Acessibilidade / Reportar erro

Betabloqueio com atenolol não reduz potência aeróbia nem muda limiares ventilatórios em hipertensos sedentários

Resumos

INTRODUÇÃO: O exercício aeróbio é recomendado para o tratamento da hipertensão. Sua intensidade pode ser prescrita com base na porcentagem da frequência cardíaca máxima (%FCmáx) ou no consumo pico de oxigênio (%VO2pico) em que os limiares ventilatórios (LV) são alcançados. Entretanto, alguns hipertensos que iniciam o treinamento podem estar tomando betabloqueadores, o que pode influenciar esses parâmetros. OBJETIVO: verificar os efeitos do atenolol sobre os LV de hipertensos sedentários. MÉTODOS: Nove voluntários realizaram dois testes ergoespirométricos máximos após quatro semanas de tratamento com atenolol (25 mg administrado por via oral duas vezes por dia) e com placebo, administrados em ordem fixa e de forma cega. Durante os testes, a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial (PA) e o VO2 no repouso, limiar anaeróbio (LA), ponto de compensação respiratória (PCR) e pico do esforço foram analisados. RESULTADOS: O VO2 aumentou progressivamente no exercício e seus valores foram semelhantes nos dois tratamentos. A PA sistólica e a FC também aumentaram no exercício, mas seus valores absolutos foram significativamente menores com o atenolol. Porém, o aumento da PA sistólica e da FC no exercício foi semelhante com os dois tratamentos. Assim, o percentual da FCmáx e o percentual do VO2pico em que LA e PCR foram alcançados não diferiram entre o placebo e o atenolol. CONCLUSÃO: O atenolol na dosagem de 50 mg/dia não afetou o percentual do VO2pico e da FCmáx em que os LV são atingidos, o que confirma que a prescrição de intensidade de treinamento com base nessas porcentagens pode ser mantida em hipertensos que recebem betabloqueadores.

betabloqueador; limiar anaeróbio; hipertensão arterial sistêmica


INTRODUCTION: Aerobic exercise is recommended for the treatment of hypertension. Its intensity can be prescribed based on the percentage of maximum heart rate (% MHR) or peak oxygen consumption (VO2peak%) in which the ventilatory thresholds (VT) are achieved. However, some hypertensive patients who begin aerobic training may be receiving beta-blockers, which can influence these parameters. OBJECTIVE: To investigate the effects of atenolol on VT of sedentary hypertensive patients. METHODS: Nine volunteers performed two cardiopulmonary exercise tests until exhaustion after 4 weeks of treatment with atenolol (25 mg orally twice daily) and with placebo, administered in a fixed order and in a blinded manner. During the tests, heart rate (HR), blood pressure (BP), VO2 at rest, anaerobic threshold (AT), respiratory compensation point (RCP) and peak effort were analyzed. RESULTS: VO2 increased progressively throughout the exercise and the values were similar for both treatments. Systolic blood pressure and heart rate also increased progressively during the exercise, but their absolute values were significantly lower with atenolol. However, the increase in systolic BP and HR during exercise was similar in both treatments. Thus, the % of MHR and %VO2peak at which LA and PCR were achieved were not different between placebo and atenolol. CONCLUSION: Atenolol, at a dosage of 50mg/day, did not affect the % of VO2peak and % of MHR corresponding to the VTs, which confirms that prescription of training intensity based on these percentages is adequate to hypertensive patients receiving beta-blockers.

beta-adrenergic blockers; anaerobic threshold; hypertension


ARTIGO ORIGINAL

MEDICINA DO EXERCICIO CLINICO

Betabloqueio com atenolol não reduz potência aeróbia nem muda limiares ventilatórios em hipertensos sedentários

Dinoélia Rosa SouzaI; Ricardo Saraceni GomidesI; Luiz Augusto Riani CostaI; João Ricardo Cordeiro FernandesII; Katia Coelho OrtegaII; Décio Mion JrII; Taís TinucciI; Claudia Lúcia de Moraes ForjazI

ILaboratório de Hemodinâmica da Atividade Motora da Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo – São Paulo, SP, Brasil

IIUnidade de Hipertensão dos Hospital da Clínicas da Universidade de São Paulo – São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz Av. Prof. Melo Moraes, 65, Butantã 05508-030 – São Paulo, SP, Brasil cforjaz@usp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O exercício aeróbio é recomendado para o tratamento da hipertensão. Sua intensidade pode ser prescrita com base na porcentagem da frequência cardíaca máxima (%FCmáx) ou no consumo pico de oxigênio (%VO2pico) em que os limiares ventilatórios (LV) são alcançados. Entretanto, alguns hipertensos que iniciam o treinamento podem estar tomando betabloqueadores, o que pode influenciar esses parâmetros.

