, de tempos em tempos, outras fontes lhe fogem -entre as quais se destaca a mais desejada de todas, o seio da mãe -, só reaparecendo como resultado de seus gritos de socorro (FREUD, 1976, p.84).

O grito do recém-nascido representa bem mais que um sinal de descontentamento ou protesto, ele assinala a descoberta de um novo meio de expressão que passará a ser utilizado de maneira cada vez mais deliberada e articulada pelo indivíduo. Um meio de expressão que ultrapassa o utilitarismo da comunicação para inscrever-se também como ferramenta de tradução do indizível: a voz. Do grito à fala articulada em linguagem, o longo e complexo percurso da voz acompanhará o desenvolvimento do sujeito e sua transmutação em um ser capaz de manipular relações simbólicas por meio da linguagem.

A partir dos processos descritos por Freud, Marie-France Castarède posiciona a voz como agente mediador entre o corpo e a linguagem no processo de formação do sujeito:

Se o grito é a primeira expressão afetiva, a voz vai lhe suceder, introduzindo fenômenos sonoros especificamente humanos, como as vibrações harmônicas. Ela é mediadora entre o corpo e a linguagem [...] A voz é mediação, não apenas para o sujeito em si mesmo, entre seu corpo e a língua, mas com a voz do outro. Ela se encarna em um 'discurso vivo', para retomar a expressão de André Green. A fala levada pela voz é diferente do pensamento, pois ela é resultado de uma descarga motora. Falar de viva voz ao outro é se descarregar (CASTARÈDE, 2004, p.134).

Por meio da voz (e da escuta, evidentemente) o ser humano vai construir seu estatuto de sujeito. A voz desempenha um papel essencial no desenvolvimento da noção de Eu, que vai possibilitar sua interação com o Outro; ela representa uma espécie de ponte entre corpo e linguagem, identidade e alteridade.

3. Música das palavras: som, significado e signo

Podemos pensar o caminho do som ao significado como uma série de "estágios" que levariam o ser humano da vocalidade pura do bebê (a princípio, apenas sons sem qualquer vinculação necessária com significados linguísticos) até o desenvolvimento destas potencialidades vocais em linguagem verbal, codificada, convencional. Este trajeto pode ser interpretado como uma passagem, ou evolução, de um uso "natural" da voz, onde há uma clara prevalência do som, até seu uso "cultural", determinado pela dinâmica simbólica da linguagem. Entretanto, a prática nos mostra que esta separação é reducionista e esconde mecanismos mais complexos na utilização da voz pelo ser humano. O músico e professor canadense Murray Schafer propõe uma gradação entre dois pólos extremos: de um lado os vocábulos isoladamente considerados e sons vocais manipulados eletronicamente (representando o máximo de som), de outro, a fala deliberada e articulada em linguagem (o máximo do significado) (SCHAFER, 1992, p.240). Esta gradação não implica um caminho sem volta do som à linguagem, mas nos permite vislumbrar uma série de formas de expressão intermediárias entre som e significado que são usadas simultaneamente, de diferentes maneiras em diferentes contextos sociais, sem que guardem entre si qualquer relação hierárquica.

Toda linguagem verbal tem uma musicalidade própria. A articulação das palavras e seus significados na fala revela elementos essencialmente musicais como o ritmo e a variação das frequências sonoras, ou alturas (melodia). A característica melódica da fala é identificada pelos tonemas, definidos como "traços entoativos localizáveis em determinados pontos do discurso. A afirmação, a resignação e a constatação implicam no movimento melódico descendente, enquanto contentamento, exclamação e surpresa determinam o movimento melódico ascendente. É nessa medida que um ouvinte, ignorante de uma dada língua, é capaz de captar algo da mensagem comunicativa, pois é sensível à expressividade da enunciação" (VALENTE, 1999, p.110). Assim, não podemos falar de uma separação entre som e significado, pelo contrário, ambos mantêm uma relação complementar na expressão vocal. Por mais elaborado que seja, o discurso verbal não prescinde destes elementos musicais para complementar ou reforçar expressivamente os conteúdos que quer veicular. Mesmo em uma sofisticada exposição oral, ainda podemos ouvir pulsar ritmos e sons que remontam àqueles primeiros balbucios do bebê, extremamente ricos em articulação sonora, mas ainda não adaptados (ou reduzidos) ao sistema simbólico da linguagem. Podemos, então, aplicar a este caso a já mencionada gradação proposta por Schafer para relacionar os pólos ideais da entoação (voz falada) e do canto (utilização musical da voz), percebendo que existem igualmente várias gradações de mistura entre eles e que uma separação completa seria impossível.

Alfredo BOSI chama atenção para o som no signo linguístico5 5 O som no signo, ensaio contido no livro O ser e o tempo da poesia, originalmente publicado em 1977. lembrando a célebre expressão de Ferdinand de Saussure, quando este referiu-se à linguagem humana como "pensamento-som". Conforme Bosi, os signos da linguagem escrita estão profundamente ligados à sua origem sonora, mais especificamente vocal:

O signo vem marcado, em toda sua laboriosa gestação, pelo escavamento do corpo. O acento que os latinos chamavam anima vocis, coração da palavra e matéria-prima do ritmo, é produzido por um mecanismo profundo que tem sede em movimentos abdominais do diafragma. Quando o signo consegue vir à luz, completamente articulado e audível, já se travou, nos antros e labirintos do corpo, uma luta sinuosa do ar contra as paredes elásticas do diafragma, as esponjas dos pulmões, dos brônquios e bronquíolos, o tubo anelado e viloso da traqueia, as dobras retesadas da laringe (as cordas vocais), o orifício estreito da glote, a válvula do véu palatino que dá passagem às fossas nasais ou à boca, onde topará ainda com a massa móvel e víscida da língua e as fronteiras duras dos dentes ou brandas dos lábios.

O som do signo guarda, na sua aérea e ondulante matéria, o calor e o sabor de uma viagem noturna pelos corredores do corpo. O percurso, feito de aberturas e aperturas, dá ao som final um proto-sentido, orgânico e latente, pronto a ser trabalhado pelo ser humano na sua busca de significar. O signo é a forma da expressão de que o som do corpo foi potência, estado virtual. (BOSI, 2008, p.52-53).

Desta maneira, a voz é responsável por inscrever o corpo no signo linguístico. A força da ligação entre som e linguagem pode ser observada também na linguagem escrita, onde percebemos a presença do som na palavra enquanto signo visual. Podemos dizer que o desenvolvimento da linguagem escrita acontece paralelamente ou posteriormente ao desenvolvimento linguístico da vocalidade humana, mas não prescinde desta, a não ser nos casos em que há uma incapacidade fisiológica que afeta a audição e impõe a necessidade de substituir os estímulos sonoros pelos visuais e táteis.

