Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento multidisciplinar reduz o tecido adiposo visceral, leptina, grelina e a prevalência de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) em adolescentes obesos

Tratamiento multidisciplinar reduce el tejido adiposo visceral, leptina, grelina y la prevalencia de esteatosis hepática no alcohólica (NAFLD) en adolescentes obesos

Resumos

O objetivo do presente estudo foi avaliar as alterações promovidas, por intervenção multidisciplinar, nas concentrações plasmáticas de grelina e leptina, adiposidade visceral e prevalência de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD), em adolescentes obesos. Foram avaliados 28 adolescentes obesos, 16 meninas (IMC 34,58 ± 3,86kg/m²) e 12 meninos (IMC 37,08 ± 3,17kg/m²), com idade entre 15 e 19 anos, quanto à concentração de leptina, grelina, insulina, assim como a adiposidade visceral e o diagnóstico de NAFLD pelo método de ultra-sonografia. Os resultados demonstraram redução significante na concentração circulante de grelina e leptina e na adiposidade visceral (p < 0,01). Houve ainda redução percentual na prevalência de NAFLD, sendo este um resultado relevante, visto que esta doença pode progredir para cirrose, tanto em crianças quanto em adolescentes obesos. Este tipo de tratamento demonstrou ser eficiente na melhora do perfil metabólico e hormonal, contribuindo para o controle da obesidade e suas co-morbidades em adolescentes obesos.

Obesidade; Estilo de vida; Leptina; Grelina; Esteatose hepática não alcoólica


El objetivo del presente trabajo ha sido evaluar las alteraciones promovidas por la intervención multidisciplinar, en las concentra- ciones plasmáticas de grelina y leptina, adiposidad visceral y prevalencia de esteatosis hepática no alcohólica - NAFLD, en adolescentes obesos. 28 adolescentes obesos, 16 chicas (IMC 34,58 ± 3,86 kg/m²) y 12 chicos (IMC 37,08 ± 3,17 kg/m²), con edades entre 15 y 19 años, fueron evaluados respecto a la concentración de leptina, grelina, insulina, así como a la adiposidad visceral y el diagnóstico de NAFLD por el método de ultrasonografía. Los resultados demostraron una reducción significante en la concentra- ción circulante de grelina y leptina y en la adiposidad visceral (p < 0,01). Hubo aún una reducción porcentual en la prevalencia de NAFLD, siendo este un resultado relevante, ya que esta enfermedad puede progresar hasta la cirrosis, tanto en niños como en adolescentes obesos. Este tipo de tratamiento demostró ser eficiente en la mejora del perfil metabólico y hormonal, contribuyendo para el control de la obesidad y su comorbilidad en adolescentes obesos.

Obesidad; Estilo de vida; Leptina; Grelina; Esteatosis hepática no alcohólica


The aim of this study was to assess the changes promoted by a multidisciplinary therapy in ghrelin and leptin concentrations, visceral adiposity and non-alcoholic fat liver disease-NAFLD, in obese adolescents. A total of 28 obese adolescents, 16 girls (BMI 34.58 ± 3,86 wt/ht²) and 12 boys (BMI 37.08 ± 3.17 wt/ht²), aged between 15 and 19 years old, was evaluated to leptin, ghrelin and insulin concentrations, visceral adiposity and NAFLD through ultrasonography. The results showed a significant decrease in ghrelin, leptin concentrations and visceral adiposity (p < 0.01). Moreover, a decrease in the NAFLD prevalence was observed. It is an important result, since this disease can progress to cirrhosis, not only in children but also in obese adolescents. This kind of treatment can be efficient to improve metabolic and hormonal profile, as well as, to control obesity and related co-morbidities in obese adolescents.

