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Schoenberg/Boulez: ideia/sistema

Schoenberg/Boulez: idea/system

Resumo:

Dois textos principais orientam o presente estudo: A música nova, a música demodée, o estilo e a ideia, escrito por Arnold SCHOENBERG (1977b)23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103. em 1946, e O sistema e a ideia, escrito por Pierre BOULEZ (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30. em 1986. Inicialmente é trabalhado o conceito de 'ideia musical' em diversos textos de Schoenberg. O conceito é então confrontado com uma análise de seu Prelúdio do Op. 25, elaborada por Jack BOSS (2014)3 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press.. Essa análise levanta a problemática da percepção, conduzindo à discussão do texto de Boulez. Esse último é trabalhado na relação da 'ideia musical' com o 'sistema', inicialmente em conexão com a segunda Escola de Viena e em seguida com sua própria estética. Procura-se compreender como se articulam esses dois conceitos nas reflexões dos dois compositores, que muito influenciaram a transformação da linguagem musical no século XX, e que se situam em uma linha evidente de conexão e continuidade.

Palavras-chave:
sistema em Arnold Schoenberg; sistema em Pierre Boulez; ideia musical e composição; Prelúdio do Op. 25 de Schoenberg

Abstract:

Two main texts have guided this study: New music, outmoded music, style and idea, written by Arnold SCHOENBERG (1977b)23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103. in 1946, and System and idea, written by Pierre BOULEZ (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30. in 1986. Firstly, the concept of 'musical idea' is dealt with in several of Schonberg's texts. The concept is then confronted with an analysis of Schoenberg's Prelude Op. 25 elaborated by Jack BOSS (2014)3 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press.. This analysis raises perception issues that lead to Boulez's text. This last text is approached with a focus on the relation between the 'musical idea' and the 'system', in connection with the Second Viennese School, and then with his own aesthetics. This article works on how these two concepts are articulated in the reflections of these two composers, who greatly influenced the directions of the transformation of musical language in the 20th century, and who are clearly located in a line of connection and continuity.

Keywords:
system in Arnold Schoenberg; system in Pierre Boulez; musical idea and composition; Schoenberg's Prelude Op. 25

1 - Introdução

Em 1946, Arnold Schoenberg publica texto intitulado "A música nova, a música démodée, o estilo e a ideia"1 1 Para o presente trabalho foi consultada a versão francesa do livro "Le style et l'idée" (SCHOENBERG, 1977). O título do artigo apresentado consta nessa publicação como: "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée" (SCHOENBERG, 1977b). Todas as traduções apresentadas no presente artigo são nossas - evitaremos a repetição da informação daqui em diante. (SCHOENBERG, 1977b23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103., tradução nossa). Trata-se de um texto longo, escrito 5 anos antes de sua morte, no qual se reconhece a personalidade combativa e determinada, que sempre defendeu de forma radical suas posições, e que neste momento procura desembaraçar os quatro conceitos que compõem o título: "Destes quatro conceitos, os três primeiros fizeram uma bela carreira nos últimos vinte e cinco anos; se preocuparam muito menos com o quarto, a ideia" (SCHOENBERG, 1977b23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103., p.93).

É sabido que a questão da organização das alturas foi o principal mobile na existência de Schoenberg. Seu método dodecafônico foi o resultado concreto de uma longa elaboração manifesta em uma escrita fechada e aberta ao mesmo tempo, que, em princípio, deveria assegurar a coerência e a unidade, valores que lhe eram extremamente caros na construção musical. No texto citado percebe-se claramente o que o incomodava naquele momento: sua música, que se apoiava em seu método, e que, enquanto 'música nova' havia sido objeto de forte rejeição por parte do público e de uma certa crítica especializada, já era tida como ultrapassada. Ela passava a ser considerada como representante do fim de uma era envelhecida, em favor da supervalorização de uma produção, segundo ele, equivocada. A razão do equívoco viria essencialmente da má compreensão da diferença entre 'estilo e ideia' - valorizava-se, naquilo que passava a ser compreendido como 'música nova', o primeiro termo em detrimento do segundo, sendo este último, para ele, o definitivo, o mais importante.

Em 1986, Pierre Boulez publica "O sistema e a ideia" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., 20128 ______. (2012) "O sistema e a ideia". In: ASSIS, Paulo de. (Ed.). Pierre BOULEZ: escritos seletos. Porto: Casa da Música/Centro de estudos de sociologia e estética musical, 2012. p.285-354.)2 2 Para este estudo foi utilizada a primeira versão original do texto, em francês, de 1986. Foi acrescentada nas referências bibliográficas a versão traduzida para o português (BOULEZ, 2012), que é a tradução da segunda versão do texto, ampliada e publicada em "Jalons (pour une décennie)" (BOULEZ, 1989). . Trata-se de um texto denso no qual ele se dedica a uma revisão do aspecto sistêmico no pensamento da segunda Escola de Viena, e, a partir daí, elabora profundamente a relação entre sistema e ideia no interior de sua própria estética. Nas primeiras páginas de "Penser la musique aujourd'hui" Pierre Boulez afirma: "Eu estou convencido que uma linguagem é uma herança coletiva da qual é preciso assumir a evolução" (BOULEZ, 19639 _______. (1963) Penser la musique aujourd'hui. Paris: Editions Gonthier., p.8). Sua conexão com o pensamento e as obras da Segunda Escola de Viena é suficientemente conhecida a partir da visitação de seus textos. A citação anterior só vem reforçar tal fato. Mas, enquanto referência, a estética anterior deveria ser ultrapassada, sob pena de recair na asfixia: "o critério de excelência já não se mede em termos de preservação das aquisições, da sua consolidação, mas em termos de evolução voluntarista, e até mesmo de destruição" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.1).

A escolha do texto "O sistema e a ideia" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30.) como par complementar do texto no qual Schoenberg se concentra sobre estilo e ideia (SCHOENBERG, 1977b23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103.) não é um acaso, evidentemente. Apesar de não haver referência direta no texto de Boulez, a conexão entre os dois é inegável3 3 Danielle Cohen-Levinas publica "Loi et negativité: du style et idée de Schoenberg au système et idée de Boulez (COHEN-LEVINAS, 2000), texto de teor muito mais filosófico que analítico, no qual a autora explora a ideia de que a atitude tanto de Schoenberg quanto de Boulez em seus momentos históricos específicos foi orientada pela reação a um estado de coisas que lhes precedia, com um comportamento focado principalmente na atitude de negação. O texto certamente contribui para o debate. .

2 - Schoenberg e a ideia

A verificação dos diversos textos deixados por Schoenberg revela uma inquietação que parece o acompanhar durante toda a vida, qual seja: como definir de modo satisfatório o conceito de 'ideia' em uma construção musical. Encontra-se na série de conferências proferidas por Anton Webern reunidas sob o título 'Caminhos para a nova música", um indicativo importante: "Schoenberg consultou numerosos dicionários para encontrar a definição da palavra 'ideia', mas ele não encontrou. O que é uma 'Ideia musical'?" (WEBERN, 198026 WEBERN, Anton. (1980) Chemins vers la nouvelle musique. Paris: Jean-Claude Lattès., p.113).

Alexander Goehr faz referência a um pequeno comentário solto em um pedaço de papel datado de 7 de abril de 1929: "A questão do que é uma ideia musical não foi respondida até agora.[...] Hoje eu pensei que seria capaz de formular isso claramente, estava tudo tão claro para mim. Mas eu ainda devo esperar. Talvez eu ainda volte a isso" (SCHOENBERG, citado por GOEHR, 198513 GOEHR, Alexander. (1985) "Schoenberg and Karl Kraus: The Idea behind the Music". Music Analysis, v.4(1/2), p.59-71., p.61). Tanto a observação de Webern quanto a citação de Goehr testemunham o fato de que a compreensão do conceito foi questão central para Schoenberg em grande parte de sua vida. A construção de uma obra musical naquele momento histórico deveria, segundo Schoenberg, apoiar-se em 3 aspectos fundamentais - coerência, unidade, variação - termos que sempre retornam nos textos deixados por ele e seus 2 principais discípulos (BERG, 1985; SCHOENBERG, 196721 ______. (1967) Fundamentals of music composition. London: Faber & Faber Limited., 197722 ______. (1977a) "La composition avec douze sons (I) (1941)". In: STEIN, Leonard (Org). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.162-187.; WEBERN, 198026 WEBERN, Anton. (1980) Chemins vers la nouvelle musique. Paris: Jean-Claude Lattès.). Mas a boa articulação desses aspectos passaria inevitavelmente pela consistência na constituição da ideia - daí sua preocupação com o conceito.