Um exemplo que pode ajudar a compreender melhor esta ligação entre som e signo diz respeito ao desenvolvimento da leitura no mundo ocidental. A leitura, como é praticada na sociedade contemporânea, é uma atividade solitária e silenciosa na qual é ressaltado o aspecto visual da percepção sensorial. Este é um dos motivos pelos quais a linguagem escrita tende a ser vista como separada do universo sonoro das manifestações da voz. Entretanto, a palavra escrita nunca deixou de estar intimamente ligada à voz e à possibilidade de sua transformação em sons por meio da leitura em voz alta. Ao analisar os hábitos de escrita e leitura durante a Idade Média na Europa, a pesquisadora Margit Frenk conclui que, naquele contexto histórico e social, a palavra escrita não pode ser compreendida de outra forma senão como sucedâneo da fala e/ou canto (FRENK, 2005, p.16-17). Sua pesquisa, alicerçada em fartas referências documentais e literárias, nos permite perceber o processo de transformação de uma cultura essencialmente oral, que vai sendo paulatinamente modificada a partir da difusão da linguagem escrita e, mais tarde, com o advento da imprensa. Entretanto, o longo período de coexistência entre os universos oral e escrito é marcado por uma preponderância do primeiro sobre o segundo, já que os textos eram escritos para serem lidos em voz alta (ou oralizados) para uma outra pessoa ou grupo de pessoas, e mesmo a leitura individual não se confundia com leitura silenciosa, pois era de praxe que os textos fossem lidos em voz alta mesmo quando o leitor o fazia de forma solitária. A leitura tal como a praticamos contemporaneamente, ou seja, leitura solitária (ou privada) e silenciosa, é fruto de vários séculos de transformações dos hábitos sociais ligados à transmissão da palavra. A pesquisadora ressalta a característica de mobilidade que possuem os textos dentro de uma tradição oral:

Por sua indissolúvel ligação com a memória e com a performance, em um momento e lugar dados, toda literatura vocalizada -seja ou não oral em seu modo de composição, esteja ou não registrada, além disso, em um papel -se encontra em contínuo movimento. Não há texto fixo, mas um texto que a cada vez vai modificando-se. Quando se transcreve um texto desta índole em um manuscrito (ou, mais tarde, em um impresso), o que se registra é apenas uma versão, versão efêmera, que se pronunciou em certa ocasião e que difere mais ou menos das pronunciadas em outras ocasiões (FRENK, 2005, p.36).

Neste contexto, percebemos que os textos escritos, apesar de estabelecerem variadas relações com a palavra falada e/ou cantada, não poderiam ser concebidos de forma independente das manifestações orais. Seja para posterior oralização ou para registro de uma performance oral ocorrida em determinada ocasião, a escrita sempre se colocava como serva da voz, ou como "língua segunda", na já citada expressão de Paul Zumthor.

As observações de Frenk sobre os "textos em movimento" também podem ser estendidas ao universo da canção, pois esta resiste em assumir uma forma fixa, tendendo a ser constantemente transformada a cada performance. Os registros escritos da canção (a simples transcrição da letra ou a letra acompanhada da partitura com a melodia), tendem a ser insuficientes para a compreensão da totalidade dos seus significados, e demandam sempre a observação da performance propriamente dita como forma de suprir as limitações da linguagem escrita. Este ponto será desenvolvido mais adiante.

As reflexões sobre o desenvolvimento da leitura, fruto da disseminação da linguagem escrita no mundo ocidental, nos levam a uma maior consciência do aspecto originariamente sonoro da palavra. Em conhecido estudo originalmente publicado em 1982, o pesquisador Walter J. Ong demonstrou que as diferenças entre os domínios da oralidade e da escrita eram muito mais profundas do que se suspeitava até então. Ao analisar características de culturas marcadas pelo que ele denominou "oralidade primária" (grupos de indivíduos totalmente não familiarizados com a escrita), ele observa algumas características psicodinâmicas que diferenciam radicalmente os processos de comunicação nos universos da oralidade e da escrita, não apenas no que diz respeito ao aspecto formal das mensagens, mas sobretudo nas maneiras de estruturar o pensamento e a consciência da realidade por meio da linguagem. Conforme o pesquisador, as diferenças entre o pensamento de base oral e escrita têm suas raízes na própria natureza do som, identificado por ele como "poder e ação" dadas suas características intrinsecamente dinâmicas:

O som existe apenas quando está deixando de existir. Não é simplesmente perecível, mas essencialmente evanescente, e é sentido como evanescente [...] Não há meio de parar o som e ter som. Posso parar uma câmera de filme e deter uma imagem fixada na tela. Se eu parar o movimento do som, nada terei - apenas silêncio, absolutamente nenhum som. Toda sensação acontece no tempo, mas nenhum outro campo sensório resiste deste modo à ação suspensa, à estabilização (ONG, 1999, p.32).

A partir da constatação destas características particulares do som, Ong inicia um exame da influência que elas exercem na percepção sensorial e na transmissão de mensagens vocais, mapeando os modos segundo os quais se estrutura a comunicação baseada na palavra oralizada6 6 Walter Ong compara sociedades de base oral e letradas, tendo como resultado um elenco exemplificativo de características do pensamento e expressão de base oral. Assim, em contraste com sociedades letradas, a oralidade seria: aditiva em vez de subordinativa; agregadora em vez de analítica; redundante ou copiosa; conservadora ou tradicionalista; próxima ao mundo vivenciado ( lifeworld); de tom agonístico; empática ou participativa em vez de objetivamente distanciada; homeostática; situacional em vez de abstrata (ONG, 1999, p.37-57). .

A escrita na civilização ocidental contemporânea (incluindo suas formas impressa e eletrônica) encontra-se completamente interiorizada nos indivíduos por seu amplo e corrente uso: nas expressões de Ong, trata-se de uma sociedade de mentalidade "quirográfica" (baseada na escrita), ou mais especificamente, "tipográfica" (baseada na imprensa). Ong conclui que a escrita é uma forma de tecnologia ligada à palavra, e esta tecnologia foi responsável por uma reestruturação tão profunda da consciência humana, que tornou especialmente difícil para os indivíduos letrados contemporâneos a compreensão do modo de pensamento das sociedades de base oral.

O "escritocentrismo"7 7 A expressão é de Margit FRENK (2005). da sociedade ocidental contemporânea coloca o texto escrito em uma posição de destaque. A escrita passa a ser encarada como uma ferramenta legitimadora das ideias, sendo identificada com a modernidade e com o valor da produção artística e intelectual assim veiculada. Este movimento de valorização da escrita teve como contrapartida o desprezo pelas formas orais de expressão, consideradas durante muito tempo inferiores às formas de expressão escrita, pois, entre outros motivos alegados, não permitiriam a transmissão das ideias com a mesma sofisticação proporcionada pela escrita. Os reflexos deste movimento foram sentidos de maneira bastante intensa no âmbito acadêmico: no campo dos estudos literários, por exemplo, a atenção exclusiva ao texto escrito fazia com que se ignorasse toda uma produção poética que não estava baseada nesta forma de transmissão. Além disso, as análises "escritocêntricas" tendiam a desconsiderar alguns aspectos de determinados textos literários que, apesar de escaparem ao registro escrito, eram essenciais para a satisfatória compreensão dos significados da obra. A transmissão oral que acontece com a performance e que, hoje sabemos, afeta diretamente o próprio estilo do texto pode ser citada como exemplo de um elemento que era rejeitado como contingencial e secundário em relação à palavra escrita. O clássico estudo de Paul Zumthor sobre "literatura" medieval8 8 A letra e a voz (ZUMTHOR, 1993). é um exemplo de como o papel central conferido pela academia ao texto escrito impedia a satisfatória compreensão das manifestações poéticas deste período histórico.

Um dos pontos de maior relevância no trabalho de Walter Ong é justamente chamar atenção para o fato de que a expressão de base oral não pode ser analisada de acordo com critérios provenientes de um pensamento de base letrada: dadas as diferenças intrínsecas de cada modo de consciência e estruturação da expressão, não é possível traçar entre eles uma divisão hierárquica. Esta percepção não apenas modifica a maneira como encaramos a produção artística e intelectual de sociedades orais, mas também nos oferece uma ferramenta valiosa para rever o modo como enxergamos nossa própria produção escrita. A percepção de que oralidade e escrita influenciam de formas diferentes o pensamento e a expressão possibilita uma visão histórica, portanto crítica, do nosso modo de expressão centrado na escrita.

