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Influência da forma de indução à acidose na determinação da intensidade de lactato mínimo em corredores de longa distância

Influence of the acidosis induction manner in the determination of minimal lactate threshold in endurance runners

Resumos

O objetivo principal deste estudo foi verificar se diferentes formas de indução à acidose interferem na determinação da intensidade do lactato mínimo (LACmin) em corredores de longa distância. Desse modo, 14 corredores de provas fundas do atletismo participaram do estudo. Os atletas realizaram três protocolos: 1) teste incremental em esteira rolante, com incrementos de 1km.h-1 a cada três minutos até a exaustão, para a determinação das intensidades de limiar anaeróbio (OBLA), de limiar aeróbio (Laer), consumo máximo de oxigênio (VO2max) e intensidade de consumo máximo de oxigênio (vVO2max); 2) teste de lactato mínimo em pista de atletismo (LACminp), que consistiu de dois esforços máximos de 233m na pista de atletismo com intervalo de um minuto entre cada repetição, com oito minutos de recuperação passiva, seguido de um teste incremental semelhante ao do protocolo 1; e 3) teste de lactato mínimo em esteira rolante (LACmine), constituído de dois esforços máximos de um minuto e 45 segundos com intervalo de um minuto, na intensidade de 120% da vVO2max, seguido dos mesmos procedimentos do protocolo 2. Foram coletadas amostras de sangue do lóbulo da orelha ao final de cada estágio em todos os protocolos e no 7º minuto de recuperação passiva dos testes de LACmine e LACminp. A análise de variância (ANOVA) mostrou que ocorreram diferenças significativas entre as intensidades de LACmine (13,23 ± 1,78km.h-1) e OBLA (14,67 ± 1,44km.h-1). Dessa maneira, a partir dos resultados obtidos no presente estudo, é possível concluir que a determinação da intensidade correspondente ao lactato mínimo é dependente do protocolo utilizado para a indução à acidose. Além disso, o LACmine subestimou a intensidade correspondente ao OBLA, não podendo ser utilizado para a mensuração da capacidade aeróbia de corredores fundistas.

corrida; limiar anaeróbio; consumo máximo de oxigênio


The purpose of this study was to verify if different induction forms to the acidosis can interfere in the determination of the minimum lactate (LACmin) intensity in endurance runners. Fourteen male endurance runners took part in as subjects of this study. The athletes accomplished three protocols: 1) a incremental exercise test in treadmill running, with increments of 1 km.h-1 at each 3 minutes, to determine the running velocity of anaerobic threshold (OBLA), aerobic threshold (Laer), maximal oxygen consumption (VO2max) and maximum consumption speed of oxygen (vVO2max); 2) a lactate minimum test with inducing lactic acidosis in athletics track (LACminp), that it constituted of two maximum efforts of 233m with interval of 1 minute, with 8 minutes of passive recovery, followed by a incremental exercise test similar to the first protocol, and 3) a lactate minimum test with inducing lactic acidosis in treadmill running (LACmine), constituted by two maximum efforts of 1 minute and 45 seconds with interval of 1 minute, in the running speed of 120% of the vVO2max, followed by the same procedures of the second protocol. Samples of blood were collected from the earlobe to the end of each loads of 3 minutes in all the protocols and in the 7th minute of recovery of the tests of the LACmine and the LACminp. The variance analysis (ANOVA) showed that there were significant differences between the speeds of LACmine (13,23 ± 1,78 km.h-1) and OBLA (14,67 ± 1,44 km.h-1). These results suggest that the determination of the running speed corresponding to the lactate minimum is dependent of the protocol used for the inducing lactic acidosis. Besides, LACmine underestimated the running speed corresponding to OBLA and should not be used to measure the aerobic capacity in long distance runners.

running; anaerobic threshold; maximal oxygen uptake


ARTIGO ORIGINAL

Influência da forma de indução à acidose na determinação da intensidade de lactato mínimo em corredores de longa distância

Influence of the acidosis induction manner in the determination of minimal lactate threshold in endurance runners

Vanessa SanthiagoI; Adelino Sanchez Ramos da SilvaI; Luiz Guilherme Antonacci GuglielmoII; Wonder Passoni HiginoIII

IUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Unesp - Campus Rio Claro

IIUniversidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Campus Florianópolis