Em carta endereçada a Rudolf Kolisch4 4 Rudolf Kolish, violinista austríaco naturalizado americano, irmão de Gertrud Kolisch, segunda mulher de Schoenberg, de quem também foi aluno. Atuava como primeiro violino do quarteto Kolisch, responsável por inúmeras apresentações de obras da segunda Escola de Viena (SCHOENBERG, 1983, p.165). , Schoenberg critica a análise de seu terceiro Quarteto de Cordas, pelo fato dele ter se concentrado excessivamente no aspecto numérico da organização serial:

Você deve ter tido um trabalho incrível, e eu não penso que teria tido essa paciência. Você acredita então que haja alguma utilidade em saber disso? [...] Eu já repeti isto o bastante: minhas obras são composições dodecafônicas e não composições dodecafônicas. [...] A única análise que eu posso considerar é aquela que faz aparecer a ideia e mostra sua representação e seu desenvolvimento (SCHOENBERG, 198320 SCHOENBERG, ARNOLD. (1983) Correspondance: 1910-1951. STEIN, Erwin (Ed.). Paris: Editions J.C.Lattès., p.166).

Como é possível perceber, o foco não está na demonstração do funcionamento do método de escrita, mas sim na maneira como as ideias são ali inseridas e como se articulam na constituição do discurso - o grifo dado pelo autor às palavras composições e dodecafônicas não quer dizer outra coisa.

Schoenberg deixa uma possível definição de ideia musical fortemente apoiada no conceito de tema: "Em uma peça de estilo contrapontístico, a ideia é restrita aos limites de um tema, de um sujeito, cujos elementos constitutivos ouvidos juntos formam uma espécie de 'ponto de partida'" (SCHOENBERG, 1977c24 ______. (1977c) "Le contrepoint linéaire". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.225-230., p.226). Ideia aqui se confunde com material. Em uma fuga tonal o sujeito é o núcleo central de onde surgem as várias derivações que alimentam os desenvolvimentos; em uma fuga não tonal as relações entre as alturas se libertam da funcionalidade (tonal), mas é necessário conservar o princípio de desenvolvimento linear a partir de uma 'ideia' básica (sujeito), sob pena de descaracterizar justamente a forma 'fuga' enquanto molde da escrita. No mesmo texto Schoenberg reforça a definição que ainda mantem a relação estreita entre ideia e material:

Todas as evoluções possíveis de uma peça musical estão em germe em seu tema; ali elas estão previstas, preditas, consideradas, dispostas, prefiguradas. Eu vejo uma peça musical como um livro de imagens que, por variado que seja seu conteúdo, (a) mostra sempre coisas coerentes umas com as outras, (b) só expõe variações de uma ideia fundamental, a multiplicidade de caracteres e de formas levando em conta que a variação é operada de múltiplas maneiras, o método de variação sendo o 'desenrolar progressivo' ou do 'desenvolvimento'" (SCHOENBERG, 1977c24 ______. (1977c) "Le contrepoint linéaire". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.225-230., p.226).

A ideia musical aparece sob outra perspectiva, um pouco mais desenvolvida, no mesmo texto onde Schoenberg reflete sobre a escrita contrapontística:

Contraponto quer dizer que existe um ponto oposto ao primeiro e é sobre esta oposição do segundo ponto em relação ao primeiro que repousa a ideia expressa; é à existência de um ponto oposto que é devido o esquema do conjunto. Podemos pensar, por exemplo, na identidade (a+b).(a - b)=a2 - b2, na qual (a2 - b2) seria a ideia, (a+b) sendo o ponto e (a - b) sendo o ponto oposto (SCHOENBERG, 1977c24 ______. (1977c) "Le contrepoint linéaire". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.225-230., p.225).

Neste caso, a ideia se descola um pouco de sua conexão tão estreita com o material puro e deriva para a manifestação de um processo. A identidade da ideia aparece como resultado de um procedimento técnico mais complexo, composto por níveis distintos e superpostos, e não mais como a expressão de um material isolado, unidimensional na linearidade que o constitui.

A definição mais completa e desenvolvida da ideia musical se encontra no texto base citado nas primeiras linhas deste trabalho:

Cada vez que a uma nota dada você acrescenta uma outra nota, você lança uma dúvida sobre o que queria dizer a primeira nota. Se, por exemplo, você faz seguir um Dó por um Sol, o ouvido pode se perguntar se você vai prosseguir em Dó Maior, ou em Sol Maior, ou mesmo em Fá Menor, em Mi Menor, etc., e a adição das notas seguintes ajudará ou não na solução desse problema. Você provocou assim uma impressão de incerteza, de desequilíbrio, que vai se acentuar com a sequência da peça e se encontrará reforçada por uma flutuação da mesma ordem, relativa ao ritmo. O método pelo qual você consegue restabelecer assim o equilíbrio comprometido é a meu ver a verdadeira 'ideia' de uma composição (SCHOENBERG, 1977b23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103., p.101).

Portanto, em 1946, na maturidade de seus 72 anos de idade, Schoenberg é capaz de se exprimir em termos muito mais amplos que nas citações anteriores. Percebe-se que, movido pelo esforço do refinamento, ele transforma pouco a pouco sua concepção, saindo de uma definição de certa forma sumária e discreta, apesar de francamente aceitável (ideia igual a tema), para um raciocínio bem mais articulado, que dá origem a uma definição que é da ordem da representação. Uma situação é desenhada, colocando de forma quase táctil uma imagem que corresponde à constituição da ideia musical dividia em 3 fases: incerteza/ambiguidade - desequilíbrio pelo aumento da incerteza - resolução do desequilíbrio com fechamento da ideia.

A riqueza e a clareza dessa definição, assim como seu caráter neutro abre um campo muito amplo para os trabalhos de análise (e por que não para os exercícios de composição?). O equilíbrio em uma construção musical, seja ela tonal ou não tonal, pode ser estabelecido ou rompido através do uso de leque muito amplo de variáveis. O estudo da inter-relação dos diversos parâmetros em jogo, da regulagem de suas intensidades, acelerações, superposições ou cruzamentos pode dar lugar a um sem número de estratégias do ponto de vista da construção ou desconstrução do equilíbrio. Schoenberg exercita uma fineza do olhar que vai de par com seu potencial criativo. Qualquer construção sensível, seja ela musical, cinematográfica, literária ou mesmo, em certas circunstâncias, pictórica pode ser vista pelo viés que ele propõe com essa última definição. O que ele enuncia não é simplesmente uma definição de ideia musical - ele nos deixa uma chave analítica e criativa muito poderosa, que pode ser modulada em acordo com o objeto de análise, contribuindo para alargar a compreensão do campo artístico em inúmeras circunstâncias.

Em estudo extremamente detalhado Jack BOSS (2014)3 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press. se concentra na análise de obras dodecafônicas de Schoenberg utilizando como eixo da metodologia a questão da ideia musical. Ele constrói todo um raciocínio analítico que supõe "a existência de uma 'ideia musical' como estrutura primordial em qualquer obra dodecafônica de Schoenberg " (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.5). Será interessante lançar agora um olhar um pouco mais detalhado sobre a metodologia proposta por BOSS, uma vez que ele se baseia em um dos conceitos centrais que orientam este texto - a ideia musical. Além disto, esse pequeno atalho poderá levantar alguns aspectos problemáticos na análise de BOSS, que se relacionam estreitamente com o segundo texto fundamental deste estudo - O sistema e a ideia, de Pierre Boulez (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30..

3 - A ideia e uma aproximação da ideia

O livro de Jack BOSS (2014)3 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., que traz como subtítulo "Simetria e a ideia musical", parte do princípio que as peças dodecafônicas de Schoenberg são estruturadas no entorno de uma situação que ele chama de 'ideal', constituída por estruturas simétricas que surgem quando da colocação em funcionamento da série:

Eu interpreto a ideia musical como uma estrutura analítica: um processo que abrange toda a peça no qual uma espécie de oposição ou conflito entre elementos musicais é apresentado no início, elaborado, e aprofundado durante a peça, e resolvido no ou perto do fim. [...] O conflito que coloca a Ideia em movimento está entre um 'ideal' musical e alguma realidade musical que proporciona uma imagem imperfeita daquele ideal (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.1).

A simetria na estrutura, ou o 'ideal' musical como ele denomina pode se manifestar de modo mais ou menos explícito e, fundamentalmente, é constituído por "altura, classe de altura e/ou simetria intervalar nas dimensões horizontal e vertical" (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.2). O 'ideal' musical é colocado enquanto um potencial no início da peça, sofre deformações e desvios como consequência do desenrolar do trabalho temático, e atinge um máximo de tensão que é conduzido à resolução na porção final da peça. Percebe-se que BOSS procura aproximar o conceito de ideia musical como proposto por Schoenberg (ambiguidade e incerteza, tensão por aumento da incerteza, resolução da incerteza), gerando uma imagem correlata (ideia em potencial, deformações e desvios, máximo de tensão, resolução) que surge no âmago mesmo da estrutura dodecafônica em funcionamento.

O trabalho de BOSS é extenso, impressiona pelo fôlego, e é muito detalhado. Ele se entrega à descrição do desenrolar das formas seriais, indica simetrias extremamente complexas distribuídas na textura, tudo isso depois de cercar seu raciocínio com diversas salvaguardas iniciais, no sentido de não se colocar enquanto detentor da verdade absoluta.5 5 Nas primeiras páginas do livro BOSS previne o leitor de que suas análises não devem ser consideradas as únicas corretas; com elas ele não pretende reproduzir o pensamento do compositor durante o ato de composição; o que ele propõe são sugestões de leitura que agregam um possível, e não o único sentido às obras (BOSS, 2014, p.2-3). No entanto, um estudo detalhado de suas análises levanta uma questão problemática, como será visto a seguir.

