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Efeito do exercício físico e estatinas na função muscular em animais com dislipidemia

Resumos

As estatinas são utilizadas no tratamento das dislipidemias, com grande tolerância; no entanto, vários efeitos colaterais podem surgir, destacando-se miopatia. A prática regular do exercício físico (EF) produz modificações favoráveis no perfil lipídico; entretanto, pode gerar lesões musculares. OBJETIVO: Avaliar o efeito da associação entre exercício físico e estatinas na função muscular, pela análise histológica, em modelo experimental animal com dislipidemia. MÉTODOS: Foram utilizados 80 ratos machos Wistar, distribuídos em oito grupos, incluindo animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica (DH), sinvastatina com (G1) e sem (G2) EF; DH e fluvastatina, com (G3) e sem EF (G4); alimentados com ração comercial (RC) na presença (G5) e ausência de (G6) EF; DH submetidos (G7) ou não (G8) a EF. A DH foi administrada por 90 dias, as estatinas e prática de EF em esteira rolante por oito semanas. Os animais foram sacrificados, e o músculo sóleo retirado para análise histológica. Aplicaram-se os testes t de Student pareado e análise multivariada, com nível significante para p < 0,05. RESULTADOS: As principais alterações histológicas encontradas foram fibras de diferentes diâmetros, atróficas, em degeneração, splitting, edema, infiltrado inflamatório. Essas alterações foram observadas em 90% dos animais do grupo G1, 80% do G2, 70% do G3, 30% do G4, 40% do G5 e 30% do G7. Nos grupos G6 e G8 identificaram-se fibras musculares com morfologia preservada. CONCLUSÕES: Na avaliação histológica muscular, a associação entre fluvastatina, sinvastatina e exercício físico acarreta alterações morfológicas com predomínio no uso da sinvastatina, variando de grau leve a grave, no músculo sóleo de ratos, induzidos pelos inibidores da HMG-CoA redutase.

inibidores de HMG-CoA redutase; exercício físico aeróbio; miopatia


Statins are used in the treatment of dyslipidemias with great tolerance; however, several side effects can arise, mainly myopathies. Regular practice of physical exercises (PE) produces beneficial alteration in the lipid profile, but it can result in muscular lesions. OBJECTIVE: to evaluate the effect of the association between physical exercise and statins in the muscular function through histological analysis in an experimental animal model with dyslipidemia. METHODS: 80 male Wistar mice, distributed in 8 groups, namely: animals submitted to a hypercholesterolemic diet (HD), symvastatin with (G1) and without PE (G2) ; HD and fluvastatin with (G3) and without PE (G4); fed with commercial food (CR) in the presence (G5) and absence of PE (G6); HD submitted (G7) or not (G8) to PE were used. The HD was administered statins and PE practice on treadmill for 90 days for 8 weeks. The animals were sacrificed, and the soleus muscle was removed for histological analysis. Paired t-tests and multivariate analysis were applied with significance level of p<0.05. RESULTS: The most important histological alterations found were fibers with different diameters and atrophic, with degeneration, splitting, edema and inflammatory infiltrate. These alterations were observed in 90% of animals from G1; 80% from G2; 70% from G3; 30% from G4; 40% from G5 and 30% from G7. In the G6 and G8 groups muscular fibers with preserved morphology were identified. CONCLUSION: In the muscular histological evaluation, the association of fluvastatin, symvastatin and physical exercise results in morphological alterations with predominance with the use of simvastatin, varying from a light to a high level, in the soleus muscle of mice, induced by HMG-CoA reductase inhibitors.

HMG-CoA reductase inhibitors; aerobic physical exercise; myopathy


ARTIGO ORIGINAL

CIÊNCIAS DO EXERCÍCIO E DO ESPORTE

Efeito do exercício físico e estatinas na função muscular em animais com dislipidemia

Marilita Falângola AcciolyI ; José Carlos Silva Camargo FilhoII; Susimary Aparecida Trevizan PadullaII; Ana Lúcia Zocal de LimaIII ; Mariana Rotta BonfimIV ; Edna Maria do CarmoII; Marcela Augusta de Souza PinhelV ; Mariana Accioly LimaVI; Reinaldo AzoubelVII ; Antônio Carlos BrandãoVII; Dorotéia Rossi Silva SouzaVII

