Acessibilidade / Reportar erro

Mensagem do presidente eleito: sedentarismo, o inimigo público número um

MENSAGEM DO PRESIDENTE ELEITO

Sedentarismo, o inimigo público número um

Tales de Carvalho

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: E-mail: tales@ativanet.com.br Telefone/fax: (048) 223-0077

A Medicina do Esporte se apresenta com um inigualável potencial para a promoção da saúde e qualidade de vida. Oferece as melhores condições para um enfoque abrangente de saúde, ao considerar de forma indissociável os aspectos referentes ao bem-estar físico, mental e social. Vem contribuindo para a mudança de uma cultura médica excessivamente medicamentosa e intervencionista, que abusa de tecnologia, como a que predomina em nosso meio. Contribui para uma mudança de paradigma, abrindo espaço para uma cultura médica mais abrangente, que atenda melhor às reais necessidades do ser humano. Significa uma proposta de forte impacto para a saúde pública e promoção de qualidade de vida, já que tem como ferramenta básica um recurso ímpar: a atividade física.

O sedentarismo é considerado como um dos mais sérios agravos para a saúde de corpo e mente. O indivíduo que não dispõe de uma carga regular de atividade física, de preferência moderada, não está tão equilibrado, física e psiquicamente, como poderia.

As doenças crônico-degenerativas, os grandes males da saúde no mundo ocidental, em crescimento no Brasil, são fortemente influenciadas pelos hábitos de vida, em particular pela atividade física. São doenças muito comuns, daí serem chamadas de "doenças da civilização". Dentre elas se destacam: a hipertensão arterial, que acomete 20% da população brasileira adulta; a doença das coronárias, a primeira causa de morte, em nosso país (responsável por mais de 2 milhões de casos de infartos do miocárdio e 214.000 mortes anuais); os acidentes vasculares cerebrais, conhecidos como "derrames cerebrais", terceira causa de morte em nosso país; o diabetes mellitus tipo 2, manifestação de 90% dos 8 milhões de diabéticos brasileiros; osteoporose e osteoartrose; vários tipos de câncer, como o de próstata, mama e intestino; obesidade; e doenças pulmonares crônicas. Ultimamente vem sendo demonstrado o importante papel terapêutico do exercício físico sobre a insuficiência cardíaca, a principal causa de morte hospitalar em nosso país. Embora, em nossa cultura, a maioria delas seja considerada como situação inevitável, irreversível, inerente ao processo natural de envelhecimento, na verdade, são muitas as evidências científicas que nos permitem afirmar que tais doenças são de fato bem evitáveis e tratáveis!

São muitos os estudos epidemiológicos que vêm demonstrando expressiva associação entre um estilo de vida ativo, menor possibilidade de morte e melhor qualidade de vida. O incremento da atividade física de uma população contribui, decisivamente, para a saúde pública, com forte impacto na redução dos custos com tratamentos, inclusive hospitalares, uma das razões de seus consideráveis benefícios sociais. Os indivíduos fisicamente aptos e/ou treinados tendem a apresentar menor incidência da maioria das doenças crônico-degenerativas (quadro 1), o que se explica por uma série de benefícios fisiológicos, psicológicos e sociais, decorrentes da prática regular da atividade física. Vários estudos científicos demonstram grandes benefícios sociais e econômicos, pela considerável redução das faltas ao trabalho e aposentadorias precoces, maior produtividade, envelhecimento em situação de maior auto-suficiência, etc., como decorrência da adoção de um estilo saudável de "vida ativa".


Em termos de saúde pública, pode-se dizer ser o sedentarismo o mais relevante dentre os fatores de risco. O sedentário tem o dobro de possibilidade de adquirir, em relação aos ativos fisicamente, a doença das coronárias (elevado risco relativo). Além disso, o sedentarismo é o mais comum, dentre os principais fatores de risco, incidindo na maioria da população (a mais elevada prevalência, dentre os fatores de risco). Somando o seu risco relativo à sua prevalência, podemos entender o seu grande impacto negativo para a saúde pública. O sedentarismo é fator de risco para todas as outras doenças crônico-degenerativas citadas. Tanto para homens como para mulheres é o fator que apresenta o mais elevado índice preditivo de morte, decorrente de todas as causas. Ser pouco ativo significa dar muita chance para uma morte precoce. Ser sedentário é, no mínimo, tão arriscado quanto ser tabagista. Supera, significativamente, o risco de ser hipertenso, ter o colesterol elevado e ser obeso, que são outras situações de risco consideradas como importantes na mortalidade em geral.