IIICentro Universitário Salesiano Auxilium - Unisalesiano - Campus Lins

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vanessa Santhiago Av. José Ariano Rodrigues, 112 apto. 32, Jardim Ariano 16400-400 - Lins, SP E-mail: vanessas@rc.unesp.br

RESUMO

O objetivo principal deste estudo foi verificar se diferentes formas de indução à acidose interferem na determinação da intensidade do lactato mínimo (LACmin) em corredores de longa distância. Desse modo, 14 corredores de provas fundas do atletismo participaram do estudo. Os atletas realizaram três protocolos: 1) teste incremental em esteira rolante, com incrementos de 1km.h-1 a cada três minutos até a exaustão, para a determinação das intensidades de limiar anaeróbio (OBLA), de limiar aeróbio (Laer), consumo máximo de oxigênio (VO2max) e intensidade de consumo máximo de oxigênio (vVO2max); 2) teste de lactato mínimo em pista de atletismo (LACminp), que consistiu de dois esforços máximos de 233m na pista de atletismo com intervalo de um minuto entre cada repetição, com oito minutos de recuperação passiva, seguido de um teste incremental semelhante ao do protocolo 1; e 3) teste de lactato mínimo em esteira rolante (LACmine), constituído de dois esforços máximos de um minuto e 45 segundos com intervalo de um minuto, na intensidade de 120% da vVO2max, seguido dos mesmos procedimentos do protocolo 2. Foram coletadas amostras de sangue do lóbulo da orelha ao final de cada estágio em todos os protocolos e no 7º minuto de recuperação passiva dos testes de LACmine e LACminp. A análise de variância (ANOVA) mostrou que ocorreram diferenças significativas entre as intensidades de LACmine (13,23 ± 1,78km.h-1) e OBLA (14,67 ± 1,44km.h-1). Dessa maneira, a partir dos resultados obtidos no presente estudo, é possível concluir que a determinação da intensidade correspondente ao lactato mínimo é dependente do protocolo utilizado para a indução à acidose. Além disso, o LACmine subestimou a intensidade correspondente ao OBLA, não podendo ser utilizado para a mensuração da capacidade aeróbia de corredores fundistas.

Palavras-chave: corrida, limiar anaeróbio, consumo máximo de oxigênio.

ABSTRACT

The purpose of this study was to verify if different induction forms to the acidosis can interfere in the determination of the minimum lactate (LACmin) intensity in endurance runners. Fourteen male endurance runners took part in as subjects of this study. The athletes accomplished three protocols: 1) a incremental exercise test in treadmill running, with increments of 1 km.h-1 at each 3 minutes, to determine the running velocity of anaerobic threshold (OBLA), aerobic threshold (Laer), maximal oxygen consumption (VO2max) and maximum consumption speed of oxygen (vVO2max); 2) a lactate minimum test with inducing lactic acidosis in athletics track (LACminp), that it constituted of two maximum efforts of 233m with interval of 1 minute, with 8 minutes of passive recovery, followed by a incremental exercise test similar to the first protocol, and 3) a lactate minimum test with inducing lactic acidosis in treadmill running (LACmine), constituted by two maximum efforts of 1 minute and 45 seconds with interval of 1 minute, in the running speed of 120% of the vVO2max, followed by the same procedures of the second protocol. Samples of blood were collected from the earlobe to the end of each loads of 3 minutes in all the protocols and in the 7th minute of recovery of the tests of the LACmine and the LACminp. The variance analysis (ANOVA) showed that there were significant differences between the speeds of LACmine (13,23 ± 1,78 km.h-1) and OBLA (14,67 ± 1,44 km.h-1). These results suggest that the determination of the running speed corresponding to the lactate minimum is dependent of the protocol used for the inducing lactic acidosis. Besides, LACmine underestimated the running speed corresponding to OBLA and should not be used to measure the aerobic capacity in long distance runners.

Keywords: running, anaerobic threshold, maximal oxygen uptake.

INTRODUÇÃO

O limiar anaeróbio (Lan) determinado pela resposta da lactacidemia durante o exercício é uma das formas mais precisas de mensuração da capacidade aeróbia. Além disso, tem apresentado sensibilidade comprovada ao treinamento físico, servindo como preditor da performance aeróbia(1-3).