Obesity; Life-style; Leptin; Ghrelin; Non-alcoholic fat liver disease


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento multidisciplinar reduz o tecido adiposo visceral, leptina, grelina e a prevalência de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) em adolescentes obesos

Tratamiento multidisciplinar reduce el tejido adiposo visceral, leptina, grelina y la prevalencia de esteatosis hepática no alcohólica (NAFLD) en adolescentes obesos

Ana R. Dâmaso; Lian Tock; Sérgio Tufik; Wagner L. Prado; Sérgio G. Stella; Mauro Fisberg; Isa P. Cintra; Danielle A. Caranti; Kãli O. Siqueira; Cláudia M. Nascimento; Lila M. Oyama; Henrique M. Lederman; Dejaldo Cristofalo; Hanna K. Antunes; Aniella Comparoni; Luana C. Santos; Marco T. Mello

Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina UNIFESP-EPM São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Profª Drª Ana Dâmaso Rua Marselhesa, 535, Vila Clementino 04020-060 – São Paulo, SP Tel.: (11) 5572-0177 E-mail: anadamaso@epm.br

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi avaliar as alterações promovidas, por intervenção multidisciplinar, nas concentrações plasmáticas de grelina e leptina, adiposidade visceral e prevalência de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD), em adolescentes obesos. Foram avaliados 28 adolescentes obesos, 16 meninas (IMC 34,58 ± 3,86kg/m2) e 12 meninos (IMC 37,08 ± 3,17kg/m2), com idade entre 15 e 19 anos, quanto à concentração de leptina, grelina, insulina, assim como a adiposidade visceral e o diagnóstico de NAFLD pelo método de ultra-sonografia. Os resultados demonstraram redução significante na concentração circulante de grelina e leptina e na adiposidade visceral (p < 0,01). Houve ainda redução percentual na prevalência de NAFLD, sendo este um resultado relevante, visto que esta doença pode progredir para cirrose, tanto em crianças quanto em adolescentes obesos. Este tipo de tratamento demonstrou ser eficiente na melhora do perfil metabólico e hormonal, contribuindo para o controle da obesidade e suas co-morbidades em adolescentes obesos.

Palavras-chave: Obesidade. Estilo de vida. Leptina. Grelina. Esteatose hepática não alcoólica.

RESUMEN

El objetivo del presente trabajo ha sido evaluar las alteraciones promovidas por la intervención multidisciplinar, en las concentra- ciones plasmáticas de grelina y leptina, adiposidad visceral y prevalencia de esteatosis hepática no alcohólica – NAFLD, en adolescentes obesos. 28 adolescentes obesos, 16 chicas (IMC 34,58 ± 3,86 kg/m2) y 12 chicos (IMC 37,08 ± 3,17 kg/m2), con edades entre 15 y 19 años, fueron evaluados respecto a la concentración de leptina, grelina, insulina, así como a la adiposidad visceral y el diagnóstico de NAFLD por el método de ultrasonografía. Los resultados demostraron una reducción significante en la concentra- ción circulante de grelina y leptina y en la adiposidad visceral (p < 0,01). Hubo aún una reducción porcentual en la prevalencia de NAFLD, siendo este un resultado relevante, ya que esta enfermedad puede progresar hasta la cirrosis, tanto en niños como en adolescentes obesos. Este tipo de tratamiento demostró ser eficiente en la mejora del perfil metabólico y hormonal, contribuyendo para el control de la obesidad y su comorbilidad en adolescentes obesos.

Palabras-clave: Obesidad. Estilo de vida. Leptina. Grelina. Esteatosis hepática no alcohólica.

INTRODUÇÃO

A prevalência de obesidade na infância e na adolescência tem aumentado drasticamente, tornando estes indivíduos susceptíveis a serem adultos obesos, perpetuando e agravando a epidemia(1).

Recentemente, a obesidade tem sido associada a alterações nas concentrações circulantes de leptina, verificando-se aumento exacerbado em pessoas obesas em relação aos valores observados em eutróficos. Isto significa que, quanto maior a deposição de gordura, mais intensa será a secreção de leptina e sua concentração circulante. Por outro lado, a redução na adiposidade diminui a sua secreção(2).

Estudos prévios demonstraram que o exercício físico realizado em alta intensidade pode diminuir a concentração circulante desse hormônio; entretanto, em exercícios realizados em baixa intensidade não se observou o mesmo comportamento(3-7). Isto sugere que identificar as adaptações na leptinemia em resposta ao exercício pode gerar subsídios para estratégias clínicas e em saúde pública.

