INTRODUÇÃO
A utilização de substâncias com potencial ergogênico por atletas tem se tornado uma prática comum, motivada, principalmente, pela alta competitividade esportiva e constante necessidade de supera-ção de marcas. Entre as substâncias utilizadas, a cafeína tem sido utilizada com grande frequência de forma aguda, previamente a realização de exercícios físicos, com objetivo de postergar a fadiga e, consequentemente, aprimorar o desempenho em atividades de média e longa duração1 2.
A cafeína é um alcaloide pertencente ao grupo das xantinas (1,3,7-trimetilxantina), quimicamente relacionada com outras xantinas: teofilina (1,3 dimetilxantina) e teobromina (3,7 dimetil-xantina) que se diferenciam pela potência de suas ações farma-cológicas sobre o sistema nervoso central1 3 4. É uma substância lipossolúvel absorvida de modo rápido e eficiente pelo trato intestinal, com 100% de biodisponibilidade, atingindo o pico de concentração plasmática entre 30 a 120 minutos5. Neste sentido, estudos com cafeína utilizam a suplementação com antecedência de 60 min do exercício6.
Estudos apontam que a ingestão da cafeína tem influência positiva no desempenho em exercícios de endurance7 11. Múltiplos mecanis-mos têm sido propostos para explicar os efeitos da suplementação de cafeína no desempenho esportivo. O mecanismo mais aceito é atribuí-do ao fato da cafeína atuar como um antagonista dos receptores A1, impedindo sua interação com a adenosina, o que leva a um aumento nos níveis de (monofosfato cíclico de adenosina) AMPc, contribuindo para a potencialização da contração muscular, lipólise e ativação do sistema nervoso central7 12 13.
Em doses moderadas, a cafeína atua como estimulante central e tem efeitos na função cognitiva e psicomotora, possivelmente devido ao aumento da secreção de endorfinas, realçando o estado de alerta, com potencial melhora do desempenho2 3 11 13.
Em adição ao impacto sobre o SNC e o musculoesquelético, a cafeína pode afetar a utilização de substratos energéticos durante o exercício13 14. No entanto, não está clara a influência da cafeína no me-tabolismo glicêmico, tanto na captação de glicose do sangue como na utilização dos estoques de glicogênio muscular e hepático. Além disso, a diminuição da dependência energética do glicogênio mus-cular e hepática por conta do possível efeito da cafeína no aumento na mobilização de ácidos graxos livres e glicerol é interessante para melhorar o desempeho de atletas de endurance.
A cafeína tem sido utilizada de forma aguda, previamente à rea-lização de exercícios físicos, em doses típicas que variam de 3 a 9mg/Kg1 3 4 8 9 13
O objetivo do presente estudo foi investigar o efeito agudo da cafeína administrada previamente a um exercício de endurance sobre parâmetros bioquímicos de ratos Wistar.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizados vinte e sete ratos machos adultos (90 dias), da linhagem Wistar, pesando 357 ± 73 g, distribuídos aleatoriamente em três grupos: controle, salina e cafeína. Os animais receberam ração e água ad libitum e foram mantidos em ambiente com temperatura con-trolada (23 ± 2°C), ciclo claro-escuro invertido de 12h.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envol-vendo Animais da Universidade Paranaense, UNIPAR, Francisco Beltrão, PR, Brasil (Protocolo n° 18444/2009 de 19/11/2009). A manipulação e os cuidados com os animais seguiram as recomendações do Comitê Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).
Os ratos foram suplementados com cafeína (Anidra 99%, Sigma, EUA), sendo a dose administrada de 6mg/Kg. A cafeína foi dissolvida em água e foi administrada por meio de gavagem, com antecedên-cia de cinquenta minutos ao início de um exercício de endurance. O grupo salina foi suplementado com solução placebo (0,9% NaCl), com antecedência de vinte minutos do exercício de endurance. O grupo con-trole não foi submetido à suplementação e ao exercício de endurance, sendo incluído no experimento apenas para avaliação dos níveis basais quanto aos parâmetros bioquímicos. Todos os animais permaneceram em jejum por doze horas antes das análises bioquímicas.