A primeira peça analisada por BOSS é o Prelúdio da suíte para piano, Op.25. A série original utilizada na obra é a seguinte:

Figura 1
Série Original da Suite Op.25 - A. Schoenberg.

Schoenberg deixou um rascunho no qual constam as únicas formas seriais utilizadas em toda a suite - P4, P10, I10 e I4. Ele as apresenta subdivididas em tetracordes superpostos, colocando ao lado de cada uma delas a forma retrógrada correspondente, também dividida em tetracordes (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.39):

Figura 2
Formas seriais utilizadas na suíte Op.25 - A. Schoenberg.

Nas formas retrógradas a ordem dos tetracordes foi invertida por Schoenberg. A leitura ordenada de P4, por exemplo, se faz a partir do tetracorde superior e descendo: 4 - 5 - 7 - 1 - 6 - 3 - 8 - 2 etc. A leitura ordenada de R4 (retrógrado de P4) deve ser feita a partir do tetracorde inferior e subindo: 10 - 9 - 0 - 11 - 2 - 8 - 3 - 6 etc. Ao dispor as formas seriais desse modo, Schoenberg reforça a simetria natural que todo retrógrado já supõe - cada tetracorde aparece ao lado de seu simétrico, formando palíndromos, como pode ser visto na Figura2.

A partir dessa constatação Jack BOSS constrói sua interpretação. Ele joga com o aspecto simétrico do material para projetá-lo na ideia que rege a composição. Segundo ele os tetracordes apresentados no esquema são a base que dá origem à ideia musical. Ao comentar o rascunho de Schoenberg com a disposição simétrica dos tetracordes ele afirma:

O todo cria um palíndromo, como o faz cada voz, a superior, a do meio e a inferior. Esta estrutura em palíndromo então assume o papel de um 'ideal' que é sugerido e também mascarado nos compassos iniciais, reforçado em grande parte da peça até um clímax (c.17-19), concretizado (c.20-21) e então abandonado (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.38).

Segundo BOSS, portanto, a ideia musical se manifesta no Prelúdio como a imagem de um movimento irregular em direção a uma situação ideal, que atinge um clímax e em seguida retrocede à medida que a peça se aproxima do final.

A análise do c.20 confirma, pela simetria, um possível clímax:

Figura 3
Prelúdio Op. 25, A. Schoenberg - Análise do c.20 com a numeração das séries (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.57).

Figura 4
Formas seriais P4 e seu retrógrado R4 utilizadas no exemplo anterior, subdivididas em tetracordes.

Figura 5
Representação esquemática dos tetracordes de P4 e R4 relativa à imagem da Figura 3, com indicação das notas comuns (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.57).

O c.20 é organizado de acordo com 3 camadas simétricas, como pode ser visto nas figs.3 e 5. Schoenberg usa a série não como uma estrutura linear com senso único. Os tetracordes do esquema inicial aparecem com uma partição funcional, sendo que a colocação das notas altera a ordem dos tetracordes (R4 é iniciada simultaneamente pelos dois últimos tetracordes, na terceira colcheia do compasso), assim como as notas dentro de um mesmo tetracorde (em R4 o segundo tetracorde aparece com a ordem alterada em relação ao esquema inicial).

A simetria no c.20 é revelada com bastante evidência (o mesmo pode ser verificado em uma análise do c.21). Em nenhum momento da peça, nem antes nem depois desses dois compassos a simetria é tão explícita.

O problema aparece quando se tenta acompanhar o raciocínio em sua integralidade. BOSS fala da ideia musical no Prelúdio como expressão sonora de um percurso, portanto a força de sua ideia depende da verificação do mecanismo enquanto fluxo no tempo; não basta a constatação do clímax. A Figura6 mostra a análise de um trecho escolhido entre o final do c.5 e o início do c.7 (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.46), onde o autor defende que as simetrias devem acontecer mas não de forma tão explícita como foi visto no c.20, de forma a respeitar o percurso sugerido em direção ao clímax:

Figura 6
Prelúdio Op. 25, A. Schoenberg - Análise dos c.5-7 com a numeração das séries.

Figura 7
Simetrias detectadas por Jack BOSS (2014, p.41)3 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press. na análise dos c.5-7 apresentados na Figura 6.

O esquema da Figura 7 indica as simetrias detectadas na análise. É muito importante que fique bem compreendida a maneira como BOSS as identifica, uma vez que seu esquema pode dar margem a dúvidas. Serão simétricos e formarão palíndromo, por exemplo, o intervalo 5-0 de R4 com 0-5 de RI4, uma vez que trata-se das mesmas duas classes de nota com suas ordenações invertidas. Da mesma forma serão palíndromos 9-11 de R4 e 11-9 de RI4. Não serão considerados palíndromos 4-10 de R4 e 4-10 de RI4 uma vez que a ordem de aparição das classes de nota é a mesma, não há inversão da ordenação. No entanto, ao projetar o esquema da Figura.7 sobre a organização real das séries na partitura da Figura 6 um aspecto chama a atenção: a limpeza da simetria apresentada no esquema perde força quando se observa a distribuição das notas na pauta. BOSS defende simetrias muito claras no esquema, mas para que ganhem alguma funcionalidade efetiva é necessário um mínimo de transparência na realização, sob pena de perda na consistência da interpretação proposta.

Defender, por exemplo, a partir das Figuras 6 e 7 acima, uma simetria em palíndromo entre as quartas justas 5-0 de R4 e 0-5 de RI4 é demasiado arriscado, na nossa avaliação. O mesmo pode ser dito de 9-11 de R4, com 11-9 de RI4. A simetria se apresenta no esquema (Figura 7) mas não na partitura (Figura 6) - o esquema descola da partitura, e não nos parece representativo o bastante para fornecer tamanho álibi. A única configuração que no nosso entender apresenta alguma simetria com um mínimo de pregnância é formada pelas 4 primeiras notas de R4: 1-7-5-4 em relação às 4 primeiras notas de RI4: 7-1-3-4, e isto se dá muito mais pelo caráter imitativo presente no perfil rítmico da Figura 3 semicolcheias iniciadas em parte fraca do tempo, seguidas de nota longa - do que pela questão intervalar devida ao par 7-1/1-7. As demais supostas simetrias não possuem ancoragem mínima suficiente no registro perceptivo para serem classificadas como tal, e todas as análises de BOSS no Prelúdio vão no mesmo caminho. As diferenças de figuração e de contexto são tantas que a conexão entre as ocorrências é diluída, praticamente aniquilada no curto espaço de tempo que as separa, impedindo a percepção da identidade projetada. A inegável técnica de escrita de Schoenberg, que lhe permite a multiplicação das relações estruturais nessa ou em qualquer peça de seu repertório, não pode ser confundida com uma capacidade quase mágica de gerar tal densidade de correspondências como é sugerido aqui e no restante da referida análise.

Toda essa questão tem relação com os processos de segmentação na análise musical, sobretudo na música atonal. O problema não é simples e é determinante em qualquer exercício analítico, como pode ser atestado nos escritos de Allen Forte que dedica uma seção de seu "The structure of atonal music" (FORTE, 197312 FORTE, Allan. (1973) The structure of atonal music. London: Yale University Press.) à questão da segmentação. Jean-Jacques Nattiez faz o mesmo em seu texto "Allen Forte's set theory, neutral level analysis and poietics" (NATTIEZ, 200317 NATTIEZ, Jean-Jacques. (2003) "Allen Forte's set theory, neutral level analysis and poietics". Around Set Theory. Paris: Delatour/Ircam.).

Jack BOSS em sua análise considera como simetrias válidas certas estruturas que estão ali por serem inerentes ao método serial, que joga justamente com um módulo 12 fixo e recorrente. O método fatalmente produzirá correspondências à medida que as formas seriais forem encadeadas, isto nessa peça ou em qualquer peça que utilize o método dodecafônico.

Aqui foi atingido o cerne da problemática que perpassa a análise de BOSS e que justifica sua inclusão nesse estudo: a relação entre estrutura e percepção. A partir daí será feita a conexão com o segundo texto fundamental deste trabalho - 'O sistema e a ideia', de Pierre BOULEZ (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30.. Ao procurar constituir um eixo condutor para a análise calcado nas reflexões de Schoenberg sobre a ideia musical, BOSS elabora um mecanismo que, para se adequar ao processo é obrigado a considerar a percepção das simetrias como aspecto suficientemente resolvido. É verdade que o autor não considera a categoria totalmente resolvida, mas ao mesmo tempo não lhe dedica a mesma atenção que dedica à descrição da estrutura:

Eu devo admitir que em algumas peças, na verdade, o amplo arco narrativo é difícil de se perceber completa e imediatamente. [...] Mas existem peças, sobretudo as menores, onde a grande estrutura, a Ideia se apresenta ao ouvinte como algo que pode ser sentido. O Prelúdio Op. 25 que mencionei acima é um excelente exemplo. Nele, um padrão simétrico de classe de altura é sugerido, gradualmente obscurecido, aproximado utilizando-se diferentes padrões, e finalmente concluído (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.4-5).

