INTRODUÇÃO
Os atletas possuem características morfológicas e fisiológicas específicas e estão expostos a um conjunto de exigências físicas inerentes às tarefas motoras presentes em cada modalidade¹. Durante a prática esportiva é comum à ocorrência de lesões musculoesqueléticas, principalmente em membros inferiores, as quais podem causar limitações físicas importantes como déficit do equilíbrio postural.
O equilíbrio postural é multifacetado e ordenado pela execução do controle motor na ação integrada de três sistemas: visual, vestibular e somatossensorial associados aos estímulos proprioceptivos² Biomecanicamente, o equilíbrio postural pode ser definido como a manutenção do centro de massa do corpo associado dentro da base de suporte delimitada entre os dois pés³. Este processo requer ajustes constantes no sistema neuromuscular para adequado equilíbrio dos segmentos corporais4.
Os testes de estabilidade articular tais como Figura em oito e Star Excursion Balance Test (SEBT) são geralmente preconizados na prevenção de lesões e no desempenho físico de atletas5. Contudo, outro recurso de alta tecnologia comumente utilizado é a plataforma de força, considerado como padrão-ouro para avaliação do equilíbrio postural, que quantitativamente mensuram as oscilações do corpo durante diferentes ações (estática ou dinâmica)4 , 6. Em determinados testes funcionais, de caráter mais simples, utiliza-se apenas o tempo de execução da tarefa como domínio de medida7 , 8, o que pode limitar as conclusões dos resultados principalmente na avaliação dos mecanismos biomecânicos e neuromusculares de controle postural.
Em relação à plataforma de força, são preconizados como domínios de avaliação a informação temporal e a frequência, todas provenientes do deslocamento da área do centro de pressão (COP) dos pés9. O COP e suas medidas derivadas de velocidade e frequência são considerados como principais parâmetros de avaliação do controle postural. O COP pode ser definido como a média ponderada de todas as pressões exercidas na área da superfície de contato com o solo9 e seu deslocamento refere-se à habilidade do sistema de controle postural manter o centro de massa do corpo dentro dos limites fisiológicos de sustentação dos pés.
Algumas evidências sugerem que testes funcionais não são considerados medidas diretas para investigar e diagnosticar os reais déficits de controle postural6 , 10. Entretanto, testes funcionais são amplamente utilizados para avaliação da performance funcional de atletas, antes ou após lesão dos membros inferiores8 , 11. Porém, poucos estudos têm correlacionado estes dois métodos de avaliação (testes funcionais e plataforma de força) para analisar a relação entre eles no que concerne às medidas de equilíbrio postural em atletas; o que tem sido apontado são estudos em idosos os quais são limitados para a generalização para a população estudada12.
Dessa maneira, o objetivo do presente estudo foi determinar a relação entre três principais testes funcionais de estabilidade articular com as principais medidas de equilíbrio da plataforma de força em atletas.
MÉTODOS
Tratou-se de um estudo analítico do tipo transversal. A amostra do presente estudo foi recrutada por conveniência e de maneira voluntária, sendo formada por 15 atletas saudáveis do sexo feminino, praticantes da modalidade de futebol de salão (futsal) e handebol. As atletas possuíam idade entre 13 a 17 anos, deveriam estar em treinamento esportivo regular no mínimo três dias por semana, participar de competições estaduais e/ou nacionais e não apresentar nenhum tipo lesão neurológica ou ortopédica incapacitante, bem como cirurgias no aparelho locomotor.
O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos pais ou responsável das atletas. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (PP/0231/10).
As avaliações ocorreram no Laboratório de Avaliação Funcional e Performance Motora Humana (LAFUP), da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) Brasil. Inicialmente as atletas preencheram uma ficha de avaliação contendo dados demográficos da amostra (idade, peso, altura, dominância, modalidade esportiva, frequência de atividade física e esportiva, presença ou não de queixa de instabilidade em articulação do tornozelo) e em seguida realizaram a avaliação do equilíbrio postural. A avaliação iniciou-se na plataforma de força e em seguida foram realizados os testes funcionais (de forma aleatória). Todas as participantes foram familiarizadas com os equipamentos e o protocolo experimental antes do início da avaliação.