A predominância do texto escrito na análise acadêmica da canção é percebida pela antropóloga Ruth Finnegan, quando ela diz que "não é de surpreender que a palavra escrita ou passível de ser escrita tenha com tanta frequência tido lugar central no estudo das canções -é ela que pode ser isolada para análise e transmissão" (FINNEGAN, 2008, p.19). Conforme a pesquisadora, este foco no aspecto textual das canções está relacionado com uma tendência recorrente no pensamento ocidental em identificar o aspecto intelectual do humano com a linguagem, em oposição ao aspecto emocional que estaria identificado com elementos não-verbais:

Nesta visão, a performance musical representa o aspecto sensório, incontrolável e até perigoso da natureza humana (especialmente, é claro, quando manifestado na música popular ou não-ocidental) [...] Alguma música, no entanto, escapou dessas associações: os gêneros eruditos mediados pela notação musical (FINNEGAN, 2008, p.21).

Percebemos aqui o poder normalizador da escrita, dominando os elementos não-verbais e reduzindo-os a uma linguagem passível de ser convenientemente transmitida e analisada nos meios acadêmicos.

4. Tripla perspectiva analítica: texto, música e performance

O exame da canção como forma expressiva é útil quando analisamos as maneiras pelas quais a voz é utilizada para a produção de significados, tanto linguísticos quanto musicais. Porém, como aponta Gil Nuno Vaz, a canção não é um objeto de fácil definição:

A canção, no senso comum, é entendida como a reunião de letra e música em uma forma simples. Essa noção generalizada decorre da importância que elas detêm no processo de criação artística [...] Quando se fala do significado de uma canção, contudo, o binômio 'letra e música' deixa margem para alguns questionamentos. Afinal, expressões como 'canção instrumental' ou 'canção sem palavras' são usadas costumeiramente quando uma composição musical é sentida e referida como tal, mesmo sem a letra. E muitos poemas são denominados canções, ainda que as palavras não sejam cantadas com qualquer melodia [...] Fazendo-se uma compilação de diversas definições de canções, é possível reunir oito elementos ligados a ela com maior frequência: (1) o canto / (2) de um texto poético / (3) geralmente acompanhado por um instrumento / (4) dentro de uma determinada forma musical / (5) de duração geralmente breve / (6) com certa interação entre música e poesia / (7) relacionado com diversos contextos, como dança, trabalho, acalanto, reza / (8) de âmbito erudito ou popular (VAZ, 2007, p.11-13).

Todos os componentes da canção complementam-se para construir seus significados, o que pede uma abordagem analítica específica. O fato de podermos diferenciar na canção componentes verbais (o texto, ou letra) e musicais (a melodia e o acompanhamento instrumental) não quer dizer necessariamente que ela seja uma forma simples de superposição de linguagens. É verdade que, em alguns casos, podemos encontrar poemas que foram posteriormente musicados, mas que não tiveram originalmente nenhuma intenção musical por parte do autor; ou ainda melodias compostas inicialmente como temas instrumentais que, mais tarde, inspiraram a composição de uma letra. Em todo caso, dada a simultaneidade de sua expressão, os elementos verbais e musicais presentes na canção afetam-se mutuamente, modificando seus significados originários e criando uma nova forma de linguagem, não necessariamente sujeita às dinâmicas de funcionamento das linguagens que foram conjugadas para criá-la.

Por não ser apenas texto, nem apenas música, as análises puramente literárias ou estritamente musicais da canção acabam por não considerá-la em sua plenitude e riqueza de significados. Augusto de Campos, no poema-prefácio que escreveu para o livro Os últimos dias de paupéria, de Torquato Neto, escreve:

Estou pensando

No mistério das letras de música

Tão frágeis quando escritas

Tão fortes quando cantadas

Por exemplo 'nenhuma dor' (é preciso reouvir)

Parece banal escrita

Mas é visceral cantada

A palavra cantada

Não é a palavra falada

Nem a palavra escrita

A altura a intensidade a duração a posição

Da palavra no espaço musical

A voz e o mood mudam tudo

A palavra-canto

É outra coisa (CAMPOS, 2005).

Podemos traçar um paralelo entre o texto de Augusto de Campos e o que Roland Barthes chamou de "grão da voz", ao escrever sobre determinados gêneros da música cantada nos quais "uma língua encontra uma voz" (BARTHES, 1982, p.237). Barthes compreende a voz na canção (sobretudo na canção erudita) como elemento produtor de significados que ultrapassam a simples veiculação musical da língua para representar a materialidade de um corpo que fala/canta:

O 'grão' da voz não é - ou não é apenas - seu timbre; a significância que ele abre não se pode definir mais precisamente que pela própria fricção da música e de outra coisa, que é a língua (e de forma alguma a mensagem). É preciso que o canto fale, ou ainda melhor,

escreva

(BARTHES, 1982, p.241-242. Grifo do autor).

Podemos dizer que o "grão da voz" foi a forma que Barthes encontrou para pensar o modo específico por meio do qual a canção produz seus significados, por meio da realização de uma "escritura cantada da língua" (BAR-THES, 1982, p.242). Obviamente, quando o autor utiliza as palavras "escrever" e "escritura", o faz de acordo com o conceito amplo de texto tal como concebido pela semiótica, de maneira alguma restrito à linguagem escrita.

Temos na canção uma mensagem linguística e uma mensagem musical, ambas veiculadas simultaneamente pela voz; acontece que a voz não é capaz de veicular esta mensagem complexa sem transformá-la por meio da materialidade do corpo do emissor (o cantor ou intérprete). Para compreender o alcance das palavras de Barthes, basta escutar versões de uma mesma canção executadas por diferentes intérpretes (os exemplos se multiplicam na proporção direta da popularidade da canção escolhida): em muitos casos é simples perceber como os significados da canção podem ser completamente alterados pelas qualidades vocais (inclusive qualidades idiossincráticas) de cada intérprete -precisamente "a voz e o mood" mencionados por Augusto de Campos em seu já citado poema-prefácio.

Dadas estas peculiaridades formais, a composição de canções no âmbito da música popular segue parâmetros próprios, que nem sempre coincidem com os parâmetros utilizados por poetas e músicos em sua atividade criativa. Para Luiz Tatit, o cancionista (maneira pela qual ele faz referência ao compositor de canções ou compositor popular), não se considera músico nem poeta; mistura um pouco de tudo e não encontra muita orientação para sua atividade criativa nem nos conservatórios nem nos cursos de letras, dadas as especificidades de seu processo de criação, inclusive no que diz respeito ao registro escrito de suas composições, já que as canções são geralmente refratárias a um padrão único de execução (TATIT, 2007, p.100-101)9 9 Vocação e perplexidade dos cancionistas, texto originalmente publicado em 1983 no jornal Folha de São Paulo. .

Como a canção é tomada pelo domínio da voz, em toda sua multiplicidade e mutabilidade, ela tende a ser retransformada por quem canta a cada nova interpretação. Esta característica se reflete na dificuldade em registrar as canções sob forma escrita: cada forma de notação deixa de fora algum elemento importante para a compreensão dos significados da canção. Voltando ao já citado exemplo das várias versões de uma mesma canção, podemos encontrar casos em que a canção é registrada da mesma maneira (por exemplo, uma partitura com a melodia e a letra, além das indicações para o acompanhamento instrumental) e ser cantada de maneiras completamente opostas por seus intérpretes. Diferentemente do que ocorre com a música (no caso de uma peça instrumental) e com a poesia, o que fica de fora do registro escrito é essencial para a canção, não podendo ser considerado elemento contingencial ou secundário.