Os ratos foram submetidos a vinte minutos de natação, por três dias que antecederam o experimento, para que se adaptassem ao meio em que iriam realizar o exercício. Também foram submetidos ao procedimento de lavagem com água destilada para adaptação ao procedimento.
Para o exercício de natação foi utilizado um tanque com profun-didade de 50 cm, preenchido com água aquecida e mantida à tem-peratura de 30-32°C. Os animais dos grupos cafeína e salina foram submetidos ao exercício de endurance de duração de 60 minutos, com sobrecarga de 6% proporcional ao peso individual, fixada no tórax para caracterização de exercício predominantemente aeróbico15.
Análises Bioquímicas
Imediatamente ao término do exercício de endurance foram cole-tadas amostras de sangue por meio punção caudal nos animais para determinação do lactato utilizando lactímetro Accusport(r) (Accu-chek, Santo André, SP, Brasil), sendo os valores expressos em mmols/litro.
Após sacrifício, foram recolhidos 4 a 5 ml de sangue de cada animal, armazenados em tubos de vidro sem a presença de anticoagulantes e, logo após, centrifugados por 8 min a 1500 rpm. As análises bio-químicas de glicemia e glicerol plasmáticos foram realizadas após a centrifugação, utilizando Kits enzimáticos (Bio Técnica, Varginha, MG, Brasil). O tecido do músculo sóleo e do fígado foram imediatamente retirados após o término do protocolo de exercício para determina-ção do glicogênio muscular e hepático seguindo a metodologia de Passenneau and Lauderdale16.
RESULTADOS
Os grupos salina e cafeína apresentaram valores glicêmicos sig-nificativamente inferiores quando comparados ao grupo controle. Em contrapartida, a suplementação de cafeína resultou em melhor resposta na manutenção dos valores glicêmicos e concentração de glicerol plasmático quando comparado ao grupo salina. Em resposta a realização do exercício, os grupos salina e cafeína mantiveram resul-tados semelhantes para o lactato sérico, e significativamente superior em relação ao grupo controle. Os valores glicêmicos, glicerol e lactato sérico encontram-se disponíveis na tabela 1.
A figura 1 mostra que a suplementação com cafeína resultou em preservação do glicogênio hepático quando comparado ao grupo salina. A suplementação com cafeína não apresentou influência na preservação do glicogênio muscular (sóleo).
Tabela 1 Efeito da cafeína sobre parâmetros bioquímicos após exercício de natação.
Grupos | Glicose (mg/dl) | Glicerol (mg/dl) | Lactato sérico (mmol/L) |
---|---|---|---|
Controle | 103 ± 5.51 | 73 ± 9.4 | 1.51 ± 0.28 |
Salina | *35.1 ± 5.22 | 56 ± 4.3 | *4.76 ± 0.95 |
Cafeína | *71.4 ± 8.9** | 81.4 ± 8** | *4.25 ± 0.62 |
Dados representam a média ± EPM. *Representa diferenças estatisticamente significativas quando comparado ao grupo Controle (P<0.05). **Representa diferença estatisticamente significativa quando comparado ao grupo Salina (P<0.05). (Duncan após ANOVA de uma via).

Figura 1 Efeito da suplementação de cafeína sobre os estoques de glicogênio hepático (A) e muscular (B) após protocolo de natação. Dados representam a média ± EPM. *Representa diferenças estatisticamente significativas quando comparado ao grupo Controle (P<0.05).**Representa diferença estatisticamente significativa quando comparado ao grupo Salina (P<0.05). (Duncan após ANOVA de uma via).
DISCUSSÃO
A manutenção nos níveis de glicose e glicogênio hepático juntamente com o aumento de glicerol sérico mostram um efeito positivo da administração da cafeína na mobilização de substratos energéticos, importantes para a atividade física de longa duração e moderada intensidade.
Os resultados mostrados pelo presente estudo são similares com trabalhos prévios, os quais mostram alterações no fornecimento de ácidos graxos após o consumo da cafeína durante o exercício predo-minantemente aeróbico, e consequente melhora no desempenho1 3 10. Entretanto, pouco tem se encontrado sobre a manutenção dos estoques hepáticos de glicogênio durante o exercício de endurance, como observado nos resultados do presente estudo.
