Acessibilidade / Reportar erro

O estresse oxidativo e o exercício físico em indivíduos HIV positivo

Resumos

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é acompanhada por alterações estruturais e funcionais relacionadas ao sistema imunológico. Além disso, o aumento do estresse oxidativo (EO) nos portadores do HIV, caracterizado por diminuição nos níveis de glutationa (GSH), aumentos na glutationa oxidada (GSSG), na razão GSSG/GSH e lipoperoxidação, bem como redução da atividade de enzimas antioxidantes - catalase, superóxido dismutase (SOD) e glutationa peroxidase (GPx) - é uma conseqüência da evolução dos pacientes infectados com HIV. As células do sistema imunológico necessitam de altas concentrações de antioxidantes para manter o balanço redox e preservar a sua integridade e função. Quando ocorre a depleção dos antioxidantes, há diminuição da resposta imunológica e aumento na replicação do HIV. O uso da terapia anti-retroviral combinada (TARV) melhorou significativamente a evolução clínica dos pacientes, porém, mesmo assim, alguns continuam apresentando EO aumentado e outros efeitos da TARV, como alterações no metabolismo lipídico e muscular. O treinamento físico é utilizado como intervenção não farmacológica nos pacientes infectados pelo HIV para proporcionar melhoria nos parâmetros antropométricos, aeróbios, musculares e psicológicos, porém, há carência de estudos sobre a sua utilização em relação ao estresse oxidativo. Nesta revisão, foram analisados os tópicos referentes ao estresse oxidativo nos pacientes HIV positivos e os possíveis benefícios do exercício físico na capacidade antioxidante. O treinamento físico é uma estratégia auxiliar para os pacientes, com ou sem uso da TARV, uma vez que melhora os aspectos cardiorrespiratórios, musculares, antropométricos e psicológicos sem induzir a imunossupressão. Referindo-se ao estresse oxidativo, infere-se, a partir dos dados em indivíduos HIV negativos, que o treinamento físico pode gerar adaptações que minimizam os efeitos deletérios provocados pelo EO através de melhorias nos níveis das defesas antioxidantes enzimáticas e não enzimáticas.

HIV; Sistema imune; Estresse oxidativo


Human immunodeficiency virus (HIV) infection is characterized by functional and structural changes related to the immunological system. Moreover, increase in oxidative stress (OS) in HIV patients, characterized by a reduction in the glutathione (GSH) levels, increases in glutathione disulfide (GSSG), in the ratio GSSG/GSH and in lipid peroxidation, as well as a reduction in antioxidant enzymes - catalase, superoxid dismutase (SOD) and gluthatione peroxidase (GPx) - is a consequence of the evolution in HIV-infected patients. Higher levels of antioxidant activity are necessary to maintain the immunological system cells redox balance and preserve their function. In an antioxidant depleted state, there is a reduction in the immunological response and an increase in HIV replication. The use of highly active antiretroviral therapy (HAART) has improved the clinical evolution of these patients. However, some patients remain showing higher OS and other effects of HAART, such as changes in lipidic and muscle metabolism. Exercise training has been used as a non pharmacological treatment in HIV-infected patients to promote improvements in anthropometrics, aerobic, muscle and psychological outcomes; however, there are insufficient data about the effects of exercise training in OS. This review analyzes the topics related to the oxidative stress in HIV-infected patients and the possible benefits of the physical exercise in the antioxidant capacity. Physical training is a complementary procedure for the patients, with or without use of the HAART, since it improves the cardiorespiratory, muscle, anthropometrics and psychological performance without inducing immunodepression. In relation to oxidative stress, it is inferred, from the data obtained in non-HIV individuals, that the physical training could promote adaptations that minimize the deleterious effect induced by OS through improvements in the activity of the enzymatic and non-enzymatic antioxidant defenses.