IDepartamento de Fisioterapia Aplicada da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – Uberaba, MG

IIDepartamento de Fisioterapia da FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente, SP

IIIPrefeitura Municipal de São José do Rio Preto, SP

IVDepartamento de Educação Física da FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente, SP

VPrograma de Doutorado da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) – São José do Rio Preto, SP

VICurso de Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB) – Brasília, DF

VIIFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) – São José do Rio Preto, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Av. Frei Paulino, 159, Bairro Abadia 38025-180 – Uberaba, MG E-mail: marilita@terra.com.br

RESUMO

As estatinas são utilizadas no tratamento das dislipidemias, com grande tolerância; no entanto, vários efeitos colaterais podem surgir, destacando-se miopatia. A prática regular do exercício físico (EF) produz modificações favoráveis no perfil lipídico; entretanto, pode gerar lesões musculares.

OBJETIVO: Avaliar o efeito da associação entre exercício físico e estatinas na função muscular, pela análise histológica, em modelo experimental animal com dislipidemia.

MÉTODOS: Foram utilizados 80 ratos machos Wistar, distribuídos em oito grupos, incluindo animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica (DH), sinvastatina com (G1) e sem (G2) EF; DH e fluvastatina, com (G3) e sem EF (G4); alimentados com ração comercial (RC) na presença (G5) e ausência de (G6) EF; DH submetidos (G7) ou não (G8) a EF. A DH foi administrada por 90 dias, as estatinas e prática de EF em esteira rolante por oito semanas. Os animais foram sacrificados, e o músculo sóleo retirado para análise histológica. Aplicaram-se os testes t de Student pareado e análise multivariada, com nível significante para p < 0,05.

RESULTADOS: As principais alterações histológicas encontradas foram fibras de diferentes diâmetros, atróficas, em degeneração, splitting, edema, infiltrado inflamatório. Essas alterações foram observadas em 90% dos animais do grupo G1, 80% do G2, 70% do G3, 30% do G4, 40% do G5 e 30% do G7. Nos grupos G6 e G8 identificaram-se fibras musculares com morfologia preservada.

CONCLUSÕES: Na avaliação histológica muscular, a associação entre fluvastatina, sinvastatina e exercício físico acarreta alterações morfológicas com predomínio no uso da sinvastatina, variando de grau leve a grave, no músculo sóleo de ratos, induzidos pelos inibidores da HMG-CoA redutase.

Palavras-chave: inibidores de HMG-CoA redutase, exercício físico aeróbio, miopatia.

INTRODUÇÃO

A dislipidemia é caracterizada por distúrbios nos níveis de lipídios circulantes com manifestações clínicas diversas1. A sua terapêutica, frequentemente, engloba a adequação alimentar, a prática regular do exercício físico associada, ou não, ao tratamento farmacológico.

As estatinas são importantes fármacos utilizados na terapêutica da dislipidemia. Agem na inibição da enzima HMG-CoA (hidroximetilglutaril coenzima A) redutase, que regula a produção do colesterol intracelular e hepático. Essa enzima catalisa a conversão da HMG-CoA em ácido mevalônico, substrato para a síntese do colesterol. O resultado é a diminuição da síntese hepática do colesterol e aumento da síntese de receptores LDL (receptor B/E) na superfície do hepatócito, com consequente, aumento da remoção da lipoproteína de baixa densidade (LDL), declínio de seus níveis plasmáticos e decréscimo de sua absorção intraluminal2. Adicionalmente, interferem na secreção de lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL), de densidade intermediária (IDL) e apolipoproteína B, contribuindo, assim, para a redução de LDL circulante. Induzem, ainda, discreta elevação dos níveis de HDL, provavelmente por diminuir a atividade da proteína de transferência do éster de colesterol (CETP) e aumentar a síntese de apolipoproteína A-I1.

As estatinas são bem toleradas pela maioria dos pacientes; no entanto, vários efeitos colaterais podem surgir destacando-se a miopatia, que se manifesta por meio de sintomas incluindo fadiga, fraqueza e dor muscular, acompanhados ou não do aumento da enzima muscular creatinafosfoquinase (CPK)3. As lesões musculares, decorrentes do uso das estatinas, podem ser de grau leve a grave, variando de mialgia a rabdomiólise atingindo cinco a 10% dos pacientes4.