A escolha do Prelúdio se deu muito em função da citação acima - afirma-se aí a possibilidade de percepção auditiva da ideia. Nossa discordância reside no fato de que a suposta ideia que sustenta a composição trabalha com uma regulagem de simetrias intervalares que são muito difíceis, senão impossíveis de serem identificadas como tais, por aparecem mescladas às demais notas que compõem a textura e pelos desvios rítmicos, dinâmicos e de registro que as afetam. Por consequência, na percepção se tornam irrecuperáveis. Esse fato cria uma distância excessiva entre os dois aspectos - estrutura e percepção da estrutura - o que, no nosso entender, gera problema.

Pierre Boulez, próximo foco deste trabalho, em seu texto "O sistema e a ideia" (1986) dedica especial atenção à questão perceptiva em sua relação com o sistema. Antes de passar ao texto de Boulez, no entanto, é necessário aprofundar um pouco mais a problemática levantada a partir da análise anterior, pois a discussão a respeito não é recente.

4 - Percepção versus estrutura: uma aproximação semiológica

A década de 1970 foi um momento de intensa discussão na área da semiologia musical, marcada fortemente pelos trabalhos de Jean-Jacques Nattiez e Jean Molino, principalmente através de seus dois textos mais importantes: "Fundamentos de uma semiologia da música" (NATTIEZ, 1975b19 ______. (1975b) Fondements d'une sémiologie de la musique. Paris: Union Générale des Editions.) e "Fato musical e semiologia da música"

(MOLINO, 197516 MOLINO, Jean. (1975) "Fait musical et sémiologie de la musique". Musique em jeu. Paris, v.17, p.37-62.). Nattiez e também Molino discutem as bases de uma semiologia musical que permitiria aprofundar a discussão do sentido simbólico de qualquer música (NATTIEZ, 1975b19 ______. (1975b) Fondements d'une sémiologie de la musique. Paris: Union Générale des Editions., p.50). Nattiez, então, traz para o debate a chamada tripartição de Molino segundo a qual "o processo de simbolização implica 3 polos: a mensagem em si mesma, em sua realidade material, as estratégias de produção da mensagem e suas estratégias de recepção" (NATTIEZ, 1975b19 ______. (1975b) Fondements d'une sémiologie de la musique. Paris: Union Générale des Editions., p.50). Sinteticamente, diríamos que o primeiro polo é o nível neutro, é aquele que serve de ancoragem ao funcionamento dos outros dois níveis, é a visão analítica da obra em sua materialidade mais imediata. O segundo nível é o poiético que trata das estratégias de elaboração do material, as mecânicas criativas e compositivas; e o terceiro, o estésico, é o que trata das estratégias de recepção da mensagem, a extremidade última do processo, o nível da percepção musical.

Nattiez afirma que:

O nível neutro é um nível de análise onde não se decide a priori se os resultados obtidos por um procedimento explícito são pertinentes ou não do ponto de vista do estésico e/ou da poiética. O que torna neutro esse nível descritivo é que as ferramentas utilizadas para o recorte dos fenômenos são exploradas sistematicamente até suas últimas consequências e só são substituídas quando novas hipóteses ou novas dificuldades conduzem à proposição de outros. 'Neutro' significa aqui que se vai até o fim da aplicação de um procedimento dado, independentemente dos resultados obtidos (NATTIEZ, 1975b19 ______. (1975b) Fondements d'une sémiologie de la musique. Paris: Union Générale des Editions., p.54).

A citação acima, em parte, validaria toda a estratégia analítica de BOSS. Uma coisa não se pode negar em seu trabalho: sua persistência e capacidade de manter o foco da análise. No entanto, Molino ajuda a avançar a discussão:

O que é, portanto, a análise musical? É essa dialética do trabalho científico que, partindo da análise 'neutra' do material sonoro transcrito por uma prática social que já é uma análise, progride, definindo pouco a pouco novos estratos de análise, seja integrando dados emprestados às outras dimensões (produção e recepção), seja questionando os instrumentos utilizaos para a análise e tentando forjar novos (MOLINO, 197516 MOLINO, Jean. (1975) "Fait musical et sémiologie de la musique". Musique em jeu. Paris, v.17, p.37-62., p.58).

A análise se faz por etapas, e é fundamental a integração dos 3 eixos da tripartição, é o que diz Molino. Os procedimentos serão sempre aproximativos, e a interpretação estará sempre ligada à subjetividade de quem analisa, não há como contrariar esse princípio, e é isso que deixa aberta a discussão. Mas o pensamento semiológico nos diz também:

As análises do nível neutro não representam a finalidade última da pesquisa semiológica, mas elas são um momento importante. O ponto de vista semiológico cessa ali onde não é mais possível estabelecer uma ligação entre a música ela mesma e aquilo a que ela remete, do duplo ponto de vista do criador e do ouvinte (NATTIEZ, 1975a18 ______. (1975a) "De la sémiologie à la sémantique musical". Musique em jeu. Paris, v.17, 3-9., p.8).

Projetando essas últimas colocações sobre a problemática anteriormente levantada é possível considerar que a metodologia proposta por BOSS no nível neutro foi conduzida com extremo cuidado e detalhamento, mas com um excessivo grau de tolerância em relação à sua pouca conexão com o nível estésico. Se a manifestação daquilo que justamente guia o compositor em sua lida com o material - a ideia - não se concretiza de modo minimamente assimilável no nível estésico, onde se situa sua funcionalidade da estratégia poiética? A contradição nos parece evidente. Por outro lado, a conexão nível neutro/nível poiético nesse caso é impossível de se verificar, por óbvio; mas, a correr-se o risco, nela também não apostaríamos.

5 - Boulez e o sistema, e a ideia, e o problema

Uma questão terminológica paira por trás da aproximação do texto de SCHOENBERG (1977b)23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103. com o de BOULEZ (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30.. É sabido que Schoenberg sempre evitou associar o dodecafonismo a um sistema - ele se considerava autor de um método6 6 No texto "A composição com doze sons" Schoenberg é realmente explícito ao declarar em uma nota de pé de página: "Eu não sou o inventor de um sistema, mas sim de um método, o que quer dizer de uma maneira de colocar lógicamente em uma obra uma fórmula predeterminada". [Je ne suis pas l'inventeur d'un système mais bien d'une méthode, ce que veut dire d'une façon de mettre logiquement en oeuvre une formule prédeterminée.] (SCHOENBERG, 1977a: 166). Florivaldo Menezes tece considerações a respeito citando inclusive a contribuição de Cage que define em 1958 "método como 'caminho de nota para nota'" (MENEZES, Flo, 2002: 207). Nesse sentido, Menezes opta pelo termo método ou técnica quando se refere ao pensamento serial. Feitas essas ressalvas, neste trabalho optamos por utilizar o termo sistema como válido para os dois pensamentos - dodecafônico e serial - assim como o faz Boulez (1986) de forma genérica em sua reflexão. . O fato de não ter encontrado regras ou leis que definissem uma funcionalidade correlativa às funcionalidades do sistema tonal lhe incomodava na definição. Boulez fala em seus textos todo o tempo de 'sistema'. É sabido também que o serialismo integral, ou mais simplesmente o pensamento serial, além de não ter tido um idealizador principal, tendo sido fruto de um pensamento de alguma forma coletivo, nunca foi pautado por regras ou funcionalidades plenamente definidas. Se for justo e determinante esse motivo, o equívoco foi assimilado como adequação - Boulez se refere todo o tempo a sistema ao refletir sobre o pensamento serial. Aqui as duas situações serão tratadas paralelamente, sem maiores diferenciações entre método e sistema.

Gerd Bornheim, ao tratar de "Filosofia e sistema" (BORNHEIM, 19782 BORNHEIM, Gerd A. (1978) Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. Porto Alegre: Editora Globo., p.101-113) generaliza a pertinência do sistema enquanto modo de pensar que não é exclusivo da área da filosofia, sendo comum a todo o campo epistemológico. A filosofia trabalha com a multiplicidade e diversidade de todos os entes e, nesse sentido, é levada a considerar o real sob um ponto de vista ontológico, o ponto de vista do ser - o ser é o que há de comum a todos os entes:

Nesse sentido de totalidade ontológica podemos fundamentar a ideia de sistema. Qualquer que seja o aspecto do real estudado pelo filósofo, ele o considera sempre em função de seu fundamento: trata-se de saber qual é o ser do homem, o ser da cultura ou da natureza, ou ainda o ser da obra de arte, da linguagem e assim por diante (BORNHEIM, 19782 BORNHEIM, Gerd A. (1978) Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. Porto Alegre: Editora Globo., p.108).