OBJETIVO: verificar os efeitos do atenolol sobre os LV de hipertensos sedentários.

MÉTODOS: Nove voluntários realizaram dois testes ergoespirométricos máximos após quatro semanas de tratamento com atenolol (25 mg administrado por via oral duas vezes por dia) e com placebo, administrados em ordem fixa e de forma cega. Durante os testes, a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial (PA) e o VO2 no repouso, limiar anaeróbio (LA), ponto de compensação respiratória (PCR) e pico do esforço foram analisados.

RESULTADOS: O VO2 aumentou progressivamente no exercício e seus valores foram semelhantes nos dois tratamentos. A PA sistólica e a FC também aumentaram no exercício, mas seus valores absolutos foram significativamente menores com o atenolol. Porém, o aumento da PA sistólica e da FC no exercício foi semelhante com os dois tratamentos. Assim, o percentual da FCmáx e o percentual do VO2pico em que LA e PCR foram alcançados não diferiram entre o placebo e o atenolol.

CONCLUSÃO: O atenolol na dosagem de 50 mg/dia não afetou o percentual do VO2pico e da FCmáx em que os LV são atingidos, o que confirma que a prescrição de intensidade de treinamento com base nessas porcentagens pode ser mantida em hipertensos que recebem betabloqueadores.

Palavras-chave: betabloqueador, limiar anaeróbio, hipertensão arterial sistêmica.

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial sistêmica é um dos principais fatores de risco para a doença cardiovascular, sendo responsável por 47% das mortes por doença coronariana e 54% das por acidente vascular encefálico1. Segundo a VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, mais de 30% da população adulta em nosso país é hipertensa e esta prevalência aumenta para mais de 50% em adultos com mais de 60 anos1. O treinamento aeróbico é fortemente recomendado no tratamento da hipertensão arterial1-3 devido a seus comprovados efeitos hipotensores4. Para individualizar esse treinamento, a intensidade do exercício deve ser determinada com base na frequência cardíaca (FC) do limiar anaeróbio (LA) e do ponto de compensação respiratória (PCR)5. Entretanto, devido às dificuldades operacionais (custo, equipamento, entre outros) da execução de testes ergoespirométricos para a identificação dos limiares ventilatórios (LV), as diretrizes preconizam que o treinamento do paciente hipertenso seja executado entre 50 e 80% da FCmáx1, o que equivaleria a 40 e 70% do VO2pico, do VO2 de reserva ou da FC de reserva2,3,5, supondo que essa faixa está entre os LV.

Porém, muitos hipertensos que vão iniciar um programa de treinamento aeróbico estão recebendo tratamento farmacológico, que pode ser composto por diferentes classes de medicamentos, como betabloqueadores, diuréticos, inibidores da enzima conversora de angiotensina1,6. Entretanto, alguns desses medicamentos, especialmente os betabloqueadores, podem alterar as respostas fisiológicas e, principalmente, a resposta da FC durante o exercício físico7-9. Esse fato tem gerado alguma preocupação na área de educação física sobre a prescrição de intensidade de exercício para pacientes que usam os betabloqueadores. A recomendação básica nesses casos é realizar um teste máximo sob o uso da medicação e estabelecer a faixa de FC de treinamento com base na FCmáx alcançada nesse teste1,5,10. Este conceito se baseia na premissa de que o betabloqueio não altera o percentual da FCmáx em que o LA e PCR são alcançados.