Estas observações nos levam ao conceito de performance, por meio do qual a necessidade de uma abordagem específica da canção pode ser mais bem compreendida. Afinal, é apenas com a performance (modo pelo qual acontece a execução da canção) que acontecerá a expressão plena de seus conteúdos linguísticos, musicais e subjetivos.

5. Sobre os conceitos de Performance

A etimologia da palavra "performance" remete a uma ação por meio da qual se atribui uma forma a alguma coisa ou se revela a forma de algo (do latim, formare: formar, dar forma a). O dicionário também nos oferece sinônimos como "interpretação", "atuação" e "desempenho", apontando para uma pluralidade de significados e acepções da palavra (HOUAISS, 2007). Desta maneira, podemos empregar o termo "performance" para fazer referência a uma apresentação artística (a performance de um músico/bailarino/ator) ou para caracterizar o desempenho de um indivíduo na realização de determinada tarefa, não necessariamente de natureza artística (a performance de um atleta, a performance de um estudante em um teste). O mesmo termo pode ser aplicado até mesmo quando nos referimos a uma ação não-humana (a performance de uma máquina ou de um carro, por exemplo). Esta diversidade de utilizações do termo implica esforços específicos no sentido de buscar conceitos de performance adequados aos respectivos contextos dentro do quais serão utilizados (artes, esportes, física aplicada etc.).

Mesmo quando direcionamos o foco para uma área específica do conhecimento (em nosso caso, as artes) a complexidade conceitual permanece. Examinando com mais atenção o primeiro exemplo dado por nós para as utilizações da palavra "performance", ou seja, uma apresentação artística, é simples perceber que esta expressão engloba uma imensa variedade de manifestações expressivas. Marvin Carlson, em texto originalmente publicado em 1996, chama atenção para exemplos contemporâneos desta complexidade, ao perceber a diferenciação dos usos do termo no âmbito da imprensa ligada às artes e espetáculos:

O The New York Times e o Village Voice [jornais norte-americanos de grande circulação] ambos agora incluem uma categoria especial de 'performance' -separada de teatro, dança e filmes -incluindo eventos que frequentemente também são chamados de 'arte-performace' ou até 'teatro de performance'. Para muitos, este último parece tautológico, já que em dias mais simples considerava-se que todo teatro estava envolvido com performance, sendo o teatro, de fato, uma das 'artes de performance'. Este uso em grande parte ainda está conosco, como também está a prática de chamar qualquer evento teatral específico (ou, para este fim, eventos específicos de música ou dança) de uma 'performance' (CARLSON, 2008, p.71).

Além de fazer referência à performance na acepção já citada de apresentação artística (citando a expressão "arte de performance" que poderia ser aplicada ao teatro, dança ou música), este trecho nos fornece mais um caso de emprego da palavra "performance" como modalidade de expressão artística diversa do teatro, da dança e do cinema, identificada pela expressão "arte-performance" (performance art na expressão original inglesa) ou simplesmente "performance".

No caso da arte-performance, o termo "performance" é utilizado para identificar não a atividade genérica de apresentação de um trabalho artístico, mas um gênero específico de arte. A chamada arte-performance, ou apenas performance, tem raízes tanto no teatro quanto nas artes plásticas. Sob esta denominação encontra-se um amplo espectro de manifestações artísticas, extremamente difícil de ser agrupado segundo características comuns. O pesquisador Renato Cohen, em pesquisa dedicada a este gênero, destaca como ontologia da performance a aproximação entre vida e arte, apontando suas ligações com um movimento maior, chamado live art, denominação que começou a ser utilizada no Reino Unido em meados dos anos 1980 para designar um novo modo de encarar a arte, incluindo expressões como, por exemplo, o happening:

A live art é a arte ao vivo, mas também a arte viva. É uma forma de se ver a arte em que se procura uma aproximação direta com a vida, em que se estimula o espontâneo, o natural, em detrimento do elaborado, do ensaiado.

A live art é um movimento de ruptura que visa dessacralizar a arte, tirando-a de sua função meramente estética, estilista. A ideia é resgatar a característica ritual da arte, tirando-a de 'espaços mortos', como museus, galerias, teatros, e colocando-a numa posição 'viva', modificadora.

Esse movimento é dialético, pois na medida em que, de um lado, se tira a arte de uma posição sacra, inatingível, vai se buscar, de outro, a ritualização de atos comuns da vida (COHEN, 2007, p.38).

Cohen chama atenção para o posicionamento da performance como "arte de fronteira", aglutinando inúmeras linguagens artísticas (teatro, dança, pintura etc.) e refratária a definições e categorizações, dadas suas atitudes experimentais no sentido de romper convenções. O pesquisador afirma que a performance é uma atividade de natureza essencialmente cênica, com antecedentes históricos que remontam a experiências análogas no campo das artes plásticas e do teatro10 10 Como exemplos destes antecedentes históricos, o autor cita os chamados happenings, iniciados nos anos 1960 nos EUA e relacionados às experiências surrealistas dos anos 1920 na Europa, e a body art (arte do corpo) que encara o corpo do artista como suporte expressivo e instrumento de interação com o espaço e com a plateia. No campo das artes plásticas, a chamada action painting praticada por artistas como o norte-americano Jackson Pollock, ao destacar os movimentos do artista por meio de suas pinceladas, também contribuiu com o movimento que tentava repensar as artes, oferecendo uma visão menos estática e segmentada da criação artística. . Entretanto, o autor ressalta que "a ideia de interdisciplina como caminho para uma arte total aparece na performance como uma espécie de reversão à proposta de Gesamtkunstwerk de Wagner. Na concepção da ópera wagneriana, esse processo de uso de várias linguagens é harmônico [...] Na performance [...] utiliza-se uma fusão de linguagens (dança, teatro, vídeo etc.) só que não se compondo de uma forma harmônica, linear. O processo de composição das linguagens se dá por justaposição, colagem" (COHEN, 2007, p.50).

Também é interessante falar sobre como a academia tem se comportado no sentido de desenvolver ferramentas analíticas que contemplassem a imensa variedade de produções artísticas reunidas sob o termo "performance". Neste sentido, são pioneiras as ideias de Richard Schechner no sentido de propor um "novo paradigma" que deslocava o foco do teatro para a performance (considerada uma categoria mais ampla, dentro da qual estaria compreendida a noção clássica de teatro), reformulando os programas de estudo das universidades norte-americanas e permitindo o surgimento do que contemporaneamente se denomina performance studies. A abordagem proposta por Schechner tornou-se conhecida como Broad Spectrum Approach (abordagem de amplo espectro) definida pelo foco transdisciplinar na performance:

Em vez de treinar profissionais da performance não-empregáveis, departamentos de dança e teatro deveriam desenvolver cursos que mostrassem como a performance é um paradigmachave em muitas culturas, modernas e antigas, não-ocidentais e euro-americanas. [...]

O pensamento performativo precisa ser visto como meio para análise cultural. Matérias de estudos de performance precisam ser ensinadas fora dos departamentos de artes de performance, como parte do núcleo do currículo (SCHECHNER, 2008, p.8).