HIV; Immunological system; Oxidative stress


ARTIGO DE REVISÃO

O estresse oxidativo e o exercício físico em indivíduos HIV positivo

Luís Fernando DereszI; Alexandre Ramos LazzarottoII, III, IV; Waldomiro Carlos ManfroiI; Adroaldo GayaII; Eduardo SprinzV; Álvaro Reischak de OliveiraII; Pedro Dall'AgoI, IV, VI

IPPG Ciências da Saúde, Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da FAMED/UFRGS

IIPPG em Ciências do Movimento Humano, Laboratório de Pesquisa do Exercício, Escola de Educação Física, UFRGS

IIICurso de Educação Física do Centro Universitário Feevale

IVCursos de Fisioterapia e Educação Física do Centro Universitário La Salle

VAmbulatório HIV/AIDS do HCPA, FAMED/UFRGS

VIPPG em Ciências Médicas e PPG em Patologia da FFFCMPA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Dall'Ago, FFFCMPA Rua Sarmento Leite, 245/308 90050-170 – Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: pdallago@pesquisador.cnpq.br

RESUMO

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é acompanhada por alterações estruturais e funcionais relacionadas ao sistema imunológico. Além disso, o aumento do estresse oxidativo (EO) nos portadores do HIV, caracterizado por diminuição nos níveis de glutationa (GSH), aumentos na glutationa oxidada (GSSG), na razão GSSG/GSH e lipoperoxidação, bem como redução da atividade de enzimas antioxidantes – catalase, superóxido dismutase (SOD) e glutationa peroxidase (GPx) – é uma conseqüência da evolução dos pacientes infectados com HIV. As células do sistema imunológico necessitam de altas concentrações de antioxidantes para manter o balanço redox e preservar a sua integridade e função. Quando ocorre a depleção dos antioxidantes, há diminuição da resposta imunológica e aumento na replicação do HIV. O uso da terapia anti-retroviral combinada (TARV) melhorou significativamente a evolução clínica dos pacientes, porém, mesmo assim, alguns continuam apresentando EO aumentado e outros efeitos da TARV, como alterações no metabolismo lipídico e muscular. O treinamento físico é utilizado como intervenção não farmacológica nos pacientes infectados pelo HIV para proporcionar melhoria nos parâmetros antropométricos, aeróbios, musculares e psicológicos, porém, há carência de estudos sobre a sua utilização em relação ao estresse oxidativo. Nesta revisão, foram analisados os tópicos referentes ao estresse oxidativo nos pacientes HIV positivos e os possíveis benefícios do exercício físico na capacidade antioxidante. O treinamento físico é uma estratégia auxiliar para os pacientes, com ou sem uso da TARV, uma vez que melhora os aspectos cardiorrespiratórios, musculares, antropométricos e psicológicos sem induzir a imunossupressão. Referindo-se ao estresse oxidativo, infere-se, a partir dos dados em indivíduos HIV negativos, que o treinamento físico pode gerar adaptações que minimizam os efeitos deletérios provocados pelo EO através de melhorias nos níveis das defesas antioxidantes enzimáticas e não enzimáticas.

Palavras-chave: HIV. Sistema imune. Estresse oxidativo.

INTRODUÇÃO

A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) é o estágio final da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). A principal característica dessa infecção é a imunossupressão progressiva, que predispõe o indivíduo ao desenvolvimento de doenças oportunistas que, se não tratadas, o levam inevitavelmente ao óbito.

O HIV é transmitido basicamente pelas vias sexual, parenteral e vertical(1-4). Desde a sua descoberta, no início da década de 80, até o ano de 2005, foram registrados 40,3 milhões de casos no mundo inteiro(4). No Brasil, existem aproximadamente 362 mil casos e, atualmente, a SIDA encontra-se em processo de estabilização, embora em patamares elevados. Os dados de 2003 registraram nos homens a incidência de 23 casos/100 mil e, nas mulheres, 14 casos/100 mil(3).

Com a evolução do quadro clínico decorrente da infecção pelo HIV, alguns indivíduos apresentam precocemente alterações fisiológicas, como, por exemplo, a replicação viral está associada com aumento no EO, o que pode acentuar a disfunção imunológica e propiciar aumento na replicação viral(1). Além disso, o EO pode favorecer a apoptose das células T e estar envolvido no mecanismo de indução do fator de necrose tumoral (TNF)-a(5).

O uso da terapia anti-retroviral combinada (TARV) alterou de forma dramática a evolução da doença, com importante diminuição na mortalidade e melhora na qualidade de vida dos indivíduos infectados(6-7). Apesar dos seus potenciais efeitos adversos, a TARV no Brasil aumentou de cinco para 58 meses a sobrevida das pessoas com SIDA e diminuiu em 50% o número de óbitos(8).

