INTRODUÇÃO
Diversos trabalhos demonstram a importância da análise cinemática para aprimorar a execução de movimentos, assim como avaliar padrões de mecanismos de lesão e até prevenir lesões em gestos esportivos1-3.
Diferenças no padrão de movimento entre os sexos são investigados pela incidência desproporcional de lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) e síndrome femoropatelar desenvolvidas em mulheres4. Estas diferenças podem ser justificadas por fatores anatômicos5, biomecânicos1,6, neuromusculares7,8 e hormonais9,10. Dentre os presentes fatores modificáveis como a biomecânica e o neuromuscular são importante pontos para desenvolvimento de programas de prevenção de lesões, que poderiam ser alterados com treinamentos adequados3.
O controle neuromuscular é importante para a execução dos movimentos durante o esporte, sua alteração ou diminuição pode resultar em movimentos desnecessários e excessivos das articulações dos membros inferiores levando em muitos casos á diversas lesões, como a ruptura do LCA11. Além disso, o treinamento neuromuscular possui como característica básica melhorar a informação de respostas motoras involuntárias, através dos estímulos aferentes e dos mecanismos centrais responsáveis pelo controle dinâmico12,13.
Durante aterrissagem unipodal, no âmbito da biomecânica, as mulheres apresentam maior adução e rotação medial do fêmur em relação à tíbia, as quais produzem maior amplitude de valgo quando comparado aos homens14, padrão que predispõe a lesões. Essa maior incidência pode estar associada ao fato das mulheres apresentarem menor ângulo de flexão do joelho15. Uma estratégia para promover condições ideais e prevenir possíveis lesões músculo esquelética no joelho é a distribuição regular da componente vertical de reação do solo, ou seja, controlar o deslocamento angular máximo das rotações do joelho durante flexão do joelho. Dessa forma a acomodação da articulação do joelho durante a aterrissagem não sofrerá alterações biomecânicas, e assim pode apresentar melhores condições para atenuar a força gerada nessa tarefa16.
Com isso, o objetivo do estudo foi analisar as alterações na cinemática de rotação do joelho, através doa ângulos de Euler e das velocidades angulares pelos quatérnions, na aterrissagem unipodal após um programa de treinamento neuromuscular, com a hipótese que o treino neuromuscular poderia alterar o padrão de movimento de rotação do joelho das mulheres através do aprendizado motor e consequente melhorar o desempenho na tarefa de aterrissagem unipodal.
MATERIAIS E MÉTODOS
Inicialmente foram recrutadas 35 voluntárias do sexo feminino, saudáveis entre 18 e 51 anos de idade, com dominância pedal direita. Como critério de exclusão as voluntárias não poderiam apresentar histórico de lesões musculoesqueléticas ou ter passado por processos cirúrgicos nos membros inferiores. Assim como não poderiam sofrer de dores articulares nos membros inferiores durante atividade diárias ou no momento das avaliações.
As participantes foram divididas em dois grupos: grupo treinamento neuromuscular (GTN) com 11 voluntárias e grupo controle (GC) com sete voluntárias (Figura 1).

Figura 1. Fluxograma das participantes do Grupo Controle e Treino Neuromuscular convidadas para participar do estudo.
No momento da inclusão na pesquisa todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto sob o protocolo (06204712.5.0000.5440).
Primeiramente as voluntárias preencheram um questionário para obter informações sobre estilo de vida como: atividades que praticam atualmente, históricos das atividades praticadas, além de dados antropométricos.
Após a aplicação do questionário foram colocados doze marcadores retro refletivos com dez milímetros de diâmetro fixados nas seguintes proeminências ósseas do quadril e membro inferior direito: primeira vértebra sacral, espinha ilíaca antero-superior direita e esquerda, trocânter maior do fêmur, epicôndilo lateral do fêmur, epicôndilo medial do fêmur, cabeça da fíbula, maléolo lateral, maléolo medial, tuberosidade do calcâneo, cabeça do quinto metatarso e cabeça do primeiro metatarso17.