A grelina, um hormônio polipeptídeo produzido predominantemente pelo estômago, está envolvido na regulação central da ingestão alimentar e do balanço energético, estimulando o apetite, a lipogênese, a adipogênese e reduzindo a taxa metabólica(8). A concentração circulante de grelina apresenta-se elevada em pacientes com anorexia nervosa e reduzida em pessoas obesas(9). Alguns pesquisadores têm sugerido que a ação da grelina poderia levar à diminuição da adiposidade, pois estimula a secreção do hormônio do crescimento (GH), sendo este amplamente conhecido por seu efeito lipolítico(10).

Entretanto, estudo recente demonstrou que a administração central ou periférica de grelina, independente do hormônio de crescimento, diminui a oxidação de gorduras e aumenta a ingestão alimentar e a adiposidade, sugerindo que a baixa concentração de grelina em obesos é um efeito que deve ser mais investigado(11). Outros estudos demonstraram que a concentração circulante de grelina aumenta em resposta à redução da massa corporal, mesmo quando não há redução na ingestão alimentar. Esta pode ser uma adaptação específica, sugerindo ser uma resposta compensatória às mudanças na homeostase energética em pessoas saudáveis jovens, exibindo sensibilidade particular às alterações na massa corporal(9,12).

Neste sentido, Morpurgo et al.(13) verificaram que três semanas de intervenção para a redução da massa corporal, por meio de restrição alimentar, exercícios físicos, orientação clínica e psicológica, não foram suficientes para normalizar os níveis de grelina em obesos.

Outro aspecto importante a ser observado é o aumento na incidência de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD), tornando-se um problema clínico emergente entre os obesos, mesmo em crianças e adolescentes, podendo levar à cirrose hepática(14,15). Tominagata et al.(16) verificaram que 20% dos pacientes obesos com esteatose hepática desenvolvem cirrose ou carcinoma hepatocelular.

A esteatose hepática afeta 2,6% das crianças, 10% a 25% dos adolescentes; entretanto, sua prevalência varia de 22,5% a 52,8% entre crianças obesas. Especificamente, a alta adiposidade visceral pode acentuar o grau da lesão hepática(16). Embora ainda não exista tratamento farmacológico específico para o controle da esteatose hepática, todos os pacientes são encorajados a reduzir a ingestão de gorduras e realizar exercícios físicos regulares, com o objetivo de aumentar o gasto energético diário(14-17).

A significância da leptina na esteatose hepática não está clara. No entanto, a hiperleptinemia comumente observada em obesos pode promover resistência insulínica. Observou-se previamente que a leptina aumenta com a severidade da lesão dos hepatócitos(18,19). No entanto, outra pesquisa não demonstrou este efeito(20). Não encontramos na literatura nacional publicação abordando este tema de forma associada.

Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar as possíveis alterações promovidas por intervenção multidisciplinar em curto prazo nas concentrações plasmáticas de grelina e leptina, adiposidade visceral e prevalência de NAFLD, em adolescentes obesos.

MÉTODOS

População

Para a realização deste estudo foram selecionados 28 adolescentes obesos, sendo 16 meninas e 12 meninos, com idade entre 15 e 19 anos, que participaram do tratamento multidisciplinar não medicamentoso da obesidade desenvolvido no CAAA/CEPE (Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente/Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício) UNIFESP-EPM, por um período de 12 semanas, incluindo atendimento clínico, psicológico e nutricional. O critério de inclusão foi o IMC acima do percentil 95 da curva de crescimento do Centers for Disease Control (CDC)(21).

O estudo foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsinki e foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (# 0135/04). Todos os pacientes e seus familiares receberam informações sobre o protocolo, sendo assinado posteriormente o termo de consentimento.

Intervenção clínica

Os adolescentes realizaram uma avaliação clínica diagnóstica do estado geral de saúde (história familiar e da obesidade), assim como foi avaliada a maturação sexual. Participaram do estudo somente os adolescentes pós-púberes selecionados pelos pediatras de acordo com o critério de Tanner e Whitehouse(22). Posteriormente, os adolescentes foram acompanhados quinzenalmente.

Intervenção psicológica

Foi realizada quinzenalmente por meio de consultas, orientações e psicoterapia individual e em pequenos grupos, de acordo com a anuência e desejo do paciente. Foram aplicados questionários psicológicos para a identificação de alterações de humor (Inventário Beck, VAMS – Escalas Analógicas Visuais de Humor, POMS, Idate, SF-36 – Pesquisa em Saúde). Dados não apresentados.