Estratégias complementares à TARV têm sido buscadas com o objetivo de melhorar ainda mais a qualidade de vida desses indivíduos e o exercício físico tem demonstrado a sua eficiência nos parâmetros antropométricos, cardiorrespiratórios, musculares e psicológicos(9-12). Com relação ao EO, o treinamento físico em pessoas HIV negativas, proporciona adaptações capazes de mitigar os efeitos deletérios provocados pelo EO(13); no entanto, sua utilização não está elucidada em indivíduos infectados pelo HIV. A partir da identificação dessa lacuna, realizou-se uma análise sobre a interação entre o estresse oxidativo, o exercício físico e a infecção pelo HIV.

O ESTRESSE OXIDATIVO

Estresse oxidativo é o termo geralmente usado para descrever os danos causados pelas espécies reativas do oxigênio (ERO) nas moléculas ou mesmo no organismo como um todo. O nível de EO é determinado pelo balanço entre a atividade pró-oxidante e a atividade antioxidante. Dessa forma, o EO é o desequilíbrio entre pró-oxidantes e antioxidantes que resulta em aumento da formação de radicais livres e induz aumento de injúrias oxidativas(1,14).

O mecanismo pró-oxidante inclui radicais livres, tais como o ânion superóxido, e o radical hidroxil, ERO como o peróxido de hidrogênio (H2O2) e o oxigênio singlete. Um dos principais mecanismos de lesão celular relativos ao EO é a lipoperoxidação (LPO), que se relaciona com a oxidação da camada lipídica da membrana celular(14). Além disso, o EO pode gerar danos ao DNA, às proteínas e também tem implicações na patogênese de várias doenças em humanos, que incluem doença de Alzheimer, diabetes, hipercolesterolemia, síndrome hepatorrenal, entre outras, além de estar envolvido no processo normal de envelhecimento(15). No sistema cardiovascular, o EO contribui para o início e a progressão de doenças como a hipertensão, a aterosclerose, a hipertrofia cardíaca e o infarto no miocárdio(12,16).

Como as substâncias pró-oxidantes são constantemente formadas em pequenas quantidades no metabolismo normal, as células possuem mecanismos para evitar o desequilíbrio oxidativo e, assim, impedir o dano causado pelos mecanismos agressores(14). Salienta-se que a composição das defesas antioxidantes difere de tecido para tecido, de tipo de célula a tipo de célula e, possivelmente, de célula a célula do mesmo tipo, em um dado tecido, sendo dividida em dois sistemas: o enzimático e o não enzimático.

O sistema antioxidante enzimático inclui as enzimas superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT) e glutationa peroxidase (GPx). Já o não enzimático inclui compostos sintetizados pelo organismo, como a bilirrubina, a ceruloplasmina, hormônios sexuais, a melatonina, a coenzima Q e o ácido úrico. Além disso, outros antioxidantes são ingeridos através da dieta, como ácido ascórbico (vitamina C), a-tocoferol (vitamina E), b-caroteno e flavonóides(13-14).

Para avaliar o EO induzido pelo exercício, podem ser utilizados vários marcadores no sangue, na urina e no tecido muscular. O mais usual tem sido a medida de produtos da lipoperoxidação, como o pentano expirado, o malondialdeído (MDA), os isoprostanos e dienos conjugados; e os da quebra de DNA, como o 8-oxo-7,8-diidro-2'-deoxiguanosina. Além desses marcadores, os níveis de antioxidantes, como a glutationa (GSH), a razão glutationa reduzida/glutationa oxidada (GSH/GSSG) e a atividade das enzimas antioxidantes, também têm sido bastante utilizados.

A INFECÇÃO PELO HIV E O ESTRESSE OXIDATIVO

A infecção das células do hospedeiro pelo HIV requer a ligação do vírus a dois receptores sobre as células do hospedeiro: o CD4, receptor de alta afinidade pelo HIV, e receptores de quimiocinas, conhecidos como co-receptores do HIV (CXCR4 ou CCR5). Nessa fase inicial, duas glicoproteínas do envelope do HIV, gp120 e gp41, que juntas formam a gp160, são fundamentais para o processo infeccioso por sua atuação na ligação e entrada do conteúdo viral na célula hospedeira(2). Há outra proteína importante, que é a proteína transregulatória (Tat), responsável pela replicação viral e bloqueio do metabolismo celular(17).

A infecção pelo HIV afeta principalmente os linfócitos T, que expressam receptores para o CD4+, e sua progressão resulta em depleção progressiva dessas células imunes, o que diminui a habilidade do organismo para combater doenças que usualmente poderia combater e, por isso, denominadas de oportunistas. Em adultos saudáveis, a contagem de linfócitos T CD4+ é entre 800 e 1.200 unidades por mm3 de sangue(3). A linfocitopenia de T CD4+ e o aumento da carga viral são parâmetros determinantes para a progressão da infecção pelo HIV, que culmina no estágio final denominado de SIDA, que é a fase mais avançada da infecção pelo vírus(3).

