Acessibilidade / Reportar erro

Agrupando amostras que diferem alometricamente em tamanho

Resumos

Um introdução ilustrada à teoria dimensional é utilizada para enfocar a questão do agrupamento de amostras que diferem alometricamente em tamanho. Nenhuma das idéias foram originadas pelo autor. Na realidade, os princípios são bem conhecidos. Os proponentes do índice de massa corporal que utilizam uma escala comum para indivíduos entre 20 e 65 anos de idade os ignoram escandalosamente. O erro ao agrupar amostras é demonstrado utilizando-se regressões log-log do peso em relação ao preditor altura para homens, mulheres e amostras combinadas de homens e mulheres em incrementos de 5 anos de 20 a 65 anos de idade. Este artigo serve como um convite para examinar a premissa da constância biológica ilustrada pelo tão conhecido índice de massa corporal, que nunca foi verdadeiro e, agora na era do microcomputador, é desnecesário.

Alometria; IMC; Erro conceitual; Altura; Peso; Meredith; Quetelet; Razões; Tanner; Amostras transversais; Homens; Mulheres


An anecdotal introduction to dimensional theory is used to focus on the issue of combining samples that differ allometrically with size. None of the ideas are original with the author. Indeed, the principles are well-known. Proponents of the body mass index who propose a common scale for individuals 20 to 65 years old blatantly ignore them. The error of combining samples is demonstrated using log log regressions of weight on one predictor height for men, women, and combined samples of men and women in five-year age increments from age 20 to 65 years. This paper serves as an invitation to examine the assumption of biological constancy illustrated by the so-called body mass index that was never true and now in the microcomputer age is unnecessary.

Allometry; BMI; Conceptual error; Height; Weight; Meredith; Quetelet; Ratios; Tanner; Cross-sectional samples; Men; Women


ARTIGO DE OPINIÃO

Agrupando amostras que diferem alometricamente em tamanho

William D. Ross, Ph.D.

Scientific Director, Rosscraft, Canada. E-mail: billross@netcom.ca

RESUMO

Um introdução ilustrada à teoria dimensional é utilizada para enfocar a questão do agrupamento de amostras que diferem alometricamente em tamanho. Nenhuma das idéias foram originadas pelo autor. Na realidade, os princípios são bem conhecidos. Os proponentes do índice de massa corporal que utilizam uma escala comum para indivíduos entre 20 e 65 anos de idade os ignoram escandalosamente. O erro ao agrupar amostras é demonstrado utilizando-se regressões log-log do peso em relação ao preditor altura para homens, mulheres e amostras combinadas de homens e mulheres em incrementos de 5 anos de 20 a 65 anos de idade. Este artigo serve como um convite para examinar a premissa da constância biológica ilustrada pelo tão conhecido índice de massa corporal, que nunca foi verdadeiro e, agora na era do microcomputador, é desnecesário.

Palavras-chave: Alometria. IMC. Erro conceitual. Altura. Peso. Meredith. Quetelet. Razões. Tanner. Amostras transversais. Homens. Mulheres.

Minha introdução à teoria das razões (quocientes) e agrupamento de amostras ocorreu nas palestras do saudoso Howard V. Meredith. Eu tive a sorte de ser um estudante quando ele era Professor na Universidade de Oregon. Lindsay Carter recebeu influência semelhante quando Meredith retornou à Universidade de Iowa e à "Estação de Pesquisa sobre Bem-Estar da Criança" (Iowa Child Welfare Reasearch Station).

Eu sempre associei a palavra "integridade" com o homem. James Tanner, que também foi inspirado por Howard Meredith, chamava-o de "o maior antropometrista de sua geração".

Um homem tímido, modesto, com uma gagueira pronunciada, a aparência tranqüila e calma de Meredith mascarava sua grande paixão pela pesquisa. Eu me recordo de Meredith discutindo agrupamento de amostras e enfatizando que as razões não são nem simples ou tampouco informativas como parecem.

Este tema foi desenvolvido por Tanner (1949) em um importante, porém comumente ignorado, artigo intitulado "A falácia dos padrões por-peso e por-área de superfície e sua relação com correlações espúrias" (The fallacy of per-weight and per-surface area standards and their relation to spurious correlation). Outros artigos relevantes à teoria da alometria que ofereceram uma base para o escalonamento foram: Bonner (1961) edição resumida de D'arcy Thompson, On Growth and Form, McMahon and Bonner (1983), Packard and Bordman (1987), Zeger and Harlow (1987), Heusner (1991), Albrecht et al. (1993), Bingham (1993), Ross (1996).

