INTRODUÇÃO
Exercícios praticados em exposição ao calor podem causar desidratação com consequente redução do desempenho físico1 - 5. A atividade muscular produz calor e pode elevar a temperatura corporal central ocasionando desequilíbrio térmico3. O calor interno é transferido para a superfície corporal onde tende a se dissipar para o ambiente1 com consequente aumento da temperatura e do fluxo sanguíneo cutâneo e secreção de suor para exalar o calor1 , 2.
Durante o exercício em atividades de longa duração, ao se atingir níveis maiores que 2% de desidratação pode ser observada redução do desempenho3. Atletas de futebol encontram-se sob estresse fisiológico considerável durante o jogo, particularmente em climas quentes. A temperatura muscular pode aumentar até 2°C com relação à temperatura de repouso6, e a temperatura corporal central pode chegar a 39°C7 - 10. As regras e a natureza do esporte têm impacto significativo sobre as oportunidades que os jogadores têm de acesso a bebidas7, dificultando o resfriamento corporal.
Estima-se que a mudança de massa corporal que ocorre do momento final para o momento inicial do exercício possa refletir as perdas de líquido que ocorrem durante o exercício1 - 5 , 11. Este é um método eficiente e barato de monitoramento da desidratação em jogadores profissionais5 e se mostra eficaz em quantificar a perda de água total mesmo quando se dispões de outros recursos4 , 5. Para isto considera-se que 1g corresponda a 1ml, podendo assim inferir a perda de líquidos corporais por valores equivalentes a perda massa corporal3. Desta forma o presente estudo teve como objetivo estimar o percentual de desidratação de atletas futebolistas profissionais que receberam ingestão de água ad libitum durante os treinos.
MÉTODOS
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso, MT, Brasil, atendendo as exigências da legislação brasileira de pesquisa com seres humanos, protocolo no 6115505203100647.
Foi avaliada a equipe masculina de futebol Cuiabá Esporte Clube, participaram do estudo 17 atletas profissionais (21,53±1,19 anos). Foram excluídos das análises aqueles que não seguiram as orientações dos avaliadores para o protocolo de pesagem, que relataram uso de fármacos diuréticos e/ou álcool ou não completaram todo o período de treino. Os dados foram coletados no centro de treinamento da equipe em sessões de treinamento de pré-temporada segundo o calendário regional. Não foi feito o controle de ingestão de líquidos antes dos treinos.
A equipe tinha uma rotina de treino semanal com frequência e duração diária variável. A coleta ocorreu em dois treinos técnicos em dias não consecutivos (A e B) com duração de 90 minutos cada. Os treinos foram selecionados considerando as características das atividades executas e a duração dos mesmos. O treino A, foi realizado pela manhã em uma segunda-feira, temperatura média de 31±5,66°C e umidade relativa do ar (URA) média de 35±21,21%. Já o treino B, ocorreu no turno da tarde de sexta-feira da mesma semana com temperatura média de 25±4,24°C e URA de 70± 28,28%.
Na semana que precedeu a coleta foi feita a antropometria, onde foram registradas massa (peso) e estatura e calculado o Índice de Massa Corporal (IMC) pela fórmula Peso(kg)/Estatura2(m). Foram utilizados uma balança digital portátil Tanita (modelo BF683W) e um estadiômetro de 2 m com leitura milimétrica Wiso(r) (Brasil). Para a densidade corporal utilizou-se as dobras cutâneas do abdômen, peito, coxa e a idade aplicados ao protocolo de Jackson&Pollock12, aferidas com plicômetro Lange(r) (USA). Os valores foram convertidos em percentual de gordura pela fórmula de Siri13.
Para estimar o VO2máx aplicou-se o teste de corrida de 12 minutos proposto por Cooper14, mensurando a distância percorrida para o período do tempo. Este teste foi realizado no campo de treinamento através da contagem de voltas no perímetro estabelecido com distância conhecida. As medidas do perímetro, e a distância das voltas incompletas foram mensuradas com uma trena de 100 m Profield(r) (Brasil). Todas as medidas foram feitas por um único avaliador acompanhado do anotador.
Antes de iniciarem e ao final dos treinos A e B (pré e pós-treino) foram feitas pesagens para registrar a massa corporal. Durante as pesagens, os atletas foram instruídos a ficar com o menor volume de roupa possível ou roupa íntima. Na segunda pesagem do dia, depois do treino, eles se dirigiam a um box e se secavam com uma toalha para retirar todo o suor do corpo. Também era solicitada a troca das roupas usadas no treino por estarem molhadas para que se fizesse a segunda pesagem sob os mesmos critérios.