Bornheim afirma que "para explicar o sistema não é suficiente partir do próprio sistema, pois devemos atender também aquilo a partir do qual se instaura a exigência sistemática, ou seja, o problema" (BORNHEIM, 19782 BORNHEIM, Gerd A. (1978) Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. Porto Alegre: Editora Globo., p.101). A partir da colocação de Bornheim será trabalhada a mesma pergunta em relação aos dois pontos focais deste estudo, Schoenberg e Boulez: qual a verdadeira natureza e amplitude do problema que afetava cada um desses criadores no âmago de suas aspirações estéticas e filosóficas, na situação de pressão face à perspectiva histórica que os envolvia?

O problema que Schoenberg procura resolver com seu método é claríssimo, e ele deixou inúmeras referências a respeito. O cerne do problema seria assumir a emancipação da dissonância, fato amplamente atestado pela produção do final do século XIX nas obras de Wagner, Mahler ou Richard Strauss, dentre outros. Um segundo aspecto seria justamente a inteligibilidade enquanto fundamental para toda construção musical. A série joga a favor da inteligibilidade (sem, no entanto, garanti-la). Da inteligibilidade é possível passar à coerência: "Como um grau de coerência tão inabitual pode ser atingido na música de doze sons? Graças à lei que determina que nenhum som seja repetido antes de seu lugar no desenrolar da série escolhida como base da composição" (WEBERN, 198026 WEBERN, Anton. (1980) Chemins vers la nouvelle musique. Paris: Jean-Claude Lattès., p.136). A variação: a repetição sempre foi recurso lícito e mesmo necessário na tradição ocidental. Schoenberg quis evitá-la radicalmente: "Cada uma de minhas ideias essenciais é enunciada uma única vez, ou seja, eu me repito pouco ou de jeito nenhum" (SCHOENBERG, 1977d25 ______. (1977d) "Musique nouvelle: ma musique". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.82-88., p.85). A série de doze sons é baseada na negação do privilégio pela ausência de repetição.

A referência histórica é tão forte em Schoenberg que, ao propor o método dodecafônico, ele visa trabalhar em continuidade, mas também em oposição a uma série de balizas que orientavam o processo criativo de seus antecessores da tradição ocidental:

De onde a ideia de construir um sistema contra outro sistema e não ao lado ou por trás. O face a face com a tradição é fundamentalmente dialético e não renuncia nunca às virtudes antitéticas do combate, como se se tratasse de afirmar ou construir uma teleologia da transformação musical [...] Negatividade do sistema, no sentido adorniano do termo; imagem inversamente proporcional ao solipsismo que afeta a aplicação de uma regra (COHEN-LEVINAS, 200011 COHEN-LEVINAS, Danielle. (2000) "Loi et négativité: Du style et idée de SCHOENBERG au 'système et idée' de BOULEZ". In: COHEN-LEVINAS, Danielle (Org.). La loi musicale: ce que la lecture de l'histoire nous (dés)apprend. Paris: l'Harmattan., p.249).

Quanto a Boulez, que respostas ele dá à mesma questão? Onde ele localiza o problema?

Em 'O sitema e a ideia' BOULEZ (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30. se dedica a uma revisão histórica da problemática do sistema na criação musical, com foco principal nas aquisições da segunda Escola de Viena. Sua visão crítica aprofunda pouco a pouco as questões não totalmente resolvidas, e no correr do texto é delineada sua maior preocupação: a questão da escuta, da percepção, do estésico em relação ao dado sistematizado - este seria o grande problema a equacionar.

Schoenberg não se descuidou do estésico. Quando se refere à necessidade de clareza na exposição de qualquer ideia musical, quando se preocupa com a unidade na escrita, quando fala da coerência, ele na verdade procura a eficácia para chegar à outra extremidade da corda - a recepção. Ao propor seu método de escrita fundamentado em uma matriz única, Schoenberg procura a suficiência também no que toca à questão estésica.

Mas para além da matriz, no campo operacional, a necessidade de variação permanente acrescenta uma dificuldade que põe em risco a eficácia do método:

Quanto à unidade da obra assumida pela unidade de uma matriz, é necessário reconhecer a utopia de um tal projeto, porque os produtos derivados desse sistema único, permanentemente subjacente, devem ser diversificados pela não repetição textual. As deduções múltiplas revelam realmente a entidade de partida? Ou tornam-se elas mais ou menos autônomas graças à personalidade que se requer delas em relação ao desenvolvimento e à forma, se distanciando a esse ponto da matriz original que não podem mais se conectar a esta fonte sem uma ginástica visual que não tem mais muita coisa a ver com a percepção? (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.9).

Boulez ataca o problema frontalmente, não sem observar, é necessário dizer, que tal insuficiência não passou despercebida - as obras dos vienenses são testemunhas das estratégias de compensação adotadas para neutralizar as lacunas do sistema.

Boulez aponta mais um aspecto problemático: a referência excessiva ao sistema tonal que aparece em diversos procedimentos adotados por Schoenberg, espécie de nostalgia mesclada à necessidade de validar sua proposta colocando-a ao abrigo daquela que deixava de lado:

Encontram-se mesmo traços textuais do antigo sistema, que ali permanecem como a estampa de uma língua morta: no quinteto de sopros op. 26, a transposição privilegiada da série inicial, aquela que produzirá regiões semelhantes, será efetuada à quinta, intervalo fundamental da linguagem tonal. Aqui não seria questão de um retorno exato às funções tonais da quinta; aliás não se escuta essa transposição como ligada a esse intervalo específico, mas nós a caracterizamos pelas duas regiões de intervalos que ela suscita. Pelo menos, essa quinta-fantasma é perfeitamente simbólica de um estado de espírito, ou melhor, de um estado de alma: sentimental, claro, mas não ao ponto de abdicar (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.10).

A consequência desse tipo de mecanismo vai refletir no perfil da ideia, potencializando o problema:

A ascendência do antigo sistema sobre o novo, enquanto justificativa fundamental vai, portanto, forçar as ideias musicais a nascer e a crescer em um ambiente limitador que lhes dará uma aparência pré-fabricada; as ideias são suscitadas em vista dessa conjunção dos dois sistemas, e haverá não somente analogia de um a outro, mas sim total recobrimento (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.10).

A primeira peça dodecafônica de Schoenberg é uma valsa (Op.23/V); uma das primeiras obras inteiramente escritas de acordo com o método é a suite Op.25, que contem prelúdio, gavota, minueto-trio, giga. Obviamente a capacidade e a criatividade de Schoenberg atuavam, e os projetos sempre foram bem resolvidos. Mas o que Boulez aponta aqui não é uma indigência técnica, e sim uma certa asfixia que é possível perceber no tematismo. Ideia e sistema se acoplam, mas com esforço, como numa tentativa de vestir um mesmo corpo com duas roupas disparates, daí a aparência "pré-fabricada" que paira sobre o tematismo.

Quanto a Berg, Boulez comenta quão particular é seu processo de dedução temática a partir da série, por exemplo, no caso da ópera Lulu. A partir de uma série original Berg aplica operações arbitrárias de escolha - uma nota a cada duas, uma nota a cada três, uma nota a cada quatro notas. O produto obtido é uma nova série de doze sons, a partir da qual ele vai derivar novas entidades temáticas melódicas ou harmônicas. O processo de dedução da série é absolutamente hermético à percepção, distanciando o novo material da fonte que lhe deu origem. Berg pode também retirar da série algum intervalo privilegiado, como a quarta, por exemplo, que não necessitaria daquela série específica para vir à tona. A partir daí Boulez questiona: "por que recorrer a métodos de dedução tão rigorosos e trabalhados, se é para esquecê-los assim que eles tiverem servido?" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.12). Boulez com esta observação coloca novamente em questão a relação entre sistema e ideia pelo viés da percepção: "Nada na percepção musical que possa nos conduzir à fonte; a cadeia de deduções se mantém exclusivamente como propriedade do autor, o ouvinte, mesmo o mais atento, o mais esclarecido, não consegue perceber nada no texto final" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.12).

É cada vez mais evidente que Boulez procura potencializar a relação sistema/escuta, de modo a gerar maior organicidade no par sistema/ideia.

Webern, segundo Boulez, é quem consegue melhor integrar sistema e ideia:

Na obra de Webern, contrariamente a Berg que multiplica operações numéricas destinadas enquanto tais a permanerem esotéricas, a operação sobre a série é redutora, simplificadora ao extremo para permitir a identificação imediata, para manifestar a evidência sem ambiguidade (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.16).

A operação básica efetuada por Webern é suficientemente conhecida - a partir do Op.21 ele introduz eixos de simetria que imprimem uma espécie de funcionalidade na série, que será manifesta de acordo com o eixo que guiar a figuração. Um exemplo claro do aproveitamento desses eixos é o segundo movimento do Quarteto de cordas Op.28, cuja série é apresentada a seguir:

Figura 8
Série do Op.28, A. Webern com indicação de células simétricas.

Foram indicadas na figura acima as simetrias entre células de 2, 3, 4 e 6 notas. Cada nível manifesta um tipo de simetria, que pode ser por simples transposição (por exemplo, primeira e última células de 4 notas), ou por retrogradação invertida mais transposição (por exemplo, segunda e terceira células de 3 notas; ou primeira e segunda células de 6 notas). Com esse tipo de estratégia Webern procura amenizar o trabalho da percepção. Ao invés de ter que se relacionar com um módulo 12, ela passa a trabalhar com módulos menores de 2, 3, 4 ou 6 notas.