Embora as doenças crônico-degenerativas, em geral, se manifestem na vida adulta, após os 40 anos de idade, elas começam a "se instalar" na infância ou adolescência, bastante em função de maus hábitos de vida, como o sedentarismo, obesidade e a alimentação rica em gordura saturada e pobre em fibras vegetais. Embora as doenças crônico-degenerativas sejam conhecidas como doenças de adultos "maduros", alguns já as rotularam de "males pediátricos", pois se iniciam freqüentemente na infância. O impacto negativo do sedentarismo já começa a ser observado na própria infância e adolescência. Afinal, a atividade física, na fase escolar, contribui para aumentar a freqüência às aulas, melhorar o desempenho acadêmico, aumentar a responsabilidade, diminuir os distúrbios de comportamento, diminuir a delinqüência e uso de drogas e álcool e melhorar o relacionamento com os pais. Significa uma forma efetiva de combate a males futuros: as tais "doenças da civilização".

Além da ação efetiva na prevenção primária das doenças crônico-degenerativas, existe uma importante ação terapêutica da atividade física em relação a esses males. Contribui de forma efetiva para o tratamento da doença coronariana, hipertensão arterial, diabetes, insuficiência cardíaca, obesidade, etc. Foi demonstrado, inclusive, um efeito do exercício físico na regressão da aterosclerose, independentemente dos outros fatores de risco. Para tal existe uma dose ideal, que gira em torno de 2.000kcal por semana, considerando-se um homem de 70kg. Como existem várias opções num quadro de múltiplas atividades físicas, as quais isoladamente ou em conjunto podem proporcionar o referido gasto calórico, podemos afirmar que praticamente todos podem se beneficiar otimamente deste recurso terapêutico. Cabe aos profissionais de saúde, com competência e sensibilidade, "juntar as peças", para que o objetivo seja atingido. No quadro 2, apresentamos algumas das possibilidades, com suas respectivas exigências calóricas.


Ao contrário do que se acreditava há poucos anos, quase sempre as doenças crônico-degenerativas são não somente evitáveis, mas também tratáveis. Para tanto torna-se fundamental a adoção do chamado estilo saudável de vida, o qual não pode deixar de contar com uma boa dose de atividade física, como um dos aspectos básicos. O que significa principalmente uma excelente oportunidade para melhorar a qualidade de vida.

  • 1. Azevedo AC. Eliminação da doença coronária. Arq Bras Cardiol 1992; 58:427-9.
  • 2. Blair SN, et al. Changes in physical fitness and all-cause mortality: a prospective study of healthy and unhealthy men. JAMA 1995;273: 1093-8.
  • 3. Carvalho T. Sedentarismo e doenças cardiovasculares. In: Porto CC. Doenças do coração: prevenção e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
  • 4. Carvalho T. Exercício físico e doenças do coração. In: Porto CC. Doenças do coração: prevenção e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
  • 5. Carvalho T, Nóbrega ACL, Lazzoli JK, Magni JRT, Rezende L, Drummond FA, et al. Posição oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte: atividade física e saúde. Rev Bras Med Esporte 1996;2: 79-81.
  • 6. Frasure-Smith. In-hospital symptoms of psychological stress as predictors of long-term outcome after acute myocardial infarction in men. Am J Cardiol 1991;75:120-7.
  • 7. Hambrecht R, et al. Various intensities of leisure-time physical activity in patients with coronary artery disease: effects on cardiorespiratory fitness and progression of coronary atherosclerotic lesions. JACC 1993; 22:468-77.
  • 8. Ornish D. Can life-style changes reverse coronary artery disease? Lancet 1990;336:129-31.
  • 9. Paffenbarger Jr RS. Contributions of epidemiology to exercise science and cardiovascular health. Med Sci Sports Exerc 1988;20:426-38.
  • 10. Pate RR, Pratt W, Blair SN, Haskell WL, et al. Physical activity and public health: a recommendation from the Centers for Disease Control and Prevention and the American College of Sports Medicine. JAMA 1995;273:402-7.
  • 11
    Project PACE. Physician-based Assessment and Counseling for Exercise. U.S. Centers for Disease Control and Prevention, Cardiovascular Health Branch, Atlanta, Georgia, 1992.
  • Endereço para correspondência:

    E-mail:
    Telefone/fax: (048) 223-0077
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 1999
    Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: atharbme@uol.com.br