RAZÕES E DIMENSÕES

A razão (quociente) mais famosa em biologia humana é o Índice de Quetelet, o chamado Índice de Massa Corporal (IMC). É geralmente expresso como massa em kg dividido por altura em metros ao quadrado (m/a2). Até onde conheço, Adolphe Quetelet (1776-1874) nunca propôs seu índice para avaliar adiposidade. Na verdade, ele acreditava radicalmente na singularidade do físico e foi inspiração para Alphonse Bertillion (1853-1914), que desenvolveu um sistema de identificação criminal baseado na visão de Quetelet de que não existem duas pessoas semelhantes em todos os aspectos. As chances de encontrar pares exatos em sete ou mais variáveis eram infinitesimal (Thorwald, 1965).

Cento e sessenta e quatro anos atrás, Adolph Quetelet, filósofo, matemático, astrônomo, artista e pai da antropometria, entendia os princípios de proporcionalidade. Ele sabia historicamente da escultura escalonada, quando forma e composição eram constantes, que um aumento na massa era proporcional ao cubo do aumento nas medidas lineares. Isto não ocorre em humanos porque modificam sistematicamente em proporção com o aumento no tamanho.

Quetelet reportou uma de suas observações da seguinte forma:

Depois do desenvolvimento completo dos indivíduos dos dois sexos, os pesos são como um cubo. Deduz-se das duas relações precedentes que o crescimento em altura é maior do que o crescimento transversal incluindo a largura e a profundidade. (Apresentado em 1832 nas reuniões de 5 de maio e 2 de junho de L'Academie Royale, publicado no ano seguinte _ Quetelet, 1833).

A observação de Quetelet era de que em adultos o peso corporal era aproximadamente uma função do quadrado da estatura (i.e. [pc] = alt2). Então deduz-se que o aumento em comprimento é maior que em largura e que baixa estatura está associada com medidas tranversais maiores. Esta diferença sistemática entre homens altos e baixos e entre mulheres altas e baixas foi demonstrada pela estratégia Pantom de proporcionalidade (Ross et al., 1987). O modelo arquitetônico humano, com variação biológica normal, é para que grandes estaturas estejam associadas com relativa "leveza" e baixas estaturas com peso relativamente aumentado e "ponderosidade".

Considerando o que conheço, Quetelet jamais propôs qualquer índice para avaliar adiposidade. Bray (1978) é freqüentemente citado pela classificação de obesidade utilizando as relações observadas por Quetelet no chamado Índice de Massa Corporal ou IMC, no qual massa corporal em quilogramas é dividida pela estatura expressa como metros quadrados.

Nos últimos anos, tem ocorrido uma grande divulgação desse índice. Muitos biólogos humanos e profissionais de saúde têm endossado o IMC como instrumento básico para avaliar adiposidade. Seguiram e corroboraram esse conceito comitês de avaliação e financiamento de projetos, editores e revisores de periódicos científicos. Uma pesquisa na Internet revela o apoio sem constrangimentos ao uso do IMC para avaliar adiposidade.

Talvez o endosso mais ferrenho e persistente ao IMC provenha da Divisão de Promoção da Saúde e do Bem-Estar do Canada (Health Promotion Branch of Health and Welfare Canada). Eles advogam uma escala comum para homens e mulheres e recomendam um peso corporal saudável na faixa de IMC de 20 a 27 e uma faixa ideal de 20 a 25 para homens e mulheres de 20 a 65 anos. Outras agências de grande reputação em diferentes locais têm a mesma posição.

Apavorados com o erro conceitual ao utilizar o IMC e suas implicações, Ross et al. (1988) publicaram resultados de dois grandes estudos. Nós demonstramos que o IMC possuia significados diferentes em homens e mulheres, que era menos de 15% melhor que simples acaso em predizer o somatório de cinco dobras cutâneas e costuma classificar indivíduos erroneamente (Ross et al., 1988). O artigo jamais foi desafiado ou rejeitado. Na verdade, ele foi seletivamente ignorado. Eu acredito que este seja um problema da posição ocupada pelos homens que julgam as solicitações de apoio financeiro à pesquisa, onde evidência contrária é desacreditada, ou, quando isto não é possível, simplesmente ignorada.