Com os marcadores posicionados as voluntárias foram instruídas a realizarem cinco aterrissagens unipodais validas com o membro inferior direito. O posicionamento inicial foi em cima da plataforma de 40 centímetros de altura em posição corporal ortostática com os pés em paralelo, com mãos posicionadas sobre a crista ilíaca, e foram orientadas a realizar um passo para fora da plataforma, deslocando o corpo a frente, sem saltar ou pular, porém executar o movimento de aterrissarem final sob apoio unipodal.
As avaliações das aterrissagens unipodais foram realizadas antes e após o período de treinamento tanto no GTN quanto no GC.
A aquisição dos dados cinemáticos foi através do sistema OptiTrackTM, o qual era constituído de doze câmeras infravermelhas, sincronizadas a 250 Hz e conectadas a um computador para a aquisição dos dados cinemáticos em 3D.
O protocolo de treinamento neuromuscular (TN) foi constituído por exercícios de equilíbrio estático e dinâmico, pliométricos, de coordenação motora e agilidade18.
O GTN realizou em média seis semanas de treinamento, com frequência de três vezes por semana, com duração de 40 minutos cada sessão, totalizando de dez a dezoito sessões de treino. Na primeira semana de treinamento foram realizadas sessões com intuito de adaptação e aprendizagem da execução dos exercícios presentes no TN. Todos os exercícios foram cronometrados durante a execução com objetivo de quantificar o tempo gasto para executar cada exercício e foi utilizado a percepção subjetiva de esforço pela escala de Borg para obter dados do esforço realizado em cada exercício e assim garantir o nível de dificuldade durante as sessões de treinamento.
Análise de dados
As análises dos dados foram realizadas através do processamento de rotinas criadas no software MatLab(r) (Matchworks Inc.,Natick,MA,USA).
No sentido de padronizar o movimento de análise, o mesmo período de tempo foi considerado em todas as aterrissagens, sendo que o contato inicial (CI) do pé com o solo foi definido como o evento comum para todas as aterrissagens. A identificação do CI do pé foi realizada por meio da coordenada tridimensional que corresponde a um componente vertical do marcador fixado na cabeça do primeiro metatarso. Desta forma a desaceleração na componente vertical pode ser utilizada para detectar o instante de CI do pé com o solo. A partir desse ponto o intervalo de análise foi estipulado entre 300 ms antes e após o contato inicial.
Cálculo dos ângulos de Euler e dos quatérnions
Antes do cálculo dos ângulos de Euler as coordenadas espaciais de cada marcador foram filtrados por um filtro digital passa-baixa do Butterworth de quarta ordem com frequência de corte de oito hertz.
Para o cálculo dos ângulos de Euler e do quatérnion unitário que representou a rotação ocorrida na articulação do joelho foram construídos os sistemas de referência local da coxa e da perna. Os sistemas de referências locais foram definidos pelos versores i, j e k construídos através das coordenadas tridimensionais de cada marcador, para o sistema coxa foram utilizados os marcadores do trocânter maior do fêmur, epicôndilo lateral do fêmur, epicôndilo medial do fêmur, já o sistema perna foi definido com os marcadores da cabeça da fíbula, maléolo lateral, maléolo medial, a partir esses versores seguiram orientações definidas por Grood e Suntay19.
Uma vez definidos os sistemas de referências locais foram possíveis os cálculos para a obtenção dos ângulos de Euler a partir das matrizes de rotação que representam os movimentos rotacionais ocorridos na articulação do joelho20. Para isso foi utilizado a função do software Matlab dcm2angle.m com o parâmetro de entrada XYZ, para a sequência de rotação. Assim, o cálculo das rotações ocorridas foi padronizado de acordo com a rotação ocorrida do segmento distal (perna) em relação ao segmento proximal (coxa). O eixo X representa a flexão e extensão do joelho, o eixo Y a adução e abdução e o eixo Z as rotações interna e externa do joelho.
Para o cálculo da velocidade angular optou-se pelo formalismo matemático dos quatérnions, utilizando as mesmas matrizes de rotação utilizadas para o cálculo dos ângulos de Euler21.