Plataforma de Força: As atletas foram posicionadas sobre a plataforma de forma (BIOMEC400, EMG System do Brasil, SP Ltda.) em apoio unipodal (membro dominante) e descalças. O teste de equilíbrio consistiu em três tentativas de 30 segundos (s) cada, com 30 s de intervalo entre cada tentativa13. Durante os testes, o membro contralateral permanecia flexionado (aproximadamente 90° de flexão de joelho, quadril em posição neutra), os membros superiores ao longo do corpo e o olhar fixo na linha do horizonte em direção ao alvo posicionado a 2,0 metros de distância (figura 1). A média das três tentativas foi selecionada para a análise.

Figura 1 Testes funcionais. a) Star Excursion Balance Test (SEBT); b) Teste de Salto lateral; c) Teste da Figura em Oito.
A força vertical de reação do solo sobre a plataforma foi derivada de uma amostragem de 100 Hz. Todos os sinais de força registrados foram filtrados com um filtro de banda-passante baixo de 35-Hz e de segunda ordem (Butterworth filter) para eliminar os ruídos elétricos. Para aquisição e tratamento dos parâmetros de equilíbrio, foi utilizado o próprio software Bioanalysis da plataforma BIOMEC400, o qual é compilado com rotinas de computação de análises MATLAB (The Mathworks, Natick, MA). Os principais parâmetros de equilíbrio baseados no COP foram computados: A área de elipse do COP (A-COP em cm²) e a velocidade média de oscilação do COP (VEL em cm/s) foram determinadas nas direções: anteroposterior (A/P) e médio-lateral (M/L). A validade e a confiabilidade dos parâmetros de equilíbrio calculados com esta plataforma têm sido evidenciadas por um estudo prévio14.
Testes funcionais de equilíbrio: Foram realizados três testes funcionais para avaliação do equilíbrio postural: 1) Star Excursion Balance Test (SEBT), 2) Saltos laterais e 3) Figura em oito, como descritos a seguirA ordem dos testes foi aleatória, por sorteio simples.
O teste SEBT modificado foi realizado como descrito por Pliky et al. 15. Os participantes permaneciam com o pé de apoio centralizado a intersecção das linhas (anterior, posterolateral e posteromedial). A posição em apoio unipodal foi mantida enquanto o membro inferior contralateral alcançava a maior distância possível sobre as linhas (fitas métricas) e o valor era medido pelo avaliador (figura 1A). Foram realizadas três tentativas para cada direção. As mesmas instruções foram dadas a todos os sujeitos. Caso o pé de apoio fosse movido, o teste era interrompido, posicionava-se novamente o pé do sujeito no local indicado e repetia-se o teste. A pontuação do SEBT foi calculada dividindo a soma das distâncias máximas alcançadas (em centímetros) nas três direções pelo comprimento real do membro inferior (LL) avaliado, e por fim multiplicado por três. Os valores finais foram então expressos em porcentagem multiplicando-se por 100, como segue na equação proposta por Filipa et al.7, sendo a média de três tentativas utilizada como score final:
Para o teste de Salto lateral (Side Hop Test)16, as atletas foram orientadas a saltar lateralmente, em apoio unipodal, em uma distância de 30 centímetros. Uma repetição consistia em saltar lateralmente 30 cm e retornar ao ponto inicial. Foram realizadas 10 repetições consecutivas e as atletas eram orientadas a saltar o mais rápido possível (figura 1B). Para o cálculo dos resultados, utilizou-se a média do tempo para as três tentativas, em segundos.
Para o teste da Figura em Oito (Figure of eight hop test)15 , 16, foi utilizada uma pista com cinco metros de comprimento, delimitada por cones. As atletas foram orientadas a realizar duas voltas no percurso, em apoio unipodal, o mais rápido possível (figura 1C). Os resultados foram calculados utilizando a média do tempo das três tentativas, em segundos.