Já existe um site na Internet que lida com ciência descartada de Steve Milloy que vale a pena anotar: http://www.junkscience.com/. É inevitável que outros sites semelhantes e conexões (links) se desenvolvam a partir de interações expandidas de correio eletrônico (e-mail). Periódicos mudarão. Eles se tornarão cada vez mais responsivos e à procura de comentários críticos. Posteriormente aparecerão na forma eletrônica e poderão adotar um critério adicional para aceite dos trabalhos, a disposição do autor ou autores em tornar disponível os dados básicos em formato de planilha.

OBJETIVO

O objetivo deste artigo é desenvolver a idéia de que não se podem agrupar amostras que diferem alometricamente em tamanho impunemente. O expoente resultante na amostra agrupada não descreve a verdadeira relação em nenhuma das duas subamostras. Nossa intenção é demonstrar que a escala IMC comum para homens e mulheres é um artefato matemático.

Um objetivo adicional é alertar o cientista jovem e profissionais de saúde sobre a necessidade de utilizar nova tecnologia para tornar-se participante e testemunha no avanço da ciência. Isto significa que eles devem desafiar premissas e proposições da literatura, particularmente aquelas que alegam validade através de "opinião do comitê de especialistas".

INDIVÍDUOS

Dois grandes bancos de dados estavam disponíveis: o "Inventário sobre Estilo de Vida" e o "Projeto de Avaliação de Aptidão do YMCA" e a "Pesquisa de Aptidão Física do Canadá". O banco de dados YMCA LIFE consistia de 5.039 mulheres e 12.192 homens, que foram estudados utilizando uma bateria abrangente de testes em 50 cidades canadenses (Bailey, Carter e Mirwald, 1982). Recebi esses dados do meu amigo e colega de muitos anos, Donald A. Bailey, da Universidade de Saskatchewan. O banco de dados da "Pesquisa de Aptidão Física do Canadá" consistia de 5.137 mulheres e 4.742 homens estudados de forma abrangente em um plano de amostragem geográfica para todo o país. Apesar de ser o antropometrista credenciado responsável pelo treinamento de 13 equipes regionais, eu tive que comprar o banco de dados do "Pesquisa de Aptidão Física do Canadá".

MÉTODO

1)As amostras femininas e masculinas em cada estudo foram tratadas de forma independente e como uma amostra agrupada feminina e masculina.

2)Cada uma das amostras acima foi isolada em incrementos de 5 anos de 20 a 65 anos de idade.

3)As relações alométricas para as amostras progressivas masculina, feminina e agrupada para cada estudo foram descritas modificando os dados em logaritmos e computando a inclinação como ilustrado no exemplo aritmético na planilha da figura 1.


As inclinações obtidas para as amostras progressivas em idade masculina, feminina e agrupadas representam a regressão alométrica do peso em relação ao preditor altura.

RESULTADOS

De acordo com os proponentes do IMC, as equações alométricas devem ser iguais a 2,0. Claramente, como demonstrado nas tabelas 1 e 2, mulheres e homens geralmente possuem expoentes menores do que 2,0, sendo os valores femininos ainda menores do que os masculinos. Na mostra agrupada o expoente foi maior do que nas duas subamostras.

Como ilustrado nas figuras 2 e 3, não se podem agrupar amostras que diferem alometricamente em tamanho impunemente. A amostra agrupada não descreve a relação nas sub-amostras. Por esta razão uma escala comum para homens e mulheres é facilmente exposta como um artefato matemático, não um fenômeno biológico.



CONCLUSÕES

1)Um grupo de estudo gerou uma série de ícones para ilustrar preocupações importantes sobre análise de dados na era do microcomputador (Ross, De Rose, Savage, em preparação). O fenômeno do agrupamento de amostras que diferem alometricamente em tamanho foi ilustrado na figura 4. Três retas de regressão ascendente log-log talvez semelhante àquelas para as regressões do peso sobre altura para mulheres adultas (1,5) e homems (1,7) é demonstrado possuir uma inclinação agrupada de (2,0+). O ícone não está na escala apropriada, seu objetivo é ilustrar o princípio e explicar didaticamente a conclusão deste artigo. Não se podem agrupar amostras que diferem alometricamente em tamanho impunemente.


