Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

EDITORIAL

É com prazer que compartilhamos com nossos leitores e autores a indexação de Per Musi - Revista Acadêmica de Música no Scielo, tornando-se, assim, o primeiro periódico brasileiro de música e o segundo da América Latina indexado na base de periódicos deste importante indexador acadêmico. Este volume 24 de Per Musi é dedicado ao estudo da música antiga, apresentando artigos selecionados do evento internacional II SMA (Semana de Música Antiga) da UFMG: os sentidos da meraviglia (exceto pelo último artigo e respectiva partitura).

A pesquisadora italiana Erminia Ardissimo contribuiu com dois artigos, ambos traduzidos por Silvana Scarinci. O primeiro artigo examina o tema da maravilha através das concepções de alguns dos fundadores do cânone barroco - Tasso, Marino, Tesauro - e somos levados a compreender como, a partir do pensamento de Vico, a maravilha torna-se fonte de conhecimento. Em seu segundo artigo, Ardissimo discorre sobre três tipologias da maravilha: partindo do famoso mote de Marino (è del poeta Il fin la meraviglia), a autora elucida os significados do conceito e elabora uma brilhante retrospectiva de sua presença em escritores como Dante, Ariosto e Marco Polo.

A musicóloga francesa Raphaëlle Legrand nos apresenta o herói mítico Orfeo em sua trajetória operística: desde o nascimento do gênero em Florença (1600) o personagem será recorrente nos palcos italianos e franceses até a conhecida versão de Gluck (1762). Debruçando-se sobre a delicada versão de Charpentier - La descente d'Orphée aux enfers, obra apresentada durante a II SMA -, Legrand nos explica como a figura de Orfeo se materializa em autêntica metáfora do maravilhoso musical.

O poeta luso-brasileiro seis-setecentista, Manuel Botelho de Oliveira nos é aqui apresentado por Adma Muhana. A autora nos faz compreender como em Música do Parnasso e na Lira Sacra, Marino é constantemente emulado, deleitando o leitor com suas agudezas líricas, ocasião própria para o efeito da maravilha. Conta-nos a autora que o próprio poeta põe em relevo, em seus prólogos, a ligação já antiga da poesia lírica e da música, ao dizer, em acepção de cunho fortemente marinista, que a "Poesia não é mais que um canto poético."

Suzel Ana Reily relata em seu artigo as festas da Semana Santa que ocorrem desde o século XVIII na cidade sul-mineira de Campanha, no estado de Minas Gerais. Graças ao convívio permanente com a arte barroca ali presente, a autora defende que se estabeleceu no local um verdadeiro habitus barroco, transformando-se num marco da sensibilidade religiosa da região. Deste modo, o grande drama coletivo encenado anualmente em Campanha na Semana Santa reproduz o efeito barroco da maravilha graças aos fortes efeitos sensoriais que provoca nos espectadores.

O artigo de Adalgisa Arantes Campos apresenta um amplo histórico da fundação da ordem Carmelita, desde sua origem mítica relacionada ao profeta Elias, à fundação de diversos conventos no século XIII, passando pela reforma do Carmelo no século XVI por Tereza D'Ávila, para finalmente chegar na América Portuguesa, e especialmente nas Minas Gerais. A autora nos relata como os momentos míticos ou fabulosos - elementos presentes na tipologia do maravilhoso - foram marcantes para a representação iconográfica do brasão da ordem.

Adentrando o campo da etnomusicologia, Glaura Lucas evidencia a presença do maravilhoso entre os congadeiros em Minas Gerais. A pesquisadora faz um belo relato sobre os rituais em homenagem a Nossa Senhora, nas cerimônias contemporâneas dos Reinados, quando os congadeiros imprimem de maravilha os atos musicais coreográficos em que recontam e elaboram a história de seus antepassados escravos.

A partir de uma palestra itinerante em passeio aos povoados, largos e igrejas de Santa Bárbara e Catas Altas, Minas Gerais, Rodrigo Bastos faz com que falem os silenciosos edifícios dos dois lugarejos visitados - calados, segundo o arquiteto e escritor, pelos preceitos e preconceitos românticos que nos apartou das categorias barrocas, como a experiência do maravilhoso.

David Kjar, trompetista barroco e pesquisador, traz novas luzes à discussão em torno da performance histórica, colocando a cravista Wanda Landowska no centro das atenções. Esquecida ou acusada de "inautêntica" pelos defensores do movimento em seu estágio considerado "moderno" (anos 60 e 70), Landowska é revisitada por Kjar. Numa densa discussão com os teóricos do movimento, o autor propõe que se reconsidere a figura da "maravilhosa" cravista, o que nos permite contemplar todas as idas e vindas de um movimento em perpétua (e saudável) transformação.

Os próximos três artigos falam das relações da Retórica com a música. Cesar Marino Villavicencio e Edilson Rocha descrevem o uso das figuras de Retórica aplicadas à música. O primeiro autor concentra-se no efeito patético causado pelo silêncio em diversas obras, inicialmente barrocas, mas estendendo-se a períodos mais modernos. Já Edilson Rocha propõe a análise retórica de uma obra específica - Responsórios para Quarta Feira Santa de Antônio dos Santos Cunha (1775?-1822?) - como meio apropriado para que o músico possa interpretar a obra de forma mais eficaz. Fábio Viana, a partir de uma elaboração teórica sobre a função retórica da arte barroca religiosa e das relações entre a maravilha e o conhecimento, revela-nos como se dá a aplicação destes conceitos a obras de arte e música específicas de Minas colonial.

Dois artigos dedicados à arte do teclado são introduzidos por Edmundo Hora, Stella Almeida Rosa e Helena Jank. O primeiro autor explica como determinados instrumentos históricos - alguns modelos específicos de cravos - teriam facilitado a execução e desenvolvimento de uma linguagem nacional. Já as duas autoras elucidam as relações entre a música do "maldito" Wilhelm Friedemann Bach, com suas explosões de sentimentos contraditórios e conturbados, e o movimento de origens literárias, Sturm und Drang (tempestade e ímpeto).

Buscando uma realização mais bem fundamentada de uma obra vocal de Emerico Lobo de Mesquita, Katya Beatriz de Oliveira e Laura Rónai traçam paralelos entre a música napolitana predominante em Portugal e a música colonial mineira do século XVIII.

Marcos da Cunha Lopes Virmond e Lenita Waldige Mendes Nogueira apresentam e discutem sua restauração e transcrição musicológica do moteto Veni Sancte Spiritus para orquestra e côro de José Mauricio Nunes Garcia, cuja partitura é aqui publicada integralmente.

Lembramos que todos os conteúdos e capas de Per Musi, desde janeiro de 2000 até julho de 2011 estão disponíveis para download ou impressão gratuitamente no site de Per Musi Online, no endereço www.musica.ufmg.br/permusi. As versões impressas de quase todos os números da revista ainda podem ser adquiridas através do e-mail permusi@ufmg.br.

Fausto Borém

Silvana Scarinci

Fundador e Editor Científico de Per Musi

Co-editora de Per Musi 24

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
Escola de Música da UFMG Escola de Música da UFMG. Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha. Cep: 31270-010 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: permusiufmg@gmail.com