INTRODUÇÃO
A propriocepção é o mecanismo de percepção espacial que se da pela comunicação de receptores aferentes (articulações, músculos, tendões e cápsulas articulares) que enviam sinais ao sistema nervoso central, o qual processa essas informações resultando na compreensão corporal e produz reajustes quando necessários para a preservação do equilíbrio e/ou para a execução adequada dos movimentos1. As lesões musculoesqueléticas interferem nessas informações enviadas pelos receptores aferentes, prejudicando a interpretação e a velocidade das respostas neuromusculares2. O treinamento proprioceptivo é utilizado para a prevenção e/ou tratamento de lesões musculoesqueléticas, pois aceleraram o tempo de reabilitação e diminuem as recidivas3 , 4.
No Brasil, o futsal é o esporte coletivo mais praticado, onde os treinos e as competições modificam o estado emocional5 e favorecem as lesões musculoesqueléticas de atletas e não atletas6, em especial na articulação do joelho3. As lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) levam a uma perda de inervação da via aferente intra-ligamentar afetando o sistema proprioceptor7. O músculo reto femoral apresenta uma capacidade articular multifuncional (joelho e quadril), onde o recrutamento das unidades motoras são um indicador da atividade musculoesquelética e suas porções mediais e proximais estão mais relacionadas às suas ações no joelho8. A reabilitação aquática (hidroterapia) vem sendo utilizada como ferramenta adicional para o tratamento das disfunções musculoesqueléticas, pois as forças físicas encontradas no meio líquido proporcionam efeitos fisiológicos e terapêuticos que atuam sobre os diferentes sistemas do organismo9. Nas lesões do sistema musculoesquelético, este meio proporciona analgesia, redução de edema, ganho da amplitude de movimento, diminuição da sobrecarga e da rigidez articular10, promovendo o relaxamento e a modulação do tônus muscular11. A associação desses fatores favorece a realização precoce de exercícios proprioceptivos nas fases iniciais da reabilitação do joelho11 , 12.
Os exercícios proprioceptivos visam provocar perturbações no equilíbrio, levando a um feedback sensorial, que promove respostas reflexas dinâmicas para o controle neuromuscular de uma determinada articulação13. As contrações musculares resultantes podem ser avaliadas pela eletromiografia (EMG), a qual permite a quantificação da atividade muscular em meios aquáticos e terrestres2 , 14 , 15. Entretanto, os exercícios realizados na água apresentam uma menor ativação muscular e a profundidade desta é inversamente proporcional a EMG do músculo estudado15 , 16. Neste contexto, os trabalhos proprioceptivos realizados nas fases iniciais da reabilitação musculoesquelética podem ser beneficiados por este meio10 - 12. Esse treinamento pode ser realizado com a ajuda de diferentes equipamentos, dentre estes, a cama elástica, o balancim e o disco, entretanto, a ativação eletromiográfica do músculo reto femoral frente a esses equipamentos ainda não foi estudada em meio aquático. A presente pesquisa objetivou comparar a intensidade da ativação do músculo reto femoral de atletas praticantes de futsal frente a três equipamentos proprioceptivos (cama elástica, disco e balancim) no meio aquático.
MÉTODOS
O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), sob o protocolo nº 2010/67. Todos os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi desenvolvido na Piscina de Hidroterapia da Clínica de Fisioterapia no Campus Dr. Frankilin Olivé Leite da UCPel, localizado na cidade de Pelotas, RS, Brasil.
Os dezesseis atletas que faziam parte do plantel da equipe de futebol de salão (FUTSAL) profissional da UCPel durante a pré-temporada de 2011 foram convidados a participar do estudo. Os critérios de inclusão para o estudo compreenderam o gênero masculino, com idades entre 18 e 35 anos, praticantes de futsal profissional há pelo menos uma temporada. Os voluntários que relatassem e presença de dor ou desconforto durante as avaliações, diagnóstico prévio (três meses antes da avaliação) de lesão musculoesquelética que o impossibilitassem de treinar e/ou jogar e não realizassem a tricotomia previamente (24h) solicitada foram excluídos. As avaliações ocorreram no período de pré-temporada e foram excluídos seis voluntários, sendo que três não realizaram a tricotomia prévia e três relataram lesões musculoesqueléticas três meses antes a avaliação. O fluxograma do estudo encontra-se representado na figura 1. A amostra foi composta por dez atletas, os quais foram randomizados (através de envelope pardo) para estabelecer a ordem dos equipamentos proprioceptivos a serem avaliados. As avaliações foram realizadas no membro dominante informado.