Intervenção nutricional

Foi utilizado um inquérito alimentar de três dias para a estimativa da ingestão alimentar(23). A partir deste diagnóstico os pacientes tiveram consultas nutricionais individuais, sendo abordados, em cada sessão, temas específicos dos aspectos quantitativos e qualitativos da dieta que deveriam ser modificados. Esta orientação foi realizada a cada três semanas com o objetivo específico de reeducação alimentar. Além disso, as nutricionistas ficavam à disposição dos familiares para informações adicionais (via telefone). O consumo energético seguiu as recomendações das Recommended Dietary Allowances – RDAs(24), para indivíduos com baixo nível de atividade física para a mesma idade e gênero.

Intervenção – Atividade física

Os voluntários desse estudo relataram manter um estilo de vida sedentário, isto é, sem atividade física habitual, e os critérios empregados para esta determinação foram baseados em entrevista utilizando o questionário de atividade física habitual(25) e subseqüente análise do consumo máximo de oxigênio.

Durante o período de tratamento, os adolescentes foram submetidos a duas sessões semanais de atividade física moderada. Cada sessão tinha duração de 60 minutos, sendo composta por atividades esportivas recreativas (futebol, basquete, handbol, voleibol, etc.), ginástica e caminhada. Informações sobre alterações no estilo de vida foram fornecidas, sendo os adolescentes também encorajados a realizar atividades físicas espontâneas diariamente e nos finais de semana (caminhar, subir escadas, etc.).

Medidas antropométricas

Os adolescentes foram pesados usando roupas leves e sem calçados em uma balança Filizola® com escala de precisão de aproximadamente 0,1kg. A estatura foi obtida utilizando-se um estadiômetro de madeira montado, com escala de precisão de aproximadamente 0,5cm. O índice de massa corporal (IMC – kg/m2) foi calculado dividindo-se a massa corporal (kg) pelo quadrado da estatura (m) (tabela 1).

Análises plasmáticas

Avaliações hormonais e glicemia

Após jejum noturno de 12 horas, o plasma foi coletado e estocado a 70ºC. Todas as amostras foram avaliadas em duplicata. Os hormônios leptina e grelina foram determinados pela técnica de radioimunoensaio (Linco Research, St. Charles, Missouri, USA), com sensibilidade de 0,5ng/ml para leptina e de 1ng/ml para grelina. As variações intra e interavaliações foram menores do que 5% e 10%, respectivamente. Os valores de referência utilizados para adolescentes obesos quanto às concentrações de leptina e grelina foram os previamente descritos por Gutin et al.(26) e Whatmore et al.(27), respectivamente. A insulina foi medida por radioimunoensaio [125I]-insulina e [125I], da Amersham (Aylesbury, UK). O kit de reagentes foi obtido da Molecular Research Center, Inc. (Cincinnati, OH, USA). A concentração circulante de glicose foi mensurada por método enzimático e a leitura realizada em espectofotômetro, modelo UV-1601PC (Shimadzu Corp., Kyoto, Japan).

Cálculo do HOMA-IR e QUICKI

Para o cálculo dos índices de resistência insulínica (HOMA-IR) e a sensibilidade insulínica (QUICKI) foram utilizados as fórmulas e os valores de referência previamente descritos por Schwimmer et al.(28).

Tecido adiposo visceral e subcutâneo

Para a medida do tecido adiposo visceral e subcutâneo dos adolescentes obesos foi utilizado o método de ultra-sonografia abdominal, segundo o critério previamente descrito por Ribeiro-Filho et al.(29).

Esteatose hepática não alcoólica

Foi avaliada pelo método de ultra-sonografia hepática nos lobos direito e esquerdo do fígado. De acordo com o diagnóstico, a prevalência foi classificada em graus: leve (I), moderado (II) e severo (III), conforme o previamente descrito por Saadeh et al.(30).

Análise estatística

Todos os dados foram analisados pelo programa Statsoft, com nível de significância fixado em p < 0,05 e expressos em média ± desvio-padrão. Foram realizadas comparações entre os valores basais e após o programa de intervenção multidisciplinar para mudanças no estilo de vida, usando teste t para medidas dependentes. Para a análise dos dados da prevalência da esteatose hepática foi realizada estatística descritiva.