Os betabloqueadores diminuem a pressão arterial (PA) através do bloqueio da ativação simpática para o coração, diminuindo a frequência cardíaca (FC) e o débito cardíaco6. Revisões antigas sobre os efeitos do betabloqueio nas respostas cardiovasculares ao exercício já concluíam que os betabloqueadores possuem esse mesmo efeito durante o exercício, diminuindo a FCmáx e a PA máxima8,9 No entanto, o efeito sobre o VO2pico é controverso8, sendo relatado, principalmente, com o uso de betabloqueadores não seletivos e em indivíduos saudáveis ou já treinados8,9. Além disso, o efeito dos betabloqueadores sobre o metabolismo anaeróbico durante o exercício também é controverso na literatura7, fazendo com que o efeito do betabloqueador sobre o LA e o PCR de hipertensos sedentários não esteja esclarecido, o que pode ter implicações na prescrição da intensidade de exercício aeróbico para o hipertenso que está em uso dessa medicação.

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi verificar o efeito do atenolol (betabloqueador β1 seletivo) sobre o VO2 e a FC medidos no repouso, LA, PCR e pico do esforço.

MÉTODOS

Nove indivíduos hipertensos primários graus 1 e 2 (seis homens e três mulheres – 30 a 60 anos) participaram deste estudo após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP – protocolo número 096/06). As características da amostra estão apresentadas na tabela 1.

Os hipertensos foram recrutados por cartazes e anúncios em jornais e revistas, e os que se voluntariaram a participar do estudo foram inscritos na Unidade de Hipertensão do HCFMUSP, onde se submeteram aos exames de rotina dessa unidade, que seguem as recomendações da VI Diretriz Brasileira de Hipertensão1. Foram excluídos os voluntários que apresentaram hipertensão secundária, valores de PA acima do nível 2, sinais de doença cardiovascular e outros fatores de risco cardiovascular e/ou lesão de órgãos-alvo. Além disso, os pacientes que estavam envolvidos em programas regulares de exercício não foram incluídos no estudo. Os hipertensos foram estudados em duas ocasiões: a) após seis semanas de tratamento com placebo (lactose 40 mg, 102 mg de amido de milho, celulose e 5 mg magnésio 3 mg); e b) após seis semanas de tratamento com atenolol (25 mg). Os dois tratamentos foram administrados duas vezes por dia (manhã e noite). A ordem de administração da medicação foi fixa (placebo e atenolol), mas os pacientes permaneceram cegos para o tipo de medicação que receberam em cada fase do estudo. Durante todo o período de estudo, os pacientes não estavam recebendo nenhum outro medicamento com efeitos cardiovasculares.

Na terceira e quarta semanas de cada tratamento, a PA auscultatória foi medida três vezes em duas visitas ao laboratório e a média das seis medidas realizadas foi utilizada para definir o nível de PA do paciente em cada tratamento. As fases I e V dos sons de Korotkoff foram empregadas, respectivamente, para determinar PA sistólica e diastólica. Só foram incluídos no estudo os hipertensos que apresentaram níveis de PA sistólicos/diastólicos entre 140 e 160/90 e 105 mmHg no período em que estavam recebendo placebo.

Medidas

Na quinta semana de cada tratamento, todos os pacientes realizaram um teste cardiopulmonar máximo em esteira rolante (Inbrasport, modelo ATL, Rio Grande do Sul, Brasil), seguindo o protocolo D exposto em Negrão5. Durante o teste, a FC foi continuamente monitorada por um ECG de 12 derivações (Cardio Perfect, ST 2001, Holanda) e foi registrada a cada minuto. A PA foi medida pelo método auscultatório após três minutos de repouso na esteira, a cada dois minutos de exercício, no pico do exercício, e em um, dois, quatro e seis minutos de recuperação.

Os gases inspirados e expirados foram coletados a cada ciclo respiratório por um analisador de gases computadorizado (Medical Graphics Corporation, CPX/D, EUA). O consumo de oxigênio (VO2), a ventilação (VE), a produção de dióxido de carbono (VCO2), o equivalente ventilatório de O2 e CO2 (VE/VO2 e VE/VCO2) e a pressão expirada final de O2 e CO2 (PETO2 e PETCO2) foram analisados para a determinação do LA e do PCR. O LA foi estabelecido com base nos seguintes parâmetros: a) aumento não linear da VE; b) aumento não linear da razão de troca respiratória; c) aumento sistemático do VE/VO2 sem aumento do VE/VCO2; e d) aumento sistemático PETO211. O PCR foi estabelecido com base nos seguintes critérios: a) segundo aumento não linear da VE; b) aumento sistemático em VE/VCO2; e c) diminuição sistemática do PETCO211. Os limiares ventilatórios foram detectados de forma independente por três avaliadores experientes e os conflitos foram decididos por consenso.