Esse parâmetro foi inicialmente utilizado para quantificar a capacidade aeróbia de pacientes cardíacos(3) e, posteriormente, passou a ser rotina em grandes centros médicos(1,4). No âmbito esportivo, o Lan tem sido freqüentemente utilizado na prescrição de intensidades de esforço durante as sessões de treinamento(5), despertando desse modo, o interesse de pesquisadores da área da fisiologia do exercício (6) que buscam definir protocolos cada vez mais aplicáveis à avaliação do rendimento esportivo.

Embora não seja consenso na literatura, o destaque do Lan na área da avaliação e prescrição do treinamento esportivo deve-se principalmente à baixa correlação encontrada entre a quantificação do consumo máximo de oxigênio (VO2max) e a predição do desempenho aeróbio em competições, e ao rápido ajuste desse parâmetro frente às modificações do treinamento(1,7-8). Denadai et al.(9) verificaram em 14 corredores de fundo e meio fundo, que as respostas observadas através de alguns índices fisiológicos tais como, VO2max, intensidade correspondente ao consumo máximo de oxigênio (vVO2max), tempo limite (Tlim), economia de corrida e Lan são dependentes da distância de prova disputada (1.500 x 5.000m), mesmo o metabolismo aeróbio sendo predominante nesse tipo de prova.

Denadai et al.(9) observaram que o consumo máximo de oxigênio não é o melhor parâmetro para predizer a performance, visto que não houve variação desse parâmetro em nenhuma das distâncias analisadas. Desse modo, o VO2max parece ser pouco sensível a pequenas adaptações decorrentes do treinamento quando se trata de grupos de atletas homogêneos. Já o Tlim e a vVO2max foram capazes de predizer 88% da performance dos 1.500m e o Lan explicou 50% da performance dos 5.000m, dados estes que corroboram os achados de Grant et al.(10), que encontraram, em um grupo de corredores de meia distância, que a resposta do lactato sanguíneo através do limiar de lactato foi o único preditor de performance de 3000m (87%).

Além disso, não podemos descartar que, quando comparado com o VO2max, o Lan é um método que apresenta menor custo operacional e é mais fidedigno em relação à validade ecológica do teste(1).

Os protocolos utilizados para determinação do Lan através da lactacidemia podem ser divididos entre os que utilizam concentrações fixas e os que utilizam concentrações variáveis de lactato sanguíneo.

A máxima fase estável de lactato (MFEL) é considerada como o protocolo gold standard na determinação do Lan(11). A MFEL é definida como a mais alta intensidade de exercício em que existe equilíbrio entre a produção e a remoção do lactato sanguíneo durante protocolos de cargas constantes(1,11).

Exercícios realizados acima da intensidade de MFEL causam aumento constante na produção de lactato sanguíneo, primeiramente no músculo, seguido de aumento dessa concentração no sangue; a acidose associada a esse acúmulo tem sido relacionada à diminuição das propriedades contráteis do músculo e ao aumento na liberação de ácidos graxos livres na circulação. Esses fatores prejudicam as atividades de várias enzimas no metabolismo e contribuem para o surgimento precoce da fadiga(2). Por outro lado, durante exercícios realizados abaixo da MFEL, a intensidade de produção é inferior à de remoção e, dessa maneira, a atividade pode ser sustentada por um período de tempo maior(3).

O protocolo da MFEL envolve a realização de quatro a seis sessões de exercícios de cargas constantes em diferentes intensidades, com duração aproximada de 30 minutos. A cada cinco minutos são coletadas amostras de sangue para determinação das concentrações sanguíneas de lactato. Após essa fase, a curva lactato versus tempo de exercício é plotada com o intuito de definir a intensidade correspondente à MFEL na qual não há aumento igual ou superior a 1mM(12-13) ou 0,2-0,5mM(14-15) do 10º ao 30º minuto de exercício. Embora seja um método muito preciso, torna-se inviável no âmbito esportivo, devido ao elevado custo operacional e à grande quantidade de tempo necessária ao atleta para realização das avaliações(1).

Entre os métodos que utilizam as concentrações fixas de lactato para determinação do Lan está o OBLA (Onset of Blood Lactate Concentration)(16). Nesse protocolo, os participantes são submetidos à apenas uma avaliação, que compreende a realização de exercícios de cargas incrementais com intervalo suficiente para coleta de amostras sanguíneas entre as cargas. Ao final do teste plota-se um gráfico entre a intensidade da carga e a concentração sanguínea de lactato obtida e determina-se o Lan correspondente a 4mmol/L.