RESULTADOS

Verificou-se que o tratamento multidisciplinar reduziu significantemente os valores obtidos para massa corporal, IMC, tecido adiposo subcutâneo e visceral, tanto dos meninos quanto das meninas (tabela 1).

Na tabela 2, observa-se que houve redução significativa nos valores de glicemia (permaneceu dentro dos valores de referência); insulina, leptina e grelina dos adolescentes obesos tratados (meninos e meninas). No entanto, apenas a insulinemia foi normalizada. Quanto ao HOMA-IR, verifica-se redução significativa nos valores observados ao final do estudo, tanto para os meninos quanto para as meninas, no entanto, estes valores não foram normalizados. O índice QUICKI aumentou significantemente para as meninas, enquanto que para os meninos não se observou modificação.

Esteatose hepática não alcoólica

A prevalência de esteatose hepática não alcoólica reduziu-se percentualmente em ambos os grupos, tanto para o lobo direito quanto para o esquerdo do fígado, mas estas reduções não foram significativas.

A intervenção nutricional foi efetiva para reduzir a ingestão energética total (2.010kcal ± 881,01 para 1.650kcal ± 480,30) e o consumo de lipídios (32,87% para 30,57%), e aumentou a ingestão protéica (15,80% para 18,25%). Entretanto, não houve alteração na ingestão de carboidratos.

DISCUSSÃO

Observou-se, no presente estudo, redução significativa na concentração circulante de leptina em resposta às atividades físicas recreativas, realizadas por 60 minutos/dia, duas sessões por semana, associadas ao tratamento multiprofissional não medicamentoso. No entanto, esta redução não foi suficiente para adequar seus valores aos padrões de normalidade.

Kraemer et al.(31) verificaram que a realização de exercício físico com duração inferior a 60 minutos não modificou a concentração de leptina em homens e mulheres saudáveis, porém, quando realizados por mais de 60 minutos, os exercícios físicos normalizaram a concentração deste hormônio, sugerindo que a leptina não é modificável em exercícios de curta duração. Outro fator a ser considerado é o tempo de intervenção, visto que programas de exercício com duração inferior a 12 semanas não promovem redução na adiposidade e, conseqüentemente, não alteram os valores circulantes de leptina.

No entanto, torna-se importante mencionar que no estudo de Gutin et al.(26), estes observaram redução na concentração de leptina após exercícios sistematizados por quatro meses, confirmando os achados do presente estudo. Embora resultados sobre adaptações na concentração de leptina sejam inconclusivos e muitas vezes conflitantes(7), acreditamos que este hormônio seja mais responsivo às intervenções em longo prazo (mais de 12 semanas), com duração da sessão de exercícios por tempo superior a 60 minutos.

Vale ressaltar a importância da intensidade da realização do exercício físico, tendo sido verificada, após teste de esforço até a exaustão (85% VO2máximo) em esteira, redução na concentração circulante de leptina, provavelmente devido ao aumento na produção de ácidos graxos não esterificados durante o exercício, refletindo um estado catabólico do tecido adiposo e, desse modo, menor secreção de leptina(32-33). Os autores sugeriram haver redução na concentração circulante deste hormônio em resposta aguda ao exercício (~3ng/ml), mesmo na ausência de redução de peso.

Desta forma, sugerimos quatro hipóteses para explicar nossos resultados: 1) atividade física não sistematizada atividades recreativas; 2) duração da sessão dos treinamentos – 60 minutos; 3) intervenção em curto prazo (short term-therapy); e 4) a hiperleptinemia inicial exacerbada em alguns pacientes. Entretanto, devido aos resultados obtidos, acreditamos que esta forma de atividade física é uma boa opção para tratamentos multidisciplinares em longo prazo (incluindo mudanças no estilo de vida).

O presente modelo de intervenção multidisciplinar não medicamentoso se mostrou eficiente na melhora do metabolismo glicídico e a saúde metabólica dos voluntários, uma vez que reduziu a glicemia de jejum e a concentração circulante de insulina. De acordo com Fisher et al.(33), a concentração circulante de glicose e insulina explica 86% da variação na concentração circulante de leptina em modelo de regressão hierárquica. Isto significa que a leptinemia é fortemente modificável, dependendo da homeostase glicêmica e insulinemia.