Entre os mecanismos que contribuem para a progressão da infecção pelo HIV e o desenvolvimento da SIDA, encontra-se o EO induzido pela produção das ERO durante a ativação de leucócitos e macrófagos. As experiências in vitro têm demonstrado que as ERO podem ativar o fator de transcrição nuclear NF-kB e induzir a expressão e replicação do HIV(18). Lachgar et al.(17) mostraram que as proteínas virais do HIV-1, Tat e gp160 estão associadas com uma rápida produção de H2O2, o qual possivelmente está relacionado com a subseqüente imunossupressão induzida pela Tat.

A infecção pelo HIV produz EO e, secundariamente, dano celular de gravidade variada e sua regressão é dependente do balanço redox entre oxidantes e antioxidantes(1). Os indivíduos HIV positivos apresentam distúrbios no metabolismo da glutationa, concentrações de antioxidantes séricos e teciduais diminuídos, produtos da LPO aumentados(19-20) e as células T CD4+ caracterizadas por diminuição dos níveis de GSH, aumento da GSSG que, conseqüentemente, gera a diminuição da razão GSH/GSSG, indicando EO(5).

O EO tem atuação patogênica dominante na infecção pelo HIV. Como os níveis de GSH e cisteína estão significativamente reduzidos no plasma e nos leucócitos(1), os indivíduos HIV positivos têm aumento na LPO com ondulações nos altos níveis plasmáticos de MDA, vitamina C, glutationa peroxidase, selênio e superóxido dismutase(1,19). Essas características favorecem a progressão da infecção com aumento da replicação viral, carcinogênese, disfunção imune(1) e aumento na apoptose das células T(5). Assim, a significância clínica do distúrbio do metabolismo da glutationa relacionado ao HIV é refletida pela forte associação entre a diminuição de sobrevivência desses indivíduos e os baixos níveis de tiol no plasma e linfócitos CD4+.

Em um trabalho recente(20) analisando a exposição de células endoteliais de vasos de cérebro de rato (CECR) a 1µg ou 2µg gp120 ou 1µg de Tat, comparados com o grupo controle, verificou-se que as concentrações de GSH estavam diminuídas e os níveis de MDA foram maiores no grupo exposto. A atividade da catalase, glutationa peroxidase e glutationa redutase estavam diminuídas nas células CECR, indicando que as proteínas do HIV podem induzir EO nas células CECR.

O ESTRESSE OXIDATIVO E A TERAPIA ANTI-RETROVIRAL COMBINADA (TARV)

As células T CD4+ dos indivíduos HIV positivos são caracterizadas por apresentar baixa capacidade antioxidante(1,5,20-21). Antes do início do tratamento com a TARV, eles apresentam significativas diminuições nos níveis plasmáticos de vitamina C. A TARV induz aumento dos marcadores dessa vitamina antioxidante, os maiores níveis ocorrendo após o tratamento; porém, os valores não atingem a normalidade. Ademais, durante o tratamento com a TARV foram encontradas diminuições nos níveis do MDA, mas, como observado para a vitamina C, não chegaram aos níveis dos indivíduos controles. Ainda foi observado que a máxima alteração na carga viral foi negativamente correlacionada com a máxima alteração na vitamina C e a razão de glutationa reduzida pela glutationa total em CD4+(5).

Como as células do sistema imune geralmente requerem altas concentrações de antioxidantes para manter o balanço redox e preservar a integridade e a sua função, é aceitável que a depleção de antioxidantes cause diminuição da resposta imune(1).

Esses resultados suportam a premissa de que o aumento na produção de EO contribui para a patogenia da infecção pelo HIV e os achados in vitro sugerem que a intervenção terapêutica, que aponta para a normalização dos distúrbios oxidativos, pode ser relevante para os indivíduos que fazem uso da TARV. Nesse sentido, a suplementação de glutationa pode contribuir na recuperação do estado redox e influenciar na capacidade imune(5).

Apesar da significativa melhoria nos parâmetros clínicos, virais e imunológicos dos indivíduos HIV positivos que utilizam TARV, alguns medicamentos que a compõem podem aumentar o EO(15,22).