Em relação aos valores de glicose sanguínea, a cafeína promoveu menor redução para os valores glicêmicos após o exercício quando comparado aos demais grupos (P<0.05). Uma maior mobilização de gorduras para o consumo muscular durante o exercício poderia es-tar promovendo economia no consumo de glicose e a manutenção dos níveis glicêmicos, o que parece ser essencial durante o esforço de longa duração, particularmente no que se refere à prevenção da fadiga central17 18.
A cafeína aumentou em 31% os níveis glicerol após o teste de es-forço comparado ao grupo salina exercitado (P<0.05). A concentração de glicerol sérico esta diretamente relacionado com a concentração de ácidos graxos no sangue, como observado por Bloomer et al17 que relataram uma relação entre a quantidade aumentada de glicerol sérico e o maior consumo de ácidos graxos no musculoesquelético. Estudos mostram que a cafeína exerce efeito na oxidação de gorduras devido ao aumento da liberação de catecolaminas, mecanismo envolvido pelo aumento de AMPc via enzima fosfodiseterase (PDE)18 19. As catecolami-nas estimulam os receptores adrenérgicos e consequente aumentam a lipólise no tecido adiposo20. A mobilização de ácidos graxos também pode ocorrer devido a cafeína antagonizar os receptores de adenosina A1 no tecido adiposo, ocorrendo estimulo do sistema nervoso sim-pático, aumentando as ações da adrenalina sobre os receptores beta adrenérgicos na célula adiposa21.
Os efeitos da cafeína sobre o metabolismo hepático ainda são des-conhecidos, entretanto, Pencek et al.22 avaliaram o efeito da infusão de cafeína (1.5 µmol/kg/min) em cães, a qual aumentou a captação de glicose no fígado em 100% comparado ao grupo controle, e observou--se ainda que a cafeína aumentou a recaptação de lactato pelo fígado quando comparado ao grupo controle. No presente estudo, a cafeína não só aumentou a disponibilidade de glicerol e manteve os níveis de glicose plasmática normais, como manteve os estoques de glicogênio hepático durante o exercício predominantemente aeróbico.
A cafeína não alterou significativamente a concentração de gli-cogênio muscular na dose de 6 mg/kg neste estudo, entretanto, Perderesen et al23 relataram aumento dos estoques musculares de glicogênio com a suplementação de cafeína (8 mg/kg) associada ao carboidrato, quando comparado ao grupo que recebeu carboi-drato isolado, em voluntários treinados. Yeo et al24 suplementaram ciclistas com 6 mg/kg cafeína associada com carboidrato, ocorrendo aumento da oxidação muscular de glicose durante 2h de exercício submáximo, quando comparado à suplementação com carboidrato isolado. Nossos resultados mostram que a cafeína auxiliou na mobi-lização de triglicerídeo, avaliado pela maior concentração sérica de glicerol, o que pode acarretar em economia no uso de glicogênio e glicose no músculo e fígado. Desta forma, a cafeína se torna uma estratégia interessante em exercícios predominantemente aeróbi-cos e de longevidade, aumentando os substratos relacionados à exigência do momento metabólico durante o exercício, podendo proporcionar melhora no desempenho, como já foi observado em outros estudos3 23.
Em relação aos níveis de lactato sanguíneo, a cafeína não pro-porcionou alterações significativas, de forma semelhante, Silveira et al25 investigaram dez ciclistas que receberam 5 mg/kg de cafeína, estes foram submetidos a uma sessão de exercício intermitente no cicloergômetro a uma intensidade de 30% acima do limiar anae-róbio, e não foram observadas alterações nas concentrações plas-máticas de lactato.
CONCLUSÃO
A suplementação aguda com cafeína antes do exercício acarre-tou em redução nos níveis glicêmicos e aumento na mobilização de lipídeos. Além disso, contrariamente à maioria dos estudos anteriores, o estudo evidenciou economia de glicogênio hepático. Em relação à dose utilizada, os achados do estudo corroboram as evidências de que a ingestão de 6mg/Kg de cafeína antes de exercícios aeróbios pode melhorar a eficiência metabólica durante o esforço, o que pode contribuir no desempenho físico.