Conforme Schechner, a tradição ocidental do teatro e dança (tanto do ponto de vista do estudo acadêmico como da formação de profissionais) precisa ser repensada tendo como referência a performance, do contrário irá desmoronar. "A alternativa feliz é expandir nossa visão do que é performance, estudá-la não apenas como arte, mas como meio de entender processos históricos, sociais e culturais" (SCHECHNER, 2008, p.9).

A questão da performance de fato tem sido estudada sob diferentes pontos de vista, em diferentes áreas acadêmicas. Como exemplos situados fora do âmbito das artes de performance, podemos citar a linguística e a antropologia como campos em que a performance tem sido utilizada como paradigma teórico.

No caso da linguística, as ideias de J. L. Austin representam um divisor de águas: conhecido por seu conceito de "atos de fala" (speech acts), o eixo central de seu trabalho esteve na consideração de que a fala é uma forma de ação. Em seus escritos, AUSTIN fala sobre certas elocuções, que qualifica como "performativas". Entre estas elocuções (utterances), que teriam apenas a aparência de declarações ou afirmações, o autor dá o exemplo da frase "Eu aceito" dita no curso de uma cerimônia de casamento:

Aqui poderíamos dizer que, ao dizer estas palavras, estamos

fazendo

alguma coisa - a saber, casando, em vez de

declarar

alguma coisa, a saber, que estamos casando. E o ato de casar-se, como, digamos, o ato de apostar, é, ao menos

preferivelmente

(embora ainda não

precisamente

) descrito como

dizer certas palavras

, em vez de realizar [

to perform

] uma ação diferente, interna e espiritual, da qual estas palavras são meramente o signo externo e audível (AUSTIN, 2008, p.177. Grifos do autor).

A performance também tem ocupado um lugar central no campo das ciências sociais. Inicialmente o conceito foi utilizado na antropologia, auxiliando as práticas etnográficas voltadas para culturas não-familiarizadas com a linguagem escrita, ou centradas em manifestações orais e/ ou ritualizadas da palavra (recitações, cantos, cerimônias etc.). O antropólogo Victor Turner, ao comentar ritos de passagem de tribos africanas nos quais certos indivíduos são submetidos a um período de isolamento para posteriormente serem devolvidos ao convívio social, aponta para a característica da "liminaridade" (liminality na expressão original inglesa, do latim limen = limiar) que este isolamento confere aos indivíduos enquanto estão passando pelo rito. Escreve Turner que "os atributos da liminaridade ou das personas liminares (pessoas-limiar) são necessariamente ambíguos, pois esta condição e estas pessoas eludem ou escorregam através da rede de classificações que normalmente localizam estados e posições no espaço cultural" (TURNER, 2008, p.89). Ao mesmo tempo em que a ordem social é temporariamente suspensa para estes indivíduos, tornando-os completamente despossuídos (inclusive de sua identidade), forma-se entre eles um profundo senso de igualdade que vai além da solidariedade entre membros de uma mesma sociedade. Conforme Turner, o estado liminar responsável pelo senso de igualdade (que ele chama de communitas) entre os indivíduos submetidos ao rito, é importante na dialética social de igualdade/desigualdade, homogeneidade/diferenciação.

A liminaridade é frequentemente destacada como uma caracterísica da performance, seja quando consideramos a performance como gênero artístico (a "arte de fronteira", que aglutina várias linguagens sem se identificar especificamente com nenhuma delas) ou como apresentação artística (atividade essencialmente efêmera, relacionada à presença do artista e do público em determinado espaçotempo, que não pode ser repetida e dificilmente pode ser reproduzida, capturada ou registrada de maneira eficaz). O trabalho de Victor Turner com as tribos africanas gerou outras importantes contribuições à performance como paradigma teórico, sobretudo no que diz respeito ao conceito de "drama social" que extrapolou os limites da etnografia para alcançar uma aplicação muito mais ampla dentro do panorama das ciências sociais.

Também no campo dos Estudos Culturais ou Teoria Cultural a noção de performance (utilizada sob as denominações performance cultural ou intercultural) vem sendo utilizada como paradigma no entendimento de processos ligados à construção de identidades dentro dos contextos (multi/inter/trans)culturais contemporâneos.

Uma vez traçadas as linhas gerais da evolução dos conceitos de performance e de sua utilização por parte de algumas áreas do conhecimento acadêmico, é chegado o momento de definir a abordagem que utilizaremos na presente pesquisa, tendo em vista seu direcionamento para a análise teórica da canção.

Preliminarmente, podemos entender a performance como a atividade complexa que ocorre no momento da execução de um texto (tomando o termo no sentido de mensagem poética, não necessariamente escrita), da mesma forma como dizemos que um músico ou cantor executa uma peça musical quando este toca ou canta baseado, ou não, nas indicações escritas de uma partitura.

No caso da canção, um primeiro elemento que se apresenta na estrutura da performance é a presença do intérprete: através do corpo e de sua expressão viva por meio da voz, dos gestos ou de expressões faciais (e, eventualmente, outros elementos visuais ligados ao corpo, como figurinos, adereços, maquiagem etc.), o artista vai "dar forma" ao texto e transmiti-lo ao público num só ato. Podemos retomar a ideia já citada de Fayga Ostrower para dizer que o corpo é, ao mesmo tempo, "o meio e o modo" pelos quais ocorre a performance, ressaltando o papel central da voz neste processo.

A presença do artista remete a uma característica teatral da performance, no sentido de que o texto apenas alcança a plenitude de seus significados quando, à semelhança da encenação, são acrescentados à palavra escrita uma série de elementos que potencializam e complementam seu conteúdo expressivo. Do mesmo modo, podemos encarar o exemplo da partitura musical, código escrito que necessita ser complementado pelo intérprete no momento da execução da peça. Tanto o exemplo da música como do teatro ilustram bem a pluralidade deste texto, que transborda o que está registrado na forma escrita ao se desdobrar em outros elementos relevantes para a análise da construção dos significados.

Nas palavras de Paul Zumthor,

Introduzir nos estudos literários a consideração das percepções sensoriais, portanto, de um corpo vivo, coloca tanto um problema de método como de elocução crítica. De saída, é necessário, com efeito, entreabrir conceitos exageradamente voltados sobre eles mesmos em nossa tradição, permitindo assim a ampliação de seu campo de referência (ZUMTHOR, 2007, p.27).

Em um de seus livros mais conhecidos, A letra e a voz (1993), Zumthor utiliza o termo "literatura" (entre aspas) como forma de sinalizar que a definição conteporânea de literatura - ligada ao texto escrito, à leitura silenciosa e individual e a uma cultura livresca - está muito aquém do que ele prefere chamar simplesmente de "poesia", apontando para uma ideia mais ampla de manifestação poética da palavra, que engloba outros elementos além da linguagem escrita. A "poesia" estaria, assim, intimamente ligada à ideia de ritualidade ou performance, e seria identificada por ele através da expressão "texto poético" (não necessariamente escrito). Zumthor distingue vários momentos na existência de um texto poético: a formação (criação ou composição do texto); a transmissão, que propiciaria a recepção por parte do público, e a reiteração, já que esta recepção pode acontecer repetidas vezes sem que seja percebida como redundante pelo ouvinte. A possibilidade de reiteração do texto poético é extremamente relevante para o conceito de performance, já que as condições de cada performance não são estáticas e podem chegar a modificar os significados do próprio texto. Apesar disso, certas características gerais são mantidas, preservando a identidade do texto sem com isso tornálo fechado às interferências ambientais de cada situação performática (ZUMTHOR, 2007, p.65).