Considerando o efeito do tratamento do medicamento efavirenz, Hulgan et al.(15) avaliaram a formação de F2 isoprostanos nos pacientes HIV+ e observaram que o uso desse medicamento estava associado ao aumento desses marcadores de LPO. Os autores destacaram ser concebível que o aumento do EO seja um componente do processo da reconstituição imune em alguns sujeitos. A associação entre aumento de F2 isoprostanos e baixa viremia no plasma suporta de forma mais consistente essa hipótese.

Analisando o efeito da ZDV (zidovudina), García de la Asunción et al.(22), em trabalho realizado com mitocôndrias cardíacas de ratos, encontraram aumentos nos níveis de 8-oxo-7,8-diidro-2'-deoxiguanosina nos níveis GSSG e na razão GSSG/GSH, todos marcadores de EO. Ainda foram verificados aumentos na formação de MDA, indicando lipoperoxidação. Em todos os casos, os resultados foram normalizados com o uso de doses supranutricionais de vitaminas antioxidantes (C e E) na dieta dos ratos.

Os dados acima mostram que os indivíduos HIV positivos são caracterizados por diminuição na glutationa reduzida e nas vitaminas C e E, os dois mais importantes antioxidantes hidrofílicos. Dessa forma, a glutationa reduzida é um dos mais importantes agentes regeneradores do ácido ascórbico da forma oxidada e, em troca, a deficiência da vitamina C leva a aumento na utilização de glutationa reduzida, uma condição que promoveria a depleção de ambos os antioxidantes (em indivíduos com ou sem TARV), contribuindo para o aumento da produção de EO.

O EO aumentado pode potencializar a produção de TNF-a em várias células e a depleção da glutationa reduzida pode aumentar a resposta inflamatória para essas citocinas(5). Desse modo, o distúrbio no estado redox da glutationa e o aumento na ativação do TNF-a podem representar um ciclo patogênico, levando a aumento na inflamação e do EO, e este mecanismo também pode estar agindo durante a TARV. Essa interação inflamatória não somente pode prejudicar a função das células T, mas também pode promover a replicação do HIV e a apoptose das células T, contribuindo para a depleção dos linfócitos CD4+.

Assim, como o estado redox da glutationa permanece alterado e os níveis dos antioxidantes são reduzidos, tem-se uma contribuição permanente na imunodeficiência desses pacientes, potencializando a toxicidade da TARV. Conforme verificado, se por um lado o estado pró-oxidante prejudica o paciente HIV, por outro lado, o estado antioxidante inibe a replicação viral, potencializa o período de latência e a melhoria do quadro clínico do indivíduo HIV positivo.

O EXERCÍCIO FÍSICO E O ESTRESSE OXIDATIVO

O exercício físico, em função do maior consumo de oxigênio, pode promover aumento na produção de espécies reativas de oxigênio, permitindo, assim, modificar o estado redox da célula(13,23). Ademais, há aumento na liberação de catecolaminas e a auto-oxidação das mesmas pode produzir radicais livres. Existe também a possibilidade de o dano muscular subseqüente ao exercício físico causar inflamação e liberar superóxido pela oxidação da NADPH dos neutrófilos. Outra via importante na formação de espécies reativas de oxigênio, presente no exercício físico, é a produção de superóxido pela mitocôndria, pela reação da flavina ou ubisemiquinina com oxigênio(23).

No entanto, nem sempre há aumento do EO induzido pelo exercício físico. Comparando o efeito de três intensidades de exercício físico (baixa, moderada e alta) entre triatletas e indivíduos não treinados, Schneider et al.(24) encontraram aumento da capacidade antioxidante total nos dois grupos após o exercício físico e os triatletas apresentavam atividade aumentada da GPx em relação ao grupo não treinado. Os autores sugerem que o aumento da capacidade antioxidante total, aliado a maior concentração do ácido úrico plasmático, de vitaminas e outros antioxidantes, tenha evitado o dano oxidativo induzido pelo exercício físico. O aumento da capacidade antioxidante após o exercício físico já foi encontrado por outros autores(25), assim como maiores concentrações nos níveis de antioxidantes não enzimáticos, como o ácido úrico, ácido ascórbico e a-tocoferol(26).

Conforme verificado acima, as adaptações oriundas do treinamento físico são capazes de atenuar os efeitos deletérios provocados pelo EO(13), estando relacionadas tanto ao sistema enzimático, quanto o não enzimático. E tais adaptações, apesar das controvérsias sobre mecanismos envolvidos, promovem maior resistência tecidual a desafios oxidativos, como aqueles proporcionados pelo exercício físico de alta intensidade e longa duração.