Tegtbur et al.(17) desenvolveram um protocolo, baseado em concentrações variáveis de lactato, capaz de identificar a intensidade de exercício correspondente à MFEL. Essa metodologia consiste na realização de dois esforços anaeróbios consecutivos (2 x 200m ou 300 + 200m) para indução à hiperlactacidemia. Após uma pausa passiva de oito minutos, inicia-se um teste de corrida incremental de 800m. Com a realização das primeiras cargas, observa-se a diminuição do lactato sanguíneo até um valor mínimo (LACmin), a partir do qual ocorre um novo aumento da concentração do substrato. De acordo com os autores, esse valor corresponde à máxima intensidade de exercício em que existe equilíbrio dinâmico entre a produção e a remoção de lactato.

Smith et al.(18) observaram, em ciclistas treinados, que o protocolo utilizado para obtenção da hiperlactacidemia não interfere na intensidade correspondente ao LACmin. Higino e Denadai(19) também não verificaram diferenças na intensidade (Watts) de LACmin após estudar oito indivíduos fisicamente ativos que realizaram o teste de LACmin na bicicleta ergométrica em duas condições: 1) após o teste de Wingate na bicicleta e 2) após a corrida máxima de 200m na pista. Por outro lado, Carter et al.(12), ao manipular as primeiras intensidades da fase incremental do protocolo, verificaram diferenças na determinação da intensidade correspondente ao LACmin, concluindo que esse teste é protocolo-dependente.

As diferentes repostas das intensidades de LACmin observadas pelos autores citados acima podem ter ocorrido em função do tipo de exercício utilizado para a indução à acidose, hora em exercício de ciclismo e hora em exercício de corrida, do tempo total de execução das cargas de indução à acidose e da modalidade esportiva estudada.

Desse modo, o presente estudo teve como principal objetivo verificar se existe diferença na resposta do LACmin em corredores de fundo e meio fundo após diferentes tipos de indução à acidose, sendo essas induções específicas para a modalidade de corrida (em pista de atletismo e em esteira rolante). Além disso, visou comparar se há diferença entre os métodos de concentração fixa (4mM-OBLA) e variável (LACmin) na determinação do Lan.

MÉTODOS

Participantes

Participaram do presente estudo 14 corredores treinados nas provas de fundo do atletismo (5, 10 e 42km). Os participantes foram previamente informados com relação aos procedimentos a que seriam submetidos e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Educação Física de Lins/SP, autorizando a participação no estudo. As características físicas dos sujeitos estão descritas na tabela 1.

DESENHO EXPERIMENTAL

Os testes foram realizados em pista oficial de atletismo na Faculdade de Educação Física de Lins/SP e as amostras de sangue foram analisadas em analisador eletroquímico YSI 1500 Sport (OH, EUA) no Laboratório de Avaliação do Esforço Físico da Faculdade de Educação Física de Lins/SP.

Este estudo foi dividido em três experimentos, sendo dois de laboratório e um de campo e laboratório. O primeiro protocolo foi utilizado para determinação do limiar aeróbio (Laer), limiar anaeróbio (OBLA) e VO2max; no segundo foi determinado o lactato mínimo (LACmin) com indução à acidose na pista de atletismo; e no terceiro foi determinado o LACmin com indução à acidose na esteira rolante.

Cada atleta foi avaliado nos três protocolos, os quais foram realizados com no mínimo 48 e no máximo 72 horas de intervalo; os experimentos II e III foram realizados em seqüência aleatória. Não houve familiarização dos sujeitos com os protocolos experimentais.

PROTOCOLOS

Protocolo I - Determinação do limiar aeróbio (Laer), limiar anaeróbio (OBLA) e VO2max.

Anteriormente à realização do teste, os atletas realizaram um aquecimento de 10 min com intensidade de 5km.h-1. Para a determinação das intensidades (km.h-1) do Laer, OBLA e VO2max, os corredores foram submetidos a um protocolo intermitente e progressivo em esteira rolante, com intensidade inicial de 10 ou 12km.h-1 de acordo com o condicionamento físico de cada atleta, com incrementos de carga de 1km.h-1 a cada três minutos até a exaustão voluntária.

Ao final de cada estágio de três minutos foram coletadas amostras de sangue do lóbulo da orelha. O limiar aeróbio correspondeu à concentração fixa de 2mM, conforme proposto por Kindermann et al.(20), e o limiar anaeróbio (OBLA), à concentração fixa de 4mM, conforme proposto por Heck et al.(21).