É interessante notar que Paul Zumthor inicia suas investigações sobre a vocalidade11 11 Diferentemente de Walter J. Ong, que sempre utilizou o termo "oralidade" para fazer referência às manifestações sonoras da palavra, Zumthor introduz o termo "vocalidade", preferindo-o ao anterior por situar melhor esta dimensão sonora da palavra, relacionando-a especificamente à voz humana. a partir de estudos no campo da "literatura" medieval. O importante papel desempenhado por elementos como a voz e a música na construção dos significados desta "literatura" levou-o a propor uma divisão entre "texto" e "obra": o primeiro seria uma "sequência linguística que tende ao fechamento, e tal que o sentido global não é redutível à soma dos efeitos de sentidos particulares produzidos por seus sucessivos componentes" e a segunda, "o que é poeticamente comunicado, aqui e agora - texto, sonoridades, ritmos, elementos visuais; o termo compreende a totalidade dos fatores da performance" (ZUMTHOR, 1993, p.220).

Um paralelo com o pensamento de Roland Barthes pode ser interessante neste caso: lembramos o ensaio De l'oeuvre au texte (BARTHES, 1984), originalmente publicado em 1971, no qual BARTHES desenvolve conceitos semelhantes utilizando a mesma denominação mais tarde empregada por Zumthor. A diferença é que a "obra", para Barthes, seria fechada em si mesma, enquanto o "texto" seria plural, aberto e dinâmico. A ironia presente no fato de Barthes e Zumthor utilizarem palavras trocadas para denominar ideias semelhantes é facilmente compreendida se levarmos em conta a diferença entre as perspectivas teóricas adotadas por cada um: Barthes toma o texto escrito como ponto de partida e de chegada, enquanto Zumthor parte deste mesmo texto para ir além do que está escrito e examinar as manifestações expressivas da voz humana. Mesmo com estas diferenças, o diálogo entre as formulações revela uma preocupação comum em pensar a literatura como algo que escapa a conceitos e fórmulas teóricas fechadas, apontando para uma abertura conceitual que revela novos caminhos na análise das manifestações da palavra (seja escrita ou oralizada) e leva a dissecar definições tradicionais para reexaminar sua instrumentalidade teórica, tendo em vista a multiplicidade e dinamismo das manifestações artísticas produzidas pelo ser humano.

Este ensaio de Barthes é comentado pelo pesquisador W. B. WORTHEN (2008), que explora a relação entre textualidade e poder. Para Worthen, Barthes consegue diferenciar dois aspectos da textualidade frequentemente confundidos: o primeiro diz respeito ao papel dos textos como "veículos canônicos de intenção autoral" (aspecto relacionado ao conceito barthesiano de "obra"), enquanto o segundo estaria mais diretamente ligado à intertextualidade (relacionado ao conceito de "texto"). Worthen procura repensar oposições relativas à textualidade e à performance, inserindo na discussão as relações de poder que permeiam estas questões: "Palco versus página, literatura versus teatro, texto versus performance, estas oposições simples têm menos a ver com a relação entre escrita e atuação do que com poder, com os meios pelos quais autorizamos a performance, fundamentamos sua significância" (WORTHEN, 2008, p.12).

Neste sentido, a performance aproxima-se da dimensão dinâmica do "texto" barthesiano, já que este

tenta se colocar exatamente

atrás

do limite da

doxa

(a opinião corrente constitutiva de nossas sociedades democráticas, potentemente ajudadas pelos meios de comunicação de massa, não é ela definida por seus limites, sua energia de exclusão, sua

censura

?); tomando a palavra ao pé da letra, poderíamos dizer que o Texto é sempre

paradoxal

(BARTHES, 1984, p.74. Grifos da autor).

Aplicando estas reflexões sobre a performance à canção, encontramos nesta forma expressiva um veículo complexo em termos formais, além de altamente versátil, tanto do ponto de vista da utilização do corpo como ferramenta artística/comunicativa como de sua capacidade de inserção social, estabelecendo uma relação de comunicação com diversos públicos.

Ao analisar alguns aspectos relativos à performance da canção, Christian Marcadet chama atenção para a distinção conceitual entre "performance" e "interpretação". Para ele,

A performance abrange um quadro mais amplo com o seu ambiente social e humano, as condições contextuais (históricas, sociológicas, técnicas e midiáticas) que a tornam possível, enquanto a interpretação refere-se mais precisamente ao artista em cena, aos meios artísticos (vocais, corporais e gestuais) que o mesmo mobiliza e à relação singular que estabelece com os públicos (MARCADET, 2008, p.11).

Entretanto, a concepção de "interpretação" desenvolvida por Marcadet muito se assemelha à ideia de "performance" tal como apresentada por Paul Zumthor, vejamos:

A interpretação das canções é por essência o cerne do que é fundamental na performance. É corrente de sentidos em atos como há corrente de lava. A performance induz uma relação entre um artista e uma audiência, que convém analisar, e o conceito que permite essa análise é o de modo de comunicação cena/plateia - ou intérprete/público, que marca a natureza e a intensidade da relação estabelecida entre os diferentes atores da performance. Disso decorrem novos campos de investigação: relações cantor/público e noções secundárias e flexíveis de participação, adesão, identificação, interação, intrusão, até mesmo co-criação. A interpretação é fundamentalmente uma arte de síntese que combina encenação, enunciado, personalidade, mito, pulsões do público e contexto. O artista deve pensar globalmente as suas performances cênicas, atendendo a seu repertório, a sua personalidade, às personagens que representa, os meios artísticos aos quais recorre, como os públicos aos quais seus espetáculos são destinados (MARCADET, 2008, p.13).

Como podemos perceber, a atenção específica ao aspecto cênico que o termo "interpretação" quer denotar apenas complementa as ideias de Paul Zumthor sobre a performance e as situa no panorama específico da canção. As palavras de Marcadet, à semelhança de Paul Zumthor, apontam para uma compreensão mais ampla de "texto poético", o que ocorre por meio de um exame atento das condições nas quais este texto será efetivamente performatizado. Esta abordagem é necessariamente transdisciplinar e abrangente, não podendo se resumir a um ou outro aspecto formal da performance da canção.

O pesquisador Gil Nuno Vaz sublinha o papel central do corpo na estrutura básica da canção ao estudá-la como campo sistêmico. Segundo ele, a gênese da canção estaria no movimento corporal: gestos que se desdobram em gestos sonoros, entre os quais o gesto vocal que, por sua vez, produz a fala (gesto verbal) e o canto (gesto musical). Conforme o pesquisador,

é altamente provável que a canção tenha emergido, historicamente, da necessidade de conjugar toda a potencialidade expressiva do corpo humano [...] de modo mais autônomo possível, em um campo expressivo mínimo, para cumprir uma função específica, como o acalanto, por exemplo (VAZ, 2007, p.21).

Partindo destes elementos essenciais da canção (fala, canto e movimento), percebe-se os efeitos de duas forças agindo sobre eles, pois, "se de um lado a canção busca, no processo evolutivo, intensificar a conectividade entre seus elementos para garantir a continuidade sistêmica (força centrípeta), de outro, ocorre uma ação desintegradora (força centrífuga) de cada um desses modos primitivos de manifestação corporal em busca de seu campo expressivo próprio" (VAZ, 2007, p.25). Sob esta perspectiva da canção como forma expressiva primitiva ou embrionária, modos específicos de expressão ligados ao corpo (como música, dança e poesia) seriam formas derivadas da canção e não o contrário (ideia da canção como superposição de linguagens específicas). Deste modo, pensar a performance da canção seria voltar ao início de um caminho expressivo, na busca pela reintegração de linguagens corporais cada vez mais independentes e sofisticadas, mas que guardam entre si uma origem comum, ligada a uma visão orgânica e não compartimentalizada do corpo humano.