Eficácia de bloqueio adrenérgico

A eficácia do bloqueio β-adrenérgico foi avaliada através da avaliação da FC de repouso e da análise espectral da variabilidade da FC em oito indivíduos em uso de placebo e atenolol. Para isso, a onda de ECG (NDM empresa Dayton, Ohio, EUA) e os movimentos respiratórios (cinta torácica, Pneumotrace II UFI 1138, Califórnia EUA) dos indivíduos foram registrados durante 10 minutos de repouso deitado por um analisador de sinais biológicos (Windaq, DI720, Series Data Loggers, EUA) com uma frequência de amostragem de 500 Hz/canal. Posteriormente, em períodos estacionários de pelo menos 120 batimentos, a análise espectral dos intervalos RR foi realizada pelo modelo autorregressivo, utilizando o software LA (Programma di Analisi Lineare, Universita Degli Studi di Milão, Itália). Os componentes espectrais foram classificados de acordo com sua frequência central em componentes de baixa (BFR-R, 0,04-0,15 Hz) e alta (AFR-R, 0,15-0,4 Hz) frequências. Os dois componentes foram analisados em unidades normalizadas (nu), que representam o valor relativo de cada componente em relação à potência total do espectro menos o componente de muito baixa frequência (MBFR-R, 0-0,04 Hz). Os componentes normalizados de BFR-R e AFR-R foram considerados, respectivamente, como marcadores predominantes das modulações simpática e parassimpática cardíacas e a razão entre estes componentes (BF/AF) foi considerada um índice do balanço simpatovagal cardíaco, seguindo-se as interpretações do Task Force sobre o assunto12.

Análise de dados

Os dados respiratórios e cardiovasculares foram analisados em médias de 30s. O VO2pico e a FCmáx foram considerados pelos valores mais alto alcançados durante o teste. Neste estudo, apenas a resposta da PA sistólica foi analisada durante o exercício porque somente o valor da pressão é considerado válido quando a medida é feita pela técnica auscultatória durante o exercício aeróbico13. Como a PA foi medida a cada dois minutos durante o teste, em algumas situações essa medida não coincidiu com o momento no qual o LV foi detectado. Nestes casos, o valor da PA sistólica nesse momento foi estimado a partir da regressão linear entre a PA sistólica e tempo de exercício.

Análise estatística

A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. A razão de BF/AF não apresentou distribuição normal e, por esse motivo, esta variável foi transforma pelo logaritmo neperiano, o que resultou em distribuição normal.

As variáveis de repouso medidas durante a utilização de atenolol e placebo foram comparadas pelo teste t de Student para amostras repetidas. Para avaliar as respostas durante o teste ergoespirométrico foi utilizada a ANOVA de dois fatores para medidas repetidas, tendo como fatores principais: os tratamentos (placebo ou atenolol) e os estágios de exercício (Pré, LA, PCR e PICO). Quando necessário, o teste de post-hoc de Newman-Keuls foi utilizado. O valor de P < 0,05 foi aceito como significante. Os dados são apresentados como média ± EP.

RESULTADOS

Eficácia de bloqueio adrenérgico

As variáveis cardiovasculares e os índices autonômicos medidos em repouso sob o uso de placebo e atenolol são apresentados na tabela 2. A FC, a PA sistólica e a PA diastólica foram significantemente menores com o atenolol do que com placebo. De fato, a FC diminuiu em todos os indivíduos. Além disso, em comparação com o placebo, o atenolol aumentou o intervalo RR, diminuiu o componente BFR-R normalizado, aumentou o componente AFR-R normalizado e, consequentemente, reduziu a razão BF/AF.

Respostas ao teste máximo

Todos os testes foram interrompidos por fadiga e não houve alterações no ECG durante a execução. Os testes tiveram duração entre seis e 10 minutos e um valor de razão de troca respiratória (RER) máxima maior do que 1,0 foi alcançado por todos os indivíduos tanto com placebo quanto com o atenolol. O tempo total de exercício foi semelhante com os dois tratamentos (placebo = 7,6 ± 0,4 versus atenolol = 8,0 ± 0,4 min, P > 0,05).