Análise Estatística
Os ângulos de Euler e as velocidades angulares via quatérnions foram comparados nos momentos pré e pós por meio de teste t pareado, nas condições intragrupos (Pré-GTN x Pós-GTN e Pré-GC x Pós-GC). Para as comparações intergrupos utilizou teste t para amostras independentes (Pré-GTN x Pré-GC, Pós-GTN x Pós-GC). Em todas as situações foi adotado nível de significância 5% (p ≤ 0,05).
RESULTADOS
As características antropométricas nos momentos pré e pós estão apresentadas em valores de média e desvio padrão na Tabela 1.
Tabela 1. Dados antropométricos das participantes do estudo representados em média e desvio padrão.
Estatura (cm) | Massa (kg) | Idade (anos) | |
Pré-GTN | 162,6 ± 5,3 | 65,9 ± 6,3 | 27,1 ± 13,2 |
Pós-GTN | 162,5 ± 5,2 | 64,9 ± 5,2 | 27,1 ± 13,2 |
Pré-GC | 160,3 ± 4,8 | 61,2 ± 6,9 | 31,0 ± 12,1 |
Pós-GC | 160,3 ± 4,8 | 60,1 ± 5,8 | 31,0 ± 12,1 |
O teste t pareado não revelou diferenças significativas nas variáveis antropométricas para os dois momentos da avaliação do estudo.
Para todas as análises de rotação expressa pelos ângulos de Euler optou-se pelo tempo de 40 ms após o contato inicial, pois esse é o momento mais suscetível para lesão do joelho em tarefas de aterrissagem e troca de direção no sexo feminino22.
Nas comparações dos ângulos de flexão do joelho o teste t pareado não revelou diferença entre os momentos pré e pós no tempo de 40 ms após o CI para o GTN (p = 0,785). Contudo, foi verificada diferença entre o momento pré e pós para o GC (p = 0,019) (Figura 2).

Figura 2. Ângulo de flexão do joelho nos momentos pré e pós dos grupos controle e neuromuscular. (*) Diferença significativa entre os momentos pré e pós do grupo controle.
O teste t para amostras independentes para flexão do joelho no tempo de 40 ms, não revelou diferenças entre GTN e GC nos momentos pré (p = 0,399) e pós (p = 0,627).
O teste t pareado para abdução do joelho no tempo de 40 ms após CI, não revelou diferença entre o momento pré e pós para o GTN
(p = 0,960) e GC (p = 0,547) (Figura 3).
O teste t para amostras independentes para abdução do joelho no tempo de 40 ms, não revelou diferenças entre GTN e GC nos momentos pré (p = 0,967) e pós (p = 0,519).
O teste t pareado não revelou diferença para rotação interna do joelho no tempo de 40 ms após o CI entre os momentos pré e pós para o GTN (p = 0,446) e GC (p = 0,511) (Figura 4).

Figura 4. Ângulo de rotação interna do joelho nos momentos pré e pós dos grupos controle e neuromuscular.
O teste t para amostras independentes para rotação interna do joelho no tempo de 40 ms, não revelou diferenças entre GTN e GC nos momentos pré (p = 0,161) e pós (p = 0,090).
O teste t pareado para a velocidade máxima de rotação expressa
pelo quatérnions, comparando os momentos pré e pós, revelou diferença para GTN (p = 0,043), mas não revelou diferença para GC
(p = 0,282) (Figura 5).

Figura 5. Velocidade angular de rotação do joelho expresso pelo quatérnion unitário em graus por segundo. (*) Diferença significativa entre os momentos pré e pós para o grupo reino neuromuscular.
O teste t para amostras independentes não revelou diferenças na velocidade máxima de rotação expressa pelo quatérnions entre os GTN e GC nos momentos pré (p = 0,453) e pós (p = 0,293).
Contudo, o teste t para amostras independentes mostrou diferença para a velocidade máxima de rotação no delta de variação no momento pré para pós entre GTN e GC (p = 0,027). Nesse caso, verifica-se que GTN teve um aumento na velocidade de rotação enquanto o GC apresentou uma redução significativa nessa variável.
Não foi verificada diferença no teste t pareado para o tempo associado à máxima velocidade de rotação após o CI, tanto no momento pré e pós do GTN (p = 0,549) e GC (p = 0,446). Assim como, não foram verificadas diferenças no teste t para amostras independentes no momento pré entre GTN e GC (p = 0,943) e no momento pós entre GTN e GC (p = 0,231) (Figura 6).