Para a coleta do sinal EMG foram realizados os procedimentos de tricotomia da pele na região clavicular (eletrodo referência) e na região anterior da coxa (músculo reto femoral) do membro dominante, região está demarcada pelo atlas eletromiográfico SENIAM17. A depilação complementar e a limpeza da pele com abrasão de algodão umedecido em álcool na superfície muscular foi realizada no dia da avaliação. Este procedimento foi adotado para a eventual remoção de células mortas, diminuição da resistência da pele à passagem do sinal, desta forma diminuindo as impedâncias8.
Os eletrodos de superfície MedTrace pediátrico (Mini Medi-Trace 200, KendallTM; Miami, FL, USA) descartáveis (com gel Ag/Ag-CL, configuração bipolar, raio = 15 mm) foram posicionados no músculo reto femoral (cerca de 1,5 cm da posição distal do ponto motor) e o eletrodo referência foi posicionado na face anterior da clavícula14 , 18.
O nível de resistência entre os eletrodos e a pele foi medido no início de cada sessão com um multímetro digital (Mc-153, Minipa; São Paulo, SP, Brasil) e considerando ideal abaixo de 3000 Ohms19. Para o isolamento dos eletrodos, foi colocado adesivo oclusivo transparente (1634 W e 1636 W, TEGADERM, 3MTM; Sumare, SP, Brasil) e para completo isolamento foi colocado na saída dos cabos silicone impedindo assim a entrada de água20 , 21. Os cabos e o pré-amplificador foram presos com Fita Tape (Silver Tape 8979, 3MTM; Saint Paul, MN, USA)21.
Os equipamentos proprioceptivos utilizados foram balancim, cama elástica e o disco. O balancim (balanço balancim 1233, CarciTM; São Paulo, SP; Brasil) de aço com plataforma central fixada por correntes e piso revestido de material antiderrapante apresentando dimensões externa total: 0,70 x 0,40 x 0,55m (C x L x A), dimensões da base interna: 0,40 x 0,20 cm (C x L) e pesando 4,8 kg. Para aumentar a dificuldade no balancim, retirando-se duas argolas da ponta anterior esquerda e duas da ponta posterior direita. A cama elástica (Minicama Elástica - BT100, Bioshape; São José, SC, Brasil) apresentava um peso de 4 kg, tamanho 90 x 20 cm (L x A) e suporta 100 kg. O disco inflável de propriocepção (Disco Flex, MercurTM; Santa Cruz do Sul, RS, Brasil) de policloreto de vinila, apresentando o peso de 850 g e 33 cm de diâmetro e resistente até 150 kg.
Inicialmente foram realizadas fora da água, as avaliações das atividades musculares (EMG) do reto femoral em repouso e em contração voluntária máxima (CVM antes). Essas avaliações de repouso e durante a CVM (depois) foram repetidas após intervenções proprioceptivas realizadas em meio aquático. Os dados do repouso e da CVM (antes e depois) foram utilizados para a normalização da amplitude do sinal eletromiográfico20. Para a realização das CVM (antes e depois), os atletas foram posicionados deitados, com flexão de 45º de quadril e flexão de joelho de 60º e realizaram uma extensão máxima isométrica ao empurrar uma parede (posicionada a sua frente). A temperatura da água da piscina encontrava-se a aproximadamente 32°C. O nível da água encontrava-se entre a cicatriz umbilical e o apêndice xifoide.
Ao entrar na piscina os voluntários realizaram para cada equipamento (balancim, cama elástica e disco) três isometrias de 10 segundos com intervalo de 30 segundos entre cada série. O tempo de intervalo entre os equipamentos proprioceptivos (balancim, cama elástica e disco) foram de 5 minutos. Os exercícios proprioceptivos foram realizados com apoio unipodal (membro dominante) elegido pelos atletas, sendo mantida uma postura de flexão de 45º de quadril e 60º de joelho estas assegurada por um goniômetro manual. Os exercícios proprioceptivos realizados no balancim, na cama elástica e no disco estão demonstrados respectivamente nas figuras 2A, 2B e 2C.

Figura 2 Apoio unipodal nos diferentes equipamentos proprioceptivos. Balancim (A), Cama Elástica (B) e Disco (C).
Os sinais eletromiográficos foram coletados através do aparelho Miotool 400 (MIOTEC(r) Equipamentos Biomédicos, Porto Alegre, RS, Brasil), composto por um sistema de 2 canais, com frequência de amostragem por canal de 2000 Hz/seg.