Com relação à grelina, no presente estudo observamos que, apesar de valores iniciais abaixo da normalidade, houve redução na concentração deste hormônio. De acordo com Van der Lely et al.(8), reduções na concentração deste hormônio após tratamento para o controle de massa corporal são importantes, pois, de certa forma, poderiam contribuir para que sejam evitadas recidivas no ganho de massa corporal que ocorrem após interrupção do tratamento. Neste sentido, de acordo com Leidy et al.(9), a grelina poderia aumentar após modificações no balanço energético e no set point corporal para repor o que foi depletado.

A obesidade é o mais importante fator de risco para o desenvolvimento de esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) na infância e na adolescência. Assim, modificações no estilo de vida são desejáveis, pois reduzem a prevalência desta doença e suas co-morbidades(34).

Quando confrontamos os dados do presente estudo com os da literatura, verificamos que a prevalência de NAFLD foi superior nos meninos e inferior nas meninas(16). Após as 12 semanas de intervenção houve redução percentual dos valores iniciais, demonstrando a importância deste tipo de tratamento na prevenção e controle desta patologia em adolescentes obesos. Entretanto, torna-se importante mencionar que, apesar destas adaptações, alguns obesos não apresentaram a mesma melhora, o que sugere que existem indivíduos responsivos e não responsivos ao tratamento(35).

Sabe-se que o aumento na prevalência de esteatose hepática não alcoólica pode ser decorrente de várias alterações no metabolismo, entre estas: na captação, síntese, degradação ou secreção de lipídios, que resultam em resistência insulínica(15). Frente a este quadro de resistência à ação da insulina, a lipólise encontra-se aumentada no adipócito, resultando em aumento na liberação de ácidos graxos livres (AGL), os quais serão captados pelos hepatócitos, onde ocorrerá lipogênese(36). Isto explica parcialmente a relação da resistência insulínica no desenvolvimento da NAFLD(34,37-39).

De fato, os valores médios de insulina e HOMA-IR dos adolescentes obesos apresentaram-se aumentados no início do estudo, porém, o índice QUICKI estava diminuído, corroborando esta hipótese. Ao final do estudo, a insulina normalizada, o HOMA-IR reduzido e o QUICKI aumentado em relação aos valores iniciais (tabela 2), proporcionaram modificações hormonais e metabólicas que possivelmente contribuíram para a redução na prevalência de NAFLD.

De acordo com Scheen e Luyckx(34), a redução de massa adiposa diminui o grau de lesão hepática e suas conseqüências. Entretanto, a redução abrupta de massa corporal, decorrente de cirurgia bariátrica em obesos extremos, por exemplo, pode promover alterações hepáticas indesejáveis, como toxicidade. Finalmente, Bouneva e Kirby(39) mencionaram que a adequação do exercício para cada paciente, especificamente, pode ser essencial para estimular o obeso inativo a se exercitar, assim como apontaram que não é necessária a realização de exercícios em altas intensidades para a prevenção e o controle desta doença. Desta forma, tratamentos multidisciplinares para mudanças no estilo de vida são desejáveis, reforçando a importância do modelo estudado no presente estudo.

É importante mencionar que uma das limitações do nosso estudo refere-se à determinação da intensidade do exercício utilizado e a evolução da aptidão cardiorrespiratória, o que nos impossibilita afirmar que tais alterações foram promovidas pelo exercício físico. Entretanto, vale ressaltar que o objetivo do presente estudo foi o de investigar o efeito das mudanças no estilo de vida através do programa aqui proposto.

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo sugerem que o tratamento multidisciplinar não medicamentoso foi eficiente para reduzir a adiposidade visceral, promoveu alterações desejáveis no perfil de grelina e leptina, assim como diminuiu a prevalência de esteatose hepática não alcoólica, em adolescentes obesos. Entretanto, são necessários outros estudos, principalmente em longo prazo, utilizando outros tipos de exercícios físicos, assim como tratamento medicamentoso para a redução da resistência insulínica, favorecendo o controle da esteatose hepática não alcoólica e outras doenças associadas à obesidade nesta população específica.

AGRADECIMENTOS

O Programa Multidisciplinar para o atendimento ao adolescente obeso (CAAA/CEPE) recebe suporte financeiro da UNIFESP, AFIP, FAPESP – Processo nº 98/14303-3, Instituto do Sono, CEPE, FADA, CENESP, CEPID/SONO, CAPES, CNPq. Agradecimentos especiais aos pacientes e seus familiares.