Nesta perspectiva, Linke et al.(27) avaliaram o efeito do treinamento aeróbio em 23 pacientes com insuficiência cardíaca crônica e observaram, após seis meses, melhora na atividade das enzimas CAT e GPx, assim como a diminuição do mRNA para o TNF-a e para a IL1-b, 46% e 35%, respectivamente. Os autores sugerem que o aumento das citocinas inflamatórias está associado com a atividade prejudicada das enzimas SOD, GPx e CAT, o que resulta em aumento do EO local e do dano celular, verificado pelo incremento da apoptose. Com o treinamento físico foi verificada diminuição da citocinas inflamatórias e implemento na atividade da GPx e da CAT, resultando em diminuição do EO e da apoptose. Os autores justificam que o TNF-a utiliza GSH. Como o treinamento físico induziu redução em TNF-a, isso melhorou os níveis de GSH, proporcionando o aumento na atividade da GPx. Resultados semelhantes foram relatados no trabalho de Miyazaki et al.(28), que avaliaram o efeito de 12 semanas de treinamento aeróbio de intensidade moderada, uma hora de corrida a 80% da FC máxima, cinco vezes por semana, e encontraram acréscimos da SOD e da GPx após o treinamento, quando os indivíduos estavam em repouso. Nesse mesmo trabalho, os autores compararam a resposta de uma sessão de exercício exaustivo, pré e pós-treinamento, verificando que a produção de superóxido dos neutrófilos e a lipoperoxidação estavam aumentadas em ambas as sessões, porém, atenuadas na sessão após o treinamento, sugerindo que, mesmo com o aumento das enzimas antioxidantes após o treinamento, o exercício físico extenuante provocou acréscimo, ainda que reduzido, no EO induzido pelo exercício.

Schneider e Oliveira(13) salientam que o estresse oxidativo induzido pelo exercício físico é influenciado pela intensidade e pelo nível de exaustão do praticante. Dessa forma, o uso de protocolos diferentes, assim como intensidades e tempos de exposição distintos, aliados à utilização de variadas técnicas para detecção de EO, justificam as diferenças nos resultados.

O EXERCÍCIO FÍSICO E O HIV

Tratando-se de exercício físico em indivíduos HIV positivos, vários autores(9-11,29), concordam em que esses indivíduos respondem ao treinamento muitas vezes como os negativos. Além disso, o treinamento físico regular, em indivíduos hígidos, já demonstrou benefícios, como pressão sanguínea arterial mais baixa, menor risco de diabetes, doença arterial coronariana e obesidade(11).

A chave para o treinamento físico é a especificidade(9-10): o treinamento aeróbio melhora o condicionamento cardiovascular e o treinamento de força aumenta a força e a massa muscular. Nos recentes trabalhos(12,29) foram verificados resultados interessantes em relação ao condicionamento aeróbio, evidenciando que o descondicionamento aeróbio relatado em indivíduos HIV positivos pode ser revertido com o treinamento aeróbio. Tratando-se do treinamento de força, foram encontrados aumentos significativos na força, circunferências, massa livre de gordura e estado funcional quando comparados com o grupo controle. Considerando as alterações apresentadas no perfil lipídico, os resultados ainda são controversos, porém, foram encontrados resultados significativos quando avaliada a gordura corporal total, com reduções mais importantes na região do tronco(11). Terry et al.(12) analisaram o perfil lipídico em pacientes HIV positivos em tratamento com inibidores da protease em resposta a 36 sessões de treinamento aeróbio (caminhadas ou corridas entre 70% e 85% da freqüência cardíaca obtida no teste máximo) e recomendações na dieta. Foi encontrado aumento no pico do consumo de oxigênio ao final do treinamento, porém, não foram observadas mudanças significativas no perfil lipídico dos mesmos pacientes quando comparados com o grupo controle, que estava somente seguindo as orientações na dieta e trabalho de flexibilidade. Os autores sugerem que o tratamento com os inibidores da protease é um potente estímulo para a dislipidemia que não pode ser revertido com o treinamento aeróbio e recomendações na dieta dos pacientes. Considerando a resposta ao exercício físico, Roubenoff et al.(30) avaliaram uma sessão de exercício e verificaram que não houve aumento do mRNA, em nenhum momento (duas, seis, 24 e 168 horas) após uma sessão de exercício físico. Baseados nesses resultados, os autores afirmaram que o treinamento físico pode ser realizado com segurança nas pessoas infectadas pelo HIV.