A prática regular do exercício físico aeróbio induz redução nos níveis de triglicérides (TG), aumento na fração de colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDLc), em especial, e modificações benéficas na composição química das suas subfrações, com aumento da HDL2-c e diminuição da HDL3-c. Além disso, associa-se a aumento da atividade das enzimas lipase lipoproteica (LPL) e lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) e redução na atividade da CETP. Desse modo, o exercício físico tem efeito no metabolismo das lipoproteínas, influenciando o transporte reverso do colesterol e o metabolismo de lipoproteínas ricas em TG5. Esses efeitos podem ser intensificados quando associados à dieta com baixo porcentual de gordura, sobretudo saturadas, diminuição do peso corporal e redução da adiposidade6. Em contrapartida, os níveis da fração de colesterol de LDL (LDLc) demonstram-se resistentes ao treinamento físico, que parece, no entanto, reduzir o nível de LDL oxidada conferindo menor risco de aterosclerose7.

Embora o treinamento físico induza adaptações benéficas, a realização de exercícios que envolvem ações excêntricas acima da intensidade habitual de esforço, geralmente resulta em lesão muscular8. Nesse caso, são evidenciadas lesões ultraestruturais, ruptura do sarcolema9 e aumento da atividade sérica de enzimas musculares como creatina fosfoquinase (CPK) e lactato desidrogenase10. Além disso, há referência do aumento de macrófagos, monócitos e neutrófilos que também tem sido observado em resposta ao exercício intenso9. Desse modo, este estudo teve como objetivo avaliar o efeito da associação entre exercício físico e estatinas na função muscular, pela análise histológica, em modelo experimental animal com dislipidemia.

MÉTODOS

Este estudo seguiu os procedimentos éticos exigidos, com aprovação da Comissão de Ética em Experimentação Animal (CEEA) da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – CEEA-FAMERP (processo n° 5363/2005).

Foram utilizados 80 ratos machos da linhagem Wistar (Rattus novergicus), selecionados aleatoriamente, com peso médio de 272,9 ± 26,68g, mantidos em gaiolas plásticas com quatro animais, que permaneceram no biotério do Laboratório de Histologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente, com temperatura média 22 ± 2ºC, umidade de 50 ± 10%, além do ciclo claro-escuro de 12 horas, com início do ciclo claro às 7:00 horas. A alimentação e a água foram fornecidas ad libitum e trocadas diariamente.

Conforme o tipo de dieta, a administração do medicamento hipolipemiante, realizada por gavagem, e a prática de exercício físico, os animais foram distribuídos aleatoriamente em oito grupos identificados a seguir.

  • Grupo 1 (G1) – 10 animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica por 90 dias com administração de hipolipemiante (sinvastatina) e realização de exercício físico em esteira rolante, ambos durante oito semanas.

  • Grupo 2 (G2) – 10 animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica por 90 dias com administração de hipolipemiante (sinvastatina) durante oito semanas

    , mantidos sedentários.

  • Grupo 3 (G3) – 10 animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica por 90 dias com administração de hipolipemiante (fluvastatina), com realização de exercício físico em esteira rolante, ambos durante oito semanas.

  • Grupo 4 (G4) – 10 animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica por 90 dias com administração de hipolipemiante (fluvastatina) durante oito semanas, mantidos sedentários.

  • Grupo 5 (G5) – 10 animais submetidos à dieta com ração comercial (Purina) por 90 dias, com realização de exercício físico em esteira rolante durante oito semanas.

  • Grupo 6 (G6) – 10 animais submetidos à dieta com ração comercial (Purina) por 90 dias e mantidos sedentários.

  • Grupo 7 (G7) – 10 animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica por 90 dias, com realização de exercício físico em esteira rolante durante oito semanas.

  • Grupo 8 (G8) – 10 animais submetidos à dieta hipercolesterolêmica por 90 dias, mantidos sedentários.

A dieta hipercolesterolêmica foi baseada na AIN-93 acrescida de amido (290g/kg), amido dextrinizado (155g/kg), caseína comercial (175g/kg) sacarose (100g/kg), celulose (50g/kg), gordura de coco (120g/kg), óleo de soja (47,5g/kg), colesterol (12,5g/kg), mistura mineral (35g/kg), mistura vitamínica (10g/kg), L-cistina (1,8g/kg), bitartarato de colina (2,5g/kg) e tertbutilhidroquinona (0,014g/kg)11.