Os efeitos do atenolol no VO2 e nas variáveis cardiovasculares medidos durante os testes estão apresentados na tabela 3. Não houve interação significante entre os fatores tratamentos e estágios para nenhuma das variáveis, demonstrando que o atenolol não afetou o aumento da FC, PA sistólica e VO2 durante o exercício progressivo. De fato, na análise de VO2 houve efeito significante apenas no fator estágios (P = 0,000), demonstrando que o VO2 aumentou significante e progressivamente ao longo das fases do exercício e os valores do VO2 em cada estágio foram semelhantes com o placebo e o atenolol. Já nas análises da FC e da PA sistólica foram significantes os dois fatores principais, tratamentos (FC, P = 0,000 e PA sistólica, P = 0,006) e estágios (FC, P = 0,000 e PA sistólica, P = 0,000), sem haver interação entre eles. Assim, a FC e a PA sistólica também aumentaram de forma significante, progressiva e semelhante ao longo do teste com os dois tratamentos. No entanto, os valores absolutos da FC e da PA sistólica foram significantemente menores com o atenolol do que com o placebo em todos os estágios, ou seja, da fase pré-exercício até o pico do esforço.

Como atenolol não influenciou na taxa de aumento do VO2 e da FC durante o exercício, a porcentagem de VO2pico e da FCmáx em que os LV foram alcançados foram semelhantes com placebo e atenolol (LA = 57 ± 3 versus 54 ± 6 e PCR = 89 ± 2 versus 86 ± 4% do VO2pico e LA = 79 ± 3 versus 73 ± 3 e PCR = 95 ± 2 versus 95 ± 2% da FCmáx, respectivamente, P > 0,05).

DISCUSSÃO

Os principais achados deste estudo foram que, em indivíduos hipertensos sedentários, o atenolol: a) não alterou o VO2pico; b) diminuiu os valores absolutos de FC e PA sistólica medidos no LA, PCR e pico do esforço; e c) não modificou o incremento da FC e da PA sistólica durante o exercício, fazendo com que os LV fossem atingidos no mesmo percentual do VO2pico e da FCmáx.

O efeito dos betabloqueadores no VO2pico é muito controverso na literatura7-9, com alguns estudos mostrando diminuição14-17 e outros nenhuma mudança18-20. As principais explicações para estas discrepâncias entre os estudos são as diferenças metodológicas, principalmente em relação à população estudada e o tipo de betabloqueio utilizado. Assim, as diminuições no VO2pico com o uso de betabloqueadores têm sido relatadas, principalmente, em indivíduos saudáveis e treinados e com o uso de betabloqueadores não seletivos8,9. Nesse sentido, os resultados da presente investigação reforçam essa ideia ao demonstrar que um betabloqueador β1 seletivo não alterou o VO2pico em hipertensos sedentários. Quando o betabloqueador diminui VO2pico, esta redução tem sido atribuída, principalmente, ao efeito deste medicamento reduzindo a FCmáx e, consequentemente, o débito cardíaco máximo14,16,17. No entanto, no presente estudo, embora VO2pico não tenha sido alterado pelo atenolol, a FCmáx diminuiu, o que sugere que o volume sistólico e/ou a diferença arteriovenosa de O2 devem ter aumentado com o atenolol. De fato, estudos anteriores14,16,18,20 demonstraram aumento do volume sistólico máximo com o uso do betabloqueio, o que foi atribuído ao aumento da pré-carga promovida por esse fármaco e pelo maior tempo de enchimento ventricular. Além disso, o aumento no consumo de oxigênio pelos músculos também foi relatado, explicando um aumento da diferença arteriovenosa de O214,18,20. É possível que essas adaptações sejam maiores em indivíduos sedentários, visto que os treinados já apresentam essas variáveis (volume sistólico máximo e diferença arteriovenosa máxima) aumentadas pelo treinamento crônico9, o que pode dificultar o efeito do medicamento. Estes aspectos podem explicar porque o atenolol não prejudicou a potência aeróbia nos pacientes sedentários, como faz em sujeitos treinados9.

As porcentagens do VO2pico e da FCmáx em que os LV foram alcançados não foram influenciadas pelo tratamento com atenolol. Esta resposta é semelhante à observada em outros estudos18,21 que também não observaram alteração do limiar de lactato com o uso de betabloqueadores, apesar da concentração de lactato durante o exercício estar diminuída com o uso de atenolol18.