Recebido em 11/1/06.

Versão final recebida em 8/5/06.

Aceito em 9/6/06.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1. Fisberg M. Atualização em obesidade na infância e adolescência. Ed. Atheneu, 2004;236p.
  • 2. Considine RV, Siha MK, Heiman ML, Kriauciunas A, Stephens TW, Nyce MR, et al. Serum immunoreactive-leptin concentrations in normal-weight and obese humans. N Engl J Med. 1996;334:292-5.
  • 3. Haluzik M, Papezova H, Nedvikova J, Kabrt J. Serum leptin levels in patients with anorexia nervous before and after partial feeding, relationships to serum lipids and biochemical nutritional parameters. Physiol Res. 1999;48:197-202.
  • 4. Zigman JM, Elmquist JK. Minireview: from anorexia to obesity The yin and yang of body weight control. Endocrinology. 2003;144:3749-56.
  • 5. Keller P, Keller C, Steensberg A, Robinson LE, Pedersen BK. Leptin gene expression and systemic levels in healthy men: effect of exercise, carbohydrate, interleukin-6, and epinephrine. J Appl Physiol. 2005;98(5):1805-12.
  • 6. Jurimae J, Jurimae T. Leptin responses to short-term exercise in college level male rowers. Br J Sports Med. 2005;39(1):6-9.
  • 7. Durstine JL, Thompson RW, Drowatzky KL, Bartoli WP. Leptin and exercise: new directions. Br J Sports Med. 2001;35:3-4.
  • 8. Van der Lely AJ, Tschop M, Heiman ML, Ghigo E. Biological, physiological, pathophysiological, and pharmacological aspects of ghrelin. Endocr Rev. 2004;25:426-57.
  • 9. Leidy HJ, Gardner JK, Frye BR, Snook ML, Schuchert MK, Richard EL, et al. Circulating ghrelin is sensitive to changes in body weight during a diet and exercise program in normal-weight young women. J Clin Endocrinol Metab. 2004; 89(6):2659-64.
  • 10. Lange KH. Fat metabolism in exercise with special reference to training and growth hormone administration. Scand J Med Sci Sports. 2004;14(2):74-99. [Review].
  • 11. Ukkola O, Ravussin E, Jacobson P, et al. Role of ghrelin polymorphisms in obesity based on three different studies. Obes Res. 2002;10(8):782-91.
  • 12. Foster-Schubert KE, McTiernan A, Frayo RS, Schwartz RS, Rajan KB, Yasui Y, et al. Human plasma ghrelin levels increase during a one-year exercise program. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(2):820-5.
  • 13. Morpurgo PS, Resnik M, Agosti F, Cappiello V, Sartorio A, Spada A. Ghrelin secretion in severely obese subjects before and after a 3-week integrated body mass reduction program. J Endocrinol Invest. 2003;26(8):723-7.
  • 14. Alba LM, Lindor K. Review article: non-alcoholic fatty liver disease. Aliment Pharmacol Ther. 2003;17:977-86.
  • 15. Angulo P. Non alcoholic fatty liver disease. N Engl J Med. 2002;346:1221-31.
  • 16. Tominagata K, Kurata JH, Chen YK, Fuijimoto E, Miyagawa S, Kusano Y. Prevalence of fatty liver in Japanese children and relationship to obesity: an epidemiological ultrasonographic survey. Dig Dis Sci. 1995;40:2002-9.
  • 17. Ten S, Maclaren N. Insulin resistance syndrome in children. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(6):2596-39.
  • 18. Chitturi S, Farrel G, Frost L, Kriketos A, Lin R, Fung C, et al. Serum leptin levels correlates with hepatic steatosis but not fibrosis: a manifestation of lipotoxicity. Hepatology. 2002;36:403-9.
  • 19. Uygun A, Kadayifci A, Yesilova Z, Erdil A, Yaman H, Saka M, et al. Serum leptin levels in patients with nonalcoholic steatohepatitis. Am J Gastroenterol. 2000; 95:3584-9.
  • 20. Chalasani N, Crabb DW, Cummings OW, Kwo PY, Asghar A, Pandya PK, et al. Does leptin play a role in the pathogenesis of human nonalcoholic steatohepatitis? Am J Gastroenterol. 2003;98:2771-6.