A dosagem do medicamento foi calculada pelo método de extrapolação alométrica12 que se baseia na taxa metabólica do animal. Devido o crescimento e a modificação do peso corporal dos animais, a dosagem do medicamento foi recalculada semanalmente, sendo que a dose inicial variou de 0,31 a 0,53mg.

O programa de treinamento foi realizado em esteira rolante para animais de pequeno porte, mantendo velocidade de 9,75m/min, totalizando 585m a cada sessão de 60 minutos, caracterizando esforço de baixa intensidade. O protocolo experimental de exercício utilizado compreendeu duas fases: adaptação – com sessões diárias de caminhada na esteira rolante com duração progressiva durante os 10 primeiros dias; e fase de treinamento – sessões diárias de 60 minutos de caminhada, cinco dias por semana, durante oito semanas13. Após o período de treinamento, os animais foram eutanasiados pelo método químico; em seguida, foi realizado procedimento cirúrgico e retirada do músculo sóleo do membro pélvico direito. As amostras do ventre do músculo sóleo, medindo aproximadamente 2,0cm de comprimento e 0,5cm de diâmetro, com as fibras longitudinais dispostas no maior eixo do comprimento, foram congeladas por imersão em n-hexano, resfriados a –70°C em nitrogênio líquido pelo método de congelamento de tecido não fixado e armazenado14 em botijão de nitrogênio. Os fragmentos musculares foram seccionados utilizando-se cortes semisseriados de 8µm com obtenção de três cortes a cada 50µm, obtidos por meio de micrótomo criostato HM 505 E Microm, –20°C. A análise histológica foi realizada mediante coloração do material com hematoxilina e hosina (HE)14, para avaliação das seguintes características: arquitetura fascicular geral da musculatura, tamanho e forma das fibras, posição e número de núcleos na célula, processos inflamatórios e basofilia citoplasmáticos, conforme metodologia já descrita na literatura15. A documentação fotográfica dos aspectos microscópicos foi realizada com o auxílio do sistema de digitalização de imagens, constituído por um microscópio de luz Leica DMRX (software próprio), com aumentos de 50x/0,75 nas objetivas e 10x/22 na ocular e um computador Pentium III acoplados a uma câmara digitalizadora.

Utilizou-se análise qualitativa, considerando-se avaliações morfológicas do músculo, e quantitativa por meio de análise multivariada. Nesse caso, aplicou-se análise de componentes principais para determinação de fatores de associação entre os parâmetros histológicos: núcleo periférico, splitting (processo de divisão longitudinal), infiltrado inflamatório, fibra em degeneração (necrose), atrófica, edema, fibra arredonda, endomísio, perimísio e padrão fascicular. A analise de variância (ANOVA)16 foi realizada observando-se o Fator 1, caracterizado pela presença do núcleo periférico em contraposição com presença de splitting, infiltrado inflamatório, fibra em degeneração, atrófica, edema, fibra arredonda, endomísio, perimísio e padrão fascicular. Admitiu-se erro a de 5% com nível de significância para valor p < 0,05.

RESULTADOS

A análise histológica do músculo sóleo mostrou fibras musculares com morfologia preservada incluindo aspecto poligonal, diferentes diâmetros e núcleos periféricos em todos os animais dos grupos controles sedentários (G6 = ração comercial e sedentarismo e G8 = dieta hipercolesterolêmica e sedentarismo). As fibras estavam organizadas em fascículos pelo perimísio e cada fibra envolta pelo endomísio (figuras 2B e 2D). Todavia, no músculo sóleo dos animais submetidos ao exercício físico associado à ração comercial (G5; figura 2A) ou a dieta hipercolesterolêmica (G7; figura 2C) foram identificadas fibras musculares de diferentes diâmetros (polimórfica, angulosa, arredondada, triangular), com edema, em degeneração (necrose), com processo de divisão longitudinal (splitting) e células de tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório em 40% e 30% dos animais, respectivamente. Por outro lado, no grupo submetido à dieta hipercolesterolêmica, sinvastatina e sedentarismo (G2; figura 1B) notaram-se fibras de diferentes diâmetros (polimórfica, angulosa, triangular, arredondada) e presença de edema e tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório em 80% dos animais, enquanto em G4, cujos animais foram tratados com a mesma dieta, também mantidos sedentários, porém associada fluvastatina, observaram-se fibras de diferentes diâmetros (polimórfica, angulosa, triangular, atróficas), em degeneração, splitting, e células de tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório em 30% dos animais (figura 1D). Já para os grupos tratados com dieta hipercolesterolêmica, hipolipemiantes e exercício físico, notaram-se fibras de diferentes diâmetros (polimórfica, angulosa, triangular, arredondada), atróficas, com processo de divisão longitudinal (splitting) e células de tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório em 90% dos animais em G1 e 70% em G3 (figuras 1A e 1C, respectivamente).