O fato do uso de atenolol não afetar as porcentagens da FCmáx e do VO2pico em que os LV foram atingidos em hipertensos sedentários dá apoio à recomendação atual de prescrição de intensidade do exercício aeróbico com base no mesmo percentual da FCmáx para hipertensos, independentemente do uso de betabloqueadores seletivos. Em outras palavras, o treinamento físico pode ser prescrito no mesmo percentual da FCmáx desde que esta FC seja determinada por um teste máximo realizado com o uso do betabloqueador.

Embora a porcentagem da FCmáx em que os LV foram alcançados não tenha sido alterada pelo atenolol, os valores absolutos de FC e da PA sistólica observados tanto no LA quanto no PCR foram menores com atenolol. É sabido que níveis altos de PA sistólica em pacientes com hipertensão podem aumentar o risco de ruptura de um aneurisma preexistente22, valores altos de FC podem aumentar o risco de arritmias em indivíduos predispostos23 e valores altos de duplo produto (FC x PA sistólica) representam aumento do trabalho cardíaco, o que aumenta o risco de parada cardíaca em hipertensos coronariopatas2. Assim, como neste estudo, o atenolol reduziu os valores de FC, PA sistólica e, consequentemente, do duplo produto para a mesma intensidade de exercício (LA e PCR), é possível dizer que seu uso reduziu o risco cardiovascular durante a execução do exercício aeróbico nesses pacientes.

Este estudo apresenta algumas limitações. O número de sujeitos investigados foi pequeno, mas semelhante ao observado em outros estudos que identificaram redução do VO2 com o betabloqueio14,15,21, o que sugere que este pequeno número não foi responsável pela ausência de efeito do atenolol na aptidão aeróbica e nos limiares ventilatórios. Outro aspecto a ser considerado é que, apesar de incluir homens e mulheres, as diferenças entre os sexos não foram analisadas. Entretanto, existem sugestões na literatura24 de que as respostas ao exercício e ao atenolol não diferem entre homens e mulheres. O betabloqueio foi feito pelo atenolol, um betabloqueador β1-seletivo, de modo que os resultados não podem ser extrapolados para outros tipos de betabloqueadores, como os não seletivos ou os com ações periféricas concomitantes. Todos os pacientes receberam a mesma dose, o que pode ter resultado em graus diferentes de bloqueio. No entanto, a redução da FC em todos os sujeitos sugere que todos estavam betabloqueados e a redução da modulação simpática cardíaca, avaliada pela diminuição da banda BF e da razão BF/AF da variabilidade da FC na amostra total demonstra a efetividade deste bloqueio. Outro aspecto que pode ser levantado é o curto tempo de betabloqueio utilizado (quatro semanas). No entanto, como a eficácia deste bloqueio foi verificada pela redução da modulação simpática cardíaca, este período foi suficiente para que o medicamento realmente tivesse seu efeito. Uma limitação importante é o fato de que os tratamentos não foram empregados de forma aleatória, o que poderia influenciar os resultados, levando a um melhor desempenho no segundo teste devido à adaptação à testagem. No entanto, como a resposta do VO2 não mudou com o atenolol, é improvável que essa influência tenha ocorrido.

CONCLUSÃO

O atenolol na dosagem de 50 mg/dia não afetou as porcentagens de VO2pico e da FCmáx em que os LV são atingidos em hipertensos sedentários. Estes resultados suportam a recomendação de que a intensidade do treinamento possa ser determinada no mesmo percentual da FCmáx obtida em um teste máximo em hipertensos sedentários que receberam ou não o atenolol.

AGRADECIMENTOS

Apoio FAPESP e à Astra Zeneca pela doação do medicamento.