DISCUSSÃO
Durante a tarefa de aterrissagem no tempo de 40 ms, o GTN não apresentou diferenças pré e pós-treinamento no ângulo de flexão de joelho, mas para o grupo controle o ângulo de flexão do joelho diminuiu de pré para pós no período de 14 semanas. O maior ângulo de flexão do joelho, quadril e tronco durante a aterrissagem estão associados à redução do risco de lesão do LCA23,24. Pesquisas que compararam grupos de participantes que apresentam padrões com menor flexão de joelhos com relação aos que possuem padrão com maior flexão de joelhos durante aterrissagem, concluíram que o grupo que exibia menor flexão de joelhos aumentou ângulo do valgo da articulação do joelho, aumentou momento abdutor da articulação do joelho, diminuiu a energia de absorção das articulações do joelho e quadril e aumentou estímulo eletromiográfico do vasto lateral em relação ao grupo com padrão de maior flexão de joelhos. Este padrão biomecânico exibido pelo grupo de menor flexão de joelhos com limitação de movimento no plano sagital pode levar a um maior risco de lesão de LCA25.
A velocidade angular do grupo neuromuscular apresentou diferença entre pré e pós intervenção, o que corrobora com resultados encontrados na literatura24,26-28. Os resultados do estudo Yeow et al.24 vão ao encontro dos resultados apresentados neste estudo, em que o grupo GTN aumentou velocidade angular do período pré para pós treinamento e o grupo controle apresentou diminuição o ângulo de flexão do joelho em relação ao mesmo período.
Na variável do ângulo de abdução do joelho não foi observado alterações pré e pós GTN semelhantes aos resultados encontrados na literatura29. Neste estudo foram a amostra foi composta por 30 atletas de basquete que realizaram treinamento neuromuscular por seis semanas e não apresentaram alteração na variável do momento de valgo dinâmico durante a tarefa do Drop jump, mas ocorreram alterações apenas na tarefa Stop jump.
Existem alguns indícios na literatura30 que o treino neuromuscular apresente alterações na cinemática de tarefas específicas, como é o caso do single leg drop-landing. Todavia, o presente estudo não apresentou alterações nos ângulos de abdução e rotação externa do joelho, que são os responsáveis pelo fenômeno valgo dinâmico.
Uma hipótese para a não alteração dessas variáveis pode estar no fato do treino neuromuscular aplicado neste estudo ter enfatizado agilidade através dos exercícios de saltos, e a ênfase na velocidade de execução através das avaliações que foram realizadas por tempo de execução. Estas variáveis podem ter influenciado em uma maior velocidade angular de rotação do joelho, verificado através do quatérnion unitário. Isso é de extrema relevância do ponto de vista da preservação das estruturas moles (músculos, tendões e ligamentos), pois é possível que as voluntárias que realizaram o treino neuromuscular tenham adquirido uma capacidade de produzir o movimento de rotação da articulação do joelho após o contato com maior velocidade, e assim, podem acomodar com maior eficiência as estruturas dos membros inferiores com intuito de reduzir as cargas impostas na articulação do joelho.
Na variável tempo pico da máxima velocidade de rotação após o CI também foi verificado que o GTN reduziu o tempo na comparação do momento pré e pós-treinamento e no delta variação demonstrou que comparado ao GC o GTN reduziu o tempo para atingir o pico de máxima velocidade de rotação do joelho, ao passo que o GC aumentou este tempo no momento pré e pós quatorzes semanas. O GTN aumentou a agilidade e melhorou tempo para reorganização das estruturas corporais com eficiência durante a tarefa de aterrissagem.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos no presente estudo pode-se concluir que o protocolo de treinamento neuromuscular idealizado resultou em uma maior velocidade de rotação no joelho nos 40 milissegundos que sucedem a aterrissagem unipodal. Considera-se que esse fator permite uma melhora na acomodação do joelho na aterrissagem unipodal, que confirma a eficácia do protocolo de treinamento neuromuscular como estratégia de prevenção de lesões no joelho.