A análise de componentes principais definiu, com base no aspecto histológico, um primeiro fator (Fator 1) que explicou 30% da variação histológica total, representado pela presença do núcleo periférico em contraposição com presença de splitting (processo de divisão longitudinal), infiltrado inflamatório, fibra em degeneração (necrose), atrófica, edema, fibra arredondada, endomísio, perimísio, padrão fascicular. A figura 3 mostra a relação dos componentes principais com os tratamentos dos grupos. Notaram-se nos grupos submetidos à dieta hipercolesterolêmica, sinvastatina com ou sem exercício físico (G1 e G2, respectivamente), menor frequência de núcleos periféricos e prevalência de splitting (processo de divisão longitudinal), infiltrado inflamatório, fibra em degeneração (necrose), fibra atrófica, edema, fibra arredondada, endomísio, perimísio, padrão fascicular, destacando-se entre os grupos, embora sem diferença significante (valor p < 0,05), representado pela intersecção dos seus respectivos intervalos de confiança (figura 3).


Nesse caso, ao relacionar o Fator 1 com o tipo de tratamento observou-se no grupo tratado com dieta hipercolesterolêmica, fluvastatina e exercício físico (G3), menor frequência de núcleos periféricos em contraposição com a maior frequência das demais características histológicas já referidas, mostrando-se diferente dos grupos com dieta hipercolesterolêmica associada ao exercício físico (G7), sedentarismo com administração de fluvastatina (G4), e a ração comercial com (G5) ou sem (G6) exercício físico (p < 0,05), representado pela ausência de intersecção dos seus respectivos intervalos de confiança (figura 3).

DISCUSSÃO

Neste estudo, destaca-se, na análise histológica do músculo sóleo, de animais em tratamento com estatinas associado ou não à prática de exercício físico, a presença de splitting, que caracteriza a divisão longitudinal das fibras musculares ou a fusão incompleta de células satélites proliferadas após a lesão das fibras musculares. Essa condição pode indicar a presença de hiperplasia15.

Foram propostos vários fatores desencadeantes de tais alterações, destacando entre eles o alto grau de estresse provocado pelo exercício, o estresse metabólico e as alterações da microcirculação17. Além disso, processos de arredondamento das fibras e presença de necrose e infiltrados inflamatórios, principalmente nos animais submetidos à dieta com ração comercial e exercício físico e dieta hipercolesterolêmica e exercício físico, indicam também a possibilidade de quadro miopático. As dietas empregadas, no presente estudo, isoladamente, não interferiram nos parâmetros histológicos, corroborando os achados de Ciabattari et al.18, que analisaram o efeito da natação associado a diferentes dietas sobre o músculo tibial anterior do rato Wistar.

Em contrapartida, o próprio uso de hipolipemiante pode, isoladamente, acarretar lesão muscular. Estudos em indivíduos tratados com estatinas evidenciaram lesões musculares antes mesmo do exercício físico19. No presente estudo, 80% dos animais tratados com sinvastatina e mantidos sedentários mostraram polimorfismo das fibras musculares, edema e tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório. Já no grupo que realizou o mesmo tratamento e praticou exercício, ocorreram as alterações musculares referidas, acrescidas de fibras atróficas e com processo de divisão longitudinal (splitting), em 90% dos animais. Bonfim et al.20 submeteram ratos Wistar ao tratamento com sinvastatina e exercício físico e detectaram também na análise histológica do músculo gastrocnêmio lesões musculares incluindo splitting (frequência de 40%), fibras atróficas (frequência de 60%) polimorfismo das fibras musculares e infiltrado inflamatório, ambos com frequência de 100%. No grupo sedentário com uso de sinvastatina observaram as mesmas alterações histológicas, porém com frequência menor.