O segundo movimento do quarteto Op.28 é um bom exemplo. A forma é extremamente simples: A - B - A'. Webern organiza o material de modo que na primeira e na última parte ele trabalha, em relação às simetrias, sob certa neutralidade. Nenhum tipo de simetria é explicitamente privilegiado na percepção, com exceção de algumas figuras de 2 notas delimitadas por ligaduras, sobretudo entre os c.10 e 14 da primeira parte, por exemplo, que sempre se relacionam por cromatismo:

Figura 9
Anton Webern, Quarteto Op.28, segundo movimento, c.10-14.

Na segunda parte ele altera o procedimento, e passa a privilegiar claramente a partição da série em células de 3 notas. Como pode ser visto na Figura.10 a seguir, entre viola e violoncelo há um jogo claro entre figuras de 3 notas que manifestam simetrias:

Figura 10
Anton Webern, Quarteto Op.28, segundo movimento, c.20-24.

Esse tipo de procedimento indica uma clara estratégia de conexão sistema/ideia e é isso que Boulez valoriza. Se o sistema fornece células simétricas de 3 notas, a figuração em algum momento específico - nesse caso, na segunda parte - vai colocar em evidência tais células. O projeto compositivo absorve uma característica imanente do sistema e joga com ela na articulação da forma, no desenvolvimento do tematismo: "Ideia e sistema, eu repito, referem-se um ao outro, explicam-se um ao outro, se fortificam, justificam-se um pelo outro, eles formam, no limite, um casal de uma completa reciprocidade." (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.16)

Boulez não exerce a crítica somente contra a escola de Viena - sua geração também passa pelo crivo, com o mesmo rigor. Assimilados os efeitos na transformação da linguagem musical derivados de todo o movimento verificado na Europa ocidental na primeira metade do século XX, a resposta se fez necessária, e este necessário apontou na direção da exacerbação da ideia. A força e o potencial renovador que alimentavam a reflexão e a produção de Schoenberg, Berg e Webern os colocava no centro das atenções dos compositores comprometidos com a transformação da linguagem. Toda a reflexão anterior desenvolvida por eles tinha se concentrado na questão alturas, deixando as demais variáveis numa espécie de automatismo que dependia mais da avaliação no momento do que de uma lei rigorosa que resolvesse a questão da adequação e coerência de modo satisfatório: "Que fazer então, senão unificar o sistema e dar igual importância a todas as componentes do som?" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.17).

Mais uma vez a variável 'percepção' é tomada como fundamento básico na apreciação do problema. A organização das doze notas pode anular as funcionalidades antigas, e o resultado pode ser neutro porque do ponto de vista perceptivo cada altura pode ser equiparada a qualquer outra. O mesmo não acontece com as durações - uma série de durações que parte de um valor curto como unidade, e que contem um valor muito longo justificado enquanto multiplicação dessa mesma unidade por doze, por exemplo, não gera uma série equilibrada. O campo da agógica não funciona da mesma forma que o campo das alturas - a nota muito longa se impõe fatalmente face às muito curtas, imprimindo o privilégio na percepção, desequilibrando o projeto pela destruição da premissa básica. Timbre e dinâmica são variáveis ainda mais complexas que não permitem um controle serial a não ser sob avaliações muito subjetivas. A partir desse raciocínio Boulez acrescenta que nesses casos "o contexto permanece indispensável como critério de julgamento" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.19). Mas, na origem, a grande preocupação dos compositores envolvidos com o pensamento serial era relativa à unidade da sistematização com o consequente fortalecimento da coerência interna, valor aprendido da história recente, e que não poderia ser deixado solto para correções em função de um contexto mal aparado. Havia uma crença exacerbada na eficácia da 'ordem' derivada de uma lógica unitária enquanto garantia do bom funcionamento dos projetos:

Era a utopia que dirigia o serialismo integral: além do desejo de unificar o sistema, de fazer justiça às componentes até então negligenciadas, de reabilitá-las, existia, não menos forte, uma crença na infalibilidade da 'ordem', quase uma superstição em relação às suas virtudes mágicas, se elas não substituíam completamente a personalidade do compositor, o apoiavam sem falha em seu combate contra a incerteza, ao preço de uma parte consentida de anonimato (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.18).

O problema aqui ressurge sob outra perspectiva: o esforço no sentido de construir um sistema que se quer globalizante, que garanta o ordenamento de todas as variáveis à disposição em suas perfeitas regulagens não deve gerar como produto um sistema rígido. A ordem deve ceder o passo assim que se aproxima da rigidez, e confundir os dois termos é perder a aposta por antecipação. Boulez propõe uma série de conceitos ou procedimentos que carregam junto com eles a possibilidade de flexibilização do sistema, ao mesmo tempo que funcionam como reguladores da percepção, como auxiliares da memória auditiva, gerando balizas que conduzem e orientam a escuta no correr da obra. Em 1997 Boulez faz uma reflexão durante uma entrevista que é bastante significativa por reforçar mais uma vez esse aspecto, por nos fazer perceber que sua preocupação de fundo é com o ajuste da percepção no momento da sistematização, seu compromisso é com o jogo do reconhecimento no interior do sistema:

Na época de minha juventude, eu pensava que toda música deveria ser atemática, sem nenhum tema, e finalmente eu estou convencido agora que a música deve se basear em coisas que podem ser reconhecíveis mas que não são temas no sentido clássico, mas temas onde há uma entidade que toma diferentes formas mas com características tão visíveis que não se pode confundi-las com outras entidades (BOULEZ , citado por GOLDMAN, 200314 GOLDMAN, Jonathan. (2003) "Pierre Boulez, théoricien de l'écoute". Circuit: musiques contemporaines. Montréal, v.13, n°2, p.81-92., p.84).

Em consonância com essa afirmação Boulez propõe 3 conceitos ou mecanismos: aura, envelope e sinal. Esses conceitos não serão desenvolvidos aqui; apenas passaremos por eles de forma que possam ser inseridos no raciocínio global que vem sendo construído até agora.

A aura funciona como um tipo de complemento, correlativo da antiga apojatura, que gravita no entorno de um elemento principal, descrevendo figuras variáveis que podem ser construídas com alto grau de liberdade, ou mesmo serem compostas por conjuntos de classes de notas derivados de uma estrutura anterior. A aura pode assumir as mais diversas formas, e pode funcionar como referência para a percepção na medida em que gera blocos mais ou menos reconhecíveis.

O envelope é uma entidade de natureza global. Pode ser caracterizado por uma região definida do registro, ou um timbre específico que, uma vez identificados, poderão ser reconhecidos numa segunda escuta. O envelope pode também ser definido pela duração - um segmento rápido com notas curtas ou com ressonâncias pode caracterizar um envelope por ser textura de fácil reconhecimento.

O sinal, contrariamente ao envelope, é de natureza pontual. Um sinal pode articular a forma, pode marcar o início de um desenvolvimento. Uma forma que alterna tipos de textura diversos pode contar com sinais ou famílias de sinais que marcam ou anunciam cada desvio (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.26-28).

Esses 3 últimos conceitos propostos por Boulez carregam em seu interior uma mesma orientação ou função fundamental, reforçando a preocupação subjacente a toda sua reflexão que procuramos evidenciar nesse estudo: gerar referenciais para a escuta de forma a manter o ouvinte conectado à mensagem que lhe é endereçada.

6 - Considerações finais

Por tudo o que foi desenvolvido até aqui, percebe-se que Boulez trabalhou na continuidade de Schoenberg, mas em uma continuidade significativamente expandida. O que permitiu a Boulez avançar na reflexão foi principalmente o fato de que, para ele, a relação com o sistema não se encontrava inteiramente resolvida. As dificuldades já eram apontadas na década de 1960 em um longo texto "A necessidade de uma orientação estética" (BOULEZ, 2007a4 BOULEZ, Pierre. (2007a) A música hoje 2: Pierre Boulez. São Paulo: Editora Perspectiva., p.15-93). Nesse texto ele se dedica a uma longa reflexão sobre a problemática colocada em relação à eficácia do sistema serial no momento de composição das "Structures" para dois pianos. Em "O sistema e a ideia" (1986), mais de vinte anos depois a reflexão é mais profunda porque mais amadurecida - aqui, sua crítica tanto às soluções da Escola de Viena, quanto às fragilidades do serialismo integral são contundentes e muito mais abrangentes. A posição de Schoenberg não é a mesma. Apesar de esperar futuros desenvolvimentos no dodecafonismo, que poderiam vir das gerações a seguir, ele havia encontrado um grau satisfatório de estabilidade em relação ao método, que lhe permitia compor uma 'música nova', para ele plenamente justificada porque unificada e coerente historicamente. Seu texto é uma defesa de seu método; o texto de Boulez não equivale a uma defesa intransigente - trata-se de um realinhamento das premissas básicas que orientam a operação de seu sistema, a partir da história, a partir de sua experiência própria.