Os dados coletados foram transmitidos por conexão de um microcomputador notebook via porta USB. O software Miograph 2.0 USB (MIOTEC(r), São Paulo, SP, Brasil) foi utilizado para a coleta, após o sinal EMG coletado passou pelos devidos tratamentos digitais, como um filtro passa-banda Butterworth de 4ª ordem com frequências de corte entre 20 e 500 Hz22. Para obtenção dos valores root mean square(RMS) da atividade muscular foram adquiridos em uma janela de 5 segundos, os sinais foram recortadas entre os tempos 2 a 7 segundos22. Esses valores foram normalizados pela CVM e expressos em percentual da contração voluntária máxima (%CVM), para a posterior análise estatística.
Análise Estatística
Os dados estão apresentados em forma de média e erro padrão (EP). A distribuição da normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. As variáveis com duas medidas foram comparados pelo teste-t pareado, as com mais de duas medidas foram analisadas pela ANOVA para medidas repetidas seguida de post hoc Bonferrroni. As diferenças entre as médias foram apresentas com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). A taxa de erro alfa de 5% (p < 0,05) foi considerada significante.
RESULTADOS
Os dez jogadores de FUTSAL profissional da UCPel apresentavam-se com 23,1 (± 1,5) anos de idade, pesando 78,3 (± 1,7) kg, altura de 1,76 (± 0,02) metros e índice de massa corporal de 25,2 (± 0,5) kg/m². A dominância do membro inferior direito foi referida em oito atletas.
Os valores de repouso do sinal EMG do músculo reto femoral realizadas fora da água antes (22,5 ± 5,8 µVolts) e depois (28,8 ± 10,2 µVolts) dos exercícios proprioceptivos não apresentaram diferenças (p = 0,560). Dados apresentados na figura 3A. Os valores de RMS das contrações voluntárias máximas (CVM) do músculo reto femoral antes (221,0 ± 134,0 µVolts) e depois (243,0 ± 154,0 µVolts) dos exercícios proprioceptivos (realizadas fora da água) não apresentaram diferenças (p = 0,129) (figura 3A, B e C).

Figura 3 Atividade eletromiográfica do músculo reto femoral em repouso (A), nas avaliações da contração voluntaria máxima (B) e dos equipamentos proprioceptivos (B). Dados apresentados em média e erro padrão. * p < 0,05 vs cama elástica.
A atividade EMG do músculo reto femoral avaliada no meio aquático (entre o processo xifoide e a cicatriz umbilical) frente aos estímulos proprioceptivos induzidos pela cama elástica, balacim e o disco foram aproximadamente três vezes maior que o repouso realizado no meio terrestre (p < 0,001). O percentual de ativação eletromiográfico relativizado pela Contração Voluntária Máxima (%CVM) do músculo reto femoral para a cama elástica foi de 24,5 (± 4,3 %CVMµVolts), para o balancim de 33,9 (± 4,3 %CVMµVolts) e para o disco de 32,5 (± 6,7 %CVMµVolts).
Os equipamentos proprioceptivos apresentaram diferentes ativações eletromiográficas (p = 0,009). Dados apresentados na figura 3C. O disco e o balancim apresentaram maior ativação EMG que a cama elástica, sendo estes valores respectivamente 8,0% (IC95% da diferença 15,4 a 0,6; p = 0,031) e 9,3% (IC95% da diferença 16,7 a 1,9; p = 0,006) superiores aos valores da cama elástica. O disco e o balancim não apresentaram diferença na atividade EMG (IC95% da diferença 8,7 a -6,0; p = 0,977).
DISCUSSÃO
Os diferentes equipamentos proprioceptivos apresentam ativação do reto femoral de jogadores profissionais de futsal com a água ao nível da cicatriz umbilical. Entretanto, esses estímulos proprioceptivos apresentaram diferentes respostas EMG, onde a cama elástica apresentou menor atividade muscular que o balancim e o disco.
As principais propriedades físicas da água são o empuxo e a pressão hidrostática que atuam de forma multidimensional no corpo imerso a água23. O nível de profundidade é determinante para a flutuação do corpo, pois o empuxo atua como uma força contraria e igual ao peso da porção de fluido deslocada pelo corpo24. No presente estudo, a profundidade da água utilizada (entre a cicatriz umbilical e o apêndice xifoide) poderia reduzir a sobrecarga do sistema musculoesquelético e a consequente atividade muscular. A força anti-gravitacional que atua no corpo dentro d'água leva a umadiminuição da estimulação aferente dos mecanorreceptores2, o que proporciona uma menor atividade EMG no meio aquático15 , 16, tanto para os exercícios isométricos2 como para os isotônicos25 e isso ocorre devido a redução da sobrecarga sobre o sistema musculoesquelético10. Entretanto, a atividade muscular foi registrada, sugerindo que este nível da água é capaz de gerar estímulo proprioceptivo representado pela ativação muscular do reto femoral. Exercícios dinâmicos realizados na mesma profundidade do presente estudo induziram a ativação de diversos músculos (glúteo médio, vasto medial, bíceps femoral cabeça longa, tibial anterior, gastrocnêmio, reto abdominal e paraespinhal), dentre estes o reto femoral, o que corrobora com o presente estudo, mas a EMG registrada foi menor que quando comparada com os exercícios realizados no meio terrestre26.