O consumo máximo de oxigênio (VO2max) foi obtido através do analisador de gases Teen 100 e a freqüência cardíaca foi monitorada ao final de cada estágio através do freqüencímetro da marca Polar.

Protocolo II - Determinação da intensidade de LACmin com indução à acidose na pista de atletismo.

Os atletas realizaram dois esforços máximos de 233m em pista oficial de atletismo, com intervalo passivo de um minuto entre cada repetição, para indução da hiperlactacidemia. Ao final dos esforços máximos, os corredores permaneceram em recuperação passiva durante oito minutos.

Em seguida, os atletas realizaram um teste incremental na esteira rolante (inclinação de 1%) com intensidade inicial correspondente a 2km.h-1 abaixo da intensidade de Laer e aumentos progressivos de 1km.h-1a cada 3 min. Os participantes permaneceram em atividade até exaustão voluntária.

Protocolo III - Determinação da intensidade de lactato mínimo com indução à acidose na esteira.

No protocolo III, para indução da hiperlactacidemia, os participantes realizaram dois esforços de um minuto e 45 segundos em esteira rolante com intensidades correspondentes a 120% do VO2max e intervalo passivo de um minuto entre cada repetição. Após essa fase foram realizados os mesmos procedimentos descritos no protocolo II.

Tanto no protocolo II como no III, a intensidade correspondente ao Lan, determinado pelo LACmin, correspondeu à menor concentração de lactato sanguíneo obtida pela derivada zero da equação polinomial de grau dois da curva lactacidemia versus intensidade de corrida.

COLETA E ANÁLISE SANGUÍNEA

No sétimo minuto de recuperação passiva nos protocolos II e III, e ao final de cada estágio de três minutos, em todos os protocolos foram coletados 25×l de sangue do lóbulo da orelha, utilizando-se capilares de vidro heparinizados e calibrados. O sangue coletado foi depositado em tubos Eppendorf (1,5mL), contendo 50×l de fluoreto de sódio (NaF-1%), para posterior determinação da concentração de lactato sanguíneo em lactímetro eletroquímico Yellow Spring Instruments (YSI), modelo 1500 Sport (OH, EUA). Os valores das concentrações de lactato foram expressos em mM.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados do presente estudo apresentaram distribuição normal (Shapiro-Wilk's W test); além disso, a homogeneidade foi confirmada através do Levine's test. Para verificar a diferença da concentração pico de lactato sanguíneo obtida através da indução em pista e em esteira, foi utilizado o teste t de Student para amostras dependentes.

A comparação entre os diferentes métodos de determinação da capacidade aeróbia foi realizada através do teste Anova two-way, seguido, quando necessário, pelo teste post hoc de Newman-Keuls. Entre os testes foi aplicada a análise de correlação de Pearson. Os dados foram expressos em média ± desvio-padrão e o nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

A tabela 2 mostra os valores médios dos parâmetros de capacidade e potência aeróbia obtidos no protocolo I.

A figura 1 representa a comparação entre as intensidades de esforço (km.h-1) obtidas após os protocolos de determinação de capacidade aeróbia. A intensidade de exercício correspondente ao OBLA (4mmol/L) foi significativamente maior quando comparada com o teste de lactato mínimo com indução da acidose em esteira rolante.


A tabela 3 mostra as diferenças obtidas entre as intensidades após os esforços de indução à acidose na pista de atletismo e na esteira rolante, sendo o primeiro esforço de indução à acidose na pista de atletismo (VLACminp1) significativamente maior, do que o segundo esforço de indução à acidose na pista de atletismo (VLACminp2), e do que os dois esforços de indução à acidose a 120% do VO2máx na esteira rolante (VLacmine).

A concentração pico de lactato após o esforço de indução realizado na pista de atletismo foi significativamente maior (11,27 ± 1,77mM) quando comparada com a concentração obtida após a indução na esteira rolante (8,80 ± 2,83mM).

A tabela 4 mostra o comportamento médio das concentrações de lactato obtidas nas cargas incrementais dos testes de LACminp e de LACmine.

DISCUSSÃO

O principal achado deste estudo é que não houve diferença na intensidade de limiar anaeróbio determinado através do protocolo de LACmin, após dois diferentes tipos de indução à acidose: em pista de atletismo e em esteira rolante.