Por outro lado, animais tratados com fluvastatina e mantidos sedentários, embora com achados histológicos semelhantes ao grupo com sinvastatina, estes ocorreram em apenas 30% dos animais. No entanto, no grupo submetido à fluvastatina, porém exercitados, 70% dos animais mostraram alterações musculares e foram semelhantes àquelas observadas nos animais em tratamento com sinvastatina e exercício físico. Franc et al.19 também detectaram exacerbação de lesões musculares decorrente do uso de estatina associada ao exercício físico. Tais resultados sugerem a presença de miopatia induzida pelas estatinas, sendo mais frequente com o uso da sinvastatina e apresentando exacerbação pelo exercício físico, para ambos hipolipemiantes. No entanto, há referência que o constituinte hidroxiácido da fluvastatina pode conferir seletividade tecidual, principalmente hepática, com possibilidade de apresentar menor gravidade muscular21.

Esses resultados corroboram a pesquisa de Seachrist et al.22, que investigaram os efeitos musculares da administração de cerivastatina associados ao exercício físico em esteira rolante durante duas semanas. Observaram lesões musculares como lesões no sarcoplasma, núcleos internos, degeneração das fibras, infiltrados inflamatórios, sendo dose-dependentes e em maior gravidade no grupo exercitado. De acordo com os autores, os resultados obtidos indicaram que a exacerbação da lesão muscular observada não ocorreu em decorrência de maior concentração de medicamento na musculatura ativa, mas sim pelo metabolismo oxidativo prejudicado, uma vez que a lesão mitocondrial se fez presente.

Os mecanismos pelos quais as estatinas desencadeiam lesão muscular não são bem definidos, havendo teorias sobre as alterações na excitabilidade da membrana celular, devidas à redução da quantidade de colesterol de membrana; alterações na respiração celular, devidas à redução de intermediários da cadeia respiratória (ubiquinona – coenzima Q10); e ocorrência de apoptose pelo aumento de cálcio citosólico e, consequentemente, ativação de sua sinalização via mitocondrial23,24. As evidências das pesquisas indicam que, provavelmente, o prejuízo mitocondrial poderia interferir na regulação do cálcio citosólico, acarretando na ocorrência de processos apoptóticos e degenerativos que explicariam as lesões musculares pelas estatinas23,25. De fato, alguns trabalhos apontam que o uso das estatinas acarreta em lesão mitocondrial, seja este fator primário ou secundário da lesão muscular26-28.

Ainda, nesse contexto, muitos fármacos, incluindo estatinas, são excretados na bile e na urina. A excreção renal é o efeito da filtração glomerular, secreção tubular e reabsorção tubular. Assim, a taxa de filtração glomerular depende da quantidade de sangue nos rins29. Durante o exercício físico ocorre a diminuição do fluxo sanguíneo renal, podendo diminuir até 30% a filtração glomerular. É possível, também, que o exercício físico pelo fato de aumentar o fluxo sanguíneo no músculo leve a maior concentração de medicamento no tecido muscular e subsequente toxidade, sendo esse mecanismo dose-dependente30.

No presente estudo, identificou-se nos grupos submetidos ao exercício físico associado à ração comercial (G5) e à dieta hipercolesterolêmica (G7), edema, splitting e células de tecido conjuntivo com infiltrado inflamatório em 40 e 30% dos animais, respectivamente. Bonfim et al.20 também identificaram alterações musculares no músculo gastrocnêmio, destacando-se, infiltrado inflamatório em todos os animais tratados com ração comercial e exercício físico. De fato, o exercício físico por si só acarreta lesões na musculatura esquelética, que, por sua vez, geram processo adaptativo, modificando tanto a forma como a estrutura das fibras musculares, bem como, promovendo resposta inflamatória14,18.

Na avaliação histológica muscular, considerando a associação entre fluvastatina, sinvastatina e exercício físico, conclui-se que acarreta alterações morfológicas com predomínio no uso da sinvastatina, variando de grau leve a grave no músculo sóleo de ratos, induzidos pelos inibidores da HMG-CoA redutase.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012
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