Os atletas tinham copos individuais (300 ml) e foram orientados a ingerir o volume total de água e a não desprezar as sobras. Os copos eram marcados em quatro pontos considerando cada um quarto equivalente a 75 ml. As marcas foram usadas para quantificar as sobras pela área de volume de água no copo. O pesquisador responsável ficava incumbido de registrar a ingestão de líquidos em número de copos bebidos. Além da diferença de massa corporal foram utilizadas as seguintes fórmulas para os cálculos:
Os dados coletados foram tabulados no software Excel (r) , onde foram aplicadas as fórmulas para obtenção dos resultados possibilitando a interpretação. Foi utilizado o teste Wilcoxon para amostras pareadas para avaliar a diferença de massa corporal do pré para o pós-treino dos treinos A e B, e também para comparar o treino A com relação ao treino B. O nível da significância estatística foi fixado para um valor de p<0,05. Os cálculos estatísticos foram realizados com o software BioEstat 5.0(r) (Brasil).
RESULTADOS
A tabela 1 apresenta as características gerais dos atletas, obtidas pela avaliação antropométrica e de desempenho físico. O grupo é considerado eutrófico sendo que nenhum atleta foi classificado como baixo peso. O VO2max médio do grupo (55,92±3,03mL.kg- 1.min- 1) sugere que os atletas apresentam boa aptidão cardiorrespiratória.
Tabela 1 Características gerais dos atletas. (Cuiabá Esporte Clube, Cuiabá-MT; 2011).
Mínimo | |||
---|---|---|---|
Idade (anos) | 21,53±1,19 | 24 | 20 |
Peso (kg) | 71,99±7,66 | 93,9 | 63 |
Estatura (m) | 1,76±0,08 | 1,91 | 1,62 |
IMC (kg/m²) | 23,31±1,69 | 26,9 | 21,6 |
Gordura corporal (%) | 4,67±2,28 | 8,75 | 1,37 |
VO2max (mL.kg-1.min-1) | 55,92±3,03 | 62,72 | 52,03 |
IMC= Índice de massa corporal
DP= Desvio padrão
VO2max= Volume máximo de oxigênio
Os resultados das análises estão na tabela 2. A diferença de massa corporal entre a medida inicial e a medida final do treino A (p=0.0003) e a do treino B (p=0.0004) para o mesmo tempo de treino foram significativamente menor, indicando perda significativa de massa. Não houve diferença estatística entre o ∆ de massa corporal do treino A quando comparados ao treino B (p=0.2184), consequentemente a perda de líquidos (p=0.2184) também não apresentou diferença estatística. O percentual de desidratação dos atletas não foi significante entre os treinos (p=0.193). O volume de líquido ingerido foi estatisticamente inferior no treino B (p=0.0003). A taxa de sudorese (p=0.0003), a taxa de ingestão de líquidos (p=0.0003) e o percentual de reposição de líquidos (p=0.0052), também foram estatisticamente menores no treino B quando comparado ao treino A.
Tabela 2 Massa corporal pré e pós-treino (kg), ingestão hídrica (mL), diferença de massa corporal (ΔMC) entre pré e pós-treino (kg), perda hídrica (mL), taxa de sudorese (L.h-1), taxa de ingestão de líquidos (L.h-1), desidratação (%) e reposição de líquidos (%) dos jogadores de futebol. (Equipe Cuiabá Esporte Clube, Cuiabá-MT; 2011).