O treinamento proprioceptivo unipodal realizado no meio terrestre comparando o balancim, a cama elástica, a prancha proprioceptiva demonstrou que o balancim gerou a maior atividade EMG para os músculos gastrocnêmios e tibial anterior27. Esses resultados realizados no meio terrestre são semelhantes ao presente estudo, onde a EMG do reto femoral foi maior no balancim e, no presente estudo o disco apresenta uma ativação semelhante a este equipamento. Entretanto, não foram observadas diferenças na atividade EMG dos músculos reto femoral e do tibial anterior frente ao balancim e ao disco de Freeman28. Cabe salientar que este tipo de disco é diferente do utilizado no presente estudo.
As diferenças da atividade EMG do reto femoral encontrada entre os equipamentos avaliados no presente estudo, possivelmente se devem aos diferentes deslocamentos do centro de massa e pelo método unipodal. O balancim estimula os deslocamentos do centro de massa no sentido horizontal (anteroposterior), com risco de queda tanto para frente quanto para trás27, o que estimula a co-contração, reforçando o reflexo de excitabilidade, aumentando a relação agonista-antagonista inde pendente das mudanças na ativação muscular29. No presente estudo, estes deslocamentos do centro de massa do balancim foram acrescidos de deslocamentos laterais pela retirada de argolas. O disco proprioceptivo apresenta todos os deslocamentos e isso explica em parte os resultados semelhantes entre os equipamentos. Por outro lado, a cama elástica apresenta um menor desequilíbrio na água e uma menor estimulação proprioceptiva do joelho, pois seus deslocamentos de massa são principalmente no sentido transversal (crânio-caudal), os quais estão atenuados pela presença da água.
Alberton et al.14, demonstraram que em contrações musculares isométricas e isotônicas apresentam reprodutibilidade do sinal EMG nos meios líquido e terrestre, as possíveis interferências, como o contato da água no eletrodo, a movimentação dos cabos e a fadiga muscular não diferem entre os meios. No presente estudo, o meio líquido não causou interferência na captura do sinal, pois não se observou diferenças entre as contrações voluntárias máximas (CVM) antes e depois dos estímulos proprioceptivos. Esse achado corrobora com estudos anteriores, que aplicaram o mesmo método de isolamento dos eletrodos20 , 21.
Os exercícios proprioceptivos exigem da modalidade sensorial uma forma mais competente para obtenção de informações referentes à sensação da posição articular e do movimento, com base em elementos de outras fontes que não a visual, a auditiva ou a cutânea superficial30. No presente estudo os voluntários foram avaliados de olhos abertos. Oliveira et al.28, avaliaram a atividade EMG dos músculos reto femoral e tibial anterior no disco de Freeman e no balancim com os olhos abertos e fechados e a atividade EMG destes músculos mostrou-se maior com os olhos fechados. A ausência do estímulo visual pode ser utilizada para aumentar a dificuldade na realização dos exercícios proprioceptivos e ser empregada ao longo do programa de reabilitação.
O futsal sobrecarrega especialmente as articulações do joelho3, sendo frequentes as lesões ligamentares que afetam as vias intraligamentares e alteram o sistema proprioceptor7. Os exercícios proprioceptivos apresentam uma ação preventiva e reabilitadora das lesões musculoesqueléticas30. Os resultados do presente estudo sugerem um grau diferente de estímulo proprioceptivo em meio aquático com os olhos abertos, sendo que cama elástica apresenta uma menor atividade EMG do reto femoral que o balancim e o disco. Entretanto, como existe uma diminuição da estimulação proprioceptiva no meio aquático, esse estímulo seria mais adequado para as fases iniciais de reabilitação. Dentre as limitações do estudo destacam-se as avaliações de apenas um nível da água e de um grupo muscular, bem como, a ausência das avaliações EMG realizadas no meio terrestre, frente aos estímulos proprioceptivos.
CONCLUSÃO
Imersão na água ao nível da cicatriz umbilical produz atividade muscular do reto femoral de jogadores de futsal profissional frente a diferentes equipamentos proprioceptivos. Os equipamentos proprioceptivos balancim e disco apresentaram uma maior atividade eletromiográficas desse músculo no meio líquido que a cama elástica. Os resultados sugerem que em meio aquático a cama elástica apresenta uma menor ativação do músculo reto femoral podendo esta ser aplicada nas fases iniciais da reabilitação.