A canção é capaz de se adaptar a diversas formas do dizer poético e aos mais distintos suportes, mantendo os traços de sua estrutura original ao mesmo tempo em que consegue absorver inúmeras inovações tecnológicas relativas tanto à atividade de composição e gravação como aos circuitos de divulgação artística e distribuição. A performance da canção, com todas as mudanças por que passou no último século, continua sendo fonte de prazer artístico e espaço de comunicação entre artistas e público, sempre pronta a absorver novidades e fazer uso delas a serviço da expressão artística do ser humano.

6. Canção, mercado e mídias

Por ser extremamente versátil como forma de expressão artística, a canção adaptou-se a inúmeras mudanças relativas aos suportes técnicos que utiliza, ensejando a criação de um mercado específico voltado para a sua produção e consumo.

Inicialmente, temos a presença simultânea do cantor e do(s) ouvinte(s) em um mesmo espaço e tempo como requisito essencial para a performance da canção. Apesar desta modalidade de performance ainda persistir na sociedade ocidental contemporânea na forma de shows, festivais e recitais, ela já não é mais a única possibilidade de performance da canção desde que foram desenvolvidos meios de captar, fixar e transmitir o som à distância. Em seu estudo histórico sobre o desenvolvimento da "paisagem sonora" (soundscape na expressão original em inglês), o canadense Murray Schafer aponta o período do século XIX, por ele chamado de "revolução elétrica", como decisivo no desenvolvimento das tecnologias relativas ao som, destacando entre elas o telefone, o fonógrafo e o rádio: "com o telefone e o rádio, o som não estava mais ligado ao seu ponto original no espaço; com o fonógrafo, ele foi libertado de seu ponto original no tempo" (SCHA-FER, 1994, p.89). Estas tecnologias tornaram possível o surgimento do fenômeno batizado por Schafer de "esquizofonia", ou seja, a desvinculação entre o som original e sua transmissão ou reprodução eletroacústica:

Originalmente, todos os sons eram originais. Eles ocorriam em apenas um tempo e espaço. Sons eram indissoluvelmente ligados aos mecanismos que os produziam. A voz humana viajava tão longe quanto alguém pudesse gritar. Todo som era inimitavelmente único [...] Desde a invenção dos equipamentos eletroacústicos para transmissão e armazenamento do som, qualquer som, por mínimo que seja, pode ser amplificado e executado em todo o mundo, ou gravado em fita ou disco para as gerações futuras. Nós separamos o som do produtor do som (SCHAFER, 1994, p.90).

A esquizofonia representa um importante divisor de águas para a performance da canção, trazendo mudanças tanto para os intérpretes como para os ouvintes. Com a possibilidade de gravar e posteriormente reproduzir o som em discos e fitas, foi iniciado um processo tecnológico que começou com as gravações lo-fi, passou pela era hi-fi12 12 lo-fi e hi-fi, respectivamente, abreviações das expressões inglesas low-fidelity e high-fidelity, utilizadas geralmente como referência a uma menor ou maior fidelidade de reprodução do som. e continua até hoje com os arquivos sonoros digitais veiculados pela internet. Este caminho de captação e manipulação do som foi trilhado também, de maneira diversa, no campo das imagens (fotografia, cinema, televisão e vídeo-tape). Na época da esquizofonia, a performance da canção passou a ser também mediatizada.

Para Paul Zumthor,

é indiscutível que a transmissão midiática retira da performance muito de sua sensualidade [...] o que falta completamente, mesmo na televisão ou no cinema é o que denominei tatilidade. Vê-se um corpo; o rosto fala, canta, mas nada permite este contato virtual que existe quando há a presença fisiológica real [...] Uma performance mediatizada não é verdadeiramente teatral, no sentido que a entendo; no entanto, essa performance se faz bastante diferente do que poderia ser qualquer forma de escrita (ZUMTHOR, 2005, p.70).

Esta afirmação relaciona-se com as ideias de Zumthor sobre o que poderíamos chamar de graus de performaticidade presentes nos diversos textos poéticos. Deste modo, o texto escrito e a performance ao vivo representam os pontos extremos desta escala, respectivamente, de menor e maior grau de performaticidade. Em todos os casos, porém, a performance pode ser entendida como uma interação entre texto poético e leitor, daí a afinidade entre o pensamento Zumthor e as teorias literárias conhecidas como "estética da recepção"13 13 Teorias identificadas também pela expressão inglesa reader-response criticism, elaboradas por autores como Stanley FISH, Wolfgang Iser e Hans-Robert Jauss. . O leitor (expressão tomada no sentido de também incluir o ouvinte/espectador) é um componente chave no desenvolvimento da performance, desempenhando uma atividade criativa que caminha lado a lado com o trabalho do artista, e que é fundamental para a produção dos significados da obra de arte apresentada, sendo esta um conjunto complexo de elementos expressivos.

O desenvolvimento de tecnologias de gravação e reprodução do som também abriu a possibilidade de novas formas de exploração comercial da canção: além da venda de partituras e ingressos para óperas e recitais, também se tornou possível vender fitas e discos que registravam a performance dos cantores, ou pelo menos parte desta performance (o som). Desde estes primeiros tempos, a indústria fonográfica já passou por inúmeras etapas na consolidação de um mercado específico voltado para a produção e consumo da canção. Este trajeto da canção no mercado foi examinado detalhadamente pela pesquisadora Heloísa Duarte Valente, que propõe a denominação canção das mídias em substituição à corrente expressão canção popular ou canção pop, dadas as especificidades dos papéis atribuídos à canção dentro do panorama de uma sociedade que ela chama de "midiática":

Ao nos referirmos à canção das mídias, estamos [...] tratando da canção em uma gama de modalidades que tem uma orientação comum: ter nascido no âmbito de uma sociedade já dominada pelos meios de comunicação de massas (as mídias). Isto se traduz, sucintamente falando, numa canção composta, executada, difundida e recebida segundo os recursos oferecidos pelo conjunto de técnicas de som (e/ou do audiovisual) vigente que, por sua vez, está condicionado à esfera político-econômica das gravadoras. Acrescente-se que, em relação aos séculos precedentes, a canção das mídias atenderá a um público cuja sensibilidade cambiará mais rapidamente ao longo dos anos, graças à implantação de novas tecnologias do som e da imagem [...] Posto isto, podemos afirmar que a canção das mídias segue as mesmas normas que definem a indústria do entretenimento (VALENTE, 2003, p.60).

Ainda conforme a pesquisadora, as inovações técnicas relativas às mídias sonoras também criaram novos padrões estéticos para atender às demandas do mercado. Tais padrões acabam por afetar diretamente a performance das canções, interferindo em todo o processo: desde a escolha do repertório, passando pela gravação, até a reprodução por meio de discos, fitas e das rádios. A crescente popularização das mídias torna as canções e seus meios de reprodução acessíveis a um número cada vez maior de ouvintes (ou consumidores), tornando este mercado ainda mais promissor e atraente para investimentos. Os artistas passam a ser encarados sob uma perspectiva essencialmente comercial: eles e suas obras são devidamente "adaptados" com vistas às exigências mercadológicas e todo um aparato de marketing passa a atuar interferindo diretamente em todas as etapas de criação e veiculação de suas canções.