Treino A | Treino B | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Média±DP | Máx | Mín | Média±DP | Máx | Mín | |
Pré-treino (kg) | 72,04 ± 7,6 | 93,2 | 62,8 | 72,06 ± 7,28 | 92,3 | 62,8 |
Pós-treino (kg) | 70,96 ± 7,56* | 92,2 | 61,9 | 71,21 ± 7,22* | 90,6 | 62,2 |
Ingesta hídrica (mL) | 2591 ± 440 | 3500 | 1875 | 926 ± 356† | 1625 | 375 |
ΔMC (kg) | -1,08 ± 0,45 | -1,9 | -0,4 | -0,85 ± 0,47 | -1,7 | +0,5 |
Perda hídrica (mL) | 1076 ± 452 | 1900 | 400 | 853 ± 472 | 1700 | +500 |
Taxa de sudorese (L.h-1) | 2,8 ± 0,6 | 4,13 | 1,68 | 1,47 ± 0,54† | 2,53 | 0,17 |
Taxa de ingestão de líquidos (L.h-1) | 1,73 ± 0,29 | 2,33 | 1,25 | 0,62 ± 0,24† | 1,08 | 0,25 |
Desidratação (%) | 1,5 ± 0,63 | 2,57 | 0,63 | 1,19 ± 0,59 | 1,98 | +0,61 |
Reposição de líquidos (%) |
281,81 ± 112,98 | 481,25 | 123,68 | 90,15 ± 92,05† | 232,14 | -200 |
DP= Desvio padrão
Máx= máximo
Mín= mínimo
*diferença em relação ao pré-treino (p<0,05)
†diferença em relação ao treino A (p<0,05)
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo mostram que os treinos A e B reduziram significativamente a massa corporal dos atletas, porém sem diferenças entre si. A redução de massa foi observada anteriormente noutros estudos6-10,16-18, indicando que a perda de líquidos é uma característica do esporte, e depende de vários fatores.
O volume de líquido ingerido variou muito dentro do grupo e foi menor no treino B. Apesar da perda de líquido entre os treinos A e B não ter sido estatisticamente significante, houve diferença de aproximadamente 200 g. Importante ressaltar que o treino B ocorreu em condição atípica para a cidade de Cuiabá que tem predominância de temperaturas diárias relativamente elevadas durante o ano. A diferença nas condições climáticas pode ter exercido influencia sobre as variáveis.
Ao reduzir a temperatura ambiente e aumentar a umidade relativa, diminui-se a capacidade de evaporação e saturação hídrica do ar. Portanto, a taxa de sudorese foi menor no treino B, porém, esta redução não atenuou a perda de massa no final do treino. A exsudação é influenciada pela intensidade relativa do exercício, medida pela exigência aeróbia do atleta durante a atividade19. No treino B, foram ofertadas as mesmas condições para o consumo de líquido, e executadas atividades semelhantes ao treino A. Porém, o volume de líquido ingerido foi menor e influenciou a taxa de ingestão de líquidos na atividade. Portanto, a desidratação observada no treino B, pode ser atribuída à mudança no padrão de ingestão. Isto ocorre porque ingestão voluntária de líquidos é menor do que a perda por sudorese20.
Shirreffs, et al.16 avaliaram a sudorese em jogadores profissionais de futebol. Coletaram dados de 26 atletas durante uma sessão de treinamento em pré-temporada com duração de 90 minutos (32±3°C; URA de 20±5%), com livre acesso a bebidas e observaram redução de massa corporal de ~1,23kg após a sessão de treino, estes valores são bem próximos ao encontrado neste estudo para o treino A. O volume de líquido consumido durante a sessão de treino (972±335mL), foi bem menor que o registrado neste estudo para o treino A (2591±440mL), porém se assemelha ao treino B (926±356mL). O nível de desidratação observado pelos autores (1,59±0,61%) é semelhante aos registrados em nosso estudo para o treino A (1,5%) e B (1,19%).
Durante o exercício é prudente evitar desidratação excessiva. Perda maior que 2% da massa corporal inicial implica em queda de desempenho3 , 19 , 20. Contudo, níveis moderados de desidratação podem afetar o desempenho atlético e provocar déficit de concentração10. Em nosso estudo 35,29% (n=6) dos atletas tiveram desidratação maior ou igual a 2% no primeiro treino. Já no segundo treino nenhum atleta desidratou mais do que 2% e 70,59% (n=12) dos atletas se mantiveram entre 1 e 2% de desidratação.
Silva et al. 17 investigaram o estado de hidratação, ingestão de líquidos e perda de suor em 20 adolescentes jogadores de futebol profissionais brasileiros (idade= 17,2±0,5 anos, altura 1,76±0,05m; massa corporal 69,9±6,0kg), em três dias consecutivos de treinamento, com consumo de água ad libitum e observaram que os jogadores não consumiram líquidos suficientes para repor as necessidades de líquidos durante os treinos principalmente no dia mais quente.
A taxa de sudorese registrada em nosso estudo para o treino A foi maior do que a relatada por Shirreffs, et al.16 (1,46±0,24L.h- 1, variando entre 1,12-2,09L.h- 1), apresentando valores semelhantes ao do treino B. Assim como ocorreu em nosso estudo, a ingestão de líquidos e a taxa de sudorese nos dois estudos foram maiores em temperaturas mais altas.