Um fato significativo é que os estudos têm indicado um programa de treinamento conjunto (aeróbio e de força), como uma alternativa para melhorar os parâmetros afetados pela infecção(9-11). Infelizmente, apesar dessa indicação, há carência de estudos com treinamento conjunto.

As recomendações específicas incluem programa de treinamento aeróbio, três a cinco sessões por semana a 50-85% da freqüência cardíaca máxima, ou 45-85% do O2 máx, sendo o treinamento de força executado para grandes grupos musculares, em intensidade moderada com oito a 12 repetições por exercício(9-10).

CONCLUSÃO

Os mecanismos do estresse oxidativo e a sua relação com o HIV e os possíveis benefícios do exercício físico na capacidade antioxidante foram analisados nesta revisão. As evidências apontam para um desequilíbrio oxidativo precoce nos indivíduos HIV positivos, que pode estar relacionado com a disfunção imune e a replicação viral apresentadas pelos mesmos. A TARV, amplamente utilizada nessa população, parece ter efeitos distintos, dependendo dos medicamentos utilizados, diminuindo ou não os parâmetros do estresse oxidativo. E, por fim, o treinamento físico é uma estratégia auxiliar para os pacientes, com ou sem uso da TARV, visto que pode gerar vantagens nos aspectos cardiorrespiratórios, musculares, antropométricos e psicológicos sem induzir a imunossupressão. Quanto ao estresse oxidativo, infere-se, a partir dos dados em indivíduos HIV negativos, que o treinamento físico pode gerar adaptações que minimizam os efeitos deletérios provocados pelo EO através de melhorias nos níveis de GSH, na atividade de enzimas antioxidantes como a CAT, SOD e GPx aliadas a melhorias do mecanismo não enzimático, como ácido úrico plasmático, vitaminas e outros antioxidantes.

Sugere-se que essas hipóteses sejam verificadas em estudos que contemplem protocolos diferenciados que utilizem técnicas mais sensíveis para avaliar a sua eficácia na melhoria da qualidade de vida de indivíduos HIV positivos.