Vários estudos tentaram verificar se alterações em um ou mais estágios do protocolo de LACmin poderiam interferir na intensidade correspondente ao limiar anaeróbio(1). Higino(22) alterou o tempo de recuperação passiva em dois protocolos de lactato mínimo; no LACmin1, os atletas realizaram 500m de corrida em máxima velocidade para indução a acidose, seguida de oito minutos de recuperação passiva e 6 x 800m de corrida nas intensidades entre 87% e 98% da velocidade média dos 3.000m; no LACmin2, os corredores foram submetidos a um protocolo similar ao LACmin1, apenas com alteração no tempo de recuperação passiva, que foi fixado de acordo com o tempo para obtenção da concentração pico de lactato sanguíneo determinado em um teste de 500m em máxima velocidade, seguido de 20 minutos de recuperação passiva. O autor não encontrou diferenças significativas nas velocidades de LACmin1 e LACmin2, tanto para fundistas (17,14 ± 1,19 vs. 17,04 ± 1,06km.h-1), quanto para velocistas (14,28 ± 0,84 vs. 14,36 ± 0,83km.h-1) após alteração do tempo de recuperação passiva de 25 corredores.

Em outro estudo do mesmo autor(23), não foi observada diferença significativa entre a intensidade de limiar anaeróbio determinada pelo LACmin quando houve aumento no tempo de recuperação entre os esforços supramáximos e no início do teste incremental.

Jones e Doust(24) verificaram que a intensidade do LACmin determinada em esteira rolante (14,9 ± 0,2km.h-1) foi significativamente menor quando comparada com a intensidade do OBLA (16,1 ± 0,2km. h-1) e da MFEL (15,7 ± 0,2km.h-1), e similar à do limiar de lactato (15,1 ± 0,3km.h-1) de 13 corredores.

Carter et al.(25) modificaram o exercício anaeróbio para a indução da acidose, que foi realizado na esteira rolante à intensidade de 120% do VO2máx em cinco fundistas do sexo feminino e cinco do masculino; verificaram que a intensidade de LACmin (12,0 ± 1,4km.h-1) foi significantemente menor do que a do Lan (12,4 ± 1,7km.h-1), afirmando, desse modo, que a intensidade de LACmim subestima a intensidade referente ao Lan.

Já Simões et al.(26) não observaram diferenças significativas entre a intensidade de determinada pelo LACmin (17,11 ± 1,18km.h-1) e a obtida pelo protocolo OBLA (17,33 ± 1,20km.h-1) para 12 corredores do sexo masculino. Silva et al.(1) também não verificaram diferenças entre a intensidade de LACmin (15,11 ± 0,54km.h-1) e a obtida pelo OBLA (14,28 ± 1,02km.h-1) em 16 futebolistas profissionais.

Os resultados do presente estudo estão de acordo com os achados de Jones e Doust(24), no qual a intensidade de LACmin obtida após indução na esteira rolante foi significativamente menor (13,23 ± 1,78km. h-1) do que a do OBLA (14,67 ± 1,44km.h-1).

Entretanto, a intensidade de LACmin obtida após indução na pista (14,03 ± 1,18km.h-1) não apresentou diferença significativa com a intensidade do OBLA, dados estes que corroboram os achados de Simões et al.(26) e Silva et al.(1). Desse modo, podemos observar que, mesmo estudando diferentes modalidades, quando a indução é feita em pista de atletismo, tanto o OBLA como o LACmin podem ser utilizados para mensurar a capacidade aeróbia de atletas.

Embora no presente estudo não tenham sido observadas diferenças nas intensidades de LACminp (13,23 ± 1,78km.h-1) e LACmine (14,03 ± 1,18km.h-1), e o protocolo de LACmine tenha subestimado o OBLA, houve significativa correlação entre os parâmetros analisados, OBLA e LACmine (r = 0,93) e OBLA e LACminp (r = 0,84).

As concentrações pico de lactato após indução na pista de atletismo foram significativamente maiores (11,27 ± 1,77mM) comparadas com as concentrações obtidas após a indução na esteira rolante (8,80 ± 2,83mM).