Apesar da grande variação na reposição de líquidos apresentada pelos atletas do presente estudo, considera-se que os mesmos repõem o líquido perdido de forma adequada (281,81±112,98% no treino A, e 90,15±92,05% no treino B). Estes resultados contrastam aos observados por Shirreffs, et al. 16 onde apenas 45±16% do volume de líquidos perdido durante o treino foi reposto com o volume de líquido ingerido.
As necessidades de líquido para atletas que treinam em climas quentes podem chegar de 10-15L.dia- 1, o ambiente pode intensificar a produção de suor em 0,5 a 3L.h-1 19. A pré-hidratação é indicada para minimizar os efeitos da desidratação em treinos ou jogos, sendo indicado a ingestão aproximadamente 500 ml ou o equivalente a 6-8mL.kg- 1 de peso corporal21 de algum tipo de bebida 2 horas antes do início da atividade, se possível acompanhado de algum alimento que contenha sódio3 , 21. Estratégias de hidratação devem ser desenvolvidas de forma peculiar para que se evite desidratação excessiva3 , 21. Para a reidratação é indicado o consumo de ~1,5L.kg- 1 de peso corporal perdido, se possível associado a alguma fonte de sódio3.
Maughan et al.18 analisaram o equilíbrio de líquidos durante uma sessão de treino em pré-temporada de jogadores profissionais com duração de 90 minutos em ambiente quente. A perda de suor foi avaliada a partir de mudanças na massa corporal. A perda de massa corporal ao longo da sessão de treinamento correspondeu a 1,37±0,54% de desidratação, apresentando valores próximos aos encontrados neste estudo. A média de ingestão de líquidos foi de 971±303mL, sendo comparada apenas ao treino B, uma vez que o volume de liquido ingerido no treino A foi maior. O autor concluiu que a ingestão voluntária também não foi suficiente para mitigar as perdas de liquido.
No presente estudo, o percentual de reposição de líquidos também foi menor no treino B, que pode indicar menor necessidade de ingerir líquidos. A estimulação da orofaringe pode abrandar a sensação de sede22 , 23, que associada à mudança na osmolalidade e redução do volume do plasma contribuem potencialmente para o ajuste do volume de líquidos ingerido em indivíduos desidratados22.
Portanto, a redução de eliminação de líquidos por sudorese e a frequência de consumo pode ter-lhes assegurado maior equilíbrio osmótico e, por conseguinte, menor consumo.
A grande variação que ocorreu no comportamento das variáveis mostra como a ingestão voluntária pode propiciar tanto casos de desidratação como de hiper-hidratação, que também é indesejado. A ingestão de água ad libitum, não foi suficiente para manter todos os avaliados eu-hidratados. Porém, treinar a uma temperatura mais elevada pode garantir uma reposição mais equilibrada, com desidratação leve como é esperado pela atividade.
O estudo limitou-se à análise do equilíbrio de líquidos visando estimar o percentual de desidratação através da diferença de massa corporal. Não foram realizadas avaliações sanguíneas e urinárias para verificar o estado de hidratação com maior acurácia. Também, o método para análise do volume de líquido ingerido não foi o mais preciso, pois a graduação utilizada nos copos pode ter sido insuficiente para quantificar precisamente o conteúdo de líquido nas sobras, podendo levar a super ou subestimativas de consumo na ordem de aproximadamente 25 a 50mL por copo.
Os dados de treinos são resultantes de um conjunto de variáveis e, portanto podem não ser compatíveis para outras situações. Entretanto, o presente estudo revela a importância do acompanhamento do estado hídrico dos atletas e salienta a necessidade de adoção de estratégias de hidratação, o que vem atrelado à ideia de tornar o atleta consciente e participativo neste processo.
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo indicam que se pode fazer a triagem do estado hídrico dos atletas estudados através da diferença de massa corporal que ocorre do pré-treino para o pós-treino. O livre acesso à água propiciou variação na ingestão hídrica dos atletas. Em jogadores aclimatados ao calor, treinar numa temperatura mais baixa provocou redução no volume de líquido ingerido com consequente redução na reposição de líquidos. A variação climática também reduziu a taxa de sudorese, porém, não o suficiente para compensar a perda de massa ocorrida pela atividade. Treinar a uma temperatura mais elevada pode garantir reposição de líquido mais equilibrada, ocasionando desidratação leve como é esperado pela atividade.