2)Os achados são consistentes com a visão de que existem diferenças sistemáticas entre homens e mulheres. Desta forma, em uma escala comum para homens e mulheres, para cada aumento em estatura existe uma diferença de aproximadamente três quilos a mais no peso dos homens comparado ao de mulheres.

REPRISE

Aqueles que contestaram o IMC o fizeram baseados num senso comum. Duzentos homens e mulheres com mesma altura e peso e idades entre 20 e 65 anos possuem o mesmo IMC. Inferir que possuem o mesmo grau de adiposidade e risco para a saúde é patentemente falso. Como demonstramos neste artigo, a escala IMC comum para homems e mulheres é facilmente desaprovada com algoritmos simples e acesso aos dados.

Entretanto, existe uma rede de velhacos que propaga o nonsense de forma espantosa. Existe evidentemente um pagamento eventual. Talvez o IMC sirva de exemplo e matéria de aula da "Desmedida do Homem" (Mismeasure of Man), como o Q.I. serviu para Steven Jay Gould em seu provocante livro com aquele título (1983).

O saudoso Albert Behnke foi o mentor de muitos cineantropometristas. Ele freqüentemente encerrava suas cartas ou pontuava uma obsevação com a expressão check it out. Atualmente, com nossos computadores isso tem-se tornado cada vez mais fácil de realizar.

Traduzido por:

Prof. Dr. Antonio Claudio Lucas da Nobrega

Especialista em Medicina Desportiva

Mestre e Doutor em Ciências

Chefe do Depto. de Fisiologia

Universidade Federal Fluminense

  • 1.Albrecht GH, Cleven BR, Hartman SE. Ratios as size adjustment in morphometrics. American Journal of Physical Anthropology 1993;91:441-58.
  • 2.Bailey DA, Carter JEL, Mirwald RL. Somatotype of Canadian men and women. Human Biology 1982;54:113-28.
  • 3.Bingham GP. Perceiving the size of trees: form as information about scale. J Experimental Psychology: Human Perception & Performance. 1993;19,6:1139-61.
  • 4.Bray GA. Definitions, measurements and classification of syndromes of obesity. International Journal of Obesity 1988;2:99-112.
  • 5.Gould SJ. The Mismeasure of Man. Baltimore: Penguin Books, 1983.
  • 6.Health and Welfare Canada. Canadian guidelines for healthy weights. Cat no H39-134/1988E, Ottawa: Minister of Supply and Services, 1988a.
  • 7.Health and Welfare Canada. Promoting Healthy Weights. Cat no H39-131/1988E, Ottawa: Minister of Supply and Services, 1988b.
  • 8.Heusner AA. Size and power in animals. Journal of Experimental Biology 1991;160:25-54.
  • 9.Packard GC, Boardman TJ. The misuse of ratios to scale physiological data that vary allometrically with body size. In: Feder ME, Bennett AF, Buggeren WW, Huey RB, editors. New Directions in Ecological Physiology, London: Cambridge University Press, 1987:216-39.
  • 10.McMahon TA, Bonner JT. On Science and Life. New York: Scientific American Books. New York: WH Freeman & Company, 1983.
  • 11.Quetelet A. Résearches sur le poids de l'hommes aux différents âges. L'Academy Royale. Brussels: M. Hayes, 1833:36-8.
  • 12.Ross WD, Martin AD, Ward R. Body composition and aging: theoretical and methodological implications. Collegium Antropologicum 1987; 11:15-44.
  • 13.Ross WD. On ratios and proportions. In: Essays of Auxology. Hauspie R, Lindgren G, Faulkner F, editors. Welwyn Gardens City: Castelmead, 1996:119-25.
  • 14.Ross WD, DeRose EH, Savage MV. Iconologics; new analyses for the microcomputer age, Rosscraft, in press 1998.
  • 15.Tanner JM. Fallacy of power-weight and per-surface area standards and their relation to spurious correlation. Journal of Applied Physiology 1949;2:1-15.
  • 16.Zeger SL, Soiban DH. Mathematical models from laws of growth to tools for biological analysis: fifty years of growth. Growth 1987;51:1-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1997
Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: atharbme@uol.com.br