Análise de Dados
Todas as variáveis foram testadas quanto à distribuição normal dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk. Após confirmar a distribuição normal dos dados, as correlações entre as medidas dos testes funcionais e os parâmetros de equilíbrio da plataforma foram desenvolvidas conforme o teste de correlação de Pearson. Todas as análises foram realizadas com o pacote estatístico SPSS (v.15) a significância adotada foi de 5% (P< 0,05). Os resultados descritivos foram apresentados em média e desvio padrão (DP).
RESULTADOS
As características antropométricas das participantes do estudo como idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e tempo de pratica estão apresentados de maneira descritiva, na qual, os valores em média foram: idade de 15 anos (DP= 1,24), peso de 62 kg (DP=9,30), altura de 1,66 m (DP=0,05), IMC de 22 kg/m2 (DP =2,77).
O tempo de prática esportiva foi em média de quatro anos. Nenhuma atleta apresentou histórico de lesões prévias no membro avaliado. Os resultados obtidos nos testes funcionais como teste da figura em oito, teste de Salto lateral e Star Excursion Balance Test (SEBT) e os parâmetros de equilíbrio da plataforma de força estão apresentados na tabela 1.
Tabela 1 Análise descritiva dos dados obtidos nos testes funcionais e na plataforma de força.
Variáveis | Média | Desvio Padrão (DP) |
---|---|---|
Figura em Oito (segundos) | 13.96 | (2.11) |
Salto lateral (segundos) | 6.06 | (1.75) |
SEBT (%) | 86.05 | (5.68) |
A-COP (cm2) | 6.62 | (2.26) |
VEL A/P (cm/s) | 2.24 | (0.49) |
VEL M/L (cm/s) | 2.45 | (0.56) |
Figura em Oito: Teste da Figura em 8
Salto lateral: Teste de salto lateral
SEBT: Star Excursion Balance test
A-COP: Área de deslocamento do centro de pressão
VEL A/P: velocidade de deslocamento do centro de pressão no sentido anteroposterior
VEL M/L: velocidade de deslocamento do centro de pressão no sentido médio-lateral.
Os resultados da correlação entre os testes funcionais (Figura em Oito, salto lateral e SEBT) e os parâmetros da plataforma de força (VEL A/P, VEL M/L e A-COP) estão apresentados na tabela 2. Em geral, as correlações entre os testes funcionais e a plataforma de força foram de fraca a moderada (r 0.01 a -0.69), dependendo da variável analisada. As melhores correlações foram encontradas entre o teste SEBT e o parâmetro A-COP da plataforma (tabela 2), sendo uma correlação moderada e significativa (r = -0.69), indicando que quanto maior a distância alcançada no teste melhor foi o equilíbrio postural sobre a plataforma de força (menores valores da A-COP). Por seguinte, os resultados entre o teste da figura em oito e A-COP apresentaram uma correção de fraca a moderada, como por exemplo, um r = 0.43 para a variável A-COP, indicando que quanto maior o tempo de realização do teste maior é a instabilidade postural. Os demais resultados, especificamente entre os testes funcionais e os parâmetros de velocidade (VEL) em ambas as direções não foram significantes (r = 0.01 a 0.36).
Tabela 2 Correlações r de Pearson entre os testes funcionais e as medidas da plataforma de força.
Correlações de Pearson: r
*Significância (p < 0.05)
Figura em Oito: Teste da figura em Oito
Salto lateral: Teste de salto lateral
SEBT: Star Excursion Balance test
A-COP: Área de deslocamento do centro de pressão
VEL A/P: velocidade de deslocamento do centro de pressão no sentido anteroposterior
VEL M/L: velocidade de deslocamento do centro de pressão no sentido médio-lateral
DISCUSSÃO
Os resultados mostram que houve uma correlação de fraca a moderada entre os testes funcionais e a plataforma de força, onde a melhor correlação encontrada foi entre o teste SEBT e o parâmetro A-COP. Este resultado indica que quanto maior a distância alcançada no teste SEBT, menor é a instabilidade postural sobre a plataforma. Outro achado interessante foi no teste da figura em oito, que apresentou uma correlação moderada com o parâmetro A-COP, indicando que quanto menor o tempo de realização do teste, maior é a instabilidade postural.