Isso pode sugerir que, mesmo não havendo diferença significativa na concentração sanguínea de lactato obtida na determinação da intensidade de LACmin após a indução na pista de atletismo e na esteira rolante, a concentração muscular de lactato provavelmente foi menor após o exercício de indução na esteira, visto que a velocidade na qual a indução foi realizada também foi menor, determinando menores valores de lactato sanguíneo na velocidade de LACmine. A resposta da concentração sanguínea de lactato é dependente da sua capacidade de difusão do músculo para o sangue e da sua taxa de remoção a partir do sangue, e não somente da concentração desse metabólito no músculo(27). Quando as concentrações musculares e sanguíneas de lactato são elevadas (maiores que 10mM), existe saturação dos mecanismos de transporte de lactato, determinando comportamentos relativamente diferentes entre os compartimentos muscular e sanguíneo(23).

Desse modo, é possível que a intensidade correspondente a 120% do VO2max não seja suficiente para obter altos valores de concentração pico de lactato. Entretanto, a média dessa intensidade no nosso estudo foi de 20,21 ± 1,82km.h-1, intensidade na qual já é muito difícil para os corredores manterem concentração, equilíbrio e freqüência de passadas durante a corrida em esteira e, desse modo, para a segurança dos atletas, seria inviável a indução nesse ergômetro com intensidades acima de 120% do VO2max.

Quando comparamos estudos sobre um mesmo tema, é importante levarmos em consideração que existem diferenças entre os protocolos utilizados para determinar uma mesma variável(1). Além disso, é bastante importante que a especificidade seja respeitada no caso de analisarmos equipes de determinada modalidade. No caso deste estudo, os participantes eram atletas bem treinados na modalidade esportiva de corrida nas distâncias de 5, 10 e 42km. Desse modo, se os treinos ocorrem em pista de atletismo, os testes devem ser realizados nesse mesmo ambiente e não em laboratórios.

As concentrações de lactato sanguíneo mensuradas através de vários protocolos, dentre eles o LACmin, têm sido amplamente utilizadas para a prescrição do treinamento em corridas de longa duração, visto que a intensidade ideal de treinamento aeróbio para maratonas corresponderia à concentração de 2 a 3mM. Já em provas de menor volume (10km), a intensidade ótima para o treinamento da aptidão aeróbia e para melhora da performance parece ocorrer na intensidade correspondente a 4mM(28). A concentração de lactato sanguíneo também pode ser utilizada para avaliação da aptidão anaeróbia em exercício supramáximo de curta duração. Durante essas atividades, devido ao aumento da demanda energética, existe maior solicitação do sistema ATP-CP e glicolítico para ressíntese de adenosina trifosfato (ATP), ocorrendo maior produção e liberação do lactato para a corrente sanguínea(28-29).

A utilização do LACmin demonstra ser uma ferramenta sensível às adaptações do treinamento em atletas de alto nível. Silva et al.(30) verificaram, após um treinamento específico de futebol, que os atletas melhoraram a intensidade do LACmin, de 14,94 ± 0,21 para 15,44 ± 0,42* km.h-1 após oito semanas de treinamento. Isso mostra que o protocolo de LACmin é sensível ao treinamento.

De modo geral, a determinação e identificação do Lan permitem a realização da predição de performance em provas de média e longa distância. Embora exista ainda muita controvérsia a respeito das metodologias empregadas para a determinação das respostas lactacidêmicas durante o exercício progressivo e de alta intensidade, a utilização de limiares com concentrações fixas ou não tem sido o índice mais adequado para a prescrição da intensidade de treinamento e controle dos efeitos do treino a longo prazo. Entretanto, é importante salientar que a maioria das equipes não dispõe de infra-estrutura nem condições financeiras para mensurar a capacidade aeróbia de seus atletas através dos métodos acima citados, sendo necessária a utilização de protocolos não invasivos que se assemelhem e apresentem correlações com os testes utilizados neste estudo.

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados obtidos no presente estudo, é possível concluir que não houve diferença na intensidade de lactato mínimo determinada após a indução à acidose em esteira rolante e em pista de atletismo. A intensidade referente ao lactato mínimo, com indução em pista de atletismo não apresentou diferença quando comparado com o OBLA. Entretanto, a intensidade referente ao lactato mínimo, com indução em esteira rolante, subestimou a intensidade correspondente ao OBLA. Desse modo, podemos afirmar que o protocolo de LACmine deve ser evitado para mensuração da capacidade aeróbia e, conseqüentemente, para a prescrição de treinamento para corredores de longa distância.

Submetido em 08/06/2006

Versão final recebida em 19/12/2006

Aceito em 15/12/2006

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Dez 2006
    • Revisado
      19 Dez 2006
    • Recebido
      08 Jun 2006
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