A discussão aqui desenvolvida partiu basicamente de 3 termos: estilo, sistema e ideia. Dentre eles somente 2 foram trabalhados: sistema e ideia. A questão do estilo não foi explorada7 7 Danielle Cohen-Levinas (2000) desenvolve uma linha de raciocínio na qual o termo 'estilo' é muito explorado. Pode ser um ponto de partida para uma nova discussão. porque o par sistema-ideia nos pareceu gerar um foco mais interessante, com possibilidades de desenvolvimento que respondiam melhor quando confrontados. Dentre os dois termos trabalhados, o sistema já é algo de bastante conhecido, elaborado e discutido na literatura tradicional, sobretudo no que se refere a toda a tradição da música ocidental que teve o sistema tonal enquanto principal suporte. Quanto à ideia, trata-se de um conceito que não faz sentido somente no campo das artes, mas que pode ser desenvolvido em todo campo que envolve a racionalidade humana. Encontramos como etimologia da palavra 'ideia': "imagem de alguma coisa ou de alguém, tal que o espírito a conserva na lembrança e a representa pela imaginação" (CNRTL, 201610 CNRTL. Centre national de ressources textuelles et lexicales. Outils et resources optimisées pour un traitement optimizé de la langue. Disponível em <http://www.cnrtl.fr/etymologie/idée>. Acesso em: 10 fev. 2016.
http://www.cnrtl.fr/etymologie/idée...
). , na origem, portanto, tem a ver com imagem, com imaginação. A ideia musical, no nosso entender, deveria passar por aí, preservando certa simplicidade na concepção, de forma que pudesse ser trabalhada em estreita conexão com a dimensão perceptiva, e, sobretudo, que fosse afeta ao som, à matéria com a qual trabalha o compositor.

Foi feita uma crítica à abordagem de JACK BOSS em sua análise do Prelúdio da Suite para piano, Op.25 de Schoenberg. A ideia perseguida por BOSS não nos parece impossível de ser trabalhada; trata-se de uma ideia simples, condensada, e mesmo factível. Nossa discordância não é sobre a ideia em si, que poderia ser plenamente desenvolvida em uma composição, mas sim sobre a falta de conexão desta com a dimensão perceptiva na análise em questão - nesse caso a ideia escapa da música, logo a análise é fragilizada.

A ideia no Prelúdio do Op.25 de Schoenberg, no nosso entender, tem relação com uma espécie de movimento de vai e vem, na alternância entre dois tipos de textura: sem notas repetidas/com notas repetidas. Uma análise, mesmo que superficial, mostra no início de cada segmento da forma (c.1, final do c.5, final do c.9, final do c.16) uma textura sem notas repetidas, com uma passagem paulatina a uma textura na qual a repetição de notas predomina. O mecanismo é facilmente captado pela percepção. Isso se repete por ondas, até o fim do c.19; a partir daí a ideia da textura com notas repetidas é abandonada. Esta observação está sendo feita aqui apenas no sentido de apresentar um possível enfoque analítico capaz de clarear uma questão que não acreditamos ter sido bem equacionada; mas é evidente que seria necessário um novo artigo para que fosse suficientemente desenvolvida.

Em uma entrevista de 2007 Boulez dá um exemplo de extrema simplicidade, no qual descreve a maneira como a ideia musical foi concebida em Éclat (1965):

Éclat foi únicamente uma reflexão sobre os instrumentos ressonantes. E eu não pensei de modo algum no que quer que seja como ideia musical, eu pensei simplesmente em uma combinação de instrumentos ressonantes. E eu pensei a combinação de instrumentos antes de pensar na ideia da composição ela mesma. Mas, uma vez que o corpo instrumental foi decidido, aí era necessário utilizá-lo realmente de uma maneira lógica. Quer dizer, porque instrumentos ressonantes? Porque eles têm um comportamento diferente. Nos instrumentos que têm uma ressonância muito longa, você tem uma ressonância que você pode analisar pelo ouvido, porque essa ressonância fica muito tempo no seu ouvido. Mas você tem instrumentos ressonantes que ressoam muito brevemente, sobretudo no agudo, você tem um bandolim ou mesmo um violão que ressoam muito curto. Portanto, o que era interessante era encontrar uma ideia musical que justificasse esse emprego da ressonância. Então, ou você toca esses instrumentos de uma maneira muito curta e aí você não pode distinguir quem toca o quê. Ou então, pelo contrário, você deixa a ressonância morrer e aí você pode analisar os instrumentos que resistem mais tempo à usura da ressonância. E a partir daí você não pode mais jogar com um tempo medido. O que mede o seu tempo? É a ressonância, quer dizer, é o objeto ele mesmo, e, portanto, é necessária uma escrita extremamente livre que não é mais dependente de uma medida, quero dizer de uma medida no sentido geral do termo, uma medida do tempo. E foi assim que me veio a ideia (BOULEZ, 2007b5 ______. (2007b) Hommage à Pierre Boulez: entretien avec Pierre Boulez - Gestation et dévenir des oeuvres. Philarmonie de Paris. Disponível em <http://philharmoniedeparis.fr/fr/hommage-Pierre-BOULEZ>. Acesso em 5 fev. 2016.
http://philharmoniedeparis.fr/fr/hommage...
, 2':05 - 3':55).

A gênese da ideia aqui é descrita com total simplicidade. Partindo de uma oposição clara - muita ressonância x pouca ressonância - escolhe-se um grupo de instrumentos. Opera-se uma classificação das capacidades de sustentação do som. A partir daí definem-se estruturas que jogam com o fator em foco, que acaba por determinar a maneira como o passar do tempo pode ser controlado - tempo liso, tempo estriado. A ideia surge de uma característica do som - a regulagem do parâmetro duração através da capacidade de ressonância de cada instrumento. Essa característica é projetada sobre um outro aspecto do sistema - o controle do passar do tempo, que deve se adequar a cada tipo de textura - pulsada ou não pulsada.

A seguir são apresentados 3 exemplos de expressão da ideia em Éclat. Como ficou claro na citação anterior uma das possibilidades de manifestação da ideia é o ataque seco e simultâneo de diversos instrumentos, como acontece na Figura.11, na próxima página - três ataques sucessivos, cada um com um grupo de instrumentos, sendo que em cada ataque a ressonância é mantida em alguns deles, gerando percepções diferenciadas:

Figura 11
Éclat - nº 18 - Pierre Boulez (1965)1 BOULEZ, Pierre (1965) Éclat: pour orchestre. London: Universal Edition..

  • - ataque 1 - piano com ressonância

  • - ataque 2 - bandolim e vibrafone com ressonância

  • - ataque 3 - sino e piano com ressonância

Outro exemplo de trabalho com as ressonâncias aparece na figura 12, onde são colocados sete ataques também com instrumentações diferentes, todos com ressonância. Cada grupo gera um timbre pela diferença na instrumentação, e cada um resistirá à 'usura da ressonância' em seu tempo específico. O tempo aqui é totalmente liso, sem orientação quanto ao ritmo dos ataques, conforme especificado no alto da figura, a seguir:

Figura 12
Éclat - Pierre Boulez (1965) - p.7, (Texto no alto da figura: Dar as 7 entradas desigualmente sem nenhuma orientação rítmica, ordem dos instrumentos ad libtum).

Para terminar um último exemplo:

Figura 13
Éclat - n°26 - Pierre Boulez (1965)1 BOULEZ, Pierre (1965) Éclat: pour orchestre. London: Universal Edition..

Na Figura.13 a ressonância participa da ideia interferindo de duas maneiras: no primeiro compasso de 26, a ressonância no ataque do piano permanece. O regente deve ouvi-la e disparar o ataque do próximo compasso quando essa dissonância se enfraquecer (observação escrita na parte do piano: 'esperar que se enfraqueça a ressonância do piano') - logo, a ressonância regula a duração do compasso. No segundo compasso de 26, Boulez constrói uma imagem invertida da figura ataque-ressonância decrescendo, como em um gesto proveniente da música eletroacústica: ressonância crescendo-ataque (a observar o aumento na quantidade do crescendo indicado na proximidade do ataque). A ressonância é utilizada para gerar um objeto que é a imagem retrogradada e variada do gesto anterior do piano.

Com esses últimos exemplos espera-se ter mostrado, pelo menos em parte, como Boulez ratifica na prática musical o que propõe em sua elaboração teórica: "O sistema remete à ideia que transforma o sistema que recria a ideia, e assim se vai sem cessar na espiral do desenvolvimento. Esse par implica uma perpétua evolução, indica a analogia com um universo em expansão" (BOULEZ, 19867 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30., p.29). A imagem utilizada por Boulez se aplica também a ele e a Schoenberg - ambos trabalharam ativamente pela expansão do pensamento musical em suas respectivas contemporaneidades, a partir dos sistemas, em função das ideias.