Aceito em 31/1/07.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1. Stehbens WE. Oxidative stress in viral hepatitis and AIDS. Exp Mol Pathol. 2004; 77:121-32.
  • 2. Parham P. O sistema imune. Porto Alegre: Artmed, 2001.
  • 3. Brasil. Ministério da Saúde. Aids: etiologia, clínica, diagnóstico e tratamento. Disponível em <http://www.aids.gov.br/assistencia/etiologia_diagnostico.htm>. Acesso em: 15 março 2005.
  • 4
    UNAIDS. AIDS epidemic update. Disponível em <http://www.unaids.org>. Acesso em: 13 dezembro 2005.
  • 5. Aukrust P, Muller F, Svardal A, Ueland T, Berge RK, Froland SS. Disturbed glutathione metabolism and decreased antioxidants levels in human immunodeficiency virus-infected patients during highly active antiretroviral therapy Potential immunomodulatory effects of antioxidants. J Infect Dis. 2003;188:232-8.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde. O perfil da AIDS no Brasil e metas de governo para o controle da epidemia. 2003. Disponível em http://www.aids.gov.br Acesso em: 14 de outubro 2005.
  • 7. Stringer W, Sattler MD. Metabolic syndromes associated with HIV. Phys Sportsmed. 2001;29(12):2001.
  • 8. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico. Disponível em <http://www.aids.gov.br>. Acesso em: 13 dezembro 2005.
  • 9. Ciccolo JT, Jowers EM, Bartholomew JB. The benefits of exercise training for quality of life in HIV/AIDS in the post-HAART era. Sports Med. 2004;34:487-99.
  • 10. Palermo PCG, Feijó OG. Exercício físico e a infecção pelo HIV: atualização e recomendações. Rev Bras Fisiol Exe. 2003;2:218-46.
  • 11. Roubenoff R. Exercise and HIV infection. Nutr Clin Care. 2000;3:230-6.
  • 12. Terry L, Sprinz E, Stein R, Medeiros NB, Oliveira J, Ribeiro JP. Exercise training in HIV-1-infected individuals with dyslipidemia and lipodystrophy. Med Sci Sports Exerc. 2006;38:411-7.
  • 13. Schneider CD, Oliveira AR. Radicais livres de oxigênio e exercício: mecanismos de formação e adaptação ao treinamento físico. Rev Bras Med Esporte. 2004;10: 1-6.
  • 14. Urso ML, Clarkson PM. Oxidative stress, exercise, and antioxidant supplementation. Toxicol. 2003;189:41-54.
  • 15. Hulgan T, Morrow J, D´Aquila R, Raffanti S, Morgan M, Rebeiro P, et al. Oxidant stress is increased during treatment of human immunodeficiency virus infection. Clin Infect Dis. 2003;37:1711-7.
  • 16. Abrescia P, Golino P. Free radicals and antioxidants in cardiovascular diseases. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2005;3:159-71.
  • 17. Lachgar A, Sojic N, Arbault S, Bruce D, Sarasin A, Amatore C, et al. Amplification of the inflammatory cellular redox state by human immunodeficiency virus type 1-immunosuppressive tat and gp160 proteins. J Virol. 1999;73:1447-52.
  • 18. Allard JP, Aghdassi E, Chau J, Tam C, Kovacs CM, Salit IE, et al. Effects of vitamin E and C supplementation on oxidative stress and viral load in HIV-infected subjects. AIDS. 1998;12:1653-9.
  • 19. Fuchs J, Emerit L, Levy A, Cernajvski L, Schofer H, Milbradt R. Clastogenic factors in plasma of HIV-1 infected patients. Free Radic Biol Med. 1995;19:843-8.
  • 20. Price TO, Ercal N, Nakaoke R, Banks WA. HIV-1 viral proteins gp 120 and Tat induce oxidative stress in brain endothelial cells. Brain Res. 2005;1045:57-63.
  • 21. Herzenberg LA, De Rosa SC, Dubs JG, Roederer M, Anderson MT, Ela SW, et al. Glutathione deficiency is associated with impaired survival in HIV disease. Proc Natl Acad Sci. 1997;94:1967-72.
  • 22. García de la Asunción J, Olmo ML Del, Gómez-Cambronero LG, Sastre J, Pallardó FV, Viña J. AZT induces oxidative damage to cardiac mitochondria: protective effect of vitamins C and E. Life Sci. 2004;76:47-56.
  • 23. Cooper CE, Vollaard NB, Choueiri T, Wilson MT. Exercise, free radicals and oxidative stress. Biochem Soc Trans. 2002;30(2):280-85.
  • 24. Schneider CD, Barp J, Ribeiro JL, Belló-Klein A, Oliveira AR. Oxidative stress after three different intensities of running. Can J Appl Physiol. 2005;30:723-34.
  • 25. Child RB, Wilkinson DM, Fallowfield JL, Donnelly AE. Elevated serum antioxidant capacity and plasma malondialdehyde concentration in response to a simulated half-marathon run. Med Sci Sports Exerc. 1998;30:1603-7.
  • 26 Cazzola R, Russo-Volpe S, Cervato G, Cestaro B. Biochemical assessments of oxidative stress, erythrocyte membrane fluidity and antioxidant status in professional soccer players and sedentary controls. Eur J Clin Invest. 2003;33:924-30.
  • 27. Linke A, Adams V, Schulze PC, Erbs S, Gielen S, Fiehn E, et al. Antioxidative effects of exercise training in patients with chronic heart failure increase in radical scavenger enzyme activity in skeletal muscle. Circulation. 2005;111:1763-70.
  • 28. Miyazaki H, Oh-Ishi S, Ookawara T, Kizaki T, Toshinai K, Ha S, et al. Strenuous endurance training in humans reduces oxidative stress following exhaustive exercise. Eur J Appl Physiol. 2001;84:1-6.
  • 29. O'Brien K, Nixon S, Glazier RH, Tynan AM. Progressive resistive exercise interventions for adults living with HIV/AIDS (Review). In: The Cochrane Database of Systematic Reviews, Issue 4, 2004. Disponível em <http://www.bireme.br/cochrane>. Acesso em: 12 novembro 2004.
  • 30. Roubenoff R, Skolnik PR, Shevitz A, Snydman L, Wang A, Melanson S, et al. Effect of a single bout of acute exercise on plasma human immunodeficiency virus RNA levels. J Appl Physiol. 1999;86:1197-201.
  • Endereço para correspondência:
    Pedro Dall'Ago, FFFCMPA
    Rua Sarmento Leite, 245/308
    90050-170 – Porto Alegre, RS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2007
    Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: atharbme@uol.com.br