Artigo recebido em 19/07/2012, aprovado em 06/06/2013.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1. Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Rev Hipertensão 2010;13:1-68.
  • 2. American College Sports Medicine. ACSM's Guidelines for exercise testing and prescription. 8 ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2010.
  • 3. Pescatello LS, Franklin BA, Fagard R, Farquhar WB, Kelley GA, Ray CA. American College of Sports Medicine position stand. Exercise and hypertension. Med Sci Sports Exerc 2004;36:533-53.
  • 4. Fagard RH, Cornelissen VA. Effect of exercise on blood pressure control in hypertensive patients. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil 2007;14:12-7.
  • 5. Negrão CE, Barreto ACP Cardiologia do Exercício: do atleta ao cardiopata. 3Ş ed. Barueri: Manole, 2010.
  • 6. Brunton LL, Lazo JS, Parker KL. Goodman & Gilman as bases farmacológicas da terapêutica. 11Ş. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2007.
  • 7. Chick TW, Halperin AK, Gacek EM. The effect of antihypertensive medicantions on exercise performance: a review. Med Sci Sports Exerc 1988;20:447-54.
  • 8. Tesch PA. Exercise performance and beta-blockade. Sports Med 1985;2:389-412.
  • 9. Van Baak MA. Beta-adrenoceptor blockade and exercise. An update. Sports Med 1988;5:209-25.
  • 10. Vanzelli AS, Bartholomeu JB, Mattos LNJ, Brum PC. Prescrição de exercício físico para portadores de doenças cardiovasculares que fazem uso de beta-bloqueadores. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2005;15:10-6.
  • 11. Wasserman K. Principles of exercise testing and interpretation. 2nd ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1994.
  • 12. Task Force. Heart rate variability: standards of measurement, physiological interpretation and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Circulation 1996;93:1043-65.
  • 13. Rasmussen PH, Staats BA, Driscoll DJ, Beck KC, Bonekat HW, Wilcox WD. Direct and indirect blood pressure during exercise. Chest 1985;87:743-8.
  • 14. Epstein S, Robinson BF, Kahler RL, Braunwald E. Effects of beta-adrenergic blockade on the cardiac response to maximal and submaximal exercise in man. J Clin Invest 1965;44:1745-53.
  • 15. Pearson SB, Banks DC, Patrick JM. The effects of betaadrenoceptor blockade on factors affecting exercise tolerance in normal men. Br J Clin Pharmacol 1979;8:143-8.
  • 16. Van Baak MA, Koene FM, Verstappen FT, Tan ES. Exercise performance during captopril and atenolol treatment in hypertensive patients. Br J Clin Pharmacol 1991;32:723-8.
  • 17. Thompson PD, Cullinane EM, Nugent AM, Sady MA, Sady SP. Effect of atenolol or prazosin on maximal exercise performance in hypertensive joggers. Am J Med 1989;23:104-9.
  • 18. Eynon N, Sagiv M, Amir O, Ben-Sira D, Goldhammer E, Amir R. The effect of long-term beta-adrenergic receptor blockade on the oxygen delivery and extraction relationship in patients with coronary artery disease. J Cardiopulm Rehabil Prev 2008;28:189-94.
  • 19. Gordon NF, van Rensburg JP, Russell HM, Kawalsky DL, Celliers CP, Cilliers JF, et al. Effect of beta1 selective adrenoceptor blockade on physiological response to exercise. Br Heart J 1985;54:96-9.
  • 20. Reybrouck T, Amery A, Billiet L. Hemodynamic response to graded exercise after chronic beta-adrenergic blockade. J Appl Physiol 1977;42:133-8.
  • 21. McLeod AA, Knopes KD, Shand DG, Williams RS. Beta 1-selective and non-selective beta-adrenoceptor blockade, anaerobic threshold and respiratory gas exchange during exercise. Br J Clin Pharmacol 1985;19:13-20.
  • 22. Vlak MH, Rinkel GJ, Greebe P, van der Bom JG, Algra A. Trigger factors for rupture of intracranial aneurysms in relation to patient and aneurysm characteristics. J Neurol 2012;259:1298-302.
  • 23. Cole CR, Foody JM, Blackstone EH, Lauer MS. Heart rate recovery after submaximal exercise testing as a predictor of mortality in a cardiovascularly healthy cohort. Ann Intern Med 2000;132:552-5.
  • 24. Mier CM, Domenick MA, Wilmore JH. Changes in stroke volume with β-blockade before and after 10 days of exercise training in men and women. J Appl Physiol 1997;83:1660-5.
  • Correspondência:

    Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz
    Av. Prof. Melo Moraes, 65, Butantã
    05508-030 – São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Jul 2012
    • Aceito
      06 Jun 2013
    Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: atharbme@uol.com.br