Em artigo publicado originalmente em 1990, mas ainda pertinente em relação ao atual panorama da música popular, Luiz Tatit14 14 Canção, estúdio e tensividade, artigo originalmente publicado na Revista USP, 1990. analisa o funcionamento deste mercado e alguns fatores decisivos para o estudo da nova performance da canção:

o novo artista deixou de ser o estímulo inicial para o investimento das empresas de gravação e se tornou o resultado, repentino aos olhos do público, de uma cadeia de diligências mercadológicas e promocionais, quase infalíveis, que produzem os artistas com características já preestabelecidas para assegurar o mínimo de sucesso necessário ao retorno do capital investido. E no centro deste novo estado de coisas formou-se igualmente uma nova competência: o homem de estúdio. Aquele que, sendo ou não músico, sabe converter uma canção, por mais simples que seja, num produto expressivo e agressivo que invade a sala do ouvinte com a mesma exuberância de um som ao vivo. Chamado de produtor, diretor, técnico ou engenheiro de som, este personagem oculto, cuja habilidade é completamente desconhecida do grande público, está por trás de inúmeros êxitos do mercado do disco. Sem esse respaldo de qualidade sonora, caminhando pari passu com as convenções eletrônicas e assegurando um acabamento técnico impecável, de nada adiantariam as mais perfeitas estratégias de marketing (TATIT, 2007, p.132).

As observações de Tatit demonstram como as regras do mercado interferem diretamente na performance da canção, não apenas nas etapas de veiculação e divulgação junto ao público, mas também durante o processo de criação/gravação. Sob este ponto de vista, o trabalho do produtor de estúdio torna-se tão importante quanto o do compositor, já que altera diretamente a obra (ou, em termos mercadológicos, o produto) que chegará aos olhos e ouvidos do público.

Hoje existe todo um sofisticado aparato tecnológico especialmente desenvolvido para as mídias audiovisuais, que permite desde a manipulação de sons e imagens originais até sua própria criação por meios digitais. Toda esta riqueza de possibilidades técnicas representa o estágio atual de um longo caminho percorrido desde os primeiros e precários registros fonográficos e que tem por objetivo principal permitir ao público a reprodução das condições sensoriais de uma situação de performance presencial. Porém, as possibilidades técnicas à disposição do artista de hoje não se resumem aos aparatos eletrônicos de manipulação do som. Com o desenvolvimento do mercado fonográfico, foram elaboradas outras maneiras de veiculação da performance, sendo o vídeoclipe a mais notável entre elas. Além das gravações, das fotos nas capas dos discos e das apresentações ao vivo (cada vez mais sofisticadas em termos de performance), o artista agora podia ter sua obra traduzida nas imagens em movimento do vídeo-clipe, inicialmente criado como peça publicitária para divulgação comercial de lançamentos musicais, mas logo desenvolvendo padrões estéticos próprios e conquistando espaços específicos no mercado. À semelhança das gravações em áudio, os vídeo- clipes não se limitaram a reproduzir as performances ao vivo, mas desenvolveram suas potencialidades no sentido de complementar e até mesmo transformar o sentido das canções a que estavam vinculados.

Paul Zumthor acredita que a ausência do artista na performance mediatizada "carrega uma expectativa irremediável para a integridade do corpo" (ZUMTHOR, 2005, p.94); expectativa esta que seria responsável por desencadear um processo de recomposição da situação da performance ao vivo através justamente dos recursos tecnológicos que se encontram à disposição dos artistas. Entretanto, não se pode negar que os novos suportes técnicos terminaram por criar linguagens próprias, interferindo diretamente na recepção do público.

Referências

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Notas

2010 Recebido em: 15/11/2009

Aprovado em: 20/03/2010

Conrado Falbo é Mestre em Teoria da Literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atua profissionalmente como músico (violonista), professor e escritor, além de preparador vocal de atores. Seus principais focos de pesquisa acadêmica e criação artística são: performance, corpo e vocalidade; intersemiose (relações entre poesia, música e artes cênicas); e música popular. Atualmente desenvolve pesquisa de doutorado sobre as dimensões performáticas da poesia brasileira desde o modernismo.

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  • ______. Performance, recepção, leitura 2 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
  • 1
    Bowden realizou um estudo sobre as canções de Bob Dylan, tendo como foco a dimensão performática dos textos deste compositor.
  • 2
    Veja-se, a título de exemplo, o caso de textos literários que são posteriormente musicados e transformados em canções, ou dos inúmeros escritores que se dedicam também a compor letras de canções.
  • 3
    Os dois processos referidos por Berthier procuram, respectivamente, "identificar uma mensagem linguística no fluxo fonatório, independentemente das particularidades e variações individuais, a fim de, por exemplo, transformar diretamente a fala em escrita" e "identificar o locutor, qualquer que seja o teor linguístico de sua fala" (BERTHIER, 1998, p.60).
  • 4
    Todas as traduções são de minha responsabilidade.
  • 5
    O som no signo, ensaio contido no livro
    O ser e o tempo da poesia, originalmente publicado em 1977.
  • 6
    Walter Ong compara sociedades de base oral e letradas, tendo como resultado um elenco exemplificativo de características do pensamento e expressão de base oral. Assim, em contraste com sociedades letradas, a oralidade seria: aditiva em vez de subordinativa; agregadora em vez de analítica; redundante ou copiosa; conservadora ou tradicionalista; próxima ao mundo vivenciado (
    lifeworld); de tom agonístico; empática ou participativa em vez de objetivamente distanciada; homeostática; situacional em vez de abstrata (ONG, 1999, p.37-57).
  • 7
    A expressão é de Margit FRENK (2005).
  • 8
    A letra e a voz (ZUMTHOR, 1993).
  • 9
    Vocação e perplexidade dos cancionistas, texto originalmente publicado em 1983 no jornal Folha de São Paulo.
  • 10
    Como exemplos destes antecedentes históricos, o autor cita os chamados
    happenings, iniciados nos anos 1960 nos EUA e relacionados às experiências surrealistas dos anos 1920 na Europa, e a
    body art (arte do corpo) que encara o corpo do artista como suporte expressivo e instrumento de interação com o espaço e com a plateia. No campo das artes plásticas, a chamada
    action painting praticada por artistas como o norte-americano Jackson Pollock, ao destacar os movimentos do artista por meio de suas pinceladas, também contribuiu com o movimento que tentava repensar as artes, oferecendo uma visão menos estática e segmentada da criação artística.
  • 11
    Diferentemente de Walter J. Ong, que sempre utilizou o termo "oralidade" para fazer referência às manifestações sonoras da palavra, Zumthor introduz o termo "vocalidade", preferindo-o ao anterior por situar melhor esta dimensão sonora da palavra, relacionando-a especificamente à voz humana.
  • 12
    lo-fi e
    hi-fi, respectivamente, abreviações das expressões inglesas
    low-fidelity e
    high-fidelity, utilizadas geralmente como referência a uma menor ou maior fidelidade de reprodução do som.
  • 13
    Teorias identificadas também pela expressão inglesa
    reader-response criticism, elaboradas por autores como Stanley FISH, Wolfgang Iser e Hans-Robert Jauss.
  • 14
    Canção, estúdio e tensividade, artigo originalmente publicado na Revista USP, 1990.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      15 Nov 2009
    • Aceito
      20 Mar 2010
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