Até o presente momento, este é o primeiro estudo que incluiu três principais testes funcionais de estabilidade articular para determinar a relação deles com os parâmetros COP de uma plataforma de força durante um teste de equilíbrio unipodal em atletas. Neste sentido, a discussão dos resultados se torna difícil em relação a uma comparação direta com resultados da literatura. Entretanto, Trojian et al.17 que avaliaram o desempenho de atletas durante o teste funcional Single Leg Balance, demonstraram que os atletas com piores resultados tinham mais chances de sofrer lesões de tornozelo pela instabilidade postural. McGuine et al, 18 apontaram o poder preditivo das medidas da plataforma de força nas entorses de tornozelo em jogadores juvenis de basquetebol. Recentemente, Dallinga et al. 19 realizaram uma revisão sistemática com intuito de encontrar ferramentas que poderiam prever o risco de lesões em membros inferiores nos esportes de equipe. Esses autores constaram que o teste funcional SEBTapresenta uma sensibilidade apurada para discriminar adolescentes do sexo feminino a desenvolverem futuras lesões. Outros estudos mostraram ainda que o SEBT apresenta boa sensibilidade para indicar déficits posturais20 , 21, o que corrobora com os resultados do presente estudo nas correlações com o parâmetro A-COP. Este parâmetro identifica o deslocamento do COP em uma área correspondendo às direções anteroposterior e médio-lateral para manter o centro de massa do corpo dentro da base de sustentação4. Embora o equilíbrio seja multifacetado, a base do controle postural para manutenção do equilíbrio ocorre por meio das estratégias sensório-motoras e biomecânicas, caracterizando uma grande importância identificar testes mais simples e práticos que poderiam de alguma forma revelar esse fenômeno entre indivíduos diferentes.
É importante ressaltar que somente as medidas de uma plataforma de força, com base no comportamento do COP, podem identificar os déficits de equilíbrio associados aos mecanismos neuromusculares e biomecânicos12 , 22. A correlação apresentada no estudo auxilia a compreensão para identificar quais dos testes funcionais poderiam estar mais associados às medidas da plataforma e assim direcionar as tomadas de decisões clínicas quanto às avaliações do equilíbrio postural na prevenção e reabilitação de atletas. Por outro lado, os resultados deste estudo sugerem que nem todos os testes funcionais fornecem a mesma informação quanto aos mecanismos de controle postural como recentemente apontado por Nguyen12, devido aos valores encontrados nas correlações fracas e não significantes, com exceção para o SEBT.
Por fim, os resultados deste estudo não podem ser generalizados para atletas de modalidades diferentes do futsal e handebol e tão pouco para atletas do sexo masculino. Neste estudo, o direcionamento da avaliação foi de maneira semi-estática (unipodal) na plataforma de força, o que limita a conclusão dos resultados para situações dinâmicas como as correlações com o teste da figura em oito que possui uma característica não estática. Novos trabalhos envolvendo um maior número da amostra bem como indivíduos atletas de maior idade (acima de 18 anos) são necessários para compreender melhor a relação entres esses testes funcionais e as medidas da plataforma de força.
CONCLUSÃO
Os resultados suportam a ideia de que alguns testes funcionais não apresentam, necessariamente, a mesma informação que a plataforma de força fornece quanto aos mecanismos de controle postural para equilíbrio. Entretanto, o teste SEBT poderia ser utilizado com moderada relevância na avaliação da estabilidade postural em atletas por apresentar melhor correlação com um dos principais parâmetros da plataforma de força, a área do COP. Este estudo colabora para a avaliação do equilíbrio em atletas e sugere que alguns testes funcionais de estabilidade articular/postural deveriam ser usados com maior cautela para identificação dos possíveis déficits de equilíbrio, especialmente quando usados para avaliação clínica.