  • Demais excertos apresentados foram editados pelo próprio autor para o presente trabalho.
  • 1
    Para o presente trabalho foi consultada a versão francesa do livro "Le style et l'idée" (SCHOENBERG, 197722 ______. (1977a) "La composition avec douze sons (I) (1941)". In: STEIN, Leonard (Org). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.162-187.). O título do artigo apresentado consta nessa publicação como: "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée" (SCHOENBERG, 1977b23 ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103.). Todas as traduções apresentadas no presente artigo são nossas - evitaremos a repetição da informação daqui em diante.
  • 2
    Para este estudo foi utilizada a primeira versão original do texto, em francês, de 1986. Foi acrescentada nas referências bibliográficas a versão traduzida para o português (BOULEZ, 20128 ______. (2012) "O sistema e a ideia". In: ASSIS, Paulo de. (Ed.). Pierre BOULEZ: escritos seletos. Porto: Casa da Música/Centro de estudos de sociologia e estética musical, 2012. p.285-354.), que é a tradução da segunda versão do texto, ampliada e publicada em "Jalons (pour une décennie)" (BOULEZ, 19896 ______. (1989) Jalons (pour une décennie). NATTIEZ, Jean-Jacques (Dir.), Paris: Christian Bourgois éditeur.).
  • 3
    Danielle Cohen-Levinas publica "Loi et negativité: du style et idée de Schoenberg au système et idée de Boulez (COHEN-LEVINAS, 200011 COHEN-LEVINAS, Danielle. (2000) "Loi et négativité: Du style et idée de SCHOENBERG au 'système et idée' de BOULEZ". In: COHEN-LEVINAS, Danielle (Org.). La loi musicale: ce que la lecture de l'histoire nous (dés)apprend. Paris: l'Harmattan.), texto de teor muito mais filosófico que analítico, no qual a autora explora a ideia de que a atitude tanto de Schoenberg quanto de Boulez em seus momentos históricos específicos foi orientada pela reação a um estado de coisas que lhes precedia, com um comportamento focado principalmente na atitude de negação. O texto certamente contribui para o debate.
  • 4
    Rudolf Kolish, violinista austríaco naturalizado americano, irmão de Gertrud Kolisch, segunda mulher de Schoenberg, de quem também foi aluno. Atuava como primeiro violino do quarteto Kolisch, responsável por inúmeras apresentações de obras da segunda Escola de Viena (SCHOENBERG, 198320 SCHOENBERG, ARNOLD. (1983) Correspondance: 1910-1951. STEIN, Erwin (Ed.). Paris: Editions J.C.Lattès., p.165).
  • 5
    Nas primeiras páginas do livro BOSS previne o leitor de que suas análises não devem ser consideradas as únicas corretas; com elas ele não pretende reproduzir o pensamento do compositor durante o ato de composição; o que ele propõe são sugestões de leitura que agregam um possível, e não o único sentido às obras (BOSS, 20143 BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea. Cambridge: Cambridge University Press., p.2-3).
  • 6
    No texto "A composição com doze sons" Schoenberg é realmente explícito ao declarar em uma nota de pé de página: "Eu não sou o inventor de um sistema, mas sim de um método, o que quer dizer de uma maneira de colocar lógicamente em uma obra uma fórmula predeterminada". [Je ne suis pas l'inventeur d'un système mais bien d'une méthode, ce que veut dire d'une façon de mettre logiquement en oeuvre une formule prédeterminée.] (SCHOENBERG, 1977a22 ______. (1977a) "La composition avec douze sons (I) (1941)". In: STEIN, Leonard (Org). Le style et l'idée. Paris: Editions Buchet/Chastel, p.162-187.: 166). Florivaldo Menezes tece considerações a respeito citando inclusive a contribuição de Cage que define em 1958 "método como 'caminho de nota para nota'" (MENEZES, Flo, 200215 MENEZES, Flo. (2002) Apoteose de Schoenberg: tratado sobre entidades harmônicas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2 ed.: 207). Nesse sentido, Menezes opta pelo termo método ou técnica quando se refere ao pensamento serial. Feitas essas ressalvas, neste trabalho optamos por utilizar o termo sistema como válido para os dois pensamentos - dodecafônico e serial - assim como o faz Boulez (1986)7 ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1. Paris, vol.1, 1-30. de forma genérica em sua reflexão.
  • 7
    Danielle Cohen-Levinas (2000)11 COHEN-LEVINAS, Danielle. (2000) "Loi et négativité: Du style et idée de SCHOENBERG au 'système et idée' de BOULEZ". In: COHEN-LEVINAS, Danielle (Org.). La loi musicale: ce que la lecture de l'histoire nous (dés)apprend. Paris: l'Harmattan. desenvolve uma linha de raciocínio na qual o termo 'estilo' é muito explorado. Pode ser um ponto de partida para uma nova discussão.

Referências de texto

  • 1
    BERG, Alban. (1983) Écrits: introduction, présentation et notes par Dominique Jameux Paris: Christian Bourgois Editeur.
  • 2
    BORNHEIM, Gerd A. (1978) Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais Porto Alegre: Editora Globo.
  • 3
    BOSS, JACK. (2014) Schoenberg's twelve tone music: simetry and the musical idea Cambridge: Cambridge University Press.
  • 4
    BOULEZ, Pierre. (2007a) A música hoje 2: Pierre Boulez São Paulo: Editora Perspectiva.
  • 5
    ______. (2007b) Hommage à Pierre Boulez: entretien avec Pierre Boulez - Gestation et dévenir des oeuvres Philarmonie de Paris. Disponível em <http://philharmoniedeparis.fr/fr/hommage-Pierre-BOULEZ>. Acesso em 5 fev. 2016.
    » http://philharmoniedeparis.fr/fr/hommage-Pierre-BOULEZ
  • 6
    ______. (1989) Jalons (pour une décennie) NATTIEZ, Jean-Jacques (Dir.), Paris: Christian Bourgois éditeur.
  • 7
    ______. (1986) "Le système et l'idée". Inharmonique: Le temps des mutations 1 Paris, vol.1, 1-30.
  • 8
    ______. (2012) "O sistema e a ideia". In: ASSIS, Paulo de. (Ed.). Pierre BOULEZ: escritos seletos Porto: Casa da Música/Centro de estudos de sociologia e estética musical, 2012. p.285-354.
  • 9
    _______. (1963) Penser la musique aujourd'hui. Paris: Editions Gonthier.
  • 10
    CNRTL. Centre national de ressources textuelles et lexicales. Outils et resources optimisées pour un traitement optimizé de la langue Disponível em <http://www.cnrtl.fr/etymologie/idée>. Acesso em: 10 fev. 2016.
    » http://www.cnrtl.fr/etymologie/idée
  • 11
    COHEN-LEVINAS, Danielle. (2000) "Loi et négativité: Du style et idée de SCHOENBERG au 'système et idée' de BOULEZ". In: COHEN-LEVINAS, Danielle (Org.). La loi musicale: ce que la lecture de l'histoire nous (dés)apprend Paris: l'Harmattan.
  • 12
    FORTE, Allan. (1973) The structure of atonal music London: Yale University Press.
  • 13
    GOEHR, Alexander. (1985) "Schoenberg and Karl Kraus: The Idea behind the Music". Music Analysis, v.4(1/2), p.59-71.
  • 14
    GOLDMAN, Jonathan. (2003) "Pierre Boulez, théoricien de l'écoute". Circuit: musiques contemporaines Montréal, v.13, n°2, p.81-92.
  • 15
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  • 16
    MOLINO, Jean. (1975) "Fait musical et sémiologie de la musique". Musique em jeu Paris, v.17, p.37-62.
  • 17
    NATTIEZ, Jean-Jacques. (2003) "Allen Forte's set theory, neutral level analysis and poietics". Around Set Theory Paris: Delatour/Ircam.
  • 18
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  • 19
    ______. (1975b) Fondements d'une sémiologie de la musique Paris: Union Générale des Editions.
  • 20
    SCHOENBERG, ARNOLD. (1983) Correspondance: 1910-1951 STEIN, Erwin (Ed.). Paris: Editions J.C.Lattès.
  • 21
    ______. (1967) Fundamentals of music composition London: Faber & Faber Limited.
  • 22
    ______. (1977a) "La composition avec douze sons (I) (1941)". In: STEIN, Leonard (Org). Le style et l'idée Paris: Editions Buchet/Chastel, p.162-187.
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    ______. (1977b) "La musique nouvelle, la musique démodée, le style et l'idée". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée Paris: Editions Buchet/Chastel, p.93-103.
  • 24
    ______. (1977c) "Le contrepoint linéaire". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée Paris: Editions Buchet/Chastel, p.225-230.
  • 25
    ______. (1977d) "Musique nouvelle: ma musique". In: STEIN, Leonard (Org.). Le style et l'idée Paris: Editions Buchet/Chastel, p.82-88.
  • 26
    WEBERN, Anton. (1980) Chemins vers la nouvelle musique Paris: Jean-Claude Lattès.

Referências de partituras

  • 1
    BOULEZ, Pierre (1965) Éclat: pour orchestre London: Universal Edition.
  • 2
    WEBERN, Anton (1955) Streichquartet: Op.28 Viena: Universal Edition.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2016
  • Aceito
    18 Abr 2016
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