  • 21
    Centers for Disease Control and Prevention. Prevalence of overweight among children and adolescents: United States, 1999-2000. Acesso online, 2005. www. cdc.gov/nchs/products/pubs/pubd/hestats/overwght99.htm
  • 22. Tanner JM, Whitehouse RH. Clinical longitudinal standards for height, weight, height velocity, weight velocity, and stages of puberty. Arch Dis Child. 1976;51(3):170-9.
  • 23. Medlin C, Skinner J. Individual dietary intake methodology: a 50-year rewien of progress. J Am Diet Assoc. 1998;7:1181-9.
  • 24. National Research Council/Food and Nutrition Board. Recommended dietary allowances. 10th ed. Washington: National Academy Press, 1989;p.284.
  • 25. Baecke JA, Burema J, Frijters JE. A short questionnaire for the measurement of habitual physical activity in epidemiological studies. Am J Clin Nutr. 1982;36(5): 936-42.
  • 26. Gutin B, Ransey L, Barbeu P, et al. Plasma leptin concentrations in obese children: changes during 4-mo periods with and without physical training. Am J Clin Nutr. 1999;69:388-94.
  • 27. Whatmore AJ, Hall CM, Jones J, Westwood M, Clayton PF. Ghrelin concentrations in healthy children and adolescents. Clin Endocrinol. 2003;59:649-54.
  • 28. Schwimmer JB, Deutsch R, Rauch JB, Behling C, Newbury R, Lavine JE. Obesity, insulin resistance, and other clinicopathological correlates of pediatric nonalcoholic fatty liver disease. J Pediatr. 2003;143(4):500-5.
  • 29. Ribeiro-Filho FF, Faria AN, Azjen S, Zanella MT, Ferreira SR. Methods of estimation of visceral fat: advantages of ultrasonography. Obes Res. 2003;11(12):1488-94.
  • 30. Saadeh S, Younossi ZM, Reme EM, Gramlich T, Ong JP, Hurley M, et al. The utility of radiological imaging in nonalcoholic fatty liver disease. Gastroenterol. 2002;123:745-50.
  • 31. Kraemer RR, Chu H, Castracane VD. Leptin and exercise. Exp Biol Med. 2002; 227:701-8.
  • 32. Elias AN, Pandian MR, Wang L, Suarez E, et al. Leptin and IGF1 levels in unconditioned male volunteers after short-term exercise. Psychoneuroendocrinology. 2000;25:453-61.
  • 33. Fisher JS, Van Pelt RE, Zinder O, Landt M, Kohrt WM. Acute exercise effect on postabsorptive serum leptin. J Appl Physiol. 2001;91(2):680-6.
  • 34. Scheen AJ, Luyckx FH. Obesity and liver disease. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2002;16:703-16.
  • 35. Jakicil JM, Clank K, Coloman E. Appropriate intervention strategies for weight regain for adults. Med Sci Sports Exerc. 2001;33(12):2145-6.
  • 36. Lewis GF, Carpentier A, Adeli K, Giacca A. Disordered fat storage and mobilization in the pathogenesis of insulin resistance and type 2 diabetes. Endocrine Rev. 2002;23:201-29.
  • 37. Pagano G, Pacini G, Musso G, Gambino R, Mecca F, Depetris N, et al. Nonalcoholic steatohepatitis, insulin resistance and metabolic syndrome: further evidence for an etiologic association. Hepatology. 2002;35:367-72.
  • 38. Marchesini G, Brizi N, Morselli-Labate AM, Bianchi G, Bugianesi E, McCullough AF, et al. Association of nonalcoholic fatty liver disease with insulin resistance. Am J Med. 1999;107:450-5.
  • 39. Bouneva I, Kirby DF. Management of nonalcoholic fatty liver disease: weight control. Clin Liver Dis. 2004;8:693-713.
  • Endereço para correspondência:

    Profª Drª Ana Dâmaso
    Rua Marselhesa, 535, Vila Clementino
    04020-060 – São Paulo, SP
    Tel.: (11) 5572-0177
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      09 Jun 2006
    • Recebido
      08 Maio 2006
    Